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Luz, câmera, legislação! A delinquência juvenil retratada no filme "Pixote, a lei do mais fraco".

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Agenda 03/02/2017 às 10:47

A relação existente entre o Pixote da década de 80 e os "pixotes" de hoje e os principais aspectos da evolução legislativa que culminou com o ECA, numa interessante abordagem em que o Direito e o cinema andam lado a lado.

INTRODUÇÃO

A relação entre o Direito e a Arte se apresenta de inúmeras formas. Dentre as temáticas que se evidenciam na atualidade estão as que relacionam o Direito e o Cinema. Esta relação tem como objetivo precípuo não só discutir as representações do Direito em filmes, tais como os famosos filmes de tribunais, mas também as que promovem a exploração jurídica acerca das narrativas cinematográficas.

Atualmente esta ultima concepção é reconhecida com a denominação de Direito como Cinema, ou seja, a possibilidade de adotar uma representação cinematográfica na análise de fenômenos jurídicos.

Contudo, para que esta discussão se materialize, foi escolhido, dentro da filmografia brasileira, a obra de 1979, “Pixote, a lei do mais fraco”. Dirigido por Hector Babenco, este filme se tornou um marco na história fílmica do Brasil, com cenas chocantes e com a reprodução da realidade brasileira quanto à delinquência de crianças e adolescentes.

Desta maneira e através do amparo metodológico fundado de forma preponderante na técnica de revisão bibliográfica, mas também legislativa, além das pesquisas de natureza exploratória, objetiva-se relacionar as discussões que permeiam a legislação acerca da criança e do adolescente, traçando, através do filme Pixote a Lei do mais Fraco, um panorama histórico e social do Brasil, tanto da década de 1980 (período em que o filme foi produzido) quanto da atualidade, através dos dados de atos infracionais da Vara da Infância e da Juventude do Município de Castro Alves.

Com o intuito de responder o questionamento que motiva a presente narrativa, qual seja, a de como o filme se apresenta na atualidade - já que as situações que envolvem menores infratores, tanto na década de 80 como na atualidade, ainda se cruzam de maneira a possibilitar a discussão que se coaduna entre o Código de Menores e o ECA - é que o presente trabalho foi elaborado.

Nessa toada, a fim de corresponder ao propósito da pesquisa, o trabalho foi dividido de forma a atender seus objetivos que se refletem na ideia de apresentar o que se discute acerca da relação entre as produções fílmicas e as concepções jurídicas no Brasil, além de que período da história brasileira o filme objeto de análise foi produzido.

Em seguida, será apresentado o filme através da descrição das suas cenas e momentos que contribuem para ilustrar o propósito desta discussão, trazendo quais foram as influências que a referida produção fílmica ocasionou no Brasil e ainda quais os caminhos que foram percorridos pela legislação brasileira para a infância e a juventude tomando-se o Código de Menores de 1927, o Código Mello Mattos, o Código de Menores de 1979 e por fim o Estatuto da Criança e do Adolescente como parâmetros para a análise acerca da delinquência e marginalização juvenil no país.

E, em último, aludir-se-á os resquícios da concepção sobre o menor infrator no país, tomando-se como parâmetro os atos infracionais praticados nos últimos dez anos no Município de Castro Alves – Região do Recôncavo da Bahia, onde um personagem se destaca entre tantos outros. Um menino, que podemos identificar como um “Pixote castroalvense”, que fez despertar a ideia da concepção do presente trabalho.

Tem-se, com esta pesquisa, a importância social e jurídica de retomar as discussões sobre a legislação vigente, mas, principalmente, no que diz respeito às políticas de enfrentamento à marginalização e à delinquência de crianças e adolescentes, já que ainda se registram na atualidade inúmeros atos infracionais cometidos por menores, os quais, mesmo com o advento do ECA, e da sua concepção de perceber estes indivíduos como sujeitos de direito, efetivamente o que se encontra na sociedade não nos apresenta avanços na forma de conceber a readaptação à vida familiar e em relação a sociedade como um todo.


DIREITO E CINEMA

A compreensão sobre o Direito pode se refletir de maneira onipresente e não apenas como uma circunstância isolada. Esta afirmação de Carlos Santiago Nino em sua obra “Introdução à análise do Direito” demonstra que o direito, tal como o ar, está em todos os lugares (NINO, 2010).

A busca pelo isolamento conceitual na área jurídica não é o único meio que se dispõe para refletir sobre o Direito. O jurista Michel Villey ressalta que se pode delimitar o Direito em seu sentido estrito, apenas como ciência através da aplicabilidade das leis e sentenças, porém, se este não tem uma realidade positiva e ainda traçam um valor a ser buscado, tem-se nesta forma de ver o direito como de uma arte jurídica, na qual a sua extensão e método de investigação serão diferentes (VILLEY, 2009).

Dentre as diversas manifestações artísticas, o cinema, denominada sétima arte, criado pela burguesia do século XIX nos conduz a uma multiplicidade de significados (BERNADET, 2006). Morin (2002) nos diz que o cinema se constitui numa farta contribuição sobre a condição humana.

Nessa toada, as imagens cinematográficas,

veiculam e vinculam informações; informações assumem a forma de imagens; imagens veiculam e vinculam imagens, e toda essa superabundância visual redimensiona aquela percepção já potencializada, outrora, pela leitura do texto impresso (PIRES, 2008, p. 77)

Sendo assim, tendo como ponto de partida uma saturação do normativismo, ou pelo menos dos estudos científicos deles decorrentes, o que se procura nas narrativas cinematográficas são novas perspectivas para melhor entender a maneira como o Direito incide e impacta as relações humanas.

Diante disso, tem-se na associação entre o Direito e o Cinema uma tendência ainda em formação, que busca em expressões artísticas novas formas de interpretação e compreensão do Direito, dos quais também fazem parte o Direito e Arte e o Direito e a Literatura, esta já bastante desenvolvida no país por nomes como Lênio Streck, um dos maiores da doutrina jurídica brasileira. Orit Kamir (2001) destaca que a relação Direito e Cinema apresentam premissas, quais sejam:

(a) refletem e refratam os valores fundamentais, imagens, noções de identidade, modos de vida e crises de suas sociedades e culturas, e há uma correlação significante entre suas funções paralelas; (b) o Cinema exige e treina um julgamento comprometido por parte do espectador; (c) do Cinema pode ser extraída uma jurisprudência popular (KAMIR, (2005, p. 257)

Todavia, os estudos sobre essa relação temática ganhou força nos espaços acadêmicos dos Estados Unidos e na Europa, mais especificamente na Espanha, apenas nas ultimas décadas.

Neste contexto, Benjamín Rivaya (2006), autor espanhol que foi um dos primeiros a se debruçar acerca da relação entre o Direito e o Cinema, conclui que se pode falar em Direito no Cinema, que se ocuparia das formas de representação do Direito no Cinema e ainda Direito como Cinema, que procura pensar o próprio fenômeno jurídico por meio da representação cinematográfica (RIVAYA, 2006, pp. 17-18, e PÉREZ TRIVIÑO, 2008, p. 78).

Sobre o Direito no Cinema Gabriel Lacerda destaca que

a experiência de trabalhar com a razão e o intelecto, sobre um material produzido primordialmente para ser percebido com a emoção, ajuda a formar a consciência dessa dualidade e a informar escolhas ( LACERDA, 2007, p.15).

Portanto, promove a possibilidade de uma visão jurídica mais completa, já que proporciona um cruzamento de saberes, ou seja, a Arte e o Direito; o Cinema e o Direito como recurso a ser explorado transpondo os limites de uma determinada área do conhecimento.

Já quanto ao Direito como Cinema, Olivo e Martinez (2014) ressaltam que

a abordagem “Direito como Cinema” coloca em evidência similitudes entre dois universos que, embora distintos, são manifestações culturais que se inter-relacionam em um contexto histórico-social concreto, possuindo, nessa condição, implicações recíprocas (OLIVO E MARTINEZ, 2014, p. 161)

Dessa maneira, a relação Direito como cinema acaba por autorizar abordagens que podem se materializar em estudos através dos quais podem vir a discutir relações entre as figuras jurídicas e cinematográficas ou ainda estudos que possibilitem a exploração dramática e narrativa do Direito ou também sobre a influência do Direito na formação das representações do mundo jurídico (OLIVA E MARTINEZ, 2014).

Esta última forma de relacionar Direito e Cinema foi a escolhida para fundamentar a presente discussão, vez que esta temática tem demonstrado a sua importância, pois permite a análise da presença de argumentos jurídicos em filmes, tendo como consequência a perspectiva de que qualquer filme pode vir a ser visto pelas lentes do Direito, bastando apenas que dele seja extraído um conceito jurídico relevante, que se identifique com um ou mais ramos do Direito.


PIXOTE, A LEI DO MAIS FRACO.

O filme "Pixote, a lei do mais fraco" foi produzido e dirigido pelo cineasta Hector Babenco em 1979, é uma adaptação do romance Infância dos Mortos de José Louzeiro (PEREIRA JÚNIOR, 2009).

O enredo retrata um menino de cerca de dez anos cuja infância é abandonada à criminalidade juvenil, que logo após as primeiras exibições, em cerca de 40 (quarenta) cinemas no estado de São Paulo e 24 (vinte e quatro) no Rio de Janeiro, causou uma enorme repercussão não só no Brasil, mas também no exterior.

Luis Alberto Pereira Junior (2009) ressalta através das manchetes internacionais o sucesso obtido por Pixote, tais como “Críticos de Los Angeles dão prêmio a Pixote” (O Globo, 16/12/1981) ou ainda “Pixote dá mais um passo rumo ao Oscar” (Folha da Tarde, 09/01/1982).

As frases muito embora fossem elogiosas, traziam um aspecto contraditório, visto que o filme projetava imagens brutais da violência às crianças marginalizadas no país, causando nos espectadores não só compaixão, como também repúdio ao retratado. A repercussão acerca do filme deve-se ao uso do que se chama de estética neorrealista1, um estilo que se volta para a produção de filmes cuja abordagem traz a baila o cunho de denúncia social (PEREIRA JÚNIOR, 2009).

As primeiras cenas retratam o cotidiano dos reformatórios, quando mostram garotos dispostos ao chão, amontoados. O ambiente é utilizado no filme através de cenas de violência sexual, torturas, rebeliões e mortes, onde um menino de nome João Henrique, Pixote, é recolhido e levado para “averiguações” e posteriormente, junto a outros meninos, também recolhidos são encaminhados para a Fundação Estadual para o Bem Estar do Menor – FUNABEM2. Esta possuía autoridade sobre suas subdivisões estaduais – as Fundações Estaduais de Bem Estar do Menor (FEBEMs) (PEREIRA, 2012).

Desses meninos, se formaram dois grupos, o primeiro, dentro da instituição, do qual faziam parte Lilica, uma personagem homossexual, que vivia uma fase de transição entre a adolescência e a vida adulta, além de outros meninos Chico, Dito, Fumaça, Roberto e Pixote. O segundo grupo só vem a se formar mais tarde composto apenas por Lilica, Pixote, Chico e Dito, grupo que protagoniza o filme, o qual será apresentado mais adiante.

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Uma cena que o autor Pereira Junior (2009) destaca diz respeito à relação dos recém chegados ao reformatório com a sua referência familiar, quando um policial anuncia em voz alta os nomes dos garotos recolhidos ao reformatório, para a confirmação dos endereços e filiação dos mesmos.

Quando se dirige ao protagonista e diz: “João Henrique, 10 anos, Maria Ribeiro da Costa, pai desconhecido”, percebe-se de pronto, a partir da reação do menino quando diz de maneira desconcertada que seu pai havia morrido e ainda pela insistência do policial dizendo: “Pai desconhecido, confere!?” que a intenção do cineasta quando enquadra o rosto do menino para a câmera é de mostrar o inconformismo do menino e a inibição sofrida pelo mesmo diante desta confirmação (PEREIRA JÚNIOR, 2009).

Já na instituição, os meninos aproveitam uma rebelião ocasionada pela morte de um dos internos que antes de ser espancado até a morte, se revolta contra os funcionários da instituição que o acusam publicamente de ser o culpado pelo assassinato de Fumaça. Após essa rebelião, aproveitam uma oportunidade e acabam fugindo. Roberto fica pra traz, pois se acovarda diante da sua restrição física (não tinha uma das pernas) acreditando ser o instituto ainda o lugar mais seguro para a sua sobrevivência.

Conseguindo fugir, Lilica, Dito, Chico e Pixote (o segundo grupo) se unem nas ruas da Cidade de São Paulo, praticando furtos. Nesse interim encontram um traficante de drogas, já conhecido de Lilica, que oferece aos meninos uma possibilidade de atravessar drogas entre os estados de São Paulo e Rio de Janeiro.

Ao chegar ao Rio de Janeiro o grupo entra em contato com um traficante de nome Cristal, interpretado por Tony Tornado que os incentiva ao trafico de cocaína. Este traficante os apresenta a uma interessada na cocaína, de nome Débora e interpretada por Elke Maravilha, que os ludibria e acaba fugindo com a droga. O contato para a venda da droga é feito sempre por Dito, mais velho do grupo depois de Lilica. Esta, segundo a visão do grupo, pelo fato de ser homossexual, não imporia respeito nas negociações.

Sem dinheiro e com pouca droga para negociar, o grupo vai até uma boate tentar vender o que tinha sobrado. Lá encontram a personagem Débora, prostituta que trabalha na boate e que enganou o grupo de Pixote. Neste local, ocorre uma confusão generalizada da qual advém o primeiro homicídio cometido por Pixote. O menino, ao tentar defender Chico, esfaqueia Débora, que morre. Mas não é só a prostituta que é assassinada, Chico, amigo que Pixote tentou defender, também é assassinado neste momento.

Partindo para as ruas os meninos conhecem um cafetão que lhes oferece o direito de explorar uma prostituta. Essa personagem é interpretada pela atriz Marília Pêra, com o nome de Sueli. Esta prostituta se associa aos meninos e com eles passa a obter lucros com atividades criminosas, dentre elas a prática de suadouro. No Brasil, esta prática se tratava de uma emboscada armada por prostitutas com a intenção de furtar os clientes.

Concomitantemente aos crimes praticados por Sueli junto ao grupo, ela se envolve com Dito, gerando reações de ciúme em Lilica. No desenrolar desta relação, Lilica percebe que Dito resolve optar por sua relação com Sueli, deixando seu affaire desolado e fazendo com que esta deixe o grupo. A saída de Lilica do filme não fica evidente no final da trama, esta apenas desaparece. Esta “morte” de Lilica no filme nos demonstra um recado em torno da homossexualidade, aspecto ainda de discussão insipiente para a sociedade brasileira no período em que o filme foi lançado.

O filme apresenta cenas marcantes e que traduzem a intenção do diretor em demonstrar de maneira o mais impactante possível a realidade da marginalização de menores no país. Como exemplo, está a morte de Dito que após apontar uma arma para uma vítima do suadouro é surpreendido por este, e aos gritos, Sueli ordena que Pixote atire. No entanto, Pixote acaba atirando em Dito e depois na vítima do suadouro.

Restam do grupo inicial apenas Sueli e Pixote. Com o impacto destes assassinatos, Pixote aparece vomitando e em seguida sugando os seios de Sueli e esta o acalenta, dizendo: “Oh meu filho, mamãe está aqui com você”. Em seguida, se mostra transtornada ao perceber que Pixote buscava esta proteção materna, porém reage de maneira surpreendente afastando o menino dos seus braços e declarando não querer ser sua mãe e ainda que odiava a ideia de ter filhos. Da relação entre estes personagens, Pereira Júnior comenta que

socialmente Sueli é ao mesmo tempo mulher, possível mãe e prostituta; e Pixote, homem, menor e delinquente. Ambos são marginalizados e excluídos duplamente. Primeiramente por serem mulher e menor, porque naquela sociedade fortemente estruturada no sistema patriarcal, pertencer a estas categorias sociais significa submeter-se ao homem adulto e ser delinquente e prostituta é se enquadrar em categorias sociais, transgressoras de normas do chamado contrato social (PEREIRA JÚNIOR, 2009, p. 30).

A descrição do filme nos apresenta não só uma obra cinematográfica, mas, sobretudo uma denúncia e/ou um chamado à sociedade brasileira para as suas mazelas sociais.

O longa-metragem, em seus créditos finais nos traz o menino Pixote, que após ser expulso por Sueli de sua casa onde passaram momentos bons, mas também de conflitos, aparece andando sobre os trilhos de uma linha férrea. Esta cena nos sugere uma metáfora acerca do futuro que aquele garoto, já marginalizado, poderia ter diante do que a sociedade lhe oferecia.

Com o filme não foi diferente, já que, por muito tempo, foi fatiado pela censura com a omissão/vetos de cenas (em anexo). Segundo Foucault (1979), a Censura Federal tinha como objetivo construir um discurso de proteção à infância e a juventude e ainda sob a perspectiva de que ao interpor-se entre as obras e os espectadores conseguiriam o propósito de evitar e mitigar os efeitos considerados danosos. Por este motivo acabava por adotar, segundo o supracitado autor, uma visão obscurantista, que veio a julgar desde comportamentos sexuais “desviantes” que poderiam corromper a juventude até filmes com potencial de subversão política capazes de desestabilizar o regime, a exemplo de Pixote, a lei do mais fraco.

Em Pixote, a descrição dos vetos está presente num processo (em anexo) censório que durou mais de nove meses e que contém mais de cem folhas que atualmente encontra-se preservado no Arquivo Nacional em Brasília, composto particularmente de pareceres da Divisão de Censura de Diversões Públicas – DCCP e também do Conselho Superior de Censura - CSC 3 (REIS JÚNIOR, LAMAS, 2009).

Os vetos ocorreram em face do pedido do diretor para a exibição do filme na TV aberta. Nas imagens, Reis Júnior e Lamas (2009), destacam que os cortes foram muitos, tendo como exemplos a sequência de estupro de um dos meninos no início do filme; a sequencia em que, na casa de Cristal, Dito se masturba enquanto vê um filme pornô, e ainda outra sequência mostrando a imagem do feto abortado de Sueli.

Todos esses cortes evidenciam o posicionamento da Censura Federal no sentido de preservar o respeito à lei e à ordem e também à família, célula central da sociedade de representações contrárias aos modelos idealizados (GOMES, 2007).

Contudo, mesmo sob esse forte impacto da censura, “Pixote, a lei do mais fraco”, se tornou um marco na cinematografia brasileira, visto que desencadeou inúmeras discussões a respeito da marginalização das crianças e dos adolescentes até então denominados “menores” sob a legislação vigente.


PIXOTE: A INFÂNCIA MARGINALIZADA E O CÓDIGO DE MENORES.

“Pixote é um filme terrível.” Esta afirmação é parte de uma crítica cinematográfica publicada no Jornal do Brasil em 21 de outubro de 1980, cujo título trazia “A Abolição da Infância” (em anexo).

Nesta reportagem, o jornalista Ely Azeredo apresenta o filme de Hector Babenco como um genocídio espiritual, destacando ser ainda mais brutal do que as agressões físicas dos guardiões dos reformatórios e dos assassinatos cometidos pela polícia.

Essa descrição é um exemplo de como, a partir da exibição do filme, a marginalidade infantil tornou-se tema central na imprensa nacional. Porém, não foi só a imprensa que trouxe discussões sobre o filme, as fichas dos pareceres emitidos pelos censores reconheciam a importância de Pixote para a sociedade. Encontra-se no parecer 4212/804:

Acreditamos que a proposta da obra é alertar sobre o problema tão discutido e atualmente sem solução. É enfocado com seriedade, podendo dessa forma, ser liberado tão somente para o público adulto, levando-se em conta o tema e as cenas de sexo e violências constantes da película. Dessa forma, opinamos pela liberação aos maiores de 18 (dezoito) anos (PEREIRA JÚNIOR, 2009, p. 26)

Contudo, esse parecer não foi uma regra, já que a maioria deles não opinou pela liberação do filme para exibição em TV aberta em função do conteúdo das cenas, conforme já mencionado ao longo do texto.

As mazelas sociais apresentados no longa-metragem proporcionaram, além de reportagens e dos pareceres dos técnicos da censura, um importante veículo para o processo de construção das representações acerca da infância marginalizada no Brasil da década de 1980.

O debate e as discussões apresentadas através destes veículos acabaram por descortinar as práticas de violência e poder sobre as crianças marginalizadas fazendo desencadear não só revolta, curiosidade e perplexidade diante das cenas, mas principalmente de ressignificar o que se discutia sobre as condições e a história da infância marginal do Brasil (PEREIRA JÙNIOR, 2016).

Liana de Paula (2015) em seu texto “Da “questão do menor” à garantia de direitos: Discursos e práticas sobre o envolvimento de adolescentes com a criminalidade urbana” salienta que num contexto de rápidas transformações e do crescimento urbano, a presença de crianças e adolescentes nas ruas passou a chamar a atenção da imprensa.

As preocupações acerca da infância marginalizada estavam constantemente associadas à pobreza. Michel Misse (2011) ressalta que a associação entre a pobreza e a criminalidade surgiu como uma explicação hegemônica, que substituía a denominação lombrosiana5 de patologia médica pela patologia social.

Essa patologia social interligou a pobreza e a criminalidade e fez relacionar as ruas das cidades como um espaço de perigo moral, onde, a convivência de crianças e adolescentes pobres com bêbados, vagabundos, prostitutas, gatunos e libertinos e ainda pela ausência de figuras que pudessem trazer-lhes referências de moralidade eram as condições que os conduziriam do abandono moral à criminalidade (Alvin e Valladares, 1988; Gregori, 2000).

Babenco, ao apresentar o filme, descreveu que no Brasil de 1979 existiam aproximadamente três milhões de crianças que não tinham casa, nem lar, nem origem familiar definida. Essa menção se segue com a descrição de que esses meninos, em sua maioria esmagadora pobres, eram aliciados a cometer delitos, principalmente pela ideia que se tinha de que não havia, pela norma legal vigente possibilidade de que esses menores fossem condenados por algum crime, apenas segregados em instituições, das quais sairiam em poucos meses.

Mário Altenfelder (1980), estudioso sobre o tema, entende que a marginalização do adolescente infrator associada à condição pessoal, familiar, cultural e econômica no qual está inserido e complementa que estes aspectos fomentam a desintegração individual do menor.

Dentre esses, um exemplo da ausência de referências morais se traduz em uma das cenas de Pixote, quando o diretor, ao abordar a temática da filiação paternal, mencionada no tópico anterior, traz à baila um sentimento comum aos delinquentes infantis, o de abandono social.

Outros exemplos aparecem no longa metragem. São eles: quando a mãe de Dito, num dia de visita, tenta ver o filho que resiste ao encontro, xingando a genitora, e correndo de um dos funcionários do reformatório. Só depois de muito esforço e de muitos machucados é que Dito fica frente a sua mãe. Porém não esboça nenhuma reação de prazer com o reencontro; nesta mesma cena de visita aparece um senhor, avô de Pixote que dialoga com o menino, que insistentemente pede para procurar pela mãe. O avô responde incisivo: “Se você encontrar ela antes de mim, você me avisa primeiro”.

Pereira Júnior (2009) destaca que se a criança não tem um pai ou ainda não pertence a uma família de razoável poder aquisitivo, corre o risco de ser enquadrada e classificada como marginal social e esta marginalização, sem dúvida, crescia nos momentos de crise econômica e política. A saída para essa marginalização infantil era a sua exclusão social, já que considerados como um empecilho à ordem social e ainda porque sustenta-los materialmente seria oneroso ao Estado. Portanto, despejá-los em reformatórios ou até exterminá-los da sociedade torna-se uma necessidade.

Desta maneira, para as autoridades a solução só viria através da criação de uma instituição, fruto de uma política pública de recolhimento de crianças e adolescentes que se encontrados nas ruas, fossem consideradas abandonadas ou ainda que tivessem cometido algum ato ilícito (PENTEADO, 2003).

Em São Paulo, a campanha para esta instituição acabou por resultar na fundação do Instituto Disciplinar e na Colônia de São Paulo. A composição desta instituição tinha como base um projeto moderno na correção de condutas desviantes, prevendo a utilização de técnicas modernas de ginástica, educação e instrução militar, todas estas se aproximavam das técnicas disciplinares analisadas por Michel Foucault (1999), quando tratou da ordem social burguesa na Europa.

Segundo Albuquerque (1978), com o Código de Menores de 1927, o processo de institucionalização e suas determinações específicas acabou por elaborar conceitos que fomentam e eram os considerados como apropriados para a análise institucional. Dentre estes conceitos estão o de modelo institucional, a definição da clientela, o objeto institucional e o seu âmbito.

O modelo institucional, no caso do Brasil, tem legitimidade atribuída ao Estado, sendo este, o mandatário das instituições que tem nos menores a sua clientela de atuação. O filme Pixote nos apresenta o modelo institucional de Internato, também conhecidas como Reformatórios ou casas de retenção.

Quanto à definição da clientela institucional, esta é ocupada pelos que são institucionalizados, ou seja, os menores. Para Mello Mattos qualquer indivíduo que ainda não tenha atingido a maioridade é um alvo em potencial da clientela institucional. Estes são claramente retratados na película, já que assistindo ao filme temos a evidente diferenciação de crianças bem pequenas e de adolescentes, todos num mesmo espaço institucional.

No que se refere ao objeto institucional, podemos identificá-lo como o aspecto do qual a clientela carece. Albuquerque explica (1978) que, o objeto institucional não é um objeto material, mas sim imaterial e impalpável. Desta forma temos a proteção da vida, da saúde e da moralidade dos menores os objetos institucionais previstos pelo Código de Menores de 1927.

Contudo, as cenas que o filme retrata refletem de tal maneira a realidade que ocorria na época que não se percebe, em nenhum momento, o cuidado com a vida, nem tampouco com a saúde ou moralidade dos menores, tendo em vista os vários exemplos já retratados até o presente momento do texto.

Já o âmbito institucional, está relacionado ao conjunto de relações sociais sobre as quais recaem as ações institucionais de maneira a sustentar o objeto institucional. Quanto a este aspecto, o filme nos traz um chamamento às situações das quais os menores internados vivenciavam para que de certa maneira viesse a trazer para a sociedade recursos que possibilitassem acerca desta temática, uma tentativa de contribuir de fato ao âmbito institucional.

Em consequência a estas discussões acerca da constituição de instituições para os menores, é preciso destacar que São Paulo foi a capital que recebeu o primeiro Instituto e seus primeiros experimentos, onde se buscava, com a internação, a conversão dos indivíduos com potencial indesejável para conviver em sociedade para serem utilizados em força de trabalho (PENTEADO, 2003).

Ao contrário do proposto pelo projeto destas instituições, Jacob Penteado (2003) ressalta que registros das atividades desenvolvidas, apontam que as técnicas previstas não foram consolidadas. Além disso, o autor também enfatiza que havia relatos de castigos físicos aplicados aos internados pelos funcionários responsáveis em vigiá-los, embora vedados pelo regulamento.

O filme, objeto do presente estudo, apresenta diversas cenas que retratam os maus tratos pelos quais os menores eram submetidos. Em uma destas cenas os menores são colocados nus em uma solitária, onde ficam por inúmeros dias. Quando são retirados, um deles está tão fraco que precisa ser carregado por um funcionário.

Já no Rio de Janeiro, então capital do país, os debates de autoridades públicas em torno das questões da infância e da adolescência levou a promulgação, do primeiro Código de Menores (Decreto n° 17.947/27 – A). Este código foi redigido pelo juiz Cândido de Mello Mattos6 e publicado no ano de 1927.

Como objetivo, o então código vislumbrava prevenir uma futura criminalidade, com a conversão das crianças e adolescentes pobres e não trabalhadores em objeto de tutela do Estado, tendo com a internação em instituições e a sua recuperação, um meio para assegurar a sua inserção na vida social e o fim das condutas juvenis indesejáveis com a prevenção da criminalidade adulta (ALVAREZ, 1989).

No entanto, o que se via nas instituições não traduzia essa prevenção, pois em uma das cenas cortadas do filme (através da Censura), os meninos ensaiam um possível assalto a banco dentro do reformatório. Uma cena que sugere um treinamento desses meninos para atuar em roubos, assim que saíssem da instituição, o que nos leva em sentido contrario ao que o modelo institucional previa.

Contudo, a criação do Código de Menores foi influenciada pela necessidade de proteção da criança brasileira através de uma legislação apropriada e de estabelecimentos especiais. Formou-se também uma justiça específicamente para menores através do estabelecimento de objetivos e procedimentos que visava toda a sociedade, porém tendo como base a infância.

Assim, mais do que medidas que enquadrassem moralmente as crianças e os adolescentes na sociedade, o Código de Menores de 1927, também denominado Código Mello Mattos e orientado pelo direito da infância sob a Doutrina da Situação Irregular, ou seja, uma situação de abandono material e/ou moral (FROTA, 2005).

A doutrina da Situação Irregular7 trouxe ao Código de Menores categorias bastante facundas da imagem do menor: os “expostos” (se menores de 7 anos), “abandonados” (se menores de 18 anos), “vadios” (os atuais meninos de rua) (FROTA, 2005). Essa visão que o código possuía para os menores veio a consagrar as propostas do Estado que poderia vir a desenvolver a formação de adultos aptos para o trabalho:

A infância (e a adolescência) torna-se, então, lugar de intervenção do Estado Moderno para a construção deste projeto de sociedade. É o lugar onde se assegura a viabilidade do projeto de sociedade através de políticas propedêuticas: as práticas compulsórias de educação, as práticas sociais de segregação por idade, as práticas sócio-culturais de intervenção dos especialistas que atuam no controle dos desvios relativos ao curso estipulado do desenvolvimento (CASTRO, 1998, p. 42).

No entanto, não foi só a criação do Código de Menores que vislumbrava atingir os objetivos até então mencionados. Em 1941 foi criado o Serviço de Assistência ao Menor, que posteriormente, já em 1964, em meio a Ditadura Militar, foi substituído pela Política Nacional de Bem-Estar do Menor - PNBEM, o qual possuía como seu organismo gestor e de representatividade nacional, a Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor – FUNABEM.

A PNBEM tinha como foco o abandono, entendido como a causa do envolvimento de crianças e adolescentes com a criminalidade urbana. A importância dada a situação do abandono tinha imediata relação com a teoria da marginalização social. Esta passou a fazer parte dos discursos de autoridades e especialistas sobre a infância e a adolescência pobres.

Já a FUNABEM, segundo Passetti (1999), tinha como função primordial voltar-se a políticas de prevenção que fossem capazes de evitar que o “menor” viesse a incorrer em alguma situação que poderia levar à marginalização, já que esta representava um fator de risco para a ordem e para a paz social.

Era através da FUNABEM, que o infrator teria acesso a um modelo educativo não repressivo, por meio do que se denominou como tratamento “biopsicossocial”, ou seja, uma forma de reverter a “cultura da violência” que permeava os subúrbios que contribuíam para acabar com a marginalidade e proporcionar a formação de jovens que estariam preparados para a vida em sociedade.

No filme são apenas duas as cenas que trazem o aspecto educativo e de tratamento psicológico, ambos com Pixote. Na primeira ele aprende a escrever uma frase: “A terra é redonda como uma laranja”. Para escrever apenas esta frase o menino demonstra uma extrema dificuldade e resistência, mas após a insistência da professora resolve tentar. Já na cena em que é atendido pela psicóloga, no momento em que a mesma o interroga, tentando conhecer os anseios do menino, é interrompido por Sapatos, funcionário mais temido da instituição, para que retome as atividades que haviam sido determinadas para ele. No entanto, o menino tenta dizer que não havia ainda conversado com a médica sobre ele, mas acaba sendo em vão.

Contudo, é preciso salientar que, para a situação da época, este código procurou, por mais de dez anos, atender a condição dos menores da maneira mais condizente possível. Porém, tal como descreve Maria Frota que neste Código não há uma distinção entre crianças e adolescentes, tendo agrupado, todos sob a categoria de menor.

Todavia, esta clientela também aparecia de forma mais específica, tal como disposto no art. 2º para os menores de dois anos ou ainda os que se encontravam expostos, como dispunha os artigos 14 e 15 do Código de 1927 ou abandonados, como previsto no art. 26. da referida legislação.

Além destes foram também contemplados no Código de Menores, outras figuras do abandono, tais como os “vadios”, “mendigos” e “libertinos”, apresentados nos artigos 28, 29 e 30 do Código.

Contudo, segundo o discurso engendrado para o fomento do código em análise, a mendicidade, a vadiagem e a libertinagem, não eram consideradas contravenções, mas um resultado do abandono estatal e da família dos menores. Estas seriam as fontes da delinquência juvenil. Sobre este último, temos no referido código o art. 68, o qual dispunha que:

Art.68. O menor de 14 anos, indigitado autor ou cúmplice de fato qualificado crime ou contravenção, não será submetido a processo penal de espécie alguma; a autoridade competente tomará somente as informações precisas, registrando-as, sobre o facto punível e seus agentes, o estado físico, mental e moral do menor, e a situação social, moral e econômica dos pais ou tutor ou pessoa em cuja a guarda viva.

Em consequência, tínhamos, com base nesse artigo, o aspecto de que não se poderia considerar nem crime, nem contravenção as infrações cometidas pelo menor de 14 anos. O legislador, apenas salienta a necessidade de serem analisados os seus aspectos físicos, morais, econômicas e patológicas, que teriam influenciado o menor à prática dos atos ilícitos, sejam estes crimes ou contravenções. Beatriz Sofia Mineiro (1929) salientou que essas medidas visavam o estudo e o combate aos aspectos que eram considerados como os principais fatores da criminalidade infantil. Era desta maneira, portanto que se prestava a associação entre o abandono e a delinquência.

O filme apresenta estes personagens, entre os vadios dentre os quais estavam todos os que compunham o grupo de Pixote, visto que, desde o inicio, no momento em que são levados a delegacia, percebemos que estes meninos possuíam diversas faixas etárias e que foram apreendidos por estarem nas ruas, ou praticando pequenos atos infracionais ou mendigando ou até como Lilica e outros travestidos apreendidos, considerados como libertinos. Além destes, o filme também nos apresenta no momento em que os menores fogem da instituição, passam a viver nas ruas praticando assaltos, dormindo embaixo de viadutos, tomando banho em chafarizes, retornando a se enquadrarem nos perfis encontrados no Código.

Diante destes aspectos têm-se também os dados apresentados pela FUNABEM os quais davam conta de que a cada dois brasileiros com idade inferior a dezenove anos, ao menos um encontrava-se em situação de carência. A repercussão desses dados fez surgir novas discussões em busca de outra estratégia de assistência a população infanto-juvenil (PINHEIRO, 2001).

Sendo assim, entre as décadas de 1960 e 70, foram discutidos e elaborados diversos projetos para a alteração do Código de Menores, sendo polarizados dois posicionamentos quanto à Declaração Universal dos Direitos da Criança – aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 1959. O primeiro posicionamento era favorável à inserção dos dez princípios da supracitada Declaração na legislação brasileira e o segundo veementemente contrário a esta inclusão.

Desta maneira, e após longo período de discussões, o Código de Menores foi alterado pela Lei no. 6.697. e aprovado em 10 de outubro de 1979, representando uma posição que contrariava a inserção dos princípios advindos da Declaração dos Direitos da Criança. Esta alteração não modificou a concepção básica do Código Mello Mattos, ou seja, a de que esta lei seria um instrumento de controle social da infância e da adolescência com base na Doutrina da Situação irregular, a qual abrangia as situações ameaçadoras da ordem e da paz social.

Da leitura dos artigos. 1º e 2º do Código de Menores de 1979, depreende-se os aspectos que evidenciam a situação irregular dos menores de 18 anos, destacando que estes à época estariam em privados em condições essenciais de à sua subsistência, saúde e instrução, obrigatória, além de maus tratos ou castigos moderados ou ainda em perigo moral, desvio de conduta e autor de infração penal.

Portanto, não são percebidos nestes dois artigos modificações à concepção referente às situações irregulares. Porém, no que tange à possibilidade de prisão cautelar para menores, o Código Mello Mattos já admitia em seu artigo 71, o qual foi mantido pela novel legislação de 1979 em seu artigo 41, o qual dispunha que:

Art. 41. O menor com desvio de conduta ou autor de infração penal poderá ser internado em estabelecimento adequado, até que a autoridade judiciária, em despacho fundamentado, determine o desligamento, podendo, conforme a natureza do caso, requisitar parecer técnico do serviço competente e ouvir o Ministério Público.

Sendo assim, mesmo não submetidos ao mesmo tratamento penal comum aos que cometiam delitos, os menores de idade tinham na internação obrigatória uma maneira mais contundente de prevenção de novos atos infracionais e que para Azevedo (2011), esse modelo de intervenção obrigatória tinha a intenção de ser profissionalizante e de disciplina militar, mas posteriormente iria se revelar de pouca afetividade para prevenir novas infrações.

Contudo, o mesmo veio, de fato, a falir. Porém, não era este o retrato das instituições do país. O filme de Babenco, em momento algum apresenta cenas das quais poderíamos perceber que a internação poderia trazer algum tipo de profissionalização aos menores, a não ser que estivesse negativamente relacionada ao mundo do crime.

Dentre as cenas que sofreram cortes aparecem alguns dos funcionários da instituição de menores rodeados por um grande grupo de meninos que são veementemente repreendidos por não conseguirem cumprir os crimes para os quais foram selecionados. Esta cena sofreu corte, pois segundo os censores colocariam os agentes do Estado em situação embaraçosa e ainda que pudesse fazer com que a população desacreditasse no papel do Estado nas instituições (REIS JÚNIOR, LAMAS, 2009)

No entanto, já em meados da década de 1980, as normas internacionais passaram a ter uma ampla influência nas discussões acerca da infância e da juventude. Um exemplo desta é a edição, em 1985 das Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração da Justiça da Infância e da Juventude, também chamadas de Regras de Beijing-Pequim. Estas regras são antes de qualquer coisa procedimentos estabelecidos de forma a exigir cuidados quanto à arbitrariedade na aplicação de medidas aos jovens infratores.

Diante dos desgastes das práticas direcionadas aos menores e aliada à articulação de movimentos sociais que se reorganizaram em torno da redemocratização e da garantia de direitos para as a crianças e adolescentes, atrelados também às influências internacionais, fez surgir no país discussões sobre políticas públicas voltadas para a infância e a adolescência.

Sobre a autora
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARVALHO, Fernanda Rodrigues Brito. Luz, câmera, legislação! A delinquência juvenil retratada no filme "Pixote, a lei do mais fraco".: Os reflexos da infância marginalizada no município de Castro Alves (BA). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 4965, 3 fev. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/55502. Acesso em: 23 dez. 2024.

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