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A disfunção estrutural do Estado contemporâneo

Agenda 01/04/2017 às 16:31

A desestruturação Estatal está ligada ao comprometimento do poder do Estado por meio de sua ligação intrínseca com os movimentos econômicos.

Em seu discurso no Congresso de Direito Econômico, Fábio Konder Comparato, advogado, escritor e jurista brasileiro, formado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, versa, em homenagem ao Professor Doutor Antônio José Avelãs Nunes, a respeito da disfunção estrutural do Estado Contemporâneo.

Ele inicia sua mensagem explanando acerca da definição do Estado pela estrutura interna de seus órgãos e a determinação das finalidades ou funções a serem exercidas.

Mais adiante é feita uma comparação tomando como referência o estado greco-romano, no qual ele oferece enfoque para a estrutura de segurança interna fundada na preservação dos costumes ancestrais e tradições religiosas. Segundo ele, o apego à herança sagrada recebida dos avoengos era o que constituía, para os homens daquele tempo, o verdadeiro estado de liberdade. Assim, o inimigo externo representava uma ameaça não apenas militar, mas também cultural.

Após o desaparecimento do império romano, iniciou-se um momento de vida política sem concentração do poder em uma só pessoa, o que originou o estado moderno na baixa idade média. Ou seja, prevaleceram novamente as funções de segurança interna e proteção das populações locais, desta vez contra o poder arbitrário dos barões e bispos. Entretanto, o Estado a ser reconstruído já não tinha como reproduzir as estruturas políticas do mundo greco-romano. Era preciso encontrar novos modelos e construir outras instituições.

Assim, a disseminação da Reforma Protestante representou o maior desafio à consolidação das novas monarquias europeias. A característica marcante desse estado de guerra civil é que às autoridades políticas não bastava assegurar o respeito à ordem material para legitimar o seu poder. O importante era que cada cidadão passasse a obedecer com confiança às ordens daquele governante investido no poder da soberania.

A partir disso, duas respostas foram formuladas.

Tomas Hobbes defendeu a separação, contra a velha tradição greco-latina, a esfera da vida política da esfera da vida privada. Desse modo, argumentou que o cuidado em proteger o interesse privado promove o interesse público, e não o contrário. Portanto, “tudo que diz respeito à vida política deve ser abandonado pelos súditos nas mãos dos soberanos (...), pois liberdade de um súdito existe somente naquelas matérias, cujas ações ficam predeterminadas pelo soberano: tal como a liberdade de comprar e vender, e todos os outros contratos de uns com os outros; de escolher a sua moradia, seu próprio regime alimentar (...)”.

A segunda resposta formulada ao problema da decomposição das monarquias europeias foi dada por John Locke, que, em pensamento oposto ao de Hobbes, acreditava que a insegurança generalizada não deriva da fraqueza, mas do abuso do poder político.

Para Locke, todos os homens são pela própria natureza, “livres, iguais e independentes” e ninguém pode ser obrigado a sair dessa condição e submeter-se ao poder político sem o seu consentimento. Dessa forma, a suposição ética de formação de uma sociedade política consiste em que os indivíduos, ao se tornarem cidadãos, não percam seus direitos conaturais (a vida, as liberdades e as suas posses). Assim, foi lançada a primeira ideia moderna de direitos humanos.

O modo mais eficaz de limitar o poder estatal consiste em dividi-lo. A máxima tradicional defende a divisão dos poderes para melhor dominá-los. Locke, no entanto, inverte os termos: Diz que é preciso dividir o poder para melhor controlá-lo. Assim, segundo Comparato, Locke é o verdadeiro criador do sistema de separação de poderes nos tempos modernos, e não Montesquieu.

Dessa forma, o objetivo principal de Locke foi conquistado: assegurar aos indivíduos uma esfera de liberdade, inviolável pelo poder público.

No entanto, fica evidente duas graves limitações nesse novo modelo de Estado: A submissão do Estado às exigências particulares da sociedade civil, e de outro lado ocorria a paralisia da máquina estatal pelo excesso de freios e contrapesos. Em resumo: no lugar do abuso de poder, disseminava-se a exclusão do exercício do poder público.

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No século XVIII, paralelo à cristalização das ideias disseminadas por John Locke, ocorre uma das maiores revoluções históricas de todos os tempos: a Revolução Industrial. Nesse contexto, com o advento da globalização, e a partir do limiar da hegemonia do capitalismo financeiro, o Estado liberal clássico sofre um travamento interno por efeito de uma neutralização recíproca de poderes.

Desse defeito o sistema capitalista se livrou ao transformar o poder Executivo no verdadeiro centro do poder do Estado, abandonando os demais poderes à condição de dependentes.

Na lógica de Locke, se a razão primordial da sociedade é dada através de seus direitos naturais, e estes só podem ser garantidos pela lei, então o órgão supremo na sociedade política é, claramente, o legislativo. Mas este, no pensamento do economista britânico John Atkinson Hobson, há de ser sempre subordinado ao povo. O que significa dizer, segundo a análise de Locke, que o povo detém “um poder supremo para demitir ou alterar o Legislativo, quando lhe parecer que ele age contra a função fiducitária (trust) que lhe foi atribuída”.

O grande erro político foi a ausência de um órgão encarregado de realizar as funções de previsão, prevenção e planejamento. Tudo acabou sob responsabilidade do Executivo, que se mostrou incapaz de realizar minimamente tais encargos.

Segundo Fábio Konder Comparato, o capitalismo financeiro é avesso a toda programação a longo prazo e ao natural amadurecimento do capital investido. Seu ideal é a liquidez imediata e a mais rápida circulação do capital de giro.

A soberania popular tem sido apenas ornamental. A população brasileira jamais exerceu, nem mesmo simbolicamente, o principal objetivo da soberania, que é a aprovação da Constituição e de suas mudanças.

Desse modo, faz-se necessário com maior urgência iniciar uma reestruturação dos Estados nacionais, e elaborar um projeto seguro de construção de um Estado mundial. Para o autor, é preciso instituir um órgão autônomo de planejamento, não apenas na esfera federal, mas também no âmbito regional e nas chamadas regiões metropolitanas. A esse órgão caberia a criação dos planos de desenvolvimento, dos programas setoriais e dos orçamentos plurianuais correspondentes, cujas condutas deveriam ser antecedentemente aprovadas pela população em plebiscito, antes da decisão final do órgão responsável.


CONCLUSÃO

De maneira geral, para Fábio Comparato, a desestruturação Estatal está ligada ao comprometimento do poder do Estado através de sua ligação intrínseca com os movimentos econômicos. Assim, dentro de um panorama de imediatismo, o capitalismo financeiro se encontra ligado à liquidez imediata e à rápida circulação do capital de giro, o que acaba se refletindo no Estado. Com isso, o autor realiza uma análise temporal em diversos momentos históricos para ilustrar, de maneira mais incisiva, que a grande disfunção estrutural do estado encontra-se na sua ligação com os movimentos econômicos. 


BIBLIOGRAFIA

BONAVIDES, Paulo. O Estado Social e a crise do Presidencialismo no Brasil. Genius, julho/agosto, 2016, p. 18-20.

COMPARATO, Fábio Konder. A Disfunção Estrutural do Estado Contemporâneo. 2008. Disponível em: <http://www.escoladegoverno.org.br/artigos/112-disfuncao-estrutural-estado-contemporaneo>.

Sobre a autora
Dayany Correia

Estudante de Direito pela Universidade Federal da Paraíba

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CORREIA, Dayany. A disfunção estrutural do Estado contemporâneo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5022, 1 abr. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/55705. Acesso em: 22 dez. 2024.

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