Em seu discurso no Congresso de Direito Econômico, Fábio Konder Comparato, advogado, escritor e jurista brasileiro, formado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, versa, em homenagem ao Professor Doutor Antônio José Avelãs Nunes, a respeito da disfunção estrutural do Estado Contemporâneo.
Ele inicia sua mensagem explanando acerca da definição do Estado pela estrutura interna de seus órgãos e a determinação das finalidades ou funções a serem exercidas.
Mais adiante é feita uma comparação tomando como referência o estado greco-romano, no qual ele oferece enfoque para a estrutura de segurança interna fundada na preservação dos costumes ancestrais e tradições religiosas. Segundo ele, o apego à herança sagrada recebida dos avoengos era o que constituía, para os homens daquele tempo, o verdadeiro estado de liberdade. Assim, o inimigo externo representava uma ameaça não apenas militar, mas também cultural.
Após o desaparecimento do império romano, iniciou-se um momento de vida política sem concentração do poder em uma só pessoa, o que originou o estado moderno na baixa idade média. Ou seja, prevaleceram novamente as funções de segurança interna e proteção das populações locais, desta vez contra o poder arbitrário dos barões e bispos. Entretanto, o Estado a ser reconstruído já não tinha como reproduzir as estruturas políticas do mundo greco-romano. Era preciso encontrar novos modelos e construir outras instituições.
Assim, a disseminação da Reforma Protestante representou o maior desafio à consolidação das novas monarquias europeias. A característica marcante desse estado de guerra civil é que às autoridades políticas não bastava assegurar o respeito à ordem material para legitimar o seu poder. O importante era que cada cidadão passasse a obedecer com confiança às ordens daquele governante investido no poder da soberania.
A partir disso, duas respostas foram formuladas.
Tomas Hobbes defendeu a separação, contra a velha tradição greco-latina, a esfera da vida política da esfera da vida privada. Desse modo, argumentou que o cuidado em proteger o interesse privado promove o interesse público, e não o contrário. Portanto, “tudo que diz respeito à vida política deve ser abandonado pelos súditos nas mãos dos soberanos (...), pois liberdade de um súdito existe somente naquelas matérias, cujas ações ficam predeterminadas pelo soberano: tal como a liberdade de comprar e vender, e todos os outros contratos de uns com os outros; de escolher a sua moradia, seu próprio regime alimentar (...)”.
A segunda resposta formulada ao problema da decomposição das monarquias europeias foi dada por John Locke, que, em pensamento oposto ao de Hobbes, acreditava que a insegurança generalizada não deriva da fraqueza, mas do abuso do poder político.
Para Locke, todos os homens são pela própria natureza, “livres, iguais e independentes” e ninguém pode ser obrigado a sair dessa condição e submeter-se ao poder político sem o seu consentimento. Dessa forma, a suposição ética de formação de uma sociedade política consiste em que os indivíduos, ao se tornarem cidadãos, não percam seus direitos conaturais (a vida, as liberdades e as suas posses). Assim, foi lançada a primeira ideia moderna de direitos humanos.
O modo mais eficaz de limitar o poder estatal consiste em dividi-lo. A máxima tradicional defende a divisão dos poderes para melhor dominá-los. Locke, no entanto, inverte os termos: Diz que é preciso dividir o poder para melhor controlá-lo. Assim, segundo Comparato, Locke é o verdadeiro criador do sistema de separação de poderes nos tempos modernos, e não Montesquieu.
Dessa forma, o objetivo principal de Locke foi conquistado: assegurar aos indivíduos uma esfera de liberdade, inviolável pelo poder público.
No entanto, fica evidente duas graves limitações nesse novo modelo de Estado: A submissão do Estado às exigências particulares da sociedade civil, e de outro lado ocorria a paralisia da máquina estatal pelo excesso de freios e contrapesos. Em resumo: no lugar do abuso de poder, disseminava-se a exclusão do exercício do poder público.
No século XVIII, paralelo à cristalização das ideias disseminadas por John Locke, ocorre uma das maiores revoluções históricas de todos os tempos: a Revolução Industrial. Nesse contexto, com o advento da globalização, e a partir do limiar da hegemonia do capitalismo financeiro, o Estado liberal clássico sofre um travamento interno por efeito de uma neutralização recíproca de poderes.
Desse defeito o sistema capitalista se livrou ao transformar o poder Executivo no verdadeiro centro do poder do Estado, abandonando os demais poderes à condição de dependentes.
Na lógica de Locke, se a razão primordial da sociedade é dada através de seus direitos naturais, e estes só podem ser garantidos pela lei, então o órgão supremo na sociedade política é, claramente, o legislativo. Mas este, no pensamento do economista britânico John Atkinson Hobson, há de ser sempre subordinado ao povo. O que significa dizer, segundo a análise de Locke, que o povo detém “um poder supremo para demitir ou alterar o Legislativo, quando lhe parecer que ele age contra a função fiducitária (trust) que lhe foi atribuída”.
O grande erro político foi a ausência de um órgão encarregado de realizar as funções de previsão, prevenção e planejamento. Tudo acabou sob responsabilidade do Executivo, que se mostrou incapaz de realizar minimamente tais encargos.
Segundo Fábio Konder Comparato, o capitalismo financeiro é avesso a toda programação a longo prazo e ao natural amadurecimento do capital investido. Seu ideal é a liquidez imediata e a mais rápida circulação do capital de giro.
A soberania popular tem sido apenas ornamental. A população brasileira jamais exerceu, nem mesmo simbolicamente, o principal objetivo da soberania, que é a aprovação da Constituição e de suas mudanças.
Desse modo, faz-se necessário com maior urgência iniciar uma reestruturação dos Estados nacionais, e elaborar um projeto seguro de construção de um Estado mundial. Para o autor, é preciso instituir um órgão autônomo de planejamento, não apenas na esfera federal, mas também no âmbito regional e nas chamadas regiões metropolitanas. A esse órgão caberia a criação dos planos de desenvolvimento, dos programas setoriais e dos orçamentos plurianuais correspondentes, cujas condutas deveriam ser antecedentemente aprovadas pela população em plebiscito, antes da decisão final do órgão responsável.
CONCLUSÃO
De maneira geral, para Fábio Comparato, a desestruturação Estatal está ligada ao comprometimento do poder do Estado através de sua ligação intrínseca com os movimentos econômicos. Assim, dentro de um panorama de imediatismo, o capitalismo financeiro se encontra ligado à liquidez imediata e à rápida circulação do capital de giro, o que acaba se refletindo no Estado. Com isso, o autor realiza uma análise temporal em diversos momentos históricos para ilustrar, de maneira mais incisiva, que a grande disfunção estrutural do estado encontra-se na sua ligação com os movimentos econômicos.
BIBLIOGRAFIA
BONAVIDES, Paulo. O Estado Social e a crise do Presidencialismo no Brasil. Genius, julho/agosto, 2016, p. 18-20.
COMPARATO, Fábio Konder. A Disfunção Estrutural do Estado Contemporâneo. 2008. Disponível em: <http://www.escoladegoverno.org.br/artigos/112-disfuncao-estrutural-estado-contemporaneo>.