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A responsabilidade civil do Estado em face da ineficiência da segurança pública

Agenda 08/02/2017 às 16:23

A crise do Estado do Espírito Santo e sua responsabilização civil subjetiva por omissão genérica de serviço público essencial.

A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, é o que diz o art. 144 da Constituição Federal, haja vista que o direito à segurança é prerrogativa constitucional indisponível, garantido mediante a implementação de políticas públicas, impondo ao Estado a obrigação de criar condições objetivas que possibilitem o efetivo acesso a tal serviço [STF - RE 559.646 AgR).

É dever do Estado promover a segurança pública, sendo um direito fundamental e indisponível: são indisponíveis os direitos que as partes não podem constituir ou extinguir por ato de vontade e os que não são renunciáveis.

Diante da famigerada situação do Estado do Espírito Santo, fácil perceber que a greve dos órgãos de segurança pública é arbitrária e ilegal, é um direito fundamental de cada pessoa à segurança, sendo, inclusive, um direito indisponível, não podendo o Estado e seus agentes extinguir tal direito por ato de vontade, mesmo por greve, conforme comanda a Constituição Federal, sendo tais atos inconstitucionais.

Entretanto, ressalte-se o fato de que os policiais militares daquele Estado não obtém aumento salarial há 7 (sete) anos, e o salário não chega a R$ 2.700,00 (dois mil e setecentos reais), sendo também uma afronta a toda a categoria da polícia militar, diante da importante função que exercem, o perigo de vida e todo o estresse que passam dia a dia.

Conclui-se, em primeira linha, que a culpa da crise da segurança pública foi a ausência de uma administração pública estatal eficiente durante anos, como ocorre no Rio de Janeiro, onde os administradores da cúpula governamental atuaram com ineficiência, e, além disso, com diversos casos de corrupção, corroborando com a falta de recursos diante de uma lastimável e falaciosa administração, onde quem vem pagando são os servidores públicos e a sociedade.

Os serviços públicos devem ser periodicamente analisados com uma gestão de qualidade pelos governantes, na medida da necessidade social, e por outro lado, a majoração dos salários dos servidores públicos de acordo com os ditames legais e a importância no sistema atual.

Existem três lados na situação em voga, um está errado (governo), pelo completo descaso com a qualidade do serviço público e com seus servidores, não respeitando o princípio da eficiência da administração pública durante anos; um errado teoricamente, mas com suas razões, como a escassez salarial e a ausência de estrutura (órgãos de segurança pública), e, o último, certo e sendo corroído em seus direitos fundamentais e indisponíveis, sofrendo com diversos delitos, como homicídios, roubos etc (a sociedade, que inclui todos!).

Nessa síntese preambular, certo afirmar uma questão, a sociedade, geradora de tributos, responsável pelo pagamento de todos os salários da atividade pública, cumpriu o seu papel, pagando-os, e, em contrapartida, merece a devida contraprestação de serviços públicos adequados, eficientes e de qualidade, não sendo responsável pela crise existente entre os governantes e seus servidores.

Neste diapasão, a segurança pública é um direito fundamental e indisponível, dever do Estado, os delitos ocasionados pela ausência de segurança pública no Estado merecem reparação pelo próprio Estado, através da responsabilidade civil, conforme comanda a Constituição Federal: art. 37. “A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (…) § 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

O Estado brasileiro adotou, na teoria da responsabilidade civil contra o Estado, a teoria subjetiva e a objetiva, sendo esta última a Teoria do Risco Administrativo, e o emérito doutrinador Sérgio Cavalieri Filho esclarece: “responde o Estado porque causou o dano ao seu administrado, simplesmente porque há relação de causalidade entre a atividade administrativa e o dano sofrido pelo particular (http://www.emerj.tjrj.jus.br/revistaemerj_online/edicoes/revista55/Revista55_10.pdf). Neste ponto, o Estado responde pelos atos praticados pelos seus agentes, mas se o ato for praticado por terceiros? Como no caso concreto, no que tange a ausência de segurança pública, ocorrendo homicídios, roubos e outros delitos, mas entre particulares?

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Novamente, o doutrinador Sérgio Cavalieri Filho, com clareza, define: “a regra, com relação ao Estado, é a responsabilidade objetiva fundada no risco administrativo sempre que o dano for causado por agente público nessa qualidade, sempre que houver relação de causa e efeito entre a atuação administrativa e o dano. Resta, todavia, espaço para a responsabilidade subjetiva nos casos em que o dano não é causado pela atividade estatal, nem pelos seus agentes, mas por fenômenos da natureza – chuvas torrenciais, tempestades, inundações – ou por fato da própria vítima ou de terceiros, tais como assaltos, furtos acidentes na via pública etc. Não responde o Estado objetivamente por tais fatos, repita-se, porque não foram causados por sua atividade; poderá, entretanto, responder subjetivamente com base na culpa anônima ou falta do serviço, se por omissão (genérica) concorreu para não evitar o resultado quando tinha o dever legal de impedi-lo.

Para o doutrinador, a responsabilidade civil subjetiva do Estado só cabe quando existir uma omissão genérica, como vem ocorrendo agora no Espírito Santo, portanto, cabível a sua responsabilização, sendo que o art. 37 da Constituição não prevê somente a conduta comissiva do Estado, mas também omissiva, tendo diversos precedentes do Supremo Tribunal Federal tal entendimento: “Como se sabe, a teoria do risco administrativo, consagrada em sucessivos documentos constitucionais brasileiros, desde a Carta Política de 1946, revela-se fundamento de ordem doutrinária subjacente à norma de direito positivo que instituiu, em nosso sistema jurídico, a responsabilidade civil objetiva do Poder Público, pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, por ação ou por omissão (CF, art. 37, §6º). Essa concepção teórica – que informa o princípio constitucional da responsabilidade civil objetiva do Poder Público, tanto no que se refere à ação quanto no que concerne à omissão do agente público – faz emergir, da mera ocorrência de lesão causada à vítima pelo Estado, o dever de indenizá-la..., não importando que se trate de comportamento positivo (ação) ou que se cuide de conduta negativa (omissão) daqueles investidos da representação do Estado”... (AI 299125/SP, Relator Ministro Celso de Mello).

Nesta responsabilidade civil subjetiva do Estado, concernente a falta do serviço, há dois tipos de omissão, a omissão genérica e a omissão específica. Na específica, como exemplo, temos o caso do presidiário que se suicida na cadeia, e na omissão genérica, a ausência total de segurança pública, a falta de placas de sinalização em locais de risco de mergulho etc.

O que importa na responsabilidade civil subjetiva por falta do serviço e omissão genérica, é que o particular afetado, não sendo a omissão do Estado a causa imediata e direta do fato, deverá provar que a falta do serviço concorreu para o dano, e que se houvesse o respectivo serviço o fato danoso não teria sido provocado.

Os tribunais vem aceitando a teoria acima elencada, com base em alguns julgados da Suprema Corte, o que merece ser desenvolvido é o caso a caso, como nos casos dos estabelecimentos comerciais furtados, fácil evidenciar que os delitos ocorridos foram por falta total de patrulha preventiva, já no que tange às mortes, deverão ser mais trabalhosos para o operador do Direito, para ressarcir os familiares afetados nessa degradante crise do Estado do Espírito Santo. O que não deve ser aceito é a ausência de direitos fundamentais e indisponíveis em pleno século XXI, e o Estado responsável e arrecadador de tributos (lembrando que o Brasil é um dos países com a maior carga tributária mundial), passar impune pelos olhos da Justiça, existindo também a faceta de uma responsabilização de caráter punitivo pedagógico para que os governantes atuem com eficiência e qualidade na gestão da máquina pública. 

Sobre o autor
Alan Rodrigues da Motta

Advogado, com pós graduações em Direito Bancário e Direito Ambiental, e MBA em Gestão de Investimentos, www.alandamottaadvogados.com.br

Informações sobre o texto

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