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A formação do vínculo contratual

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Agenda 16/02/2017 às 10:10

Apresenta-se um estudo geral sobre os requisitos de validade, princípios basilares do direito contratual e as fases para a formação dos contratos.

1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem o escopo de traçar um escorço acerca dos requisitos de validade dos contratos; princípios (cláusulas gerais), a destacar: a autonomia da vontade e a boa-fé; bem como, as fases persecutórias para a conclusão do contrato.

Num primeiro ponto, faz-se uma análise dos requisitos de validade dos contratos: (i) requisito subjetivo: compreendido pela capacidade de parte; (ii) requisito objetivo: está intimamente ligado à possibilidade do objeto; e, (iii) requisito formal: que se refere a forma como o contrato deve ser formalizado.

Neste intento, visualizaremos que os princípios da autonomia da vontade e da boa-fé são caracterizados pelo Código Civil como cláusulas gerais, em razão da liberdade de contratar, mormente, com o dever de lealdade e transparência. A razão disso se dá ao fato de que, violados esses dispositivos, a invalidade do pacto subsiste.

E, por fim, serão analisada as fases para a formação dos contratos, dispondo de verdadeiro rito ou procedimento a ser seguido até se chegar no momento da conclusão da avença.


2. AS CONDIÇÕES PARA A VALIDADE DOS CONTRATOS

Para uma melhor compreensão da abordagem, importante fazer um breve escorço acerca das condições para a validade dos negócios jurídicos, pois, consoante o art. 104, incisos I, II e III, do Código Civil[2], os negócios devem obedecer aos requisitos subjetivos, objetivos e formais para a sua formação; que dão condição para a produção de efeitos do negócio jurídico (aquisição, modificação ou extinção de direitos), os quais serão visualizados individualmente.

Nesse sentido, Maria Helena Diniz salienta:

“Poder-se-á dizer que contrato é o acordo de duas ou mais vontades, na conformidade da ordem jurídica, destinado a estabelecer uma regulamentação de interesses entre as partes, com o escopo de adquirir, modificar ou extinguir relações jurídicas de natureza patrimonial”.[3]

2.1. Requisitos subjetivos

Os requisitos subjetivos compreendem pela capacidade genérica das partes – que é a capacidade civil para a prática do ato civil, a qual deve estar plenamente reconhecida na bilateralidade ou pluralidade das partes envolvidas na negociação; a aptidão específica para contratar – que se refere àquela aptidão especial para celebrar um negócio jurídico, quanto à disposição da coisa ou direitos, por exemplo, a necessária outorga uxória do cônjuge em determinados atos ou o consentimento dos descendentes para a celebração de venda de patrimônio a outro descendente; e, por fim, o consentimento, requisito especial e obrigatório dos contratos.

Sobre o consentimento, o autor Carlos Roberto Gonçalves[4], abrange três aspectos: (i) acordo sobre a existência e natureza do contrato (se um dos contratantes quer aceitar uma doação e o outro quer vender, contrato não há); (ii) acordo sobre o objeto do contrato; e, (iii) acordo sobre as cláusulas que compõem a estrutura do contrato.

Ademais, dispõe Maria Helena Diniz:

“Os requisitos subjetivos são: a) a existência de duas ou mais pessoas, já que o contrato é um negócio jurídico bilateral ou plurilateral; b) capacidade genérica das partes contratantes para praticar os atos da vida civil, as quais não devem enquadrar-se nos arts. 3º e 4º do Código Civil, sob pena de o contrato ser nulo ou anulável; c) aptidão específica para contratar, pois a ordem jurídica impõe certas limitações à liberdade de celebrar determinados contratos; p. ex.: o art. 496 do Código Civil proíbe, sob pena de anulabilidade, contrato de compra e venda entre ascendente e descendente, sem que haja consentimento expresso dos demais descendentes e do cônjuge do alienante; o art. 497 do Código Civil veda, sob pena de nulidade, a compra e venda entre tutor e tutelado etc. Os contratantes devem ter, portanto, legitimação para efetuar o negócio jurídico; d) consentimento das partes contratantes, visto que o contrato é originário do acordo de duas ou mais vontades isentas de vícios de vontade (erro, dolo, coação, lesão e estado de perigo) e sociais (simulação e fraude) sobre a existência e natureza do contrato, o seu objeto e as cláusulas que o compõem, Deve haver coincidência de vontades, porque cada contraente tem determinado interesse e porque o acordo volitivo é a força propulsora do contrato: é ele que cria a relação jurídica que vincula os contraentes sobre determinado objeto”.[5]

Cabe ainda destacar, que o Código Civil, em seu art. 117, dispõe sobre a possibilidade da ocorrência da anulabilidade do negócio jurídico, quando o representante realizar determinado negócio consigo mesmo, exceto, quando a lei o autorizar:

“Art. 117. Salvo se o permitir a lei ou o representado, é anulável o negócio jurídico que o representante, no seu interesse ou por conta de outrem, celebrar consigo mesmo”.[6]

2.2 Requisitos objetivos

Os requisitos objetivos estão ligados intimamente ao objeto do negócio jurídico, sendo eles caracterizados pelo objeto lícito, possível, determinado ou determinável.

Quanto ao objeto, as partes devem conhecê-lo sobre a sua licitude, em razão de que nenhuma das partes pode alegar a sua própria torpeza (art. 150, do Código Civil), para fins de pleitear pagamento indevido (art. 883, do Código Civil), vejamos a transcrição do texto da lei:

Art. 150. Se ambas as partes procederem com dolo, nenhuma pode alegá-lo para anular o negócio, ou reclamar indenização.

(...)

Art. 883. Não terá direito à repetição aquele que deu alguma coisa para obter fim ilícito, imoral, ou proibido por lei.

Nesta seara, registra Nestor Duarte, comentando o art. 150, do Código Civil, a destacar:

“A lei não ampara nenhuma das partes se a torpeza for bilateral e, nesse caso, não importa se de uma das partes o dolo se configurou por ação e o da outra por omissão nem se se trata de dolo principal a conta de uma e acidental a conta de outra”.[7]

E em face ao art. 883, do mesmo diploma, o autor assevera:

“Caso o objeto da prestação não cumprida seja ilícito, imoral ou proibido por lei, a repetição é indevida, pois não se pode prestigiar a obrigação nula (art. 166), indesejada pelo legislador. Contudo, não será adequado que aquele que recebeu algo para realizar uma dessas prestações fique com o bem, de modo que o legislador inovou ao determinar que o bem reverta em proveito do estabelecimento de beneficência”.[8]

Quanto à possibilidade do objeto, deve ela ser física ou jurídica, sob pena de caracterizar a nulidade da avença. Pois, em razão da possibilidade física, deve ser possível vencer o obstáculo à sua realização e quanto à jurídica, deve estar previsto no ordenamento jurídico – por exemplo, a impossibilidade jurídica quanto ao objeto de herança de pessoa viva.

Maria Helena Diniz, apregoa:

“Se o negócio jurídico tiver objeto físico ou materialmente impossível, de modo que o agente jamais possa vencer o obstáculo à sua realização, por contrariar as leis físico-naturais (p. ex., levar o Pico do Jaraguá até Brasília), ir além das forças humanas (p. ex., empreender uma viagem de volta ao mundo em duas horas), ou por inexistir (p. ex., prometer uma sereia para um aquário), configuram-se hipóteses em que se têm a exoneração do devedor e a invalidade do contrato, pois aquele que se obriga a executar coisa insuscetível de realização a nada e obrigou”.[9]

2.3 Requisitos formais

O ultimo requisito de validade dos negócios jurídicos se refere à forma de celebração do negócio.

Para Maria Helena Diniz, a regra é a liberdade de forma, celebrando o contrato pelo livre consentimento das partes contratantes, pois apenas excepcionalmente a lei requer obediência aos requisitos de forma, e contextualiza:

“Não há rigorismo de forma, pois a simples declaração volitiva tem o condão de estabelecer o liame obrigacional entre os contraentes, gerando efeitos jurídicos independentemente da forma de que se revista, seja ela oral ou escrita (por meio de instrumento particular ou público), de tal sorte que o elemento formal, na seara contratual, constitui uma exceção nos casos em que a lei exige, para a validade do negócio, a observância de certa forma”.[10]

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Já Carlos Roberto Gonçalves, divide tal requisito em três espécies: (i) forma livre; (ii) forma especial ou solene; e, (iii) contratual:

“(i) Forma livre – É a predominantemente do direito brasileiro (CC, art. 107). É qualquer meio de manifestação de vontade, não impondo obrigatoriamente pela lei (palavra escrita ou falada, escrito público ou particular, gestos, mínicas etc.)”.

“(ii) Forma especial ou solene – É a exigida pela lei, como requisito de validade de determinados negócios jurídicos. Em regra, a exigência de que o ato seja praticado com observância de determinada solenidade tem por finalidade assegurar a autenticidade dos negócios, garantir a livre manifestação da vontade, demonstrar a seriedade do ato e facilitar a sua prova”.

“(iii) Forma contratual – É a convencionada pelas partes. O art. 109 do Código Civil dispõe que, “no negócio jurídico celebrado com a cláusula de não valer sem instrumento público, este é da substância do ato”. Os Contratantes podem, portanto, mediante convenção, determinar que o instrumento público torne-se necessário para a validade do negócio”.


3. OS PRINCÍPIOS DO DIREITO CONTRATUAL

O direito contratual rege por inúmeros princípios, alguns clássicos e outros de natureza moderna.

Nelson Rosenvald destaca a normativa contratual sob o aspecto do direito civil constitucional:

“A teoria contratual, vigente nos moldes do CC/2002, não mais está pautada no paradigma clássico, no qual predominava a autonomia da vontade e os subprincípios da liberdade contratual, da intangibilidade do pactuado e da relatividade dos contratos. Hodiernamente, em consonância com o direito civil constitucional, a matéria baseia-se em um novo paradigma que atende perfeitamente às novas diretrizes da eticidade, da operabilidade e da socialidade elencadas. Assim, diante desse paradigma contemporâneo, a teoria contratual contempla outros quatro grandes princípios: a autonomia privada, a boa-fé objetiva, a justiça contratual e a função social do contrato”

“O art. 421 inaugura o estudo dos contratos, demonstrando a imprescindível conjugação entre a liberdade contratual e o princípio constitucional da solidariedade (art. 3, I, da CF). Trata-se da função social do contrato, estampada no novel diploma civil como cláusula geral de grande envergadura e com fins ainda imprecisos”. [11]

Nesse sentido, destacaremos os princípios mais importantes da sistemática contratual.

3.1 Princípio da autonomia da vontade

Esse princípio se assenta na liberdade contratual das partes para discutirem livremente o conteúdo de suas avenças (acordo de vontade), dentro dos requisitos de validade do negócio jurídico, antes analisado. Assim, servindo tal princípio de fundamento para a realização de contratos atípicos.

Os artigos 421 e 425, ambos, do Código Civil, prescrevem:

“Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”.

“Art. 425. É lícito às partes estipular contratos atípicos, observadas as normas gerais fixadas neste Código”.[12]

Sobre os contratos atípicos, leciona Carlos Roberto Gonçalves:

“Contrato atípico é o que resulta de um acordo de vontades não regulado no ordenamento jurídico, mas gerado pelas necessidades e interesses das partes. É válido, desde que estas sejam capazes e o objeto lícito, possível, determinado ou determinável e suscetível de apreciação econômica. Ao contrário do contrato típico, cujas características e requisitos são definidos na lei, que passam a integrá-lo, o atípico requer muitas cláusulas minudenciando todos os direitos e obrigações que o compõem. Essas noções, aceitas na doutrina, foram convertidas em preceito legal, no atual diploma civil”.[13]

Importante ainda destacar, que o art. 421 do Código Civil, é um princípio geral do direito, trazendo a expressão “função social”, não definido pela lei. Assim, sobre essa expressão, Maria Helena Diniz, salienta em sua obra:

“Como a lei não define a locução “função social do contrato”, poderá ela ser interpretada de formas diversas, conduzindo à declaração de nulidade de cláusulas ou até mesmo de toda a avença. Por isso, procuramos delinear alguns parâmetros a serem seguidos, pois com essa função social do contrato teremos o justo processo legal substantivo. O contrato deve ter alguma utilidade social, de modo que os interesses dos contratantes venham a amoldar-se ao interesse da coletividade”.[14]

Vale ainda destacar que o princípio da autonomia da vontade encontra limites às normas de ordem pública, em razão de que o interesse de contratar nunca pode ser contrário ao princípio da solidariedade, da dignidade da pessoa humana e da justiça social.

Vale repisar o posicionamento de Maria Helena Diniz:

“E nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública, tais como os estabelecidos por este Código para assegurar a função social da propriedade e dos contratos (CC, art. 2.035, parágrafo único). A função social da propriedade e a dos contratos constituem limites à autonomia da vontade, na qual se funda a liberdade contratual, que deverá estar voltada à solidariedade (CF, art. 3º, I), à justiça social (CF, art. 170, caput), à livre iniciativa, ao progresso social, à livre circulação de bens e serviços, à produção de riquezas, ao equilíbrio das prestações, evitando o abuso do poder econômico, a desigualdade entre os contratantes e a desproporcionalidade, aos valores jurídicos, sociais, econômicos e morais, ao respeito à dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III)”.[15]

Para ilustrar um exemplo de limitação do princípio da autonomia da vontade, colacionamos jurisprudência que evidencia o afastamento de norma coletiva de trabalho, em razão de violar normas de ordem pública, onde a convenção violou norma de garantia mínima de proteção ao trabalhador:

RECURSO DE REVISTA. 1. Turnos ininterruptos de revezamento. Norma coletiva. Prestação habitual de horas extraordinárias. Não conhecimento. O entendimento deste TST se firmou no sentido de que, para os empregados submetidos a turnos ininterruptos de revezamento, é válida a fixação, por negociação coletiva, de jornada superior a seis horas, desde que respeitado o limite de oito horas diárias e não configurada a prestação de horas extraordinárias habituais. Desconsiderada a validade da norma coletiva, todavia, pela prestação habitual de horas extraordinárias, é devido o pagamento, como extraordinário, do período que ultrapasse a 6ª hora diária e a 36ª semanal, como ocorre na hipótese dos autos. Recurso de revista de que não se conhece. 2. Horas extraordinárias. Prestação habitual. Acordo de compensação de jornada. Invalidade. Não conhecimento. O egrégio tribunal regional, mediante a análise das provas, consignou que, não obstante a existência de previsão em norma coletiva, o acordo de compensação adotado pela reclamada não pode ser considerado válido, ante a constatação da habitualidade na prestação de horas extraordinárias. Registrou, ainda, que diante do descumprimento não meramente formal, mas material do acordo de compensação, em razão da cumulação do regime de compensação com o trabalho extraordinário, é inaplicável o item IV da Súmula 85. De acordo com a Súmula 85, item IV, havendo descaracterização do acordo de compensação de jornada, em virtude da prestação habitual de trabalho em sobrejornada, as horas laboradas além da jornada semanal normal deverão ser pagas como extraordinárias e aquelas destinadas à compensação, remuneradas apenas com o adicional de horas extraordinárias, para que se evite o pagamento em duplicidade. Dessa forma, somente no caso de não ser observado o requisito formal, deverá ser aplicado o entendimento do item IV da mencionada Súmula, para limitar a condenação ao pagamento apenas do adicional de horas extraordinárias com relação às horas destinadas à compensação. Tal entendimento, no entanto, é inaplicável nos casos em que, além da prestação habitual de horas extraordinárias, haja descumprimento dos requisitos materiais, quais sejam: extrapolação da jornada diária e da carga horária semanal, ausência de discriminação dos horários destinados à compensação ou cumulação de compensação com o trabalho extraordinário. Precedentes da sbdi-1. Recurso de revista de que não se conhece. 3. Intervalo intrajornada. Redução. Norma coletiva. Impossibilidade. Não conhecimento. À luz dos princípios que regem a hierarquia das fontes de direito do trabalho, as normas coletivas, salvo os casos constitucionalmente previstos, não podem dispor de forma contrária às garantias mínimas de proteção ao trabalhador previstas na legislação, que funcionam como um elemento limitador da autonomia da vontade das partes no âmbito da negociação coletiva. Desse modo, é inválida cláusula de acordo ou convenção coletiva de trabalho contemplando a supressão ou redução do intervalo intrajornada, sendo devidas horas extraordinárias relativas à supressão do referido intervalo, que deve ser pago em sua totalidade, com o respectivo adicional. Inteligência da Súmula 437, I e II. Recurso de revista de que não se conhece.[16]

Cabe destacar, que outro fator que impõe a liberdade de contratar, lastreada na autonomia da vontade, é, pois, quando estiverem envolvidos interesses metaindividuais ou em jogo o princípio da dignidade da pessoa humana, como já se posicionou o Conselho da Justiça Federal, conforme abaixo:

Enunciado n. 23 do CJF: A função social do contrato, prevista no art. 421 do nCC, não elimina o princípio da autonomia contratual, mas atenua ou reduz o alcance desse princípio quando presentes interesses metaindividuais ou interesse individual relativo à dignidade da pessoa humana.[17]

Portanto, o princípio da autonomia da vontade dispõe de forma limitada a liberdade de contratar, levando sempre em consideração o respeito à supremacia da ordem pública e aos bons costumes.

3.2 Princípio do consensualismo

Reza determinado princípio que a avença por duas ou mais vontades equivalem-se para a validade do pacto, em razão da ausência de forma especial para a celebração do negócio jurídico, exceto, se a lei dispuser de forma específica.

Nesse sentido, dispõe Carlos Roberto Gonçalves:

“A compra e venda, por exemplo, quando pura, torna-se perfeita e obrigatória, desde que as partes acordem no objeto e no preço (CC, art. 482). O contrato já estará perfeito e acabado desde o momento em que o vencedor aceitar o preço oferecido pela coisa, independentemente da entrega desta”.[18]

3.4 Princípio da relatividade dos efeitos do contrato

O principio tradicional da relatividade dos efeitos do contrato impunha de que a avença só produziria efeitos entre as partes que o convencionavam.

No entanto, com a conjuntura do Código Civil de 2002, em razão da função social do contrato, tornou-se possível que terceiros influam nos contratos quando forem direta ou indiretamente atingidos.           

Nesse sentido, dispõe Carlos Roberto Gonçalves:

Não resta dúvida de que o princípio da relatividade dos efeitos do contrato, embora ainda subsista, foi bastante atenuado pelo reconhecimento de que cláusulas gerais, por conterem normas de ordem pública, não se destinam a proteger unicamente os direitos individuais das partes, mas tutelar o interesse da coletividade, que deve prevalecer quando em conflito com aqueles.[19]

O Conselho da Justiça Federal editou enunciados acerca do tema, salvaguardando a interpretação de que a função social do contrato – cláusula geral, impõe a relatividade dos efeitos dos contratos à terceiros:

Enunciado n. 21 do CJF: A função social do contrato, prevista no art. 421 do nCC, constitui cláusula geral a impor a revisão do princípio da relatividade dos efeitos do contrato em relação a terceiros, implicando a tutela externa do crédito”.

Enunciado n. 432 do CJF: A violação do art. 421 conduz à invalidade ou à ineficácia do contrato ou de cláusulas contratuais”.[20]

A autora, Maria Helena Diniz, ainda, apresenta a cláusula rebus sic stantibus (enquanto as coisas estão assim), que se aplicam aos contratos – com o fito de relativizar os seus efeitos, quando da ocorrência da modificação da situação das partes contratantes. Neste caso, com lastro na teoria da imprevisão, o contrato deve ser ajustado a uma nova realidade, para fim de manter o equilíbrio contratual das partes com fito de manter o objeto ajustado, mas a nova realidade, destacamos:

“A cláusula rebus sic stantibus é uma ressalva ao princípio da imutabilidade dos contratos, de aplicação excepcional e restrita. A força vinculante dos contratos somente poderá ser contida pela autoridade judicial em certas circunstâncias excepcionais ou extraordinárias, que impossibilitem a previsão de excessiva onerosidade no cumprimento da prestação, requerendo a alteração do conteúdo da avença, a fim de que se restaure o equilíbrio entre os contraentes”.[21]

O Conselho da Justiça Federal no Enunciado n. 22, trouxe a interpretação da cláusula rebus sic standibus:

“Enunciado n. 22 do CJF: A função social do contrato, prevista no art. 421 do nCC, constitui cláusula que reforça o princípio de conservação do contrato, assegurando trocas úteis e justas”.[22]

3.5 Princípio da obrigatoriedade dos contratos

Este princípio, com a exceção prevista quanto à cláusula rebus sic stantibus (teoria da imprevisão), evidencia que os pactos firmados devem ser obedecidos pelas partes contratantes, sob pena de execução forçada ou expropriação patrimonial de bens para a satisfação da avença.

Para Carlos Roberto Gonçalves:

“Pelo princípio da autonomia da vontade, ninguém é obrigado a contratar. A ordem jurídica concede a cada um a liberdade de contratar e definir os termos e objeto da avença. Os que o fizerem, porém, sendo o contrato válido e eficaz, devem cumpri-lo, não podendo se forrarem às suas conseqüências, a não ser com a anuência do outro contraente. Como foram as partes que escolheram os termos do ajuste e a ele se vincularam, não cabe ao juiz preocupar-se com a severidade das cláusulas aceitas, que não podem ser atacadas sob a invocação dos princípios de equidade. O princípio da força obrigatória do contrato significa, em essência, a irreversibilidade da palavra empenhada.”[23]

Maria Helena Diniz também assevera:

“As estipulações feitas no contrato deverão ser fielmente cumpridas (pacta sunt servanda), sob pena de execução patrimonial contra o inadimplente. Isto é assim porque o contrato, uma vez concluído livremente, incorpora-se ao ordenamento jurídico, constituindo uma verdadeira norma de direito, autorizando, portanto, o contratante a pedir a intervenção estatal par assegurar a execução da obrigação porventura não cumprida segundo a vontade que a constituiu. À ideia da autorregulamentação dos interesses dos contratantes, baseada no princípio da autonomia da vontade, sucede a necessidade social de proteger a confiança de cada um deles na observância da avença estipulada, ou melhor, na subordinação à Lex contractus”.[24]

Como visto, o fundamento do dito princípio é proporcionar às partes envolvidas numa relação jurídica, à necessidade de segurança do pacto e a imutabilidade dos contratos.

Todavia, há uma exceção constante do Código Civil, que visa contrapor tal obrigatoriedade e vinculação dos pactos, sendo ela caracterizada pelo caso fortuito ou força maior, transcrevemos:

“Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.

Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir”.[25]

Por tal razão, o caso fortuito – circunstâncias provocadas por fato humano que causam reflexo nos direitos de outros indivíduos, e a força maior – circunstâncias proporcionadas por fatos externos; são ocorrências inesperadas que impedem o cumprimento das obrigações e a verdadeira exceção à imutabilidade dos contratos.

3.7 Princípio da boa-fé

A boa-fé é um dos principais princípios basilares da relação contratual, consagrado como cláusula geral, pelo qual as partes têm o dever de se comportar de maneira correta, não só quando das tratativas negociais, mas durante a formação, execução e a conclusão dos contratos.

Tal princípio foi inserido no artigo 422, do Código Civil, assim transcrito:

 “Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”.[26]

Nesse sentido, a boa-fé é presumida nos contratos, por se fazer cláusula geral, ao ponto que a má-fé, deve ser devidamente comprovada quando de algum questionamento judicial.

Maria Helena Diniz pontua o tema:

“Intimamente ligado não só à interpretação do contrato – pois, segundo ele, o sentido literal da linguagem não deverá prevalecer sobre a intenção inferida da declaração de vontade das partes – mas também ao interesse social de segurança das relações jurídicas, uma vez que as partes deverão agir com lealdade, honestidade, honradez, probidade (integridade de caráter), denodo e confiança recíprocas, isto é, proceder com boa-fé, esclarecendo os fatos e o conteúdo das cláusulas, procurando o equilíbrio nas prestações, respeitando o outro contratante, não traindo a confiança depositada, procurando cooperar, evitando o enriquecimento indevido, não divulgando informações sigilosas etc. É uma norma que requer o comportamento leal e honesto dos contratantes, sendo incompatível com quaisquer condutas abusivas, tendo por escopo gerar na relação obrigacional a confiança necessária e o equilíbrio das prestações e da distribuição dos riscos e encargos, ante a proibição do enriquecimento sem causa. Trata-se, portanto, da boa-fé objetiva”.[27]

Outrossim, se faz necessário diferenciar a boa-fé objetiva da subjetiva.

Ao ponto que a boa-fé objetiva é um princípio – cláusula geral dos contratos; a boa-fé subjetiva não se trata de princípio, mas sim, um estado psicológico, onde o indivíduo se acha detentor de determinado direito, que só existe na aparência.

 Nelson Rosenvald explica bem o tema:

“Há de se salientar que existem duas acepções de boa-fé: uma subjetiva e outra objetiva. A boa-fé subjetiva não é um princípio, e sim um estado psicológico em que a pessoa possui a crença de ser titular de um direito que, em verdade, só existe na aparência. O indivíduo se encontra em escusável situação de ignorância sobre a realidade dos fatos e da lesão a direito alheiro”.

“Em sentido diverso, o princípio da boa-fé objetiva – localizado no campo dos direitos das obrigações – é o objeto de nosso enfoque. Trata-se da “confiança adjetivada”, uma crença efetiva no comportamento alheio. O princípio compreende um modelo de eticização de conduta social, verdadeiro standard jurídico ou regra de comportamento, caracterizado por uma atuação de acordo com determinados padrões sociais de lisura, honestidade e correção, de modo a não frustrar a legítima confiança da outra parte”.

“Assim, é possível aferir alguns pressupostos da boa-fé objetiva, quais sejam: a) uma relação jurídica que ligue duas pessoas, impondo-lhes especiais deveres mútuos de conduta; b) padrões de comportamento exigíveis do profissional competente, naquilo que se traduz como bonus pater famílias; c) reunião de condições suficientes para ensejar na outra parte um estado de confiança no negócio celebrado”. [28]

O Conselho da Justiça Federal também editou inúmeros enunciados, consagrando o princípio da boa-fé no direito contratual, a destacar:

I Jornada de Direito Civil - Enunciado 25 - O art. 422 do Código Civil não inviabiliza a aplicação pelo julgador do princípio da boa-fé nas fases pré-contratual e pós-contratual”.

I Jornada de Direito Civil - Enunciado 24 - Em virtude do princípio da boa-fé, positivado no art. 422 do novo Código Civil, a violação dos deveres anexos constitui espécie de inadimplemento, independentemente de culpa”.

I Jornada de Direito Civil - Enunciado 27 - Na interpretação da cláusula geral da boa-fé, deve-se levar em conta o sistema do Código Civil e as conexões sistemáticas com outros estatutos normativos e fatores metajurídicos”.

III Jornada de Direito Civil - Enunciado 168 - O princípio da boa-fé objetiva importa no reconhecimento de um direito a cumprir em favor do titular passivo da obrigação”.

III Jornada de Direito Civil - Enunciado 169 - O princípio da boa-fé objetiva deve levar o credor a evitar o agravamento do próprio prejuízo”.

IV Jornada de Direito Civil - Enunciado 362 - A vedação do comportamento contraditório (venire contra factum proprium) funda-se na proteção da confiança, tal como se extrai dos arts. 187 e 422 do Código Civil”.

IV Jornada de Direito Civil - Enunciado 363 - Os princípios da probidade e da confiança são de ordem pública, sendo obrigação da parte lesada apenas demonstrar a existência da violação”.[29]

Sobre o autor
Leandro Consalter Kauche

Leandro Consalter Kauche é Advogado, sócio do Leandro Consalter Kauche - Sociedade Unipessoal de Advocacia, sediado em Curitiba (PR); foi membro da Comissão de Defesa às Prerrogativas dos Advogados da OAB/PR (triênio 2013-2015);foi membro da Rede Nacional de Proteção dos Direitos Humanos da OAB/PR para atuação na Copa do Mundo FIFA2014; foi membro da Comissão de Defesa às Prerrogativas dos Advogados da OAB/MS (triênio 2010-2012); Mestre em Direito Empresarial e Cidadania, pelo Centro Universitário de Curitiba – UNICURITIBA; Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET; Especialista em Direito Civil, Empresarial e Processual Civil com capacitação para Ensino no Magistério Superior pela Faculdade de Direito Damásio de Jesus; Graduado em Ciências Jurídicas pela Universidade Católica Dom Bosco – UCDB (Campo Grande -MS). E-mail: leandro@lck.adv.br Contato: (41) 99886-4771

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

KAUCHE, Leandro Consalter. A formação do vínculo contratual. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 4978, 16 fev. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/55730. Acesso em: 22 dez. 2024.

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