A falta de registro em CTPS, a despeito de se tratar de irregularidade trabalhista, somente tipificaria a infração prevista no art. 297, § 4º, do Código Penal, caso se comprovasse a inequívoca intenção (DOLO) em fraudar a Previdência Social ou até mesmo em prejudicar o trabalhador, o que não é o caso.
O curto prazo da relação de trabalho obsta a que essa intenção se exponha indiscutivelmente e, como corolário do princípio in dubio pro reo, em casos como esse, interpretam-se as normas e os fatos favoravelmente ao acusado.
Nas relações de trabalho onde não há o devido registro da carteira do empregado, não há dolo específico de fraudar a Previdência Social, mas tão somente “irregularidade” na seara do direito trabalhista.
Dispõe o artigo 297, § 4º, do Código Penal:
Art. 297 - Falsificar, no todo ou em parte, documento público, ou alterar documento público verdadeiro: Pena - reclusão, de dois a seis anos, e multa.
[...]§ 4o Nas mesmas penas incorre quem omite, nos documentos mencionados no § 3o, nome do segurado e seus dados pessoais, a remuneração, a vigência do contrato de trabalho ou de prestação de serviços.
Nessas relações irregulares, apesar de não ter o registro do contrato de trabalho na CTPS do trabalhador, não resta demonstrado o dolo do empregador em não pagar contribuições previdenciárias ao empregado.
Nesse sentido, comentando o dispositivo em apreciação, leciona LUIZ REGIS PRADO (in Comentário ao Código Penal, RT, 6ª ed., p. 791) que:
“No caso do § 4º, consuma-se quando, no momento da elaboração do documento, o agente deixa de consignar, quando deveria fazê-lo, qualquer um dos dados expressivamente elencados no dispositivo, buscando a produção dos efeitos jurídicos junto ao órgão previdenciário”.
Portanto, não há motivos para que ocorra a condenação de um empregador nas penas do art. 297, § 4º, do CP, quando não houver o registro da relação de trabalho na CTPS do trabalhador.
É de se observar, ainda, que os objetos jurídicos dos delitos de falsidade documental são: a) autenticidade (função de garantia do documento); b) perpetuação (incolumidade física do objeto material); c) valor de prova (função probatória do documento).
Desse modo, não é suficiente que haja afetação material do documento para a existência de crime, sendo necessário que a conduta o ofenda juridicamente, lesando ou expondo a perigo de lesão suas funções de garantia, perpetuação e valor probatório.
O simples fato de o empregador deixar de registrar o empregado não afeta nenhuma das mencionadas funções da Carteira de Trabalho. A Carteira de Trabalho não submetida a registro pelo empregador não sofre nenhuma alteração capaz de lesar sua autenticidade e função probatória. O documento continua o mesmo, não se produzindo nenhum efeito lesivo.
Ademais, pelo fato de o contrato não ter sido registrado, a CTPS não passa a ser falsa, nula ou de valor reduzido.
Por todos os prismas, a não anotação da CTPS por parte do empregador não é juridicamente relevante na esfera penal, tampouco teve potencialidade para prejudicar direitos, de sorte que, diante da omissão, pode subsistir somente ilícito trabalhista, sujeitando-se à pena de multa cominada no art. 47 da CLT. Nada mais!
A imputação objetiva, elemento normativo do tipo, exige, como primeiro requisito, que o réu tenha realizado uma conduta comissiva ou omissiva produtora de um risco relevante e proibido ao bem jurídico, de modo que, ausente o risco, a conduta é atípica.
Se presente, ainda assim, pode não haver tipicidade quando o resultado não provoca lesão efetiva ou risco de lesão jurídica.
Pode-se dizer, então, que não há imputação objetiva na simples ausência de registro de empregado, uma vez que os objetos jurídicos não sofrem nenhum risco de lesão. Sem a potencialidade lesiva, sinônimo de perigo de lesão, o fato é atípico.
No caso, os objetos jurídicos informadores do valor da Carteira de Trabalho, quais sejam, autenticidade, perpetuação e relevância probatória, não sofrem nenhum risco pela singela ausência de registro, tornando-se inteiramente atípica a omissão.
Quando ocorre a condenação diante da ausência de registro de CTPS, faz-se interpretação extensiva prejudicial!
O legislador descreveu como delito a conduta comissiva de falsificar ou inserir dado inverídico em registro já lançado (art. 297, § 3.º, do Código Penal).
Ainda que se pudesse introduzir figura típica coincidente com deixar de proceder ao registro, não o fez o legislador, prevendo no § 4.º apenas a atuação do empregador que omite o nome do segurado, seus dados pessoais para os fins de informações à Previdência.
As condutas descritas no § 4º do art. 297 do Código Penal incidem sobre os documentos previstos no § 3.º. Não existe, porém, correlação integral entre todas as condutas do § 4.º e todos os documentos do § 3.º.
A primeira conduta omissiva diz respeito ao "nome do segurado", que já consta da Carteira de Trabalho quando o empregado a apresenta ao empregador para registro.
Como é possível a omissão? Na verdade, ela é inadmissível tratando-se de Carteira de Trabalho. Mas é possível que o empregador, com finalidade fraudulenta, omita o nome do segurado em um documento contábil que "deva produzir efeito" perante a Previdência Social, cometendo crime. Mas isso não se estende à Carteira de Trabalho.
Logo, não existe o "crime de omissão do nome do segurado na Carteira de Trabalho".
O segundo comportamento incriminado consiste em omitir os "dados pessoais do segurado". Da mesma forma, não há como o empregado, na Carteira de Trabalho do empregado, omitir seus dados pessoais, uma vez que estes já constam desde sua emissão. Assim, não existe também o "delito de omissão de dados pessoais do segurado na Carteira de Trabalho".
A terceira omissão se relaciona com a conduta de o empregador deixar de mencionar na Carteira Profissional do empregado a "vigência do contrato de trabalho ou de prestação de serviços". Note-se que não se trata da simples ausência de registro, mas de registro com omissão de dado juridicamente relevante e com fins atinentes às obrigações junto à Previdência Social.
Por último, a figura penal descreve a omissão da inserção da remuneração do empregado na Carteira de Trabalho. De todo esse apanhado, nota-se inexistir previsão de crime (no § 4.º do art. 297 do CP) derivado do simples fato de o empregador deixar de registrar empregado na CTPS.
Importante demonstrar que as condutas descritas na norma em discussão referem-se exclusivamente à seara da Previdência Social, senão vejamos:
- Omitir o nome do segurado: cuida-se de hipótese de trabalhador cujo registro tenha sido anteriormente formalizado, e depois, por omissão dolosa do empregador, seu nome venha a ser subtraído dos assentamentos (folha de pagamento; documento de informações ou documento contábil).
- Omitir a remuneração: corresponde a fraudar o valor de pagamentos de salários, que servem de lastro ao cálculo das contribuições. Nesse caso, a omissão pode ocorrer em relação aos dados da Carteira de Trabalho ou dos demais documentos apontados nos incisos do § 3.º.
- Omitir a vigência do contrato de trabalho ou de prestação de serviços: significa desprezar o tempo de duração do contrato. Ex.: o empregador comunica à Previdência um período inferior ao do contrato trabalhista, de maior duração.
A jurisprudência pátria vem entendendo que não há tipicidade na simples ausência de anotação/registro de CTPS:
APELAÇÃO CRIMINAL. FALSIFICAÇÃO IDEOLÓGICA NA MODALIDADE OMISSIVA. ART. 297, § 4º, DO CP. AUSÊNCIA DE ANOTAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO NA CTPS. FATO ATÍPICO. CURTO LAPSO TEMPORAL DE RELAÇÃO EMPREGATÍCIA SEM REGISTRO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICABILIDADE. PRECEDENTE DO STJ. 1. A simples omissão da anotação na CTPS do contrato de trabalho porventura existente não constitui figura típica, pois trata-se de questão a ser solucionada apenas no âmbito da justiça do trabalho, por constituir mero ilícito trabalhista. O tipo penal previsto no art. 297, § 4º, do CP, pressupõe a existência do registro do pacto laboral, reprimindo a conduta que omite na CTPS a remuneração do segurado ou a vigência do contrato de trabalho ou de prestação de serviços. 2. Não bastasse, no caso dos autos, em virtude do curto lapso temporal relativo à prestação dos serviços sem registro (17/05 a 20/07/2006, pouco mais de 2 meses), os fatos imputados causaram lesividade mínima ao empregado, razão pela qual não se faz necessária a intervenção do direito penal. (TJRO; APL 1006617-44.2008.8.22.0501; Relª Desª Zelite Andrade Carneiro; Julg. 30/06/2011; DJERO 06/07/2011; Pág. 89)
PENAL. OMISSÃO PELO EMPREGADOR DE REGISTRO DE EMPREGADO EM CARTEIRA DE TRABALHO. ARTIGO 297, § 4º, DO CÓDIGO PENAL. ATIPICIDADE. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO VISANDO SANAR OMISSÃO NO SENTIDO DE DECLARAR A NATUREZA DA INFRAÇÃO. SE CRIME INSTANTÂNEO OU PERMANENTE. AUSÊNCIA DE OMISSÃO NO ACÓRDÃO EMBARGADO EM VIRTUDE DA CARACTERIZAÇÃO DE FATO ATÍPICO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO IMPROVIDOS. 1.- Não havendo disposição expressa em Lei com vistas a imputar crime a uma conduta, não cabe interpretação extensiva que assim o faça, ante o princípio da reserva legal e da anterioridade em matéria penal - artigo 5º, inc. XXXIX da Constituição Federal. 2.- Entendendo-se pela atipicidade formal da conduta descrita na denúncia ao § 4º do artigo 297 do Código Penal, mesmo em face da entrada em vigência da Lei nº 9.983/2000, tendo em vista a ausência de previsão legal da conduta de deixar de proceder à anotação do empregado no registro (o § 4º fala em omitir na CTPS o nome do empregado e seus dados pessoais), torna-se ilógica a análise requerida pelo embargante acerca da natureza da infração em tela - se crime instantâneo ou se permanente. 3. Ausência de omissão. Embargos de declaração improvidos. (TRF 3ª R.; RSE 3868; Proc. 2003.61.06.011078-0; SP; Primeira Turma; Rel. Des. Fed. Luiz de Lima Stefanini; DJU 08/05/2007; Pág. 441)
FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO PÚBLICO (ARTIGO 297, § 4O, DO CP). EMPREGADOR QUE OMITE REGISTRO NA CARTEIRA DE TRABALHO DO EMPREGADO. NÃO CARACTERIZAÇÃO DO CRIME. ABSOLVIÇÃO. RECURSO PROVIDO. A ausência de registro na carteira de trabalho não configura falsificação, uma vez que a omissão não altera a autenticidade do documento, não havendo lesão ao bem jurídico tutelado pela norma penal, visto que a carteira do trabalhador em que se omitiu o registro não passa a ser falso ou nulo, não perdendo o seu valor probatório, a evidenciar a atipicidade da conduta. (TJSP; APL 0006252-96.2007.8.26.0576; Ac. 6454613; São José do Rio Preto; Quarta Câmara de Direito Criminal; Rel. Des. Eduardo Braga; Julg. 25/09/2012; DJESP 31/01/2013).
Ante o exposto, conclui-se que a ausência de registro na CTPS não pode ser enquadrada penalmente às condutas previstas no § 4º do art. 297 do CP.