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A prerrogativa de foro e a possibilidade de separação dos autos

Agenda 23/02/2017 às 08:46

A 2ª Turma do STF nega compartilhamento de delações de Sérgio Machado com Justiça Federal no Paraná. Não seria um caso de separação dos autos, nos termos do art. 80 do CPP? Saiba como aconteceu.


Necessário prudência e cautela com relação a interpretação da decisão abaixo historiada da lavra da segunda turma do STF, objeto de noticia no site do STF, em 21 de fevereiro de 2017:
“2ª Turma nega compartilhamento de delações de Sérgio Machado com Justiça Federal no Paraná
A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) proveu agravo regimental interposto pela defesa do ex-senador e ex-presidente da República José Sarney para rejeitar pedido de compartilhamento de cópias do acordo de colaboração premiada de Sérgio Machado com o juízo da 13ª Vara Federal de Curitiba (PR). Por maioria, a Turma seguiu voto divergente do ministro Dias Toffoli, no sentido da manutenção dos procedimentos exclusivamente no STF, tendo em vista que os fatos e as pessoas citadas estão imbricadas, e não seria oportuno fazer distinção entre investigados com e sem foro por prerrogativa de função numa fase ainda embrionária da investigação. A decisão se deu na Petição (PET) 6138.
A posição do colegiado reforma decisão do ministro Teori Zavascki (falecido) que, em setembro de 2016, acolheu pedido do Ministério Público Federal (MPF) e autorizou a remessa a Curitiba de peças da delação de Sérgio Machado e de depoimentos de seus filhos, Daniel Firmeza Machado, Sérgio Firmeza Machado e Expedito Machado da Ponte Neto, a fim de subsidiar investigação em curso naquele juízo. O ministro Teori também havia autorizado o desmembramento dos termos 10 a 13 do acordo de delação, com a autuação de cada um deles como procedimento autônomo, e levantado o sigilo dos autos.
No agravo, a defesa de José Sarney afirmou que os fatos abordados nas peças do acordo em que seu nome é mencionado não teriam conexão com as investigações da operação Lava-Jato, pois não dizem respeito a supostos delitos praticados no âmbito da Petrobras. Como as condutas não teriam sido individualizadas, seria inviável investigá-las em processos distintos, sob pena de decisões conflitantes, prejuízo para as investigações e violação do direito à ampla defesa.
O relator da PET 6138, ministro Edson Fachin (que sucedeu Teori Zavascki na relatoria dos processos relacionados à operação Lava-Jato), votou no sentido da manutenção da decisão de seu antecessor. O ministro enfatizou que não se trata de desmembramento do processo, e sim de remessa de cópias dos autos ao juízo de primeiro grau para subsidiar as investigações em curso naquela jurisdição, tendo em vista que os fatos neles narrados aparentam ter relação de pertinência com os procedimentos que apuram crimes no âmbito da Petrobras.
Fachin lembrou que José Sarney é investigado, juntamente com os senadores Renan Calheiros e Romero Jucá e com Machado, no Inquérito (INQ) 4367, baseado na autuação autônoma do termo 10 da delação, e no qual não houve desmembramento. “Decisão de compartilhamento não é decisão de afirmação ou declinação de competência”, concluiu, propondo a manutenção da decisão monocrática de Teori Zavascki.
Prevaleceu, porém, o voto do ministro Dias Toffoli. Ele explicou que Sarney foi citado nos itens 1, 3, 4 e 10 do acordo de colaboração, e quanto ao último já houve a abertura de inquérito (INQ 4367) no STF. O termo 1 trata de pagamentos que Machado afirma ter feito a Sarney (então senador) e aos senadores Renan Calheiros, Jader Barbalho, Romero Jucá e Edison Lobão. O termo 3 trata de supostas negociações do delator com estaleiros e de suposto pagamento de propina aos cinco citados. E no item 4 Machado alega que teria repassado R$ 18,5 milhões a Sarney. “Afora o agravante, todos os outros quatro têm prerrogativa de foro, e são casos imbricados, que envolvem a cúpula do PMDB”, destacou. “Ao se remeter a Curitiba esses itens, como se fazer uma investigação que não vai atingir os outros personagens, que têm foro?”, questionou.
Com esses fundamentos, o ministro Toffoli votou no sentido de prover o agravo e desautorizar a remessa, a fim de “preservar a higidez do processo investigatório, a racionalidade do sistema e a não oneração da investigação por parte do STF, e sem prejuízo que, em outro momento, se analise o desmembramento”. Seu voto foi seguido pelos ministros Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Celso de Mello.”


Com o devido respeito seria caso de separação dos autos a teor do artigo 80 do CPP:
Art. 80. Será facultativa a separação dos processos quando as infrações tiverem sido praticadas em circunstâncias de tempo ou de lugar diferentes, ou, quando pelo excessivo número de acusados e para não Ihes prolongar a prisão provisória, ou por outro motivo relevante, o juiz reputar conveniente a separação

Um motivo relevante cuida a chamada “competência por prerrogativa de função”, ou seja, de uma jurisdição especial, exercida ratione personae, a qual, muito embora criticada por alguns, não objetiva beneficiar ou privilegiar certas pessoas colocando-as acima dos cidadãos comuns.

Ao revés, essa previsão constitucional visa a permitir que determinados cargos e funções públicas de maior relevo na estrutura do Estado possam ser exercidos com a necessária independência. Diz José Frederico Marques sobre o assunto: :“Não se trata de privilégio de foro, porque a competência, no caso, não se estabelece ‘por amor dos indivíduos’, e sim em razão ‘do caráter, cargos ou funções que eles exercem’, como ensinava J. A. Pimenta Bueno.

Ela está baseada na ‘utilidade pública e no princípio da ordem e da subordinação e na maior independência do Tribunal Superior’ – como o disse, em 1874, o Supremo Tribunal de Justiça (Paula Pessoa, Código de Processo Criminal, p. 195, nota 1.905), conjuga-se o citado artigo 80 do CPP com as regras da conexão estabelecidas no artigo 76, III, do CPP, em especial, no que concerne à conexão probatória.

A chamada conexão probatória ou instrumental do artigo 76, III, do Código de Processo Penal, não dispensa um liame substancial entre os fatos. Não basta um eventual juízo de conveniência de reunir no mesmo processo fatos similares, mas paralelos, sem nenhuma conexão substancial entre si”.

No Inq 559-QO/MG, também relatado pelo Min. Octávio Gallotti, e julgado em 9/12/1992, o Plenário, por maioria de votos, assentou a necessidade de desmembramento do feito envolvendo três indiciados, um deles parlamentar, uma vez que, ausente a licença da Câmara dos Deputados, exigível à época para iniciar o processamento, com a consequente suspensão da prescrição, tornava-se conveniente a separação do processo, com base no art. 80 do CPP. Eis a ementa do julgamento:
“PROCESSO A QUE RESPONDEM DEPUTADO FEDERAL, ESTANDO PENDENTE CONCESSÃO DE LICENÇA DA CÂMARA, JUNTAMENTE COM OUTROS RÉUS NÃO FAVORECIDOS PELA IMUNIDADE FORMAL NEM PELO FORO ESPECIAL (ARTIGO 53, § 1º E 4º. DA CONSTITUIÇÃO). SEPARAÇÃO DETERMINADA POR RELEVANTE MOTIVO DE CONVENIÊNCIA (ART. 80 DO CPP), DECORRENTE DA DIFERENÇA DO REGIME DE PRESCRIÇÃO A QUE ESTÃO SUJEITOS OS ACUSADOS, VISTO ACHAR-SE O SEU PRAZO SOMENTE SUSPENSO EM RELAÇÃO AO PARLAMENTAR (ART. 53, § 2º DA CONSTITUIÇÃO). REMESSA DE Supremo Tribunal Federal 13 TRASLADO AO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, PARA PROSSEGUIMENTO DO PROCESSO NO JUÍZO DE PRIMEIRO GRAU, COM RELAÇÃO AOS RÉUS PARA CUJO JULGAMENTO ORIGINÁRIO E ELE COMPETENTE”.

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No mesmo sentido o Supremo Tribunal Federal também decidiu pelo desmembramento nos feitos a seguir destacados: Inq 542-QO/DF, redator para o acórdão Min. Néri da Silveira; Inq 242-QO/DF e Inq 736-QO/MS, Rel. Min. Celso de Mello; Inq 675-QO/PB, Rel. Min. Néri da Silveira; Inq 212/DF, Rel. Min. Ilmar Galvão e Inq 1720-Qo/RJ, Rel. Min. Sepúlveda Pertence.
Em havendo necessidade de separação de processos, em especial por conveniência da instrução criminal, preserva-se a prerrogativa de foro do investigado que dela faz jus, remetendo-se ao juízo comum os procedimentos envolvendo outros coinvestigados sem o mencionado privilégio. Sabe-se que, por conexão ou continência, havendo foro privilegiado a um dos coinvestigados, todos os demais serão julgados por Corte Superior. Porém, a regra da conexão ou continência é prevista no Código de Processo Penal e não na Constituição Federal, motivo pelo qual pode ceder às exceções enumeradas na própria legislação infraconstitucional, nos moldes do artigo 80 do Código de Processo Penal, como ensinou GUILHERME DE SOUZA NUCCI(Código de Processo Penal Comentado, 10º edição, pág. 256). Daí porque se torna viável a separação dos processos, levando os réus com foro privilegiado a serem julgados em instâncias diversas dos outros não possuidores de tal prerrogativa, como se lê de julgamento do Supremo Tribunal Federal, no QO no Inq. 2.443 – SP, Pleno Relator Ministro Joaquim Barbosa, 1º de julho de 2008.

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

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