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A inaplicabilidade da lei do farol aceso em avenidas do perímetro urbano:

incongruências, arbitrariedades e indústria monetária

Agenda 11/04/2017 às 11:10

Caso algum condutor tenha seu veículo multado nas avenidas das cidades, por questão da lei do farol aceso, este poderá acionar penal e administrativamente os responsáveis pelo ato.

“É uma experiência eterna a de que todo homem que tem poder tende a abusar dele; ele vai até onde encontra limites”. (Montesquieu)

RESUMO: O presente trabalho tem por escopo precípuo analisar de forma não exauriente a lei nº 13.290/2016 que cria a obrigatoriedade do uso de farol aceso durante o dia nas rodovias no Brasil. Visa também apresentar razões e fundamentos jurídicos para não exigência da obrigação do farol aceso durante o dia nas "rodovias-avenidas" que cortam o perímetro urbano dos municípios brasileiros.

Palavras-Chave. Lei nº 13.290/2016. Farol aceso. Período diurno. Rodovia. Avenida. Inaplicabilidade.

SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO.  2. A LEI Nº 13.290/2016 E A OBRIGATORIEDADE DO USO DE FAROL DURANTE O DIA. 3. DA NECESSIDADE DA MEDIDA. 4. DA INTERPRETAÇÃO SEMÂNTICO-AXIOLÓGICA DO TERMO RODOVIA PREVISTO NA LEI DO FAROL. 5. DAS CONCLUSÕES. DAS REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.


1. INTRODUÇÃO

Todos sabemos que a questão da circulação de veículos exige a combinação de pelo menos três fatores, a saber: máquina, via e condutor.

Assim, nesta visão que se coloca, a máquina ou o veículo deve oferecer segurança necessária para uma circulação segura.

A via deve oferecer condições de segurança para a circulação de veículos, com rodovias em boas condições de circulação, sinalização perfeita e sem buracos.

É por último, o condutor, que deve ter habilidade e atenção para se evitar consequências nefastas para o trânsito.

Não se pode negar que a violência no trânsito brasileiro tem chamado a atenção de autoridades constituídas, que certamente não podem fechar os olhos para o exorbitante número de mortes registradas anualmente, girando em torno de 45 mil mortes nas rodovias do Brasil.

São perdas irreparáveis, para familiares das vítimas, para a saúde pública e para a sociedade em geral que deve suportar os valores das indenizações de condenações pagas pelo Estado.

Infelizmente, o Estado brasileiro quando pensa em tomar providências para minimizar este quadro lastimável, adota tão somente medidas voltadas para punir o condutor, mas esquece de sua obrigação de cuidar das rodovias brasileiras, algumas rotuladas de rodovias da morte, a exemplo da BR- 381, esquecida pelo poder público e cenário de obras inacabadas e desrespeito para com a sociedade em razão da farra com o dinheiro público.

2. A LEI Nº 13.290/2016 E A OBRIGATORIEDADE DO USO DE FAROL DURANTE O DIA.

Em 23 de maio de 2016 foi publicada a Lei em epígrafe, que torna obrigatório o uso, nas rodovias, de farol baixo aceso durante o dia e dá outras providências.

A primeira mudança foi no artigo 40 da Lei nº 9.503/97, passando a vigorar com a seguinte redação:

Art. 40. O uso de luzes em veículo obedecerá às seguintes determinações:

I - o condutor manterá acesos os faróis do veículo, utilizando luz baixa, durante a noite e durante o dia nos túneis providos de iluminação pública e nas rodovias.

A segunda e última mudança foi no artigo 250, inciso I, alínea b) que passou a seguinte redação:

Art. 250. Quando o veículo estiver em movimento:

I - deixar de manter acesa a luz baixa:

a) durante a noite;

b) de dia, nos túneis providos de iluminação pública e nas rodovias; 

O legislador definiu que a infração é média e previu aplicação de pena de multa, com perda de 04 pontos na carteira, art. 259, inciso III, da Lei nº 9.503/97.

3. DA NECESSIDADE DA MEDIDA

É certo que  a criação da nova obrigação aos condutores de veículos deve ter sido baseada em critérios técnicos e talvez estatísticas de acidentes por conta de farol apagado durante o dia.

Confesso ser difícil acreditar que num sol irradiante e estilhaçado de 40 graus alguém não veja um veículo que venha em sentido contrário.

4. DA INTERPRETAÇÃO SEMÂNTICO-AXIOLÓGICA DO TERMO RODOVIA PREVISTO NA LEI DO FAROL.

Logo num primeiro momento, o artigo 60 da Lei nº 9.503/97, apresenta nítida classificação das vias abertas à circulação.

Destarte, as vias abertas à circulação, de acordo com sua utilização, classificam-se em:

I - vias urbanas:

a) via de trânsito rápido;

b) via arterial;

c) via coletora;

d) via local;

II - vias rurais:

a) rodovias;

b) estradas.

Recentemente, a Lei nº 13.281/2016, definiu as velocidades permitidas para as rodovias, que necessariamente, fazem parte do conceito de via rural.

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Assim, segundo a novel legislação, a velocidade nas rodovias depende de ser rodovia de pista dupla ou rodovia de pista simples.

a) nas rodovias de pista dupla:

1. 110 km/h (cento e dez quilômetros por hora) para automóveis, camionetas e motocicletas; 

2. 90 km/h (noventa quilômetros por hora) para os demais veículos; 

3. (revogado);

b) nas rodovias de pista simples:

1. 100 km/h (cem quilômetros por hora) para automóveis, camionetas e motocicletas;   

2. 90 km/h (noventa quilômetros por hora) para os demais veículos;  

c) nas estradas: 60 km/h (sessenta quilômetros por hora).

Sem maiores esforços, fica fácil entender que o próprio Código de Trânsito diz que as rodovias são vias localizadas no zona rural, fora do perímetro urbano.

Logo, nem por censurável contorcionismo exegético, pode-se imaginar que no perímetro urbano a cobrança do farol aceso durante o dia seja obrigatório.

Primeiro porque, no perímetro urbano, como regra geral, a rodovia muda de nome e passa a ser chamada, via de regra, de avenida.

Exemplo típico é na cidade mineira de Teófilo Otoni, Vale do Mucuri, onde passam duas rodovias, a BR-116 e BR-418, aquela recebe o nome de Avenida Alfredo Sá e a segunda, Avenida Sidônio Otoni.

Neste caso, há desconfiguração do conceito de rodovia, e tanto isso é verdade que no pequeno trecho de "rodovia-avenida", existem vários radares regulando a velocidade de 40 km/h, não se adotando aqui a velocidade determinada e permitida pela Lei nº 13.281/2016.

Chega-se ao absurdo da "rodovia-avenida" passar entre dois bairros da cidade, e se fosse o caso de obrigatoriedade estendida, o condutor que transitasse durante o dia na cidade, e tivesse a necessidade de cruzar a "rodovia" para atravessar entre dois bairros, teria que ligar o farol durante o dia, unicamente para travessia. Um absurdo!

E mais. Se o cidadão mora ou tem alguma empresa na "rodovia-avenida", seu endereço postal será o da avenida e não da rodovia.

É certo afirmar que alguns ramos do direito, como o direito penal, não possuem a possibilidade da chamada analogia in malam partem para criminalizar alguém.

A meu sentir, no Direito Administrativo também vigora a máxima da proibição da interpretação analógica para prejudicar o cidadão ofegante do encargo de pagar impostos.

5. DAS CONCLUSÕES

" A Administração não pode proceder com a mesma desenvoltura e liberdade com que agem os particulares, ocupados na defesa de suas próprias conveniências, sob pena de trair sua missão própria e sua razão de existir”. 

(Celso Antônio Bandeira de Mello)

Diante de toda fundamentação jurídica, com toda vênia, o conceito fornecido pelo Código de Trânsito Brasileiro acerca de rodovia, artigo 60, inciso II, alínea a) é claro como luz solar. São vias localizadas na zona rural, contendo velocidades próprias definidas pela Lei nº 13.281/2016.

Na zona urbana, as rodovias perdem sua substância e sua essência, para ganhar contornos de avenidas, com suas particularidades, singularidades, velocidades próprias, praças de comércio e zonas residenciais.

Mesmo no Direito Administrativo, onde prevalece a supremacia do interesse público, jamais poderá o Estado estender o alcance de uma norma para prejudicar o cidadão, sob pena de se criarem interpretações analógicas em detrimento do interesse público.

Dizer que uma avenida num perímetro urbano de um município equivale à rodovia é fazer analogia in malam partem, um desserviço social, e uma forma de sufocar mais ainda o contribuinte, que vive mergulhado numa carga tributária sem precedentes.

Na tríplice vertente de segurança no trânsito, o condutor é sempre o mais prejudicado, e o Estado sempre absenteísta, instituiu o princípio da amnésia funcional ou miopia aguda para esquecer sua função de cuidar da principal causa de acidentes nas rodovias brasileiras, a via, entendida como a superfície por onde transitam veículos, pessoas e animais, compreendendo a pista, a calçada, o acostamento, ilha e canteiro central. 

Nem mesmo o entendimento desarrazoado e açodado de alguns Tribunais Superiores no sentido de estender a obrigatoriedade do uso de faróis acesos nas  "rodovias-avenidas" tem a força de afastar o conceito autêntico do contexto de rodovia, fornecido pela lei em vigor.

A persistir o equivocado entendimento dado pelos Tribunais Superiores acerca do conceito de rodovia, seria melhor substituir o legislador pelo Poder Judiciário, operando ações proativas numa espécie de fusão de poderes com o fito de se buscar a economia no setor público, além de se evitar agravamento da atrofia jurídica que tomou conta deste  país de desmandos, tudo em nome das vaidades institucionais, da faminta guerra pelos espaços midiáticos.

Aqui, mais uma vez, instituiu no país um apêndice da indústria da multa, implantado por um Estado leonino, um modelo de lixo político que se instalou dentro de uma cultura podre, uma classe política hipócrita, desumana e chacal, sem perspectivas de futuro para um povo desenganado e iludido.  

Por fim, a meu sentir, caso algum condutor tenha seu veículo multado nas avenidas das cidades, por questão da Lei do Farol Aceso poderá acionar penal e administrativamente os responsáveis pelo ato, artigo 11 da Lei nº 8.429/92, Lei de Improbidade Administrativa, devendo o Estado responder por danos materiais e morais, cumulativamente, a teor da Súmula 37 do STJ, já que as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa, na melhor forma do artigo 37, § 6º, da Constituição da República de 1988.


DAS REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Código Penal: lei nº. 2.848, de 7 de dezembro de 1940.

BRASIL. Lei nº 13.290, de 23 de maio de 2016.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: Promulgada em 05 de outubro de 1988. http://www2.planalto.gov.br, acesso em 07/04/2017, às 15h53min.

Sobre o autor
Jeferson Botelho Pereira

Jeferson Botelho Pereira. Ex-Secretário Adjunto de Justiça e Segurança Pública de MG, de 03/02/2021 a 23/11/2022. É Delegado Geral de Polícia Civil em Minas Gerais, aposentado. Ex-Superintendente de Investigações e Polícia Judiciária de Minas Gerais, no período de 19 de setembro de 2011 a 10 de fevereiro de 2015. Ex-Chefe do 2º Departamento de Polícia Civil de Minas Gerais, Ex-Delegado Regional de Governador Valadares, Ex-Delegado da Divisão de Tóxicos e Entorpecentes e Repressão a Homicídios em Teófilo Otoni/MG, Graduado em Direito pela Fundação Educacional Nordeste Mineiro - FENORD - Teófilo Otoni/MG, em 1991995. Professor de Direito Penal, Processo Penal, Teoria Geral do Processo, Instituições de Direito Público e Privado, Legislação Especial, Direito Penal Avançado, Professor da Academia de Polícia Civil de Minas Gerais, Professor do Curso de Pós-Graduação de Direito Penal e Processo Penal da Faculdade Estácio de Sá, Pós-Graduado em Direito Penal e Processo Penal pela FADIVALE em Governador Valadares/MG, Prof. do Curso de Pós-Graduação em Ciências Criminais e Segurança Pública, Faculdades Unificadas Doctum, Campus Teófilo Otoni, Professor do curso de Pós-Graduação da FADIVALE/MG, Professor da Universidade Presidente Antônio Carlos - UNIPAC-Teófilo Otoni. Especialização em Combate à corrupção, crime organizado e Antiterrorismo pela Vniversidad DSalamanca, Espanha, 40ª curso de Especialização em Direito. Mestrando em Ciências das Religiões pela Faculdade Unida de Vitória/ES. Participação no 1º Estado Social, neoliberalismo e desenvolvimento social e econômico, Vniversidad DSalamanca, 19/01/2017, Espanha, 2017. Participação no 2º Taller Desenvolvimento social numa sociedade de Risco e as novas Ameaças aos Direitos Fundamentais, 24/01/2017, Vniversidad DSalamanca, Espanha, 2017. Participação no 3º Taller A solução de conflitos no âmbito do Direito Privado, 26/01/2017, Vniversidad DSalamanca, Espanha, 2017. Jornada Internacional Comjib-VSAL EL espaço jurídico ibero-americano: Oportunidades e Desafios Compartidos. Participação no Seminário A relação entre União Europeia e América Latina, em 23 de janeiro de 2017. Apresentação em Taller Avanco Social numa Sociedade de Risco e a proteção dos direitos fundamentais, celebrado em 24 de janeiro de 2017. Doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad Del Museo Social Argentino, Buenos Aires – Argentina, autor do Livro Tráfico e Uso Ilícitos de Drogas: Atividade sindical complexa e ameaça transnacional, Editora JHMIZUNO, Participação no Livro: Lei nº 12.403/2011 na Prática - Alterações da Novel legislação e os Delegados de Polícia, Participação no Livro Comentários ao Projeto do Novo Código Penal PLS nº 236/2012, Editora Impetus, Participação no Livro Atividade Policial, 6ª Edição, Autor Rogério Greco, Coautor do Livro Manual de Processo Penal, 2015, 1ª Edição Editora D´Plácido, Autor do Livro Elementos do Direito Penal, 1ª edição, Editora D´Plácido, Belo Horizonte, 2016. Coautor do Livro RELEITURA DE CASOS CÉLEBRES. Julgamento complexo no Brasil. Editora Conhecimento - Belo Horizonte. Ano 2020. Autor do Livro VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. 2022. Editora Mizuno, São Paulo. articulista em Revistas Jurídicas, Professor em Cursos preparatórios para Concurso Público, palestrante em Seminários e Congressos. É advogado criminalista em Minas Gerais. OAB/MG. Condecorações: Medalha da Inconfidência Mineira em Ouro Preto em 2013, Conferida pelo Governo do Estado, Medalha de Mérito Legislativo da Assembléia Legislativa de Minas Gerais, 2013, Medalha Santos Drumont, Conferida pelo Governo do Estado de Minas Gerais, em 2013, Medalha Circuito das Águas, em 2014, Conferida Conselho da Medalha de São Lourenço/MG. Medalha Garimpeiro do ano de 2013, em Teófilo Otoni, Medalha Sesquicentenária em Teófilo Otoni. Medalha Imperador Dom Pedro II, do Corpo de Bombeiros, 29/08/2014, Medalha Gilberto Porto, Grau Ouro, pela Academia de Polícia Civil em Belo Horizonte - 2015, Medalha do Mérito Estudantil da UETO - União Estudantil de Teófilo Otoni, junho/2016, Título de Cidadão Honorário de Governador Valadares/MG, em 2012, Contagem/MG em 2013 e Belo Horizonte/MG, em 2013.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEREIRA, Jeferson Botelho. A inaplicabilidade da lei do farol aceso em avenidas do perímetro urbano:: incongruências, arbitrariedades e indústria monetária. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5032, 11 abr. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/57016. Acesso em: 22 dez. 2024.

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