“É uma experiência eterna a de que todo homem que tem poder tende a abusar dele; ele vai até onde encontra limites”. (Montesquieu)
RESUMO: O presente trabalho tem por escopo precípuo analisar de forma não exauriente a lei nº 13.290/2016 que cria a obrigatoriedade do uso de farol aceso durante o dia nas rodovias no Brasil. Visa também apresentar razões e fundamentos jurídicos para não exigência da obrigação do farol aceso durante o dia nas "rodovias-avenidas" que cortam o perímetro urbano dos municípios brasileiros.
Palavras-Chave. Lei nº 13.290/2016. Farol aceso. Período diurno. Rodovia. Avenida. Inaplicabilidade.
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO. 2. A LEI Nº 13.290/2016 E A OBRIGATORIEDADE DO USO DE FAROL DURANTE O DIA. 3. DA NECESSIDADE DA MEDIDA. 4. DA INTERPRETAÇÃO SEMÂNTICO-AXIOLÓGICA DO TERMO RODOVIA PREVISTO NA LEI DO FAROL. 5. DAS CONCLUSÕES. DAS REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
1. INTRODUÇÃO
Todos sabemos que a questão da circulação de veículos exige a combinação de pelo menos três fatores, a saber: máquina, via e condutor.
Assim, nesta visão que se coloca, a máquina ou o veículo deve oferecer segurança necessária para uma circulação segura.
A via deve oferecer condições de segurança para a circulação de veículos, com rodovias em boas condições de circulação, sinalização perfeita e sem buracos.
É por último, o condutor, que deve ter habilidade e atenção para se evitar consequências nefastas para o trânsito.
Não se pode negar que a violência no trânsito brasileiro tem chamado a atenção de autoridades constituídas, que certamente não podem fechar os olhos para o exorbitante número de mortes registradas anualmente, girando em torno de 45 mil mortes nas rodovias do Brasil.
São perdas irreparáveis, para familiares das vítimas, para a saúde pública e para a sociedade em geral que deve suportar os valores das indenizações de condenações pagas pelo Estado.
Infelizmente, o Estado brasileiro quando pensa em tomar providências para minimizar este quadro lastimável, adota tão somente medidas voltadas para punir o condutor, mas esquece de sua obrigação de cuidar das rodovias brasileiras, algumas rotuladas de rodovias da morte, a exemplo da BR- 381, esquecida pelo poder público e cenário de obras inacabadas e desrespeito para com a sociedade em razão da farra com o dinheiro público.
2. A LEI Nº 13.290/2016 E A OBRIGATORIEDADE DO USO DE FAROL DURANTE O DIA.
Em 23 de maio de 2016 foi publicada a Lei em epígrafe, que torna obrigatório o uso, nas rodovias, de farol baixo aceso durante o dia e dá outras providências.
A primeira mudança foi no artigo 40 da Lei nº 9.503/97, passando a vigorar com a seguinte redação:
Art. 40. O uso de luzes em veículo obedecerá às seguintes determinações:
I - o condutor manterá acesos os faróis do veículo, utilizando luz baixa, durante a noite e durante o dia nos túneis providos de iluminação pública e nas rodovias.
A segunda e última mudança foi no artigo 250, inciso I, alínea b) que passou a seguinte redação:
Art. 250. Quando o veículo estiver em movimento:
I - deixar de manter acesa a luz baixa:
a) durante a noite;
b) de dia, nos túneis providos de iluminação pública e nas rodovias;
O legislador definiu que a infração é média e previu aplicação de pena de multa, com perda de 04 pontos na carteira, art. 259, inciso III, da Lei nº 9.503/97.
3. DA NECESSIDADE DA MEDIDA
É certo que a criação da nova obrigação aos condutores de veículos deve ter sido baseada em critérios técnicos e talvez estatísticas de acidentes por conta de farol apagado durante o dia.
Confesso ser difícil acreditar que num sol irradiante e estilhaçado de 40 graus alguém não veja um veículo que venha em sentido contrário.
4. DA INTERPRETAÇÃO SEMÂNTICO-AXIOLÓGICA DO TERMO RODOVIA PREVISTO NA LEI DO FAROL.
Logo num primeiro momento, o artigo 60 da Lei nº 9.503/97, apresenta nítida classificação das vias abertas à circulação.
Destarte, as vias abertas à circulação, de acordo com sua utilização, classificam-se em:
I - vias urbanas:
a) via de trânsito rápido;
b) via arterial;
c) via coletora;
d) via local;
II - vias rurais:
a) rodovias;
b) estradas.
Recentemente, a Lei nº 13.281/2016, definiu as velocidades permitidas para as rodovias, que necessariamente, fazem parte do conceito de via rural.
Assim, segundo a novel legislação, a velocidade nas rodovias depende de ser rodovia de pista dupla ou rodovia de pista simples.
a) nas rodovias de pista dupla:
1. 110 km/h (cento e dez quilômetros por hora) para automóveis, camionetas e motocicletas;
2. 90 km/h (noventa quilômetros por hora) para os demais veículos;
3. (revogado);
b) nas rodovias de pista simples:
1. 100 km/h (cem quilômetros por hora) para automóveis, camionetas e motocicletas;
2. 90 km/h (noventa quilômetros por hora) para os demais veículos;
c) nas estradas: 60 km/h (sessenta quilômetros por hora).
Sem maiores esforços, fica fácil entender que o próprio Código de Trânsito diz que as rodovias são vias localizadas no zona rural, fora do perímetro urbano.
Logo, nem por censurável contorcionismo exegético, pode-se imaginar que no perímetro urbano a cobrança do farol aceso durante o dia seja obrigatório.
Primeiro porque, no perímetro urbano, como regra geral, a rodovia muda de nome e passa a ser chamada, via de regra, de avenida.
Exemplo típico é na cidade mineira de Teófilo Otoni, Vale do Mucuri, onde passam duas rodovias, a BR-116 e BR-418, aquela recebe o nome de Avenida Alfredo Sá e a segunda, Avenida Sidônio Otoni.
Neste caso, há desconfiguração do conceito de rodovia, e tanto isso é verdade que no pequeno trecho de "rodovia-avenida", existem vários radares regulando a velocidade de 40 km/h, não se adotando aqui a velocidade determinada e permitida pela Lei nº 13.281/2016.
Chega-se ao absurdo da "rodovia-avenida" passar entre dois bairros da cidade, e se fosse o caso de obrigatoriedade estendida, o condutor que transitasse durante o dia na cidade, e tivesse a necessidade de cruzar a "rodovia" para atravessar entre dois bairros, teria que ligar o farol durante o dia, unicamente para travessia. Um absurdo!
E mais. Se o cidadão mora ou tem alguma empresa na "rodovia-avenida", seu endereço postal será o da avenida e não da rodovia.
É certo afirmar que alguns ramos do direito, como o direito penal, não possuem a possibilidade da chamada analogia in malam partem para criminalizar alguém.
A meu sentir, no Direito Administrativo também vigora a máxima da proibição da interpretação analógica para prejudicar o cidadão ofegante do encargo de pagar impostos.
5. DAS CONCLUSÕES
" A Administração não pode proceder com a mesma desenvoltura e liberdade com que agem os particulares, ocupados na defesa de suas próprias conveniências, sob pena de trair sua missão própria e sua razão de existir”.
(Celso Antônio Bandeira de Mello)
Diante de toda fundamentação jurídica, com toda vênia, o conceito fornecido pelo Código de Trânsito Brasileiro acerca de rodovia, artigo 60, inciso II, alínea a) é claro como luz solar. São vias localizadas na zona rural, contendo velocidades próprias definidas pela Lei nº 13.281/2016.
Na zona urbana, as rodovias perdem sua substância e sua essência, para ganhar contornos de avenidas, com suas particularidades, singularidades, velocidades próprias, praças de comércio e zonas residenciais.
Mesmo no Direito Administrativo, onde prevalece a supremacia do interesse público, jamais poderá o Estado estender o alcance de uma norma para prejudicar o cidadão, sob pena de se criarem interpretações analógicas em detrimento do interesse público.
Dizer que uma avenida num perímetro urbano de um município equivale à rodovia é fazer analogia in malam partem, um desserviço social, e uma forma de sufocar mais ainda o contribuinte, que vive mergulhado numa carga tributária sem precedentes.
Na tríplice vertente de segurança no trânsito, o condutor é sempre o mais prejudicado, e o Estado sempre absenteísta, instituiu o princípio da amnésia funcional ou miopia aguda para esquecer sua função de cuidar da principal causa de acidentes nas rodovias brasileiras, a via, entendida como a superfície por onde transitam veículos, pessoas e animais, compreendendo a pista, a calçada, o acostamento, ilha e canteiro central.
Nem mesmo o entendimento desarrazoado e açodado de alguns Tribunais Superiores no sentido de estender a obrigatoriedade do uso de faróis acesos nas "rodovias-avenidas" tem a força de afastar o conceito autêntico do contexto de rodovia, fornecido pela lei em vigor.
A persistir o equivocado entendimento dado pelos Tribunais Superiores acerca do conceito de rodovia, seria melhor substituir o legislador pelo Poder Judiciário, operando ações proativas numa espécie de fusão de poderes com o fito de se buscar a economia no setor público, além de se evitar agravamento da atrofia jurídica que tomou conta deste país de desmandos, tudo em nome das vaidades institucionais, da faminta guerra pelos espaços midiáticos.
Aqui, mais uma vez, instituiu no país um apêndice da indústria da multa, implantado por um Estado leonino, um modelo de lixo político que se instalou dentro de uma cultura podre, uma classe política hipócrita, desumana e chacal, sem perspectivas de futuro para um povo desenganado e iludido.
Por fim, a meu sentir, caso algum condutor tenha seu veículo multado nas avenidas das cidades, por questão da Lei do Farol Aceso poderá acionar penal e administrativamente os responsáveis pelo ato, artigo 11 da Lei nº 8.429/92, Lei de Improbidade Administrativa, devendo o Estado responder por danos materiais e morais, cumulativamente, a teor da Súmula 37 do STJ, já que as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa, na melhor forma do artigo 37, § 6º, da Constituição da República de 1988.
DAS REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Código Penal: lei nº. 2.848, de 7 de dezembro de 1940.
BRASIL. Lei nº 13.290, de 23 de maio de 2016.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: Promulgada em 05 de outubro de 1988. http://www2.planalto.gov.br, acesso em 07/04/2017, às 15h53min.