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Aplicação da teoria da justiça de John Rawls para prevenção da criminalidade

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Agenda 27/05/2017 às 10:10

Segundo John Rawls, o modelo de Justiça ideal é aquele proveniente de um acordo social entre os cidadãos. Saiba um pouco mais sobre sua Teoria da Justiça e como ela poderia ser aplicada no atual cenário de criminalidade brasileiro.

RESUMO: Analisa-se a possibilidade de a Teoria da Justiça, conforme proposta por John Rawls constituir-se como meio para prevenção da criminalidade. A teoria da justiça como equidade de John Rawls busca alternativas para melhor distribuição de bens e riquezas na sociedade. Em contrapartida, uma das maiores causas de ocorrência da criminalidade são fatores relacionados à desigualdade social. Por conseguinte, verifica-se que havendo a diminuição das desigualdades sociais, decorre a possibilidade da redução da criminalidade e, para que isto ocorra, é feita uma interação com as importantes reflexões apresentadas por John Rawls, principalmente quanto ao dever das instituições sociais em garantir os direitos básicos de igualdade e liberdade de cada indivíduo integrante da sociedade, de modo a não haver desarmonias nos interesse sociais. Esse diálogo entre a teoria da justiça com o ideal de prevenção da criminalidade leva a construção de uma relação eficaz com a finalidade comum de alcançar justiça através da realização dos direitos fundamentais.

PALAVRAS-CHAVE: TEORIA DA JUSTIÇA; JOHN RAWLS; DESIGUALDADES SOCIAIS; PREVENÇÃO DA CRIMINALIDADE.


INTRODUÇÃO

O presente estudo busca verificar a contribuição da teoria da justiça de John Rawls para a prevenção da criminalidade.

A importância do tema reside especialmente no fato de que é possível justificar a prevenção da criminalidade na ideia de justiça concebida por John Rawls, apresentada como uma resposta a diversas questões de ordem social que levam à pratica de crimes.

À vista disso, a justificativa da pesquisa realizada ocorre por ser o ideal de justiça o objetivo mais importante da organização social. E diante das gritantes desigualdades que assolam as sociedades, a necessidade de justiça se agiganta. As injustiças são responsáveis pelas instabilidades sociais, políticas, econômica e culturais, causando situações caóticas, como o progresso da criminalidade.

Assim, inicialmente explicam-se as causas que originam a criminalidade. No entanto, entendendo que questões criminais são demasiadamente complexas, todas capazes de gerar ampla discussão, uma vez que envolve diversas teorias motivacionais do crime, seguido de questões relativas a efetividade punitiva do Estado, proporcionalidade e necessidade da pena e sistema carcerário ineficientes,  as observações apontadas nessa parte inicial e no decorrer do trabalho se limita a aplicação da teoria da justiça apenas as causas relacionadas aos fatores sociais que podem desencadear o crime.  

Acredita-se que compreender as causas e trabalhá-las em sua origem, está se enfrentando a raiz da questão, atingindo indiretamente e definitivamente o objeto principal.

Em seguida é feita uma análise da teoria da justiça de John Rawls, apresentando suas principais convicções, com destaque para aquelas que contribuem significativamente ao trabalho.

Previamente salienta-se que a ideia de justiça é estruturada em John Rawls com base na liberdade individual e na igualdade ideal sendo decisiva para a implementação e a avaliação da justiça nas sociedades contemporâneas. 

E por esse motivo, se estabelece uma relação entre a teoria apresentada e as formas de prevenção da criminalidade, pois a teoria produz todo o embasamento, ou melhor, apresenta todos os princípios e valores necessários para resolver as adversidades produzidas pela sociedade, incluindo aquelas relacionados ao crime.

Desta forma, tem o Estado, elementos consistentes e equilibrados para desenvolver políticas públicas capazes de resolver os distúrbios enfrentados pelo meio social.

O objetivo deste esboço, portanto, é trazer uma reflexão inicial esperançosa, baseada em uma interação de estudos pertinentes das áreas de criminologia, filosofia e sociologia, sem o intuito de esgotar o tema, uma vez que possui conteúdo complexo, que pode levar a diferentes conclusões e buscando provocar, com honestidade, um desconforto proposital com relação à matéria, para que se possa pensar em utilizar-se dos melhores meios para alcançar a justiça material.


1 CAUSAS QUE ORIGINAM A CRIMINALIDADE

Observando a correlação de certas condições da vida social do homem com a perpetração do crime, infere-se que a criminalidade está vinculada a diversos aspectos, sendo os fatores sociais uma das causas que com maior freqüência são relacionadas aos motivos determinantes do crime.

No entanto, compete esclarecer que há diversas teorias para explicar o que gera a criminalidade.

Existem, por exemplo, linhas de pesquisa que buscam a causa do crime no indivíduo que o comete, seja do ponto de vista biológico, como as características físicas do criminoso, transmissão genética entre familiares do condenado e culpa da má nutrição pelo comportamento delituoso, bem como aquelas que procuram as causas do crime na psique do criminoso (VERGARA, 2016).

Apesar dessas teorias, há um consenso de que o meio em que o indivíduo vive é a resposta para o crime, indicando Penteado Filho (2012, p.174) que “a vertente sociológica da criminalidade alcança níveis de influência altíssimos na gênese delitiva.”

Portanto, as causas da criminalidade são formadas por fatores internos e externos. Todavia, serão abordados aqui apenas os fatores externos ou sociais delimitados ainda a aqueles mais citados, mais conhecidos pela sociedade.

São diversos os fatores externos ou sociais apontados como impulsionadores do crime como a pobreza, miséria, desemprego e subemprego, fome, falta de educação, deterioração da estrutura familiar, falta de formação moral, más companhias, etc (FARIAS JUNIOR, 2001, p. 58-59).

Pobreza e desigualdade social é há tempos considerada com uma patologia social e diversos são os estudos demonstrando como essa questão está na base do desvio social. Conforme expôs Álvaro Mayrink da Costa (1982, p. 478) “no enfoque sociológico, se a pobreza não é causa direta do crime, grande parte dos delitos vivenciados possuem inteira relação com as condições de pobreza existentes.”

As estatísticas criminais também demonstram haver uma proximidade entre pobreza e criminalidade. As causas da pobreza, como má distribuição de renda e desordem social, somente funcionam para inflar o sentimento de exclusão, revolta social e consequentemente, a criminalidade (PENTEADO FILHO, 2012)

Não obstante, importa ressaltar que o crime também é praticado por aqueles abastados, porém, as motivações destes não estão ligadas às injustiças individuais sofridas.

Além da pobreza, temos a fome como causa determinante de muitos delitos, como o furto famélico, impulsionado pela falta de alimentos. É o que demonstra, por exemplo, um julgado do Tribunal de Justiça de Rondônia:

APELAÇÃO CRIMINAL. FURTO QUALIFICADO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. SUBTRAÇÃO DE 06 (SEIS) SACOLINHAS DE AMENDOIM. ESTADO DE NECESSIDADE. HIPÓTESE DE FURTO FAMÉLICO. RECONHECIMENTO. ABSOLVIÇÃO. Inaplicável o princípio da insignificância na hipótese de furto qualificado, ante o maior grau de reprovabilidade da conduta. Impõe-se o reconhecimento do estado de necessidade do agente que subtrai 06 (seis) sacolinhas de amendoim de estabelecimento comercial, quando demonstrado, pelas circunstâncias e prova dos autos, que praticou o fato para mitigar a fome, que a subtração foi de coisa capaz de diretamente contornar a emergência, que não teve condições de evitar o comportamento lesivo, bem como diante da insuficiência dos recursos. (TJ-RO - APL: 00042714420158220000 RO 0004271-44.2015.822.0000, Relator: Desembargadora Ivanira Feitosa Borges, Data de Julgamento: 10/09/2015, 1ª Câmara Criminal, Data de Publicação: Processo publicado no Diário Oficial em 17/09/2015.) Grifos nossos

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Outro fator relevante é a falta de educação ou sua baixa qualidade. Sabe-se que educação é um dos principais mecanismos de inclusão social, e a sua ausência ou insuficiência favorece o desvio para o mundo da criminalidade. É indiscutível a afirmação de que quanto pior os índices de educação, maior as taxas de criminalidade. Nessa perspectiva,

A educação e o ensino são fatores inibitórios de criminalidade. No entanto, sua carência ou defeitos podem contribuir para estabelecer um senso moral distorcido na primeira infância. Assim, a educação informal (família, sociedade) e a formal (escola) assumem relevância indisfarçável na modelagem da personalidade humana. (PENTEADO FILHO, 2012, p. 179)

Essas principais causas sociais da criminalidade apresentadas estão evidentes nos levantamentos feitos das características sociais dos presos nos sistemas penitenciários brasileiros e no perfil dos menores infratores que cumprem medidas socioeducativas.

Pelo último relatório do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen), relativo a dezembro de 2014, apontou-se que os presos do sistema penitenciário brasileiro são majoritariamente jovens, negros, pobres e de baixa escolaridade. Os negros totalizam uma média aproximada de 67% dos presos e de acordo com os dados apresentados, oito em cada dez pessoas presas estudaram, no máximo, até o ensino fundamental.

O mesmo documento indica a natureza dos crimes pelos quais estavam presos, atingindo 27% dos detentos que respondiam ou foram condenados por crime de tráfico de drogas, 21% por roubo, 11% por furto e 14% por homicídio.

Além disso, um relatório sobre adolescentes em conflito com a lei, publicado em 2015 pelo Instituto de Pesquisa Econômica aplicada (IPEA), mostrou que o fenômeno contemporâneo do ato infracional juvenil está associado não a pobreza ou a miséria em si, mas, sobretudo, a desigualdade social e a dificuldade no acesso as políticas sociais de proteção implementadas pelo Estado.

De acordo com este levantamento, os menores infratores cumprindo medida socioeducativa de privação de liberdade são compostos por 95% do sexo masculino, 60% negros, 66% vivem em famílias extremamente pobres e 51% não frequentam escola. As principais infrações cometidas são roubo (40%) e tráfico de drogas (23,5%).

Interessante ressaltar ainda as perdas geradas pela criminalidade. Rodrigo Vergara (2016) apresenta um cálculo feito pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento que estima uma perda de 10% do PIB nacional para o crime, que dá em torno de 10 milhões de reais por ano. Em suas palavras,

O total das perdas causadas pela criminalidade é incalculável – como medir o valor de uma vida para os familiares de uma vítima de assassinato? –, mas, de um ponto de vista puramente monetário, um cálculo feito pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) dá uma idéia do impacto financeiro do crime no Brasil. Segundo essa estimativa, que leva em conta prejuízos materiais, tratamentos médicos e horas de trabalho perdidas, o crime rouba cerca de 10% do PIB nacional, o que dá mais de 100 bilhões de reais por ano. 

Com base na análise apresentada, fica claro que as desigualdades sociais ocasionadas pela miséria, pela falta de educação de qualidade, pelas diferenças de raça e ausência de políticas públicas estão diretamente associadas a criminalidade. 

Percebe-se, com isso, que não basta combater a criminalidade somente após o cometimento da infração através da ressocialização e recuperação do deliquente, mas é necessário erradicar as causas criminológicas, aquelas que motivam a incidência no crime (FARIAS JÚNIOR, 2001, p. 48).

Penteado Filho (2012, p. 137) entende que, para alcançar o verdadeiro objetivo do Estado de Direito, que é a manutenção da paz e da harmonia social, mostra-se incontestável adotar medidas que atinjam indiretamente o delito, asseverando que:

Em regra, as medidas indiretas visam as causas do crime, sem atingi-lo de imediato. O crime só seria alcançado porque, cessada a causa, cessam os efeitos (sublata causa tolitur efectus). Trata-se de excelente ação profilática, que demanda um campo de atuação intenso e extenso, buscando todas as causas possíveis da criminalidade, próximas ou remotas, genéricas ou específicas.

Assim, nota-se a importância das ações preventivas por parte do Estado para garantir a redução da criminalidade, embora ainda sejam pouco utilizadas, pois há um apelo excessivo para as medidas repressivas, para as ações diretas, que aparentam solucionar as questões criminais, mas apenas conseguem remediar o problema, o que não é o mais desejado nesses casos.

Todavia, reforça-se que a redução das desigualdades sociais não acabaria com a criminalidade por si só, uma vez que diversos fatores contribuem para o crime e não apenas as questões sociais, mas acredita-se, desde já, que aumentando o bem estar geral, priorizando a igualdade e a liberdade dos indivíduos, cria-se uma grande probabilidade de reduzir a pratica de crimes, desencadeando ademais, uma sucessão de reações favoráveis para a sociedade. 


2 TEORIA DA JUSTIÇA DE JOHN RAWLS

A justiça sempre foi tema de debate na sociedade. Grandes filósofos de diversas épocas buscaram a conceituação de justiça e várias foram as teorias para tentar explicá-la, sendo sempre associada à ideia de equidade.

A importância da justiça se dá primordialmente no fato de ser um elemento de equilíbrio entre os interesses individuais e o bem estar comum.

No entanto, os principais obstáculos ao desenvolvimento humano e social, intensificado pelo processo de globalização, são as desigualdades do mundo contemporâneo. E através dessas evoluções sociais, vinculou-se o justo à equidade econômica.

Em vista disso, num cenário em que cada vez mais se discute a desigualdade social e a necessidade de distribuição de renda equitativa, o filósofo norte-americano John Rawls apresenta uma nova visão de justiça, preocupado em buscar alternativas para uma melhor distribuição de bens e riquezas na sociedade.

Considerado como grande pensador social do século XX e sendo um autentico sucessor da matriz ideológica de Hobbes, Rousseau e Locke, cuja obra de maior importância, denominada “Uma Teoria da Justiça” criada em 1971 recebeu notável influência dos pensamentos de Kant, na tentativa de reformular o conceito de justo. 

Através da Teoria da justiça, Rawls busca esclarecer o contrato social, como devendo ser um consenso original visando inicialmente estruturar a sociedade com princípios de justiça para manter a segurança e a plena liberdade individual.

Contudo, pensar em justiça e dá-la um conceito absoluto é uma tentativa fracassada, uma vez que a mesma carrega em si um caráter eminentemente ideológico. Chaïm Perelman (1996, p.03) adverte que não existe uma única concepção de justiça, sua noção pode variar no tempo e no espaço, comportando modificações de acordo com os valores sociais em que esta inserida.

Mas pode se extrair da noção de justiça, um núcleo intangível, com certo consenso em algumas convicções sobre o tema.  Rawls, na construção da sua teoria de justiça apresenta a ideia de justo a um mínimo inviolável para viabilizar a convivência harmônica em sociedade.  Nesse sentido, expõe que os direitos fundamentais do ser humano estão assegurados pela justiça:

Cada pessoa possui uma inviolabilidade fundada na justiça que nem mesmo o bem-estar da sociedade como um todo pode ignorar. Por essa razão, a justiça nega que a perda da liberdade de alguns se justifique por um bem maior partilhado por outros. Não permite que os sacrifícios impostos a uns poucos tenham menos valor que o total maior das vantagens desfrutadas por muitos. Portanto numa sociedade justa as liberdades da cidadania igual são consideradas invioláveis; os direitos assegurados pela justiça não estão sujeitos a negociação política ou ao calculo de interesses sociais. A única coisa que nos permite aceitar uma teoria errônea e a falta de uma teoria melhor; de forma análoga, uma injustiça é tolerável somente quando é necessária para evitar uma injustiça ainda maior. Sendo virtudes primeiras das atividades humanas, a verdade e a justiça são indisponíveis. (RAWLS, 2000, p. 4)

Dessa forma, apesar de o conceito de justiça ser variável, há um núcleo fundamental a seguir, que hoje pode ser identificado com os direitos fundamentais assegurados a todo ser humano.

Segundo John Rawls, o modelo de justiça ideal é aquele proveniente de um acordo social entre os cidadãos. Em seu estudo teórico, os indivíduos, reunidos em uma situação inicial, chamada por ele de “posição original”, ignoram todas as circunstâncias anteriores a essa situação hipotética, inclusive seus dotes naturais e status social, para a partir de então, estabelecer os princípios justos a reger a vida social.

Esse estado de desprezar heranças sociais e acasos naturais é concebido como “véu da ignorância”, necessário para não favorecer e nem prejudicar ninguém, colocando todas as pessoas em um patamar semelhante, sem condições de definir algum direito que privilegie sua condição particular.

Somente dessa forma seria possível definir parâmetros de justiça, que dada por uma negociação e acordos equitativos, estabelece uma condição inicial de igualdade, no qual, juntamente com a liberdade, são considerados por John Rawls como valores invioláveis para definir quais os princípios necessários para uma sociedade justa.

Esse é a pensamento principal da obra de Rawls, apresentando a justiça como uma ideia de equidade, afirmando que:

Todos os valores sociais - liberdade e oportunidade, renda e riqueza, e as bases sociais da auto-estima - devem ser distribuídos igualitariamente a não ser que uma distribuição desigual de um ou de todos esses valores traga vantagens para todos. (2000, p.66)

Bittar e Almeida (2005, p. 389), analisando a obra do John Rawls, afirmam que se trata de uma verdadeira teoria da justiça como equidade, com a peculiaridade da mesma se dar no momento inicial em que se definem as premissas com as quais se conceberão as estruturas institucionais da sociedade. E ainda,

O que motiva a formação da teoria da justiça como equidade não é uma atenção especial pelo indivíduo e seu poder de ação voluntária e ética, fundada no hábito, mas uma preocupação com o coletivo, com o público, com o institucional; aqui estão os elementos para a compreensão da exata dimensão da abrangência da teoria de Rawls. (Idem ibdem, p. 403)

Intente frisar, no entanto, que Rawls entende não haver injustiça na existência de uns mais ricos do que outros, desde que todos concomitantemente melhorem a própria situação.

Esse aspecto se ajusta perfeitamente ao ideal capitalista, que é inevitável nas sociedades modernas, tendo na democracia a importante condição de ordem social e mútuo desenvolvimento.

Com efeito, a justiça como equidade seria definida por uma sociedade de cooperação onde todos os indivíduos aceitam e conhecem os princípios de justiça, dado que, as instituições aplicam os mesmos, de modo a gerar reciprocidade entre todos os membros da sociedade.

Ademais, Rawls defende que a justiça é a virtude primeira das instituições sociais, de modo que, as leis e as instituições que não forem justas, por mais eficazes que sejam, devem ser reformuladas e abolidas (RAWLS, 2000, p. 3-4).

Neste âmbito, o papel das instituições sociais é garantir o equilíbrio entre os direitos e deveres básicos a cada indivíduo integrante da sociedade, para que não exista desarmonia nos interesses sociais. Nessa medida:

[...] pensar a justiça com John Rawls é pensar em refletir acerca do justo e do injusto das instituições. Qual seria a melhor forma de administrar a justiça de todos senão por meio das instituições sociais? Não se quer tratar do fenômeno na esfera da ética de cada indivíduo, da ação humana individualmente tomada, das concepções plúrimas que se possam produzir sobre a justiça, o que não deixa de ser considerado relevante; quer-se, pelo contrário, disseminar a ideia de que a justiça das instituições é que beneficia ou prejudica a comunidade que a elas se encontra vinculada. Uma sociedade organizada é definida exatamente em função da organização de suas instituições, sabendo-se que estas podem ou não realizar os anseios de justiça do povo ao qual se dirigem. (BITTAR E ALMEIDA, 2005, p. 390-391)

Essa questão, de como os direitos e deveres são distribuídos na sociedade é o cerne da teoria apresentada, é o que importa para a justiça social.

Prosseguindo, conforme explanado, a igualdade e a liberdade são vistas como valores fundamentais dos ideais de justiça. John Rawls apresenta-os, dessa forma, em dois princípios, definidos com a seguinte condição:

Primeiro: cada pessoa deve ter um direito igual ao mais abrangente sistema de liberdades básicas iguais que seja compatível com um sistema semelhante de liberdades para as outras.

Segundo: as desigualdades sociais e econômicas devem ser ordenadas de tal modo que sejam ao mesmo tempo (a) consideradas como vantajosas para todos dentro dos limites do razoável, e (b) vinculadas a posições e cargos acessíveis a todos. (RAWLS, 2000, p.64)

Através do primeiro princípio que trata das liberdades pode se depreender que, para que exista a justiça, é necessária a garantia de acesso aos direitos fundamentais a todos, sendo alguns dos mais importantes, os direitos políticos, direito a propriedade privada, proteção contra a prisão e detenção arbitrárias, liberdade de consciência e pensamento, dentre outras.

Já o segundo princípio assevera que as desigualdades sociais e econômicas devem trazer o maior benefício para os menos favorecidos e vincular a todos, condições de igualdade de oportunidades.  Ainda,

[...] o segundo principio se aplica a distribuição de renda e riqueza e ao escopo das organizações que fazem uso de diferenças de autoridade e de responsabilidade. Apesar de a distribuição de riqueza e renda não precisar ser igual, ela deve ser vantajosa para todos e, ao mesmo tempo, as posições de autoridade e responsabilidade devem ser acessíveis a todos. Aplicamos o segundo principio mantendo as posições abertas, e depois, dentro desse limite, organizando as desigualdades econômicas e sociais de modo que todos se beneficiem. (RAWLS, 2000, p. 65)

Importante frisar que estes princípios devem ser aplicados em uma ordem, de modo que o primeiro seja prioritário ao segundo, o que significa dizer que não se justifica violar o principio da liberdade em prol de obter maiores vantagens sociais e econômicas. Somente é possível aceitar a limitação a uma liberdade básica em prol de outra liberdade (RAWLS, 2000, p.64).

Registra-se que para Rawls somente através desses princípios os indivíduos conseguiram chegar a um acordo e alcançar uma sociedade ordenada:

[...] uma sociedade e bem-ordenada não apenas quando esta planejada para promover o bem de seus membros mas quando e também efetivamente regulada por uma concepção publica de justiça. Isto é, trata-se de uma sociedade na qual (1) todos aceitam e sabem que os outros aceitam os mesmos princípios de justiça, e (2) as instituições sociais básicas geralmente satisfazem, e geralmente se sabe que satisfazem, esses princípios. (RAWLS, 2000, p.5)

Nessa linha de raciocínio, Bittar e Almeida (2005, p.395) comentam que

São esses princípios os reguladores de toda atividade institucional que vise distribuir direitos e deveres, benefícios e ônus. O primeiro princípio define as liberdades, enquanto o segundo princípio regula a aplicação do primeiro, corrigindo as desigualdades. Sendo impossível erradicar a desigualdade entre as pessoas, o sistema institucional deve prever mecanismos suficientes para o equilíbrio das deficiências e desigualdades, de modo que estes se voltem em benefício da própria sociedade.

A missão desses dois princípios, portanto, é fazer com que todos participem da melhor forma possível das estruturas sociais, facilitando a manutenção da organização da sociedade. Se a estrutura cooperativa da sociedade é justa e possui meios para se manter, é possível afirmar que há espaço para realizações pessoais, sempre pensando em melhorar a condição do outro e respeitar as condições impostas pelo pacto para a preservação de todos (BITTAR E ALMEIDA, 2005, p. 398).

Destaca-se, ainda, que aliado ao compromisso das instituições sociais em manter as condições de igualdade e liberdade, está o encargo dos indivíduos que pactuaram o acordo original em ter um senso de justiça, para a partir dos princípios já estabelecidos, definir outros conceitos morais, mantendo e fortificando a estabilidade organizacional da sociedade.

Rawls (2000, p. 156) explica que, quando as partes reconhecem os princípios acordados e tem uma certificação pública entre eles desse fato, presume-se que essa condição assegura a integridade do acordo feito na posição original, uma vez que se sabe não sê-lo em vão, estarão comprometidos em garantir o respeito a esses princípios através de sua capacidade para um senso de justiça. Nestes termos:

Uma característica importante de uma concepção da justiça e que ela deve gerar a sua própria sustentação. Seus princípios devem ser tais que, quando são incorporados na estrutura básica da sociedade, os homens tendem a adquirir o senso de justiça correspondente e desenvolver um desejo de agir de acordo com esses princípios. (RAWLS, 2000, p.148)

Desse modo, agir de acordo com os princípios, reconhecendo com o tempo que a estrutura básica da sociedade os satisfazem, gera nas pessoas sujeitas a essas ordenações a tendência em desenvolver um desejo de agir de acordo com os mesmos (Idem ibdem, p. 192).

Percebe-se, assim, a importância dos indivíduos terem esse senso de justiça, de modo a gerar um beneficio a todos através dessa cooperação social. E isso garante a aceitação do sistema, pois está sendo favorável as pessoas, que tendem a defender e apoiar qualquer coisa que assegure o seu próprio bem.

Essa teoria da justiça desenvolvida por Rawls teve também como objetivo formular uma alternativa a teoria utilitarista que dominou o pensamento político anglo-saxão. Para Rawls (2000, p. XIV), o utilitarismo não era capaz de suprir o fundamento das instituições da democracia constitucional, pois existem demandas individuais que não podem ser ignoradas, em razão de não ser justo passar por cima de certas exigências individuais em prol da felicidade da maioria.

Tal pensamento coaduna-se com as suas demais observações, na medida em que os seres humanos são detentores de direitos individuais fundamentais invioláveis, que devem ser observados primordialmente na distribuição da justiça social.

Desta forma, feita essas considerações sobre a teoria da justiça de John Rawls, evidencia-se que, mesmo em sociedades democráticas, poucas conseguiram ou buscam almejar as ideias disseminadas na obra analisada, seja por interesses opostos ou por falta de persistência, dado ser um trabalho intenso e em longo prazo.

Independente das dificuldades na aplicação prática, trata-se de uma teoria em potencial que traz medidas essenciais para as sociedades contemporâneas e como se verá por fim, tem idoneidade suficiente para solucionar diversos problemas sociais, como a questão da criminalidade que inquieta governantes e governados nesse meio.  

Sobre o autor
Claudio Ribeiro Barros

Advogado, Possui graduação em Direito pelo Centro de Ensino Superior de Vitória e graduação em Administração pela Fundação de Assistência e Educação - FAESA, M.B.A - Master in Business Administration - em Gestão Empresarial pela UVV, especialização em Criminologia pelo Centro de Ensino Superior de Vitória, especialização em Docência do Ensino Superior pelo Cesv, especialização em Direito Público Constitucional, Administrativo e Tributário pela UNESA, Mestrado em Andamento Direitos e Garantias Fundamentais pela FDV. Atua como professor na graduação de Direito no Centro de Ensino Superior de Vitória, e Professor na Pós Graduação. Participou da Comissão Legislativa da lei 8.666/93 de Licitações e Contratos. Atualmente está produzindo duas obras literárias: Direito Penal Mínimo - Desnecessidade da Tutela Penal nos Crimes Contra a Administração Pública (fase inicial de elaboração e pesquisa), e Curso de Direito Penal Simplificado - Parte Especial (finalizando).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARROS, Claudio Ribeiro. Aplicação da teoria da justiça de John Rawls para prevenção da criminalidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5078, 27 mai. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/57244. Acesso em: 5 nov. 2024.

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