4 FIXAÇÃO DE PREÇOS
4.1 FIXAÇÃO DE PREÇOS NA EXPLORAÇÃO DA ATIVIDADE ECONÔMICA
Na análise da constitucionalidade do Poder Público implementar o tabelamento de preço de medicamentos, é de fundamental importância promover, preliminarmente, o estudo do que se entende, atualmente, por "intervenção do Estado no domínio econômico", já que a citada medida é uma forma desta, assim como de suas especificidades e dos fatores que a ela se ligam, para então, em um segundo momento, proceder-se ao enfoque específico do tabelamento de preços daquele produto.
Considerando que a monografia versa sobre a questão específica da intervenção do Estado no domínio econômico por intermédio do tabelamento de preços de remédios, é fundamental destacar o que se tem como definição de preço: "Preço. 1. Custo unitário de alguma coisa posta à venda. 2. valor. 3. Prestação pecuniária a cargo do comprador, no contrato de compra e venda. 4. Compensação, recompensa, prêmio. 5. Castigo, punição. 6. importância, merecimento, valia. 7. Perfeição, quilate, excelência." (FERREIRA, 1986, p. 1380).
PREÇO. Do latim pretium, entende-se o valor ou a avaliação pecuniária atribuída a uma coisa, isto é, o valor dela determinado por uma soma em dinheiro. Geralmente, preço e custo são tidos como equivalentes. Mas, em regra, o custo significa o preço de produção ou o valor monetário por que a coisa foi adquirida. Possui, assim, sentido mais estrito, porquanto preço entende-se toda avaliação monetária ou todo valor pecuniário, atribuído à coisa, sem alteração ou custo originário ou preço de custo. Representa a soma em dinheiro, em que se determina o valor da coisa para que sirva de base à operação de que será objeto. É assim que, nas vendas, é a quantia ou a soma pecuniária a ser paga pelo comprador. Nas locações, é também a soma em dinheiro a ser paga pelo locatário. Designa, sempre, um valor expresso em dinheiro. E, relativamente às mercadorias, entende-se em sentido equivalente à cotação. (SILVA, 1999, p. 628).
J. Petrelli Gastaldi, assim define-o: "Preço é quantidade de dinheiro pela qual uma mercadoria é vendida. Representa uma relação de troca das mercadorias permutadas, relação essa expressa em moeda" (GASTALDI, 1995, p. 208).
O autor, em sua obra, cita o comentário de Luiz Souza Gomes: "Estabelecido o desejo de adquirir-se uma utilidade (bens ou serviços), surge um elemento quantitativo expresso pelo ‘preço’, que nos diz quantas peças de moeda ou fração desta devemos dar em troca" (GASTALDI, 1995, p. 208).
Há, ainda, os que compreendem "preço" como a recompensa em pecúnia por um bem ou serviço prestado, o qual se compra ou se utiliza; e os que o consideram a relação numérica estabelecida entre a moeda e o valor subjetivo da coisa ou serviço.
Na economia brasileira atual há diversas modalidades de preços e, para melhor compreendê-las, configura-se pertinente a classificação do professor Hely Lopes Meirelles, destacada na obra de Toshio Mukai: "Os preços privados são próprios e característicos da livre empresa; os semiprivados resultam da conjunção dos interesses públicos e privados; e os preços públicos são as tarifas, fixadas exclusivamente pelo Poder Público para os bens e serviços próprios ou delegados" (MUKAI, 1999, p. 117). No que tange ao preço de medicamentos, em princípio, há liberdade para os laboratórios que os fabricam estabelecerem-no, já que privados, salvo a hipótese em que o Estado tenha determinado os valores a serem cobrados, por conta de um tabelamento. Porém, este constitui-se em uma situação de excepcionalidade, sendo a regra a liberdade de escolha da empresa.
Nesse viés, é admissível a fixação, assim como o controle de preços privados atinentes aos bens e serviços essenciais ao consumo e uso popular, dentre os quais se incluem os remédios, sendo a União, privativamente, competente para proceder a eventuais tabelamentos, visto que estes representam um modo de intervenção estatal no domínio econômico e tal prerrogativa é assegurada apenas àquele ente federado. Cabe à União criar a legislação referente à matéria, bem como organizar os mecanismos disciplinadores da ação econômica. Quanto aos Estados e Municípios, só incumbem-lhes as atribuições de polícia administrativa, de condicionamento do uso da propriedade ao bem-estar social e de ordenação das atividades econômicas, nos lindes das normas federais. Estes entes apenas poderão proceder à intervenção na esfera comercial quando houver delegação pelo Governo Federal, o qual é o detentor do poder nessa área.
Uma vez verificada a situação supra-mencionada (pelo tabelamento de preço de medicamentos), está-se diante de um mecanismo de intervenção estatal. Contudo, antes de delinear pormenores a seu respeito, resta necessário conceituá-la, juridicamente, para que melhor se possa compreendê-la. O termo "intervenção", dentro do contexto do presente trabalho (materializada pelo tabelamento de preços de remédios), pode ser entendido como o momento ou lapso temporal em que o Estado exerce suas atribuições além da órbita pública, interferindo no setor privado. É o que acontece quando ele interfere na atividade de laboratórios farmacêuticos. Corroborando esta afirmação, está o ensinamento do professor Eros Roberto Grau, que ora se transcreve: "A intervenção, pois, na medida em que o vocábulo expressa, na sua conotação mais vigorosa, precisamente, atuação em área de outrem. (...) Intervenção indica, em sentido forte (isto é, na sua conotação mais vigorosa), no caso, atuação estatal em área de titularidade do setor privado." (GRAU, 2002, p. 130/131). Relativamente ao controle de preços, esta atuação ocorre na esfera do mercado, ou dos particulares, já que, via de regra, são os que estabelecem os valores das mercadorias postas a disposição da população para consumo, tal como os mais variados remédios. Aqui, o Estado se faz presente em uma área em relação à qual, via de regra, deve restar inerte, deixando que as empresas fabricantes deste bem definam o valor a ser cobrado por ocasião de sua venda.
A professora Lúcia Valle Figueiredo tece um comentário concernente à intervenção: "Intervir é interferir, intrometer-se. A intromissão será devida ou indevida, dependendo do respeito ou desrespeito às balizas constitucionais" (FIGUEIREDO, 2000, p. 81).
Destaca-se, também, a Doutrina de Hely Lopes Meirelles:
Para o uso e gozo dos bens e riquezas particulares o poder Público impõe normas e limites e, quando o interesse público o exige, através de atos de império a satisfazer as exigências coletivas e a reprimir a conduta anti-social da iniciativa particular (...) Na ordem econômica o Estado atua para coibir os excessos da iniciativa privada e evitar que desatenda às suas finalidades, ou para realizar o desenvolvimento nacional e a justiça social, fazendo-o através da repressão ao abuso do poder econômico, do controle dos mercados e do tabelamento de preços (MEIRELLES, 2002, p. 507/508).
No que respeita à possibilidade do Estado interferir na esfera da economia, pronunciou-se o Ministro Celso de Mello:
Reveste-se de legitimidade, pois, a intervenção, ainda que excepcional, do Estado no domínio econômico. A atuação normativa do Poder Público, que se destina a coibir, com fundamento na prevalência do interesse social, situações caracterizadoras do abuso do poder econômico, justifica-se ante a própria competência constitucionalmente reconhecida ao Estado, da qual deriva, como irrecusável efeito conseqüencial, a sua insuprimível prerrogativa de agir nesse domínio particular das atividades econômicas das empresas (MELLO, 1993, p. 76).
A ingerência do Estado no domínio econômico (em sentido geral), compreendendo o tabelamento de preços de medicamentos, encontra alicerce na exigência deste proteger os interesses da sociedade, pois, como ensina o professor Hely Lopes Meirelles: "Os interesses coletivos representam o direito do maior número e, por isso mesmo, quando em conflito com os interesses individuais, estes cedem àqueles, em atenção ao direito da maioria, que é a base do regime democrático e do Direito Civil moderno (...) Em qualquer caso, porém, o fundamento da intervenção há de ser o interesse público; e seu objetivo final, o bem-estar social" (MEIRELLES, 2002, p. 508/509).
Acrescente-se, ademais, o comentário de Walter Brasil Mujalli:
Pode ainda constatar a intervenção do Poder Público, atuando sobre a atividade do particular, como é o caso da intervenção do Poder Público na atividade econômica. Por esse procedimento (intervenção), a iniciativa do Estado visa coibir os excessos da iniciativa privada e evitar que sejam desatendidas as finalidades do desenvolvimento nacional e a justiça social, fazendo-a, através do controle, repressão do abuso do poder econômico (controle de mercado, tabelamento de preços, etc) (...) O Estado participa junto à sociedade, como orientador e incentivador da conduta individual, para atingir o fim comum, o bem-estar geral da comunidade (...), (MUJALLI, 1997, p. 306/307).
Desse modo, a interferência estatal na economia tabelando o preço de remédios (ou de qualquer outra mercadoria) só se justifica na proporção em que primar pela consagração dos valores assinalados na CF/88 e relativos, em especial, à ordem econômica e social, dando-se sobre a atividade lucrativa, exercida pelas mais diversas empresas, enquanto instrumento da iniciativa particular, entre as quais se incluem as farmacêuticas.
Até o presente momento, tem-se defendido que a intervenção do Estado na economia manifestada pelo tabelamento de preço de remédios de uso popular deve se fazer almejando o bem-estar social, assim, resta pertinente traçar breves comentários a respeito do que se entende por este, na forma como é consagrado no ordenamento jurídico pátrio. Para isso, são bastante válidas as palavras de Hely Lopes Meirelles, que ora se reproduzem:
O bem-estar social é o bem-comum, o bem do povo em geral, expresso sob todas as formas de satisfação das necessidades comunitárias. Nele se incluem as exigências materiais e espirituais dos indivíduos coletivamente considerados; são as necessidades vitais da comunidade, dos grupos, das classes que compõem a sociedade. O bem-estar social é o escopo da justiça social a que se refere nossa Constituição (art. 170) e só pode ser alcançado através do desenvolvimento nacional (MEIRELLES, 2002, p. 509).
Como meio de viabilizar e assegurar este bem-estar, o Estado pode interferir nas atividades econômicas das empresas privadas fabricantes de medicamentos, dentro dos parâmetros da competência constitucionalmente atribuída-lhe, por intermédio de normas (leis) e/ou atos administrativos adequados aos fins da intervenção.
Neste ponto, é salutar enfatizar que, quando da exploração de atividade econômica, os preços podem ser fixados de duas formas: pelo mercado (ou pelos particulares), que é a regra geral, a fim de se assegurar a livre iniciativa e a livre concorrência, dentre outros objetivos; ou pelo Estado, em caráter excepcional, com vistas a regularizar situações em que se vislumbre, na prática, desestruturação da ordem econômica promovida pela seara privada, seja pela supressão dos referidos princípios, seja pelo exercício de atividades que busquem o domínio dos mercados, a extinção da concorrência e/ou o aumento indiscriminado de lucros. Uma das formas do Poder Público atender a esse fim é tabelando o preço de medicamentos que estejam sendo cobrados a valores abusivos pelos laboratórios que os produzem, situação essa que caracteriza desvirtuamento da ordem econômica e social, e que não pode deixar de ser apreciada e regularizada pelo Estado.
Face à imensa diversidade de exigências sociais e à multiplicidade de necessidades coletivas, torna-se imprescindível que o Estado desenvolva uma variedade de medidas interventivas no domínio econômico, de maneira que se atendam tais exigências e necessidades. Nesse contexto é que insere a figura da fixação, ou tabelamento, de preços. Este resulta, como já exposto, do ato de interferência estatal na vida econômica e financeira, não dizendo respeito tão somente ao preço final, mas também ao seu processo de formação. Traçando uma definição do que seria esta medida, pronunciou, o doutrinador Nelson Schiesari, as seguintes palavras: "O tabelamento de preços é medida excepcional que o Governo adota tendo em vista obviar os abusos do poder econômico, manifestados pelo produtor ou distribuidor, de bens ou serviços, seja para lhe conter a ânsia de lucro excessivo, seja mesmo como parte da política oficial de combate à inflação monetária, sob a qual se debate, há longos anos, o Brasil" (SCHIESARI, 1982, p. 251). Como exemplos de produtos que são, eventualmente, tabelados, cita-se: pão, leite, carne, medicamentos, automóveis, gasolina e gás, dentre outros, versando, o presente trabalho, sobre o bem destacado.
No momento em que o Estado procede ao tabelamento de preço de medicamentos, vislumbra-se uma medida considerada tecnicamente como "fiscalização", assim, é imprescindível estabelecer a conceituação – ou sentido - do termo. Dentro do contexto em que foi empregado nas disposições constitucionais ("Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado"), bem como do que se busca ao utilizá-lo, "fiscalização" carrega a idéia de acompanhamento, de rastreamento do enquadramento das condutas de particulares ao legalmente previsto e esperado, visa-se à mantença de suas atividades dentro dos parâmetros estabelecidos pela CF/88; promover a eficácia das regras elaboradas e medidas implementadas pelo Poder Público, objetivando-se regular a atividade econômica. E, conforme destaca o professor Eros Roberto Grau: "Essas normas e medidas, isso é evidente - nítido como a luz solar passando através de um cristal, bem polido – hão de necessariamente estar a dar concreção aos princípios que conformam a ordem econômica. Por isso hão de, quando atinjam a atividade econômica em sentido estrito, necessariamente configurar intervenção sobre o domínio econômico" (GRAU, 2002, p. 322/323).
Desta forma, considerando que o Estado não pode se eximir da prática de determinados atos que, sem ensejarem a prestação da atividade econômica propriamente considerada, concorram, mediante harmonização com as atividades privadas, para o mais completo alcance dos objetivos insculpidos no art. 170 da Constituição Federal brasileira, é que se lhe atribui a função de fiscalização do preço dos mais variados medicamentos de consumo do povo.
Além disso, a fiscalização supõe o poder de regulamentação, visto que busca, especificamente, controlar o cumprimento dos comandos emanados e, se necessário, apurar as responsabilidades, bem como aplicar as sanções pertinentes às empresas farmacêuticas que exerçam suas atividades de forma contrária aos ditames constitucionais, cobrando, por exemplo, valores muito altos para aquisição de remédios. Não fosse dessa maneira, o poder fiscalizatório perderia seu sentido, ante à inexistência de objeto.
Ainda, quanto à definição de "fiscalização", para melhor se compreender o objetivo do Estado ao proceder a um tabelamento de preço de medicamentos, insere-se a lição de Tércio Sampaio Ferraz Júnior: "Fiscalização, enquanto ato de examinar, verificar, vigiar, é atividade que deve estar cingida aos seus fundamentos, conforme os princípios que a condicionam. (...) (o Estado) apenas vela para que a livre iniciativa e a valorização do trabalho humano ocorram nos quadros dos princípios constitucionais." (GRAU, 2002, p. 229).
Insta ressaltar o posicionamento do Ministro Moreira Alves a respeito da importância das medidas fiscalizatórias implementadas pelo Estado, o que inclui, via de conseqüência, o tabelamento de preços de medicamentos: "A intervenção do Estado na disciplina e fiscalização da atividade econômica tem por finalidade compatibilizá-la com os superiores interesses da justiça social" (ALVES, 1993, p. 44).
Porém, o Estado tem o dever de interferir, de regulamentar a atividade particular na esfera econômica a fim de evitar abusos relativos ao poderio econômico que objetive dominação de mercados, bem como supressão concorrencial e aumento arbitrário de lucros (CF, art. 173, § 4º), promovido por laboratórios farmacêuticos, bem como por outras empresas. Nesse sentido é a lição do professor Nelson Schiesari:
Pela capacidade de postergar direitos e desrespeitar a pessoa humana e mesmo os poderes constituídos avulta, dentre os chamados poderes de fato, o poder econômico. Se, diversamente, é dirigido para a realização dos interesses gerais, dentro das lindes da ordenação jurídica, clara está a sua utilidade. O emprego, o bom emprego do poder econômico não só pode como deve ser feito com vistas à prosperidade pública. O que não se pode admitir ou tolerar é o seu mau uso, ou melhor o abuso, que o Estado tem o dever de reprimir por todos os meios ao seu alcance, com energia e serenidade, sob pena de negar-se a si mesmo, visto como foi constituído para realização do bem-comum (SCHIESARI, 1982, p. 252).
Ademais, ao proceder a um tabelamento de medicamentos, o Estado exerce a função de regulação que lhe fora outorgada pela CF/88, no art. 174, e que pressupõe imposições às atividades econômicas, respeitado o equilíbrio entre os interesses das diversas forças sociais presentes. Isso se efetiva por meio do proferimento de decisões gerais e abstratas, as quais, via de regra, constam em regulamentos; pela aplicação concreta das suas normas e pela composição dos conflitos que elas originam. Assim, conforme afirma Alexandre Santos de Aragão: "Há, portanto, três poderes inerentes à regulação: aquele de editar a regra, o de assegurar a sua aplicação e o de reprimir as infrações" (ARAGÃO, 2001, p. 40).
No caso específico do tabelamento de preços de medicamentos – uma das manifestações desse poder de regulação inerente ao Estado – visa-se à regulação para preservar e estimular a competição entre as empresas farmacêuticas, assegurando-se, destarte, a livre concorrência no setor privado.
Logo, sempre que o Estado tabela preços de remédios e de outras mercadorias, o que se verifica, tecnicamente, é intervenção por direção. A importância de ressaltar esta classificação consiste em enfatizar o caráter compulsório das regras por ele estabelecidas e que devem ser cumpridas pelos particulares, sob pena de aplicação das respectivas sanções (característico da intervenção por direção). Aqui, não há margem de discricionariedade para o administrado (laboratórios fabricantes de medicamentos) optar por atender ou não à ordem emanada: ele deve respeitá-la. No que tange a este conteúdo impositivo das citadas normas, é pertinente o comentário de Eros Roberto Grau:
No caso das normas de intervenção por direção estamos diante de comandos imperativos, dotados de cogência, impositivos de certos comportamentos a serem necessariamente cumpridos pelos agentes que atuam no campo da atividade econômica em sentido estrito – inclusive pelas próprias empresas estatais que a exploram. Norma típica de intervenção por direção é a que instrumenta controle de preços, para tabelá-los ou congelá-los. (grifo nosso), (GRAU, 2002, p. 176.).
Ademais, ainda quanto ao caráter impositivo das regras de ingerência por direção, mas, pontualmente, sobre a fixação de preços, destaca-se o comentário de Lucio Bittencourt, lembrado na Doutrina de Alberto Venâncio Filho: "O ato pelo qual o Poder Público fixa o preço máximo de mercadorias ou utilidades é, por sua natureza, como norma geral, abstrata e obrigatória (...)" (VENÂNCIO FILHO, 1968, p. 230).
O tabelamento de preço de medicamentos se dá sobre a atividade empresarial e, conseqüentemente, sobre os preços privados dos bens produzidos no âmbito da iniciativa particular, ou seja, da indústria farmacêutica. Não se sujeita a ele o preço público ou tarifa, fixado pelo Governo, já que a sua determinação obedece às gerais necessidades.
A Constituição Federal vigente, no que tange à questão da exploração das atividades econômicas, prevê ser esta prerrogativa da iniciativa privada. Assim, conforme o seu art. 173, a ingerência estatal só é possível em caráter excepcional. Ademais, toda e qualquer medida que configure interferência na atividade econômica de particulares, caso do tabelamento de preço de medicamentos, porquanto intervém-se na esfera de atuação dos respectivos laboratórios, só é válida se prevista em lei antes de sua ocorrência (CF, art. 174):
Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.
Pela leitura do dispositivo constitucional supra transcrito, constata-se que o Estado somente atuará legitimado como agente normativo e regulador da atividade de fabricantes de medicamentos, bem como de outros produtos, quando o fizer na forma legalmente prevista e autorizada. Conquanto tenha se afirmado a necessidade prévia de permissão legislativa, isso não significa postular a exigência de lei em cada situação específica. Todas as formas de intervenção estatal na esfera econômica, incluído o tabelamento de preço de remédios, procedem-se mediante ato administrativo, embora sua efetividade se vincule à anterior previsão jurídica, ou como lembra o jurista Celso Ribeiro Bastos:
Nessa linha, na atual ordem constitucional, as restrições que possam ser criadas ao princípio da livre iniciativa têm caráter absolutamente excepcional e somente podem emergir das hipóteses expressamente previstas na Constituição, ou implicitamente autorizadas por ela.
Por ser mais analítica que sua antecessora, a atual Carta Magna nos apresenta a vantagem de haver reduzido o uso de fórmulas excessivamente genéricas dos arts. 163 e 167, que regulavam o sistema de intervenção do Estado na atividade econômica, tão freqüentemente abusados que as intervenções se faziam até por atos administrativos, como decretos, resoluções etc. (BASTOS, 1999, p. 453).
Cabível, ainda, do mesmo autor, o seguinte comentário: "Ademais, exercerá essa sua posição na forma estabelecida em lei. O princípio da legalidade deverá, portanto, pautar a atuação do Estado nessa função". (Bastos, 1999, p. 454). Desta sorte, constata-se que toda e qualquer modalidade de intervenção estatal, o que inclui, inevitavelmente, a órbita econômica e, pois, o tabelamento de preço de medicamentos, não pode acontecer arbitrariamente, de maneira a atender, meramente, os interesses do Poder Público. Ela é instituída pela própria CF/88 e regulada, por seu turno, por leis federais específicas, as quais tratam das medidas interventivas, bem como prevêem o modo e forma de dar-lhe execução, restando, sempre, vinculada ao atendimento dos anseios coletivos (interesse público em adquirir os remédios necessários para o cuidado de sua saúde) e ao respeito dos direitos individuais assegurados pelo referido documento maior. Quanto à exigência de previsão legal, destaca-se o comentário de Walter Brasil Mujalli:
O modo pelo qual o Estado atua, pode variar segundo o objeto, o motivo e o interesse público a ser amparado. A interferência do Estado, pode ocorrer pela forma repressiva de abuso do poder econômico, ou através de medidas mais simples, como é o caso do controle de preços e abastecimento de produtos de primeira necessidade. O que é imprescindível, nesses casos, é que a intervenção se faça quando necessária, mediante um mandamento legal, e deve ser executada pela União ou através de seus órgãos delegados e autorizados pela lei (MUJALLI, 1997, p. 312).
Assim, pode-se afirmar que, para que se verifique uma legítima intervenção, bem como tabelando de preço de remédios, resta precípuo que se atendam a três requisitos: lei federal determinando a medida, bem como a disciplinando; motivo de interesse público justificando-a (imprescindibilidade) – segurança nacional ou para propiciar o desenvolvimento da economia, o qual se encontra inatingível pela iniciativa livre; e preservação (tutela) dos direitos e garantias individuais – "(...) os direitos do homem em sua tríplice acepção: como pessoa humana (direitos individuais); como cidadão (direitos políticos); como trabalhador (direitos sociais)" (GASPARIN, 2001, p. 115).
A CF/88 não proíbe o crescimento da força econômica de particulares em face das atividades laborativas por eles realizadas, tampouco quanto às realizadas pelas indústrias farmacêuticas, o que ela, expressa e claramente veda, é que este poder seja direcionado à dominação mercadológica, extinção da concorrência e/ou ampliação desregrada de lucros. Não quer que uma empresa específica que produza determinado (s) medicamento (s) tenha o controle do mercado, eliminado, assim, a concorrência e elevando exorbitantemente os lucros de seus proprietários e obstaculizando o acesso àquele pelas comunidades mais carentes. Tratando da questão dos abusos, o comentário do jurista brasileiro José Afonso da Silva: "Quando o poder econômico passa a ser usado com o propósito de impedir a iniciativa de outros, com a ação no campo econômico, ou quando o poder econômico passa a ser o fator concorrente para um aumento arbitrário de lucros do detentor do poder, o abuso fica manifesto." (SILVA, 1999, p. 769).
Esse abuso é que a CF/88 veda, como um fator de ingerência estatal na economia, em prol de uma economia de livre mercado. O que deve ser destacado é que as normas constitucionais não vedam a existência de poder econômico, seja dos proprietários dos laboratórios fabricantes de remédios ou de qualquer outro setor da economia. O que elas, expressamente, proíbem, é que ele seja exercido de forma anti-social e, em isto ocorrendo, é dever do Estado intervir no domínio econômico para obstaculizar esses abusos, valendo-se de todos os meios que lhes são disponibilizados, dentre os quais se inclui o "tabelamento de preços". O fundamento deste, bem como da intervenção do Estado no setor comercial, é promover o bem-estar público, a garantia à população de acesso aos medicamentos de que precisam para o trato de sua saúde, buscando-se prevenir abusos por parte de negociantes e de empresas farmacêuticas, de forma a manter a ordem interna (do mercado e do processo econômico). Neste sentido, a afirmação de Manoel de Oliveira Franco Sobrinho, mencionado na obra de Alberto Venâncio Filho: "Pode o Estado (...) tabelar os gêneros de primeira necessidade, em defesa da segurança interna e da ordem social, contra os abusos e a aventura da ganância e da falta de escrúpulos" (VENÂNCIO FILHO, 1968, p. 228). Dentre esses produtos, incluem-se os medicamentos.
Ademais, relativamente à interferência do Estado em questões envolvendo preço, é interessante destacar a ponderação do Ministro Moreira Alves, manifestando-se em ação direta de inconstitucionalidade:
Em face da atual Constituição, para conciliar o fundamento da livre iniciativa e do princípio da livre concorrência com os da defesa do consumidor e da redução das desigualdades sociais, em conformidade com os ditames da justiça social, pode o Estado, por via legislativa, regular a política de preços de bens e serviços, abusivo que é o poder econômico que visa ao aumento arbitrário dos lucros (ALVES, 1993, p. 36).
Para que se possa melhor compreender a importância do tabelamento de preços de medicamentos, dentro da ordem econômica (e social), é necessário se proceder à análise do art. 173, § 4º da Constituição Federal, o qual é dotado da seguinte redação:
Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.
(...)
§ 4º. A lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário de lucros.
Assim, do estudo das disposições supra, vê-se que a CF/88 acolheu no parágrafo 4º deste artigo o princípio de que a lei terá a prerrogativa de reprimir os abusos relativos ao poderio econômico que busquem a elevação desmedida de lucros, seja de laboratórios farmacêuticos, seja de qualquer outra órbita de atividade econômica, cabendo, ademais, ao Estado, as funções de normatizar e regular a economia, segundo a redação do art. 174, já exposto. Este dispositivo, segundo afirma o Ministro Moreira Alves, destaca que o exercício das funções de fiscalização, incentivo e planejamento são decorrentes do Estado ter sido colocado no papel de "agente normativo e regulador da atividade econômica", reproduzindo-se seu comentário: "E, portanto, para conciliar o fundamento da livre iniciativa e o princípio da livre concorrência com os da defesa do consumidor e da redução das desigualdades sociais, em conformidade com os ditames da justiça social, pode o Estado, por via legislativa, regular a política de preços, abusivo que é o poder econômico que visa ao aumento arbitrário dos lucros" (ALVES, 1993, p. 53). Destarte, constata-se que o Estado pode intervir na economia, regulando preços de remédios, de forma a prevenir o alastramento de anormalidades, dentre as quais se insere a elevação discricionária de lucros das empresas farmacêuticas e, em meio aos vários instrumentos dos quais pode se utilizar para atingir esses fins, inclui-se o tabelamento de preços.
Por meio do mencionado instrumento, o Estado pode fixar preços máximos dos medicamentos, buscando evitar uma alta nos preços, ocasionada por insuficiência de oferta por parte das indústrias que os produzem em relação à procura. Aqui, conforme ressaltado no início do presente trabalho, quando da análise do histórico do tratamento do tabelamento de preços no ordenamento jurídico brasileiro (vide item 2), é importante estabelecer a diferenciação entre "tabelamento", "congelamento" e "controle", haja vista que todos atinam à questão dos preços, porém, possuem características próprias e distintas, o que se faz tomando por base as disposições de Eros Roberto Grau, citado na referida ADIn:
Explicitando esses diferentes conceitos, assinala Eros Roberto Grau que o tabelamento significa a fixação de preços máximos, o congelamento importa na manutenção dos preços que vinham sendo cobrados, enquanto o controle implica regulamentação dirigida a compatibilizar a evolução dos preços e a variação dos custos. "O sistema de acompanhamento e limitação dos preços" – assinala o autor – "distingue-se do de tabelamento, visto que corresponde não à fixação de preços máximos – tal como este último – mas à sua regulação, em coerência com as diretrizes da política econômica do setor público, em um determinado momento..." (GRAU, 1993, p. 42).
Muitos autores valem-se do termo "fixação" como um sinônimo de "tabelamento". Acrescente-se o comentário do Ministro Moreira Alves: "O controle ou o tabelamento de preços constituem instrumentos técnicos de que se vale o Poder Público na ordenação jurídica dos preços (...) São medidas conjunturais de política econômica, utilizadas pelo legislador durante determinado período de tempo, por razões circunstanciais (...)" (ALVES, 1993, p. 43). Desta forma, vislumbra-se que o tabelamento de preços de medicamentos não se impõe em caráter permanente. É apenas um mecanismo de que se vale o Estado, temporariamente, para restabelecer a ordenação econômica e facilitar a aquisição deste bem por todos os cidadãos que dele precisam, objetivo pelo qual deve sempre primar (ordem), sendo, além disso, uma obrigação que lhe é inerente.
Abordando a possibilidade do Estado intervir no setor do comércio, por meio da fixação de preços, manifestou-se o Ministro Celso de Mello:
Todas as atividades econômicas estão sujeitas à ação fiscalizadora do Poder Público. O ordenamento constitucional outorgou ao Estado o poder de intervir no domínio econômico, assistindo-lhe, nesse especial contexto das funções estatais, competência para proceder como agente normativo e regulador da atividade econômica (art. 174). A liberdade econômica não se reveste de caráter absoluto, pois o seu exercício sofre, necessariamente, os condicionamentos normativos impostos pela Lei Fundamental da República. A própria noção de intervenção regulatória ou indireta do Estado, cuja prática legitima o exercício do poder de controle oficial dos preços, constitui uma categoria jurídica a que não se tem revelado insensível o legislador constituinte brasileiro. Qualquer que sejam as modalidades ditadas pelo sistema de controle oficial de preços ou qualquer que seja o momento em que esse sistema opere e se concretize (a priori ou a posteriori), as limitações que dele derivam, desde que fundada na lei, incluem-se na esfera de abrangência constitucional do poder de intervenção regulatória do Estado (grifo nosso), (MELLO, 1993, p. 75).
Contudo, insta destacar que o mero tabelamento de preços de remédios, por si só, não é suficiente para garantir os fins almejados pelo Estado, pois é fundamental que ela seja acompanhada de medidas que constranjam a procura desmedida pelo bem tabelado. Sobre isso, pronunciam-se, respectivamente, Clóvis Ribeiro e Teotônio Monteiro de Barros, citados na doutrina da J. Petrelli Gastaldi: "Ora, como para cada preço há uma determinada oferta e uma determinada procura, que nem sempre são iguais, o preço dirigido é freqüentemente um fator de pena de o preço dirigido não se poder manter" (GASTALDI, 1995, p. 215).
"a política dos preços taxados, conhecida vulgarmente entre nós pelo nome de ‘tabelamentos’, para produzir os efeitos visados reclama dois fatores de êxito, sem falar na competência de quem planeja e executa: o primeiro desses fatores, verdadeira preliminar, consiste em um completo conhecimento dos custos de produção dos bens, objeto da providência. Sem um conhecimento desse custo, a fixação do preço é feita mediante puro palpite, no ‘olhômetro’. Daí as conseqüências: umas vezes as tabelas ficam abaixo do que razoavelmente deviam estabelecer para manter o interesse do produtor em continuar a produzir, acarretando o abandono da produção porque ela já não oferece a remuneração suficiente; outras vezes os preços taxados vão além do necessário e quem sai perdendo é o consumidor" (GASTALDI, 1995, p. 215).
É imprescindível que a legislação federal atinente ao tabelamento de preços refira qual o órgão ou, eventualmente, órgãos, competente para proceder à intervenção, segundo entendimento de grande parte da Doutrina e da Jurisprudência (ALVES, 1993, p. 47). E é exatamente disso que tratará o tópico seguinte, buscando pontuar de forma específica a temática atinente ao tabelamento de medicamentos pelo Estado, quem é o órgão competente para tanto, bem assim a normatização respectiva.
4.2 TABELAMENTO DE PREÇO DE MEDICAMENTOS PELO GOVERNO BRASILEIRO
Como citado no início do trabalho, um dos bens de uso popular que recebe seu preço tabelado, no Brasil, são os medicamentos, sendo o setor farmacêutico um dos cujas atividades de seus agentes têm sofrido interferências por parte do Estado. Isso porque se trata de uma mercadoria essencial ao bem-estar da população e que, não poucas vezes, tem o seu preço abusivamente estipulado pelas empresas que os fabricam, as quais não se preocupam, em um primeiro momento, com o bem-estar coletivo e sim com os lucros que serão auferidos pelos proprietários. Esse procedimento afronta gravemente os postulados da ordem econômica nacional e é justamente para corrigí-lo que o Poder Público procede ao tabelamento de preços do referido produto.
Atualmente, o órgão com competência para tratar do assunto (tabelamento), regulamentar o mercado e o ajuste de preço de medicamentos é a Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED), criada pela Medida Provisória nº 123 (26.06.2003), a qual se aplica a todas as empresas produtoras de remédios, às farmácias e drogarias, aos representantes, às distribuidoras, bem como demais pessoas jurídicas de direito público ou privado que, de algum forma, atuem no setor farmacêutico. Ademais, os fabricantes de remédios deverão atentar às normas definidas na mencionada MP quando forem proceder ao ajuste e determinação de seus preços.
A formalização da instalação do novo órgão se deu em 29.07.2003, mediante a assinatura do regimento interno pelos seus componentes, quais sejam, os Ministros da Saúde, Humberto Costa (que a preside), da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, do Secretário Executivo da Casa Civil, Swedenberg Barbosa e pelo Secretário de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda, José Tavares de Araújo. A instituição tem o objetivo de adotar, implementar e coordenar as atividades concernentes à regulação da economia do mercado de medicamentos – o que inclui o tabelamento - buscando promover o acesso a estes pela população, valendo-se de instrumentos que estimulem a oferta deste produto e a competitividade no setor, conforme infere-se da leitura do art. 6º da referida Medida Provisória:
Art. 6º. Compete à CMED, dentre outros atos necessários à consecução dos objetivos a que se destina esta Medida Provisória:
I – definir diretrizes e procedimentos relativos à regulação econômica do mercado de medicamentos;
II – estabelecer critérios para fixação e ajuste de preço de medicamentos;
III – definir, com clareza, os critérios para fixação dos preços dos produtos novos e novas apresentações de medicamentos, nos termos do art. 7º;
IV – decidir pela exclusão de grupos, classes, subclasses de medicamentos e produtos farmacêuticos da incidência de critérios de estabelecimento ou ajuste de preços, bem como decidir pela eventual reinclusão de grupos, classes, subclasses de medicamentos e produtos farmacêuticos à incidência de critérios de determinação ou ajuste de preços, nos termos desta Medida Provisória;
V – estabelecer critérios para fixação de margens de comercialização de medicamentos a serem observados pelos representantes, distribuidores, farmácias e drogarias, inclusive das margens de farmácias voltadas especificamente ao atendimento privativo de unidade hospitalar ou de qualquer outra equivalente de assistência médica;
VI – coordenar ações dos órgãos componentes da CMED voltadas à implementação dos objetivos previstos no art. 5º;
VII – sugerir a adoção, pelos órgãos competentes, de diretrizes e procedimentos voltados à implementação da política de acesso a medicamentos;
VIII – propor a adoção de legislações e tregulamentações refrentes à regulação econômica do mercado de medicamentos;
IX – opinar sobre regulamentações que envolvam tributação de medicamentos;
X – assegurar o efetivo repasse aos preços dos medicamentos de qualquer alteração da carga tributária;
XI – sugerir a celebração de acordos e convênios internacionais relativos ao setor de medicamentos;
XII – monitorar, para os fins desta Medida Provisória, o mercado de medicamentos, podendo, para tanto, requisitar informações sobre produção, insumos, matérias-primas, vendas e quaisquer outros dados que julgar necessários ao exercício desta competência, em poder de pessoas de direito público ou privado;
XIII – zelar pela proteção dos interesses do consumidor de medicamentos;
XIV – decidir sobre a aplicação de penalidades previstas nesta Medida Provisória e, relativamente ao mercado de medicamentos, aquelas previstas na Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, sem prejuízo das competências dos demais órgãos do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor;
XV – elaborar seu regimento interno.
Além disso, editou-se o Decreto nº 4.766 (26.06.2003), o qual dispõe sobre a criação, competências e funcionamento da Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos, inserta a função de tabelar o preço destes produtos. Esta, por sua banda, já publicara duas Resoluções: uma versando sobre os critérios de definição de preços iniciais de novas apresentações e produtos novos (Resolução CMED nº 01), e outra tratando dos medicamentos liberados dos parâmetros para estabelecimento ou ajuste de preços (Resolução CMED nº 02).
Com a nova regulamentação do mercado farmacêutico, visa-se à elevação da concorrência, ao fortalecimento do poder de compra do consumidor, assim como definir normas objetivas para orientação dos ajustes e correções de preços de remédios, inclusive dos distribuídos à população pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
As regras prevêem que o ajuste de preços de medicamentos somente poderá ocorrer a cada doze meses, a partir de março de 2004, contudo, haverá uma redução em até 30% (trinta por cento) no preço de 560 (quinhentos e sessenta) medicamentos a partir de 1º de setembro próximo, produzidos por laboratórios que estabeleceram valores além dos limites permitidos. Os reajustes serão limitados a um teto de preços que será definido considerando o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), calculado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). No entanto, antes disso, será feito um realinhamento de preços, o qual poderá ser tanto para cima (positivo), como para baixo (negativo). É interessante destacar que as empresas farmacêuticas que elevaram seus preços além do permitido terão que realinhá-los aos valores de março do corrente ano. Feito isto, a correção de preços apenas ocorrerá uma vez a cada ano, sempre neste mês (março), respeitando os critérios definidos pela CMED, a qual analisará as especificidades de cada produtor e de cada medicamento. O desatendimento a atos emanados pelo referido órgão, bem assim às normas da Medida Provisória, ensejam a aplicação das sanções previstas na Lei nº 8.078 (11.09.1990) e na Lei nº 10.213 (27.03.2001).
Paralelamente à instalação da Câmara, será desenvolvida uma ouvidoria para receber denúncias referentes ao setor de medicamentos, recebendo reclamações dos consumidores acerca de reajustes indevidos. Porém, suas atribuições ainda serão discutidas por aquele órgão.
Uma vez analisada a questão atinente ao tratamento da fixação de preços de medicamentos no Direito brasileiro, bem como de sua regulação econômica, promover-se-á, no capítulo que segue, ao estudo das posições e argumentos dos mais diversos juristas a respeito da constitucionalidade e inconstitucionalidade do tabelamento de preços, não só de remédios, mas de outros bens, o qual representa o objeto do presente trabalho.