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Os princípios constitucionais e a responsabilidade civil do médico

O presente artigo apresenta os conceitos que envolvem a responsabilidade civil do médico e a análise dos princípios constitucionais que respaldam a atuação do profissional de medicina sob um prisma médico e jurídico.

1. INTRODUÇÃO

O assunto é discutido de forma genérica na doutrina jurídica, na responsabilização dos profissionais liberais, a partir disso decidiu-se elaborar uma análise acerca do tema, estudando principalmente a responsabilidade civil que visa a reparação mediante indenização, do dano moral ou físico, que uma pessoa causou a outrem. Suscitando assim, um debate sobre temas que cercam a função médica.

Procurou-se conceituar os princípios constitucionais que norteiam a atividade médica, como podemos citar por ora a Dignidade da Pessoa Humana e outros institutos concentrando sua atenção e seu esforço intelectual pela importância da orientação de profissional do Direito em estrita relação com a atividade profissional médica.

Sendo assim, um profissional médico, que causar danos a um indivíduo na prerrogativa da sua função, será incumbido a reparar o dano que causou. Entretanto, é de fato que os profissionais médicos salvam vidas, mas como todas as outras profissões, a medicina também tem suas falhas, e os riscos também são presentes iguais em todos os setores, da mesma forma que é impune o dano do mau funcionamento e desempenho de tal função. Não é justo que se obrigue o médico a pagar pela falibilidade da medicina.


2. PRINCÍPIOS NORTEADORES DA RELAÇÃO MÉDICA

Neste tópico é importante ponderar alguns aspectos fundamentais, sem contudo, inteirar-se do assunto.

A constituição federal é tida como premissas de validade para as demais normas. Essas premissas servem como parâmetro de interpretação para o atendimento do interesse público e do bem-estar geral. Habërle (1997, p.14) citado por Pedro Lenza (2015, p.195-196) preconiza que a Interpretação deve ser pluralística e democrática, não ficando restrita aos órgãos estatais devendo ser aberta para todos que vivem sob a norma.

O órgão estatal atua como interprete das normas constitucionais, subordinado à Constituição Federal e à legislação brasileira. Busca-se portando garantir a eficácia e permanência da lei fundamental e dar conservação e máxima efetividade às normas constitucionais

Partindo dessas ideias preliminares e sendo os princípios “dimensão da importância peso e valor” (LENZA, 2015.p 174) Extrai-se do Código de Ética do Médico o respeito aos princípios constitucionais, à exemplo, podemos realçar a ênfase ao princípio da dignidade humana embutido na redação do Art.23, com a seguinte vedação ao médico “tratar o ser humano sem civilidade ou consideração, desrespeitar sua dignidade [...]”.

O princípio da dignidade da pessoa conhecido como um dos princípios mais abrangentes e absolutos de todas as relações jurídicas por colocar a posição do indivíduo em sua relação com a sociedade. Este princípio pode ser conceituado como sendo um valor moral e religioso intrínseco à pessoa, dado que cada indivíduo possui sua característica própria e sua essência é inerente a ele. Com base neste princípio foi posta a vedação da comercialização de órgão e tecidos humanos conforme preceituado no art.46 do CEM.

É possível evidenciar também o princípios da igualdade com a proibição qualquer forma de tratamento diferenciado no atendimento ao paciente, é o que dispõe o Art.23 “é vedado ao médico tratar o ser humano sem civilidade [...] ou discriminá-lo de qualquer forma ou sob qualquer pretexto". (CEM. Cap. IV, grifo nosso). Dessa maneira assegura a todos sujeitos ao atendimento, um tratamento isonômico.

O Princípio da Autonomia enseja sobre a capacidade e exercício da liberdade pela qual o indivíduo decidirá por seu próprio querer e pelo o que julga melhor para si. O médico não poderá realizar qualquer cirurgia ou beneficência sem autorização do paciente. Tal princípio é enfatizado com a redação do Art. 46. do CEM vedando ao médico “efetuar qualquer procedimento médico sem o esclarecimento e o consentimento prévios do paciente ou de seu responsável legal, salvo em iminente perigo de vida”.

Maria Helena Diniz em sua obra Responsabilidade Civil (2012, p.342) enfatiza os deveres do médio, que são de dar informações e conselhos ao seu cliente; Cuidar do enfermo com zelo, diligência utilizando todos os recursos da medicina e abster-se do abuso ou desvio de poder.

O dever de informar do médico está correlacionado ao princípio da transparência devendo prestar todas as informações acerca do serviço prestado, informando ao paciente com a maior exatidão e perfeição, todos os risco que possam surgir devido ao processo que o mesmo irá se sujeitar quanto ao possível dano que pode ocorrer na cirurgia. Relaciona-se também com o princípio da boa-fé pela relação de confiança entre médico e paciente, uma vez que o dever de informar, no direito do consumidor, assume caráter de direito básico1.

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3. RESPONSABILIDADE CIVIL DO MÉDICO E A NATUREZA DA OBRIGAÇÃO

O médico e o paciente tem uma relação de caráter contratual e poderá ser penal, excepcionalmente, salienta Maria Helena Diniz (2012.p.333). O médico tem uma obrigação civil de cumprir com seus atos de forma eficiente, mas caso deixe de cumprir com elas, ou não cumpra da maneira esperada.

Por muito tempo se discutiu qual seria a natureza contratual da obrigação do médico.Não há dúvida na doutrina e nas decisões prolatadas pelos tribunais quanto a natureza da obrigação médica. Entende-se que a assistência medica é uma obrigação de meio, não de resultado como no caso do cirurgião plástico. Portanto responsabiliza-se o médico quando o tratamento for inadequado.

Nesta parte da discussão, vale antecipar que o entendimento é de que a culpa do médico não pode ser presumida se o profissional não se comprometeu a resultado determinado tendo exercido apenas os regras da profissão.

A responsabilidade do médico é subjetiva, segue a regra geral da responsabilidade civil, é afirmada pelo art.14 § 4 do código de defesa do consumidor, onde são equiparados a prestadores de serviços de saúde, com a seguinte redação “A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa”.

Gonçalves (2017, p.267) explica que o médico se compromete a tratar o cliente com zelo com recursos adequados e cuidados objetivos, não sendo obrigado a curar o doente, motivo pelo qual ficam isentos de responsabilização exceto se ficar provado modalidade de culpa.


4. RESPONSABILIDADE CIVIL NO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA

O profissional médico tem o dever de agir com cuidado, zelo e prudência quando estiver exercendo a sua função, visto que tal profissão lida com o maior bem tutelado pelo nosso Ordenamento Jurídico, a vida, também respaldado pelo princípio da Dignidade da Pessoa Humana.

Sendo assim, por ser de grande importância o exercício do profissional médico, as regras e normas que regem a profissão encontram-se estabelecidas no Código de Ética Médica (CEM), que foi colocado em vigor pela Resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) n. 1.246, de 1988, e posteriormente revisado e atualizado pela Resolução CFM Nº 1931/2009.

O manual de Orientação Ética Disciplinar do Conselho Federal de Medicina de 1988 fez a definição do erro médico, que se concretiza como:

A falha do médico no exercício da profissão. É o mau resultado ou resultado adverso decorrente da ação ou da omissão do médico, por inobservância de conduta técnica, estando o profissional no pleno exercício de suas faculdades mentais. Excluem-se as limitações impostas pela própria natureza da doença, bem como as lesões produzidas deliberadamente pelo médico para tratar um mal maior.

A Resolução CFM Nº 1931/2009 traz em seu Capitulo I os Princípios Fundamentais, e no inciso II impõe que “- O alvo de toda a atenção do médico é a saúde do ser humano, em benefício da qual deverá agir com o máximo de zelo e o melhor de sua capacidade profissional”.

O Capitulo III da Resolução elenca a figura da Responsabilidade profissional do médico, vedando o que lhe é proibido nos artigos 1º ao 21º. O art 1º deixa bem explicita a figura da responsabilidade subjetiva: “Art. 1º Causar dano ao paciente, por ação ou omissão, caracterizável como imperícia, imprudência ou negligência. Parágrafo único. A responsabilidade médica é sempre pessoal e não pode ser presumida.” Deste modo, entende-se que quando o profissional médio agir com Negligência, Imprudência e Imperícia, será responsável civilmente, bem como não poderá presumida.


5. RESPONSABILIDADE DO MÉDICO PELA PERDA DE UMA CHANCE

A Teoria da perda de uma chance é mais uma das formas para a reparação dos danos causados às vítimas consagrado na doutrina e na jurisprudência, ocorre quando existe a probabilidade de obter uma vantagem ou de evitar uma perda.

A “Perda de uma chance” muitas vezes pode ser confundida com o conceito jurídico de lucros cessantes, nessa parte é importante diferencia-los brevemente devido a sua similitude.

Lucros cessantes é uma espécie de dano material trazida com a redação do art.402 do código civil que preceitua: "[...] as perdas e danos devidas ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar". Nas palavra de Gonçalves (2017, p.374) é a frustação da expectativa de lucro. Na perda de uma chance o agente não responde pelo dano ou resultado, mas pela chance que o privou, ou seja a perda de um bem autônomo.

Neste diapasão, tem-se entendido o Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre a teoria da perda da chance frisando que aplicar-se-á aos casos em que o dano for real, atual e certo, dentro de um juízo de probabilidade, e não de mera possibilidade, porquanto o dano potencial ou incerto, no âmbito da responsabilidade civil, em regra, não é indenizável2.

A Teoria da perda de uma chance no caso de médico pode ser usada como critério para os devidos ressarcimentos quando o médico ocasionando um erro, faz com que a pessoa não tivesse um tratamento de saúde adequado que poderia tê-la curado e evitado o falecimento.

O STJ enfrentava várias hipóteses de responsabilização pela perda de uma chance tradicional, onde há certeza quanto ao causador e incerteza quanto à respectiva extensão. No caso de morte a extensão do dano já está evidente, cabe evidenciar se o dano adveio da conduta do agente3.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Partindo das noções gerais de responsabilidade civil, nas palavras do doutrinador Pablo Stolze (2012, p.47) responsabilidade “é obrigação derivada de um dever jurídico sucessivo de assumir as consequências jurídicas de um fato que variam de acordo com os interesses lesados.”

Entende-se que a Responsabilidade Civil nada mais é do que um dever de reparação à danos provocados, em um caso concreto, onde uma pessoa sofre os prejuízos jurídicos, sendo a consequência de atos ilícitos, praticados por outra parte.

Diniz menciona a responsabilidade civil contratual do médico indicando ser excepcionalmente de natureza penal, quando o médico cometer um ilícito penal ou violar normas regulamentadoras da profissão, como dito anteriormente. Assim, sendo os serviços médicos de meio e não de resultado, conforme ilustrado neste artigo, se um médico experientou usar de todos os meios cabíveis, técnicos e indicados, sem se aplicar a origem da eventual sequela não haverá, em regra, obrigação por risco profissional, pois, o profissional médico usou de todos os meios técnicos indicados.


REFERÊNCIAS

BRAÚNA, Rafael Minaré. Responsabilidade civil do médico. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2381, 7 jan. 2010. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/14114/responsabilidade-civil-do-medico>. Acesso em: 20 mar. 2017.

CÂMARA. Edna Torres Felício. Responsabilidade civil do médico: Dignidade da pessoa humana.[201.] Disponível em: <https://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=85d8ce590ad8981c >: Acesso em: 21. Mar. 2017.

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, volume 7: responsabilidade civil/ Maria Helena Diniz. - 24. ed. - São Paulo: Saraiva, (2010,2011,2012).

GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil, v.3: responsabilidade civil/Pablo Stolze Gagliano, Rodolfo Pamplona Filho.- 15. Ed. – São Paulo : Saraiva. 2017.

GOMES.J.D; FRANÇA. G.V. Erro médico. [200.] Disponível em:<https://www.portalmedico.org.br/biblioteca_virtual/bioetica/ParteIVerromedico.htm>. Acesso em: 21. Mar. 2017.

GONÇALVES, Carlos Roberto, volume 4: responsabilidade civil/ Carlos Roberto Gonsalves: - 6. Ed. – São Paulo: Saraiva, (2011, 2017).

GONÇALVES, Eliane Freitas; FRANCO, Mirne Aparecida. Erro médico e a dignidade da pessoa humana. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XV, n. 107, dez 2012. Disponível em: <https://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=12307>. Acesso em mar 2017.

HÄBERLE, Peter. Hermenêutica Constitucional: a Sociedade Aberta dos Intérpretes da Constituição - Constituição para a interpretação pluralística e “Procedimental” da Constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sérgio A. Fabris editor, 1997.

MELO, T, C. AMARAL, P. Perda de uma chance ganha espaço nos tribunais. Disponível em <https://www.conjur.com.br/2014-mar-24/responsabilidade-perda-chance-ganha-espaco-tribunais > Acesso em 15 abril, 2017.

POLARO, Ricardo. Jurisprudência sobre a Teoria da Perda de uma Chance de Cura. [200.] Disponível em: <https://direitodomedico.blogspot.com.br/2008/03/jurisprudncia-sobre-teoria-da-perda-de.html > Acesso em: 13 abril.2017.

CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA. Resolução CFM Nº 1931/2009, de 17 de setembro de. 2009. Disponível em: <https://www.portalmedico.org.br/resolucoes/cfm/2009/1931_2009.htm>. Acesso em: 19 mar.2017.

ROSA. A. B, RESPONSABILIDADE CIVIL DO MÉDICO POR IATROGENIA. Rio Grande do Sul, set 2016. Disponível em: <https://conteudo.pucrs.br/wp-content/uploads/sites/11/2017/01/amanda_rosa.pdf>. Acesso em 21. Mar. 2017.

SOUSA, Fábio Torres de. Responsabilidade civil do médico. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 152, 5 dez. 2003. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/4523/responsabilidade-civil-do-medico>. Acesso em: 20 mar. 2017.


Notas

1 NETO, Eugênio Facchini. Responsabilidade civil do médico pela falha do dever de informação: a luz do princípio da boa-fé objetiva. 2015. Disponível em <https://www.ajuris.org.br/OJS2/index.php/REVAJURIS/article/view/553/Ajuris138_DT3> acesso em 12/05/17.

2 STJ - REsp: 1104665 RS 2008/0251457-1, Relator: Ministro MASSAMI UYEDA, Data de Julgamento: 09/06/2009, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: --> DJe 04/08/2009. Disponível em <https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/6062245/recurso-especial-resp-1104665-rs-2008-0251457-1-stj/relatorio-e-voto-12198396 > Acesso em 13 abril. 2017.

3 STJ - Informativo 513 do STJ - REsp 1.254.141-PR, 3ª Turma - Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 4/12/2012. Disponível em <https://resumodosjulgadosdostfestj.blogspot.com.br/2013/03/stj-informativo-513-do-stj-resp-1254141.html > Acesso em 18 de abril, 2017.

Sobre as autoras
Beatriz Cristinne Oliveira Silva

Graduando do curso superior de Direito pelo Centro Universitário de Várzea Grande.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

O artigo foi elaborado para fruto de pontuação parcial necessárias à graduação do curso superior de Direito.

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