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A otimização fiscal e seus perigos

Agenda 01/06/2017 às 12:10

A otimização fiscal é engrenagem essencial da máquina financeira. Seus defensores a veem como um "mal necessário" da economia globalizada. Os críticos, por sua vez, a veem como uma prática profundamente antipatriótica. Entenda como isso funciona.

A  otimização fiscal é engrenagem essencial da máquina financeira moderna.

Veja-se a  rota de fuga de capitais traçada pelos irmãos Batista, por exemplo.

Com a abertura da holding na Holanda, a JBS se tornará vizinha de centenas de multinacionais que se instalaram por lá em busca de blindagem legal e institucional.

Como bem lembrou Mathias Alencastro, em artigo para a Folha (A JBS e as artimanhas fiscais), a  imagem da Irlanda e de Luxemburgo, outros suspeitos de costume, o país oferece uma rede grande e confiável de acordos de dupla tributação. É mais vantajoso investir no Brasil através da Holanda do que de um parceiro privilegiado como Portugal.

Os defensores da otimização fiscal veem nela um "mal necessário" da economia globalizada. Os críticos denunciam uma prática perversa e pérfida, além de ser profundamente antipatriótica.

Emmanuel Macron, em sua primeira entrevista coletiva com Angela Merkel, designou a harmonização fiscal dentro do espaço europeu como prioridade do seu governo.

Busca a JBS métodos de atenuação fiscal.

Há métodos de atenuação da dupla tributação que são vistos na doutrina.

São eles os métodos da isenção(preferido pelos países do continente europeu) e o método da imputação(de preferência dos países anglo-saxônicos).

No método da isenção, como o nome sugere, isenta-se o imposto devido no país de residência com relação aos  rendimentos da fonte estrangeira.

No método da isenção há a repartição, exclusão da incidência: a repartição opera-se por duas formas distintas: para a ordem jurídica designada como aplicável ela traduz-se numa atribuição de poder, enquanto para a ordem jurídica declarada inaplicável traduz-se numa verdadeira exclusão de incidência. Por sua vez, há a isenção integral e a isenção com progressividade.

Ou o rendimento não é tido em consideração seja para que efeito for ou o rendimento, apesar de não ser tributado é tomado em consideração, conjuntamente com os de produção interna, para o efeito de determinar a alíquota progressiva aplicável à renda global, tendo-se a isenção com progressividade ou isenção qualificada.

No método da imputação, o rendimento de fonte estrangeira é isento, de tal modo que o Estado da residência tributa a renda global do contribuinte, seja qual for a sua origem. Há no método os seguintes tipos: imputação integral e imputação ordinária, se o Estado da residência deduz  o montante total do imposto efetivamente pago no país de origem, dá-se uma imputação integral.

Essa imputação ordinária conduzirá apenas a uma dedução parcial do imposto estrangeiro se este for superior ao que o Estado da residência aplica aos mesmos rendimentos. Ha a imputação ordinária que pode ser efetiva e proporcional. Em uma,  o limite da dedução, no primeiro Estado, do imposto pago ao outro Estado, consiste na fração do imposto sobre o rendimento do primeiro Estado, calculado antes da dedução, correspondente aos rendimentos tributáveis no outro Estado.

Na outra, o limite da dedução no primeiro Estado, do imposto pago no outro Estado, consiste na fração do imposto no primeiro Estado corespondente à participação desse rendimento do total dos rendimentos tributáveis no primeiro Estado.

Ensinou Alberto Xavier (Direito Tributário Internacional do Brasil, pág. 248) que, quer a imputação ordinária, quer a imputação integral, estas tomam por base o imposto real e efetivamente pago no exterior.

Mas duas novas modalidades surgiram em Convenções Fiscais: o matching credit ou crédito de imposto presumido, que consiste na atribuição de um crédito mais elevado que a alíquota de direito comum em vigor no país da fonte. O tax sparring ou crédito de imposto fictício ou imputação especial por isenção de imposto consiste na atribuição de um crédito correspondente ao imposto que teria sido pago no país  de origem se não fossem as medidas de exoneração com que neste se pretendeu incentivar o investimento exterior.

A figura do crédito de imposto fictício foi consagrado nas Convenções assinadas pelo Brasil com o Japão, a Noruega e Bélgica. A figura do crédito do imposto presumido é presente em matéria de juros, dividendos e royalties.

Saliente-se que todos os Estados (à exceção de Portugal, que se limite à imputação ordinária) concedem  a figura do crédito do imposto presumido, em proporção variável, quanto a juros e royalties; quanto a dividendos o regime, como noticia a doutrina, é mais complexo, pois a par do tax sparring, há casos de isenção integral, de inseção com progressividade e de imputação ordinária. O Brasil, apenas em um caso prevê um matching credit quanto a juros e royalties; é o que se passa com a Espanha.

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Veja-se o acordo fiscal do Brasil com a Holanda.

Destaco  nas anotações aqui apresentadas conclusões trazidas por João Marcos Gertrudes Tavares e Renata Freitas Crispim (Cláusulas de matching credit e tax sparring em acordos internacionais contra a bitributação de renda -Ius Navigandi) sobre a matéria, no que concerne ao acordo com a Holanda:

 Os autores trazem a análise o  Decreto nº. 355/91, assinado entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo do Reino dos Países Baixos, que possui o seguinte texto como ementa:

“Promulga a Convenção Destinada a Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Imposto sobre a Renda, entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo do Reino dos Países Baixos”.

Partamos para a análise deste Decreto. O capítulo I trata da abrangência da Convenção, determinando as pessoas e os impostos sujeitos a ela, quais sejam todas as pessoas residentes de um ou ambos Estados Contratantes e os impostos sobre a renda (independente de sua origem) estabelecidos por um desses Estados.

Em seguida, o Decreto especifica os impostos abrangidos em cada Estado e garante sua aplicabilidade para impostos supervenientes que se enquadrem nas determinações do acordo internacional. Desse modo, torna-se claro que foi utilizado na Convenção, em relação à soberania dos Estados, o princípio da universalidade, por meio do critério de residência para determinar os contribuintes sujeitos às normas.

O segundo Capítulo destina-se à definição dos conceitos utilizados por todo o texto. O conceito “residente” ganha destaque nesta análise, sendo descrito como “qualquer pessoa que, em virtude da legislação desse Estado, esteja aí sujeita a imposto em razão do seu domicílio, residência, sede de direção ou qualquer outro critério de natureza análoga.

Para aqueles que possuam residência em ambos os Estados, o artigo 4 do Decreto determina qual residência deverá prevalecer. Também relevante se mostra o conceito de “estabelecimento permanente”, referente à instalação fixa de negócios em que a empresa exerça toda ou parte de sua atividade e que, segundo o artigo 5, pode conter (i) uma sede de direção; (ii) uma sucursal; (iii) um escritório; (iv) uma fábrica; (v) uma oficina; (vi) uma mina, poço de petróleo ou gás, uma pedreira, ou qualquer outro local de extração de recursos naturais. Determina-se ainda o que não consiste um estabelecimento permanente.

De grande relevância para o presente trabalho, o Capítulo III estabelece a tributação de rendimentos, determinando limites máximos de tributação para diversas situações fáticas, constituindo característica essencial para compor método bilateral de combate à bitributação. Como exemplo, o artigo 10 especifica que:

“Quando um residente em um Estado Contratante tiver um estabelecimento permanente no outro Estado Contratante, este estabelecimento permanente pode estar, ali, sujeito a imposto retido na fonte, nos termos da legislação daquele Estado. Todavia, tal imposto não excederá 15% (quinze por cento) do montante bruto dos lucros do estabelecimento permanente, apurado após o pagamento do imposto de renda de sociedades, incidente sobre aqueles lucros.” 

O método para evitar a bitributação da renda encontra-se normatizado no Capítulo IV – Eliminação da Dupla Tributação. O texto do artigo 23, componente único deste Capítulo, descreve o modelo de matching credit. Merecem destaque os parágrafos 3º, 4º e 5º, por determinarem explicitamente a porcentagem máxima de redução sobre o imposto a ser cobrado na Holanda, relativo à renda auferida no Brasil. Vejamos:

“3. Além disso, a Holanda permitirá uma dedução do imposto holandês calculado sobre os rendimentos que podem ser tributados no Brasil e de que tratam o parágrafo 2 do Artigo 10, o parágrafo 2 do Artigo 11, o parágrafo 2 do Artigo 12, o parágrafo 3 do Artigo 13, o Artigo 17, o parágrafo 1 do Artigo 18 e o Artigo 22 desta Convenção, desde que tais rendimentos sejam incluídos na base de cálculo de que trata o parágrafo 1. O montante dessa dedução será igual ao valor do imposto pago no Brasil sobre aqueles rendimentos, mas não excederá o montante da redução que seria permitida se tais rendimentos fossem os únicos isentos do imposto holandês, nos termos do que dispõe a lei holandesa destinada a evitar a dupla tributação.

4. Para os efeitos do que dispõe o parágrafo 3, o imposto pago no Brasil será considerado:

a) relativamente aos dividendos de que trata o parágrafo 2 do Artigo 10, 25% (vinte e cinco por cento) de tais dividendos, se forem pagos a uma sociedade holandesa que detenha no mínimo 10% (dez por cento) do capital votante da sociedade brasileira, e 20% (vinte por cento) nos demais casos;

b) relativamente aos juros de que trata o parágrafo 2 do Artigo 11, 20% (vinte por cento) de tais juros;

c) relativamente aos "royalties" de que trata o subparágrafo b, do parágrafo 2 do Artigo 12, 25% (vinte e cinco por cento) de tais "royalties", se forem pagos a uma sociedade holandesa que detenha, direta ou indiretamente, no mínimo 50% (cinqüenta por cento) do capital votante de uma sociedade brasileira, desde que não sejam dedutíveis na apuração do lucro tributável da sociedade que efetua o pagamento, e 20% (vinte por cento) nos demais casos.

5. Quando um residente no Brasil receber rendimentos que, nos termos desta Convenção, possam ser tributados na Holanda, o Brasil permitirá, como dedução do imposto de renda dessa pessoa, um valor igual ao imposto de renda pago na Holanda. Todavia, a dedução não será maior do que a parcela do imposto que seria devido antes da inclusão do crédito correspondente aos rendimentos que podem ser tributados na Holanda.”

Porém, os governos que se insurgem regularmente contra a otimização fiscal também são os guardiões desse sistema.

Antes de assumir a presidência da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, interlocutor-chave de Merkel e Macron, conduziu enquanto premiê a transformação de Luxemburgo em centro de lavagem de dinheiro.

Disse, ainda, Mathias Alencastro, que o  pacato país de 500 mil habitantes, que tributa uma porcentagem ínfima dos dividendos, tem o maior volume de investimento externo da União Europeia.

Sem uma ação coordenada das autoridades da UE, os países-membros estão condenados a sacrificar a arrecadação tributária no altar da competitividade fiscal. Nessa corrida rumo ao abismo, quem ganha são as empresas, e quem perde são os Estados, da Europa e do mundo. As artimanhas fiscais, legais e ilegais, custam cerca de US$ 50 bilhões por ano aos países africanos, o equivalente do que recebem em ajuda e investimento externo.

Realmente, diante  dessa constatação de impotência frente à manobra da JBS, resta a resistência cívica. O "tax shaming", movimento que revela e divulga as manobras fiscais das multinacionais, deixou os mastodontes GAFA –Google, Amazon e Facebook– numa saia justa.

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. A otimização fiscal e seus perigos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5083, 1 jun. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/58132. Acesso em: 22 nov. 2024.

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