Primeiramente é imperioso gizarmos a diferença entre as três formas de subsídios aos salários e proventos do servidor, o que se faz esposando a lição de DE PLÁCIDO E SILVA:
Aumento: É usado na terminologia jurídica para indicar toda ampliação, todo acréscimo, toda majoração, produzida ou acontecida em alguma coisa.
Revisão: Em sentido jurídico, a revisão é exame ou o estudo de alguma coisa para expurgar dela o que não estiver de acordo ou em harmonia com o Direito ou a verdade.
Reposição: Entende-se como a ação e efeito de repor ou recolocar a coisa onde se encontrava antes. (In Vocabulário Jurídico, Vols. I a IV, Ed. Forense).
Definidos os parâmetros do estudo, passemos ao seu mérito.
A legislação em vigor, Lei 8.112/90, estabelece a revisão dos salários e proventos dos servidores federais com fundamento não apenas em norma meramente ordinária, mas sim constitucional, notadamente o art. 37, X da Carta Política, que estatui a revisão geral da remuneração dos servidores sem distinção de índices, entre quaisquer categoria de servidores e na mesma data.
Pois bem, tratando-se, como de fato se trata de norma cogente, impositiva ao poder público, cuidando, não de aumento, mas apenas de revisão, sendo pacífico o entendimento da jurisprudência nacional acerca da diferença entre os dois institutos, tratando-se, o primeiro, de "acréscimo remuneratório real", já o segundo, conjuntamente com a reposição, meramente "reajuste ou recomposição do poder aquisitivo, poder de compra da moeda em decorrência de perdas inflacionárias".
É certo que assim determina a Lei Fundamental e, "máxima vênia", ao seu encontro, determina a Súmula 339: " Não cabe ao poder judiciário, que não tem função legislativa, aumentar vencimentos de servidores públicos sob fundamento de isonomia"
Frise-se que o verbete suso referido - que fala tão somente em aumento - foi concebido ainda sob a égide de outra Constituição, que por sua vez não trazia em seu corpo tantas garantias individuais como faz a Carta vigente, estabelecendo, além da igualdade de tratamento de uma forma geral (art. 5º, caput), também a igualdade de tratamento àqueles que exercem funções públicas iguais ou assemelhadas (Art., 37, X e art. 39 § 1º).
Por outro lado há que se enfatizar a real necessidade de Lei, como exige o parágrafo primeiro do art. 61 da Constituição Federal, para o caso de aumento real de vencimentos, sob pena de o pais mergulhar numa verdadeira balbúrdia, de forma que os chefes dos três poderes se auto-concederiam aumentos diferenciados, no atendimento a interesses vários. Não é isso.
A tese defendida é no sentido de que, havendo flagrante perda do valor real dos salários, seja com a inflação, seja em relação aos seus pares; ou ainda para suprimir distinções, deve ser afastada, veementemente, a aplicação da Sumula 339. Não apenas pela flagrante diferença entre os institutos aqui colocados, mas principalmente, para os adeptos do rigorismo excessivo, por não proibir, a indigitada sumula, tais reposições, de vez que traz a proibição apenas com relação a "aumento" que, como vimos acima, diferencia-se em muito dos demais institutos defendidos. Logo, para os mais vanguardistas e liberais, o que a Lei não proíbe, ela permite.
Foi também nesse sentido o entendimento do Ministro Marco Aurélio relatando o MS nº 22.439-8/DF que " O art. 37 da Constituição tem eficácia imediata, prescindindo-se, para mera revisão de vencimentos, da lei mencionada no art. 61, § 1º, II, "a" da CF, a qual refere-se tão somente á aumento de vencimentos" O magistral pronunciamento do Eminente Ministro aconteceu no recente caso do reajuste de 28,86% concedido pelo Governo Itamar Franco tão somente aos servidores militares em detrimento dos Civis, o que causou grande celeuma no meio jurídico com o ajuizamento de milhares de ações reparatórias; as quais, após manifestação da Corte Pretoriana, através deste voto, ecoou no cenário jurídico nacional, com o êxito total daquelas ações.
Os índices perseguidos em ações desse jaez, têm cunho de recomposição de vencimentos decorrentes de inflação passada, ou ainda de distorções causadas por aumentos concedidos a outras categorias de servidores em total e flagrante desrespeito ao princípio isonômico. Logo, tratam de mera recomposição seja ela do valor real ou ainda recomposição de uma situação claudicante em relação a outros servidores, jamais de aumento real, o que, por si só afasta a aplicação do art. 61, § 1ª,II,,"a" da CF e, via de conseqüência a Súmula 339 da Excelsa Corte.
José Afonso da Silva, citando Seabra Fagundes, esclarece que o princípio constitucional da isonomia exige que a lei "deve reger, com iguais disposições - os mesmos ônus e as mesmas vantagens - situações idênticas, e, reciprocamente, distinguir, na repartição de encargos e benefícios, as situações que sejam entre si distintas, de sorte a quinhoá-las ou gravá-las em proporção às suas diversidades" (José Afonso da Silva, "Curso de Direito Constitucional Positivo", 5ª ed., 1989, p. 192).
Aliás, tais situações, como já salientado, têm sido objeto de decisões administrativas do Supremo Tribunal Federal, como, por exemplo, a proferida em sessão administrativa realizada em 08/02/1995, como se colhe da Ata a seguir transcrita: "Ata da 1ª Sessão Administrativa, realizada em 08 de fevereiro de 1995. O Supremo Tribunal Federal, em sessão administrativa, presentes os Senhores Ministros Octavio Galloti (Presidente), Moreira Alves, Néri da Silveira, Sydney Sanches, Sepúlveda Pertence, Celso de Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Ilmar Galvão, Francisco Resek e Maurício Correa, deliberou, por unanimidade, examinado o Processo nº 23426-5, referendar decisão Exmo.Sr.Ministro-Presidente, que durante o recesso, em 17 de janeiro de 1995, autorizou o pagamento de reajuste geral aos membros e servidores ativos e inativos e pensionistas deste Tribunal, conforme o disposto na Lei nº 8.880/94,que, em seu artigo 28,estipula que os valores serão revistos em 1º de janeiro de 1995, calculando-se o valor dos vencimentos, soldos e salários referentes a cada um dos doze meses de 1994, em URV ou equivalentes em URV, dividindo-se os valores expressos em cruzeiros reais pelo equivalente em URV do último desses meses, respectivamente, e extraindo-se a média desses valores. Sem prejuízo do disposto no artigo supracitado, aplicou-se, também, a partir de janeiro de 1995,o percentual de 22,07%, conforme índice fornecido pelo Instituto de Geografia e Estatística – IBGE, correspondente à variação acumulada do IPC-r, entre o mês da primeira emissão do real, inclusive, e o mês de dezembro de 1994..."
Ao determinar a aplicação do acréscimo percentual de 3,17% a partir de 1º de janeiro de 1995, às remunerações de seus servidores, inclusive aposentados e pensionistas, o Colendo Supremo Tribunal fez apenas a correta interpretação da Lei, dentro do sistema difuso do controle da legalidade dos atos públicos, assegurado constitucionalmente, no que foi seguido pelo Tribunal de Contas da União, órgão fiscalizador que, considerando correta e legal a interpretação dada pelo Excelso Pretório, adotou posição semelhante, ao apreciar e acolher Representação, assim se manifestando: Processo TC nº 008214/95-6 Int:Secretaria Geral de Administração Assunto: Ajuste sobre vencimentos, proventos e pensões. Despacho do Excelentíssimo Senhor Ministro-Presidente: "Tendo em vista o contido na Representação nº5/95- SEGEDAH-GS e com fulcro no artigo 37, inciso X, da Constituição Federal, determino à Secretaria Geral de Administração que adote as providências cabíveis necessárias à aplicação do ajuste de 3,17% (três vírgula dezessete por cento) sobre os vencimentos, proventos e pensões dos Senhores Ministros, membros do Ministério Público junto a esta Corte de Contas e servidores deste Tribunal, a contar de 1º de janeiro de 1995, nos termos do disposto no artigo 28 e §§ 2º a 7º do artigo 22 da lei 8.880 de 27 de maio de 1994, considerando-se o resolvido na esfera do Poder Judiciário (cf.Processo nº234265/95-ATF, P.A, nº0020/95-STF e outros órgãos), bem assim, no âmbito do Senado Federal, segundo informações colhida naquela Casa do Congresso Nacional."
O que deve ter em mente o julgador enquanto interprete da Lei, ao se lhe apresentarem tais casos, é o principio da equidade e da moralidade administrativa, de forma a levá-lo a crer que, declarando a corte máxima, ainda que administrativamente, devido um tal índice, é imperioso seja o mesmo reconhecido em relação aos demais servidores. A aplicação aqui do princípio da equidade, se faz impositivo, considerando ainda que as decisões administrativas da Colenda Corte devem ser interpretadas como judiciariformes, de forma a concluir, mais uma vez, que o rigorismo excessivo na exegese dos textos legais pode levar a injustiças, invertendo-se a função precípua do Poder Judiciário que é a busca da igualdade através da Justiça. Nessa esteira, e ao nosso ver corretamente, é o pronunciamento do Eg. STJ através do aresto da lavra do eminente Min. Sálvio de Figueiredo, assim redigido: "Se o Juiz não pode tomar liberdades inadmissíveis com a Lei, julgando contra a legem, pode e deve optar pela interpretação que mais atenda às aspirações da Justiça e do bem comum."(in R-STJ, 26/378)
In casu, a vigência, ainda, da indigitada súmula, representa um contra-senso, de vez que a própria corte máxima, já entendeu afastada sua aplicabilidade aos casos em tela, considerando que não se cuida de aumentar vencimentos, mas sim de simples correção; seja ela do índice de reajuste salarial decorrente da inflação, seja de distorções. Mesmo porque, a referida súmula foi concebida sob orientação de outra Constituição (arts.36 e 65 IV da Constituição de 1946), como alhures gizamos, havendo necessidade de seu reestudo, para análise crítica de seu exato conteúdo diante das normas e princípios constitucionais hoje vigentes, não mais existindo razões para prestigiá-la, em detrimento de preceito constitucional que lhe é subsequente.
Há ainda evocar-se acerca da possibilidade de concessão, pelo judiciário, de reposições ou reajustes salariais, o Princípio da Legalidade segundo o qual o mestre HELY LOPES MEIRELLES, in Direito Administrativo Brasileiro, 18ª edição, afirma que" O controle dos atos administrativos é unicamente de legalidade, mas nesse campo a revisão é ampla, em face dos preceitos constitucionais de que a lei não poderá excluir da apreciação do poder judiciário lesão ou ameaça de lesão a direito (art. 5º XXXV da CF/88).
Infelizmente, para os servidores públicos o reconhecimento da isonomia, e de sua prevalência sobre a sumula 339, não se opera de forma pacífica entre os MM. Magistrados Federais, alguns, conservadores ao extremo, ainda fecham os olhos às evoluções sociais do Direito. Ora, é lógico que a Constituição não iria criar uma regra, a principio para deixá-la inerte. Nem se diga que não cabe ao Poder Judiciário a função legislativa, aumentar vencimentos dos servidores públicos. motivo pelo qual, a aplicação da norma constitucional que assegura tratamento de igualdade perante a lei, deve se sobrepor às manobras do governo federal para, burlando a lei, conceder aumentos e reajustes diferenciados. Manter esta igualdade é competência precípua do Poder Judiciário. A respeito dessa diferença de tratamentos já advertia o saudoso e festejado mestre Francisco Campos em sua obra ( in Direito Constitucional, Ed. Freitas Bastos 1956, vol. II, pagina 34, assim lecionando: "O legislador deverá tratar como igual aquilo que pessoa fato ou contrato, coisa ou estado de coisas, relações jurídicas de qualquer espécie seria arbitrário tratar como desigual." Dessarte, não observada pelo legislador, tal igualdade, cabe ao Poder Judiciário o socorro às vitimas da desigualdade.
À luz da evolução tem-se brilhante o pronunciamento do Eminente Desembargador do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, CASTRO AGUIAR: "Sempre que a lei conferir aumento geral para militares, essa lei terá de trazer em si, explícita ou implicitamente, aumento igual para os servidores civis. O aumento para todos haverá de estar, quando menos, subentendi do nela. Ou se pensa assim, ou estaremos atribuindo ao constituinte a edição de um preceito gracioso, inconseqüente, sem brios, inteiramente inútil e vazio. A norma constitucional assegura determinada medida igualitária, que o legislador infraconstitucional acintosamente deixa de cumprir, tirando proveito dos obstáculos jurídicos que a parte lesada terá para garantir o cumprimento da Constituição. E, o que é pior, sem que o lesado tenha qualquer possibilidade de êxito, mesmo na Justiça, se prevalece o entendimento de que só com lei de iniciativa do Chefe do Executivo o aumento lhe será aplicável. A Constituição, nesse passo, não imporia e inutilizado estaria o preceito, no seu todo. Repugna-me qualquer entendimento que torne ineficaz, por completo, o preceito interpretado. Não se convence, por igual, o argumento de que a hipótese não foi de aumento geral de remuneração dos militares, tendo havido apenas revisões remuneração dos militares, tendo havido apenas revisões remuneratórias específicas. Em verdade, houve, sim, aumento geral para os militares e a lei apenas tentou mascará-lo simulando um reposicionamento qualquer. O governo federal vem-se utilizando dessas manobras, sempre que pretende fugir ao inc. X do art. 37.
Por derradeiro, há que salientar-se, o tratamento de determinadas questões não pode ser simples e singular, principalmente as que de uma forma geral podem vulnerar preceitos constitucionais transformando o judiciário num mar de recursos. O que, sem duvida, vem afetar a garantia do próprio judiciário e a saúde do processo legal. De forma inegável e irresistível, a não reposição ou revisão dos vencimentos e proventos pelo Judiciário, quando provocado, assim que verificada a defasagem ou a desigualdade, não só fere o Princípio Constitucional da Irredutibilidade dos Vencimentos e da Isonomia, preconizados nos inciso V e X, do art.37, bem como o disposto no caput do artigo V, da Constituição Federal.