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Marinha, Exército e Aeronáutica: atividades de preservação da ordem pública

Agenda 18/06/2017 às 14:14

Não tem causado espanto notícias de que as FFAA estão sendo utilizadas em atividades voltadas à Segurança Pública, muito embora, na verdade, seu papel constitucional não seja este. A atuação das FFAA para garantir a lei e a ordem tem natureza secundária, excepcional, e depende de justificativas e iniciativas das autoridades legitimadas para tal.

Este ensaio técnico profissional tem por objetivo despertar a atenção e o interesse dos profissionais de segurança pública, dos membros do Ministério público Federal e Estadual, dos legisladores federais e estaduais, dos juristas, dos acadêmicos de direito e da sociedade em geral sobre a importância do tema exposto.

Espera-se que o assunto seja analisado, pesquisado e discutido com a seriedade necessária, buscando soluções eficazes para o emprego das Forças Armadas na garantia da lei e da ordem e em situações de emergência de grave perturbação da ordem pública devidamente comprovada, resultando reflexos positivos e eficazes no controle da criminalidade e da violência, efeito almejado por toda população brasileira.

Assistem-se ao vivo, pelos canais de televisão, e se acompanha pelas redes sociais, o caos que se instalou no Estado Capixaba, fenômeno que pode se alastrar pelos estados da federação provocando medo, terror e insegurança na sociedade brasileira.

A criminalidade descontrolada provocou o aumento vertiginoso de crimes de toda ordem, como furtos, roubos, homicídios e vandalismos, etc... , os quais parecem se tornar banais, sem que haja uma reação eficaz dos governos.

O Sistema Criminal, Penitenciário e Policial estão completamente falidos há décadas, sem que nossos representantes políticos e os governantes tomem providências sérias e eficazes para estancar a grave crise e solucionar a questão a nível condizente com o bem estar da sociedade, com a paz social e a segurança da população.

O artigo 144 da Constituição Federal de 1988 dispõe que a Segurança Pública é dever da organização estatal, direito e responsabilidade de todos. Aponta que seu exercício se destina à Preservação da Ordem Pública e da Incolumidade das Pessoas e do Patrimônio.

O dispositivo constitucional acima discrimina, taxativamente, os órgãos encarregados de exercê-la, ou seja, a Polícia Federal, a Polícia Rodoviária Federal, a Polícia Ferroviária Federal, a Polícia Civil, a Policia Milita e o Corpo de Bombeiros Militar. Destaca-se que desse rol constitucional não constam as Forças Armadas.

A República Federativa do Brasil é composta pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, se constituindo em Estado Democrático de Direito com autonomia política administrativa de seus entes federados, com respectivas competências estabelecidas na Carta Constitucional, resultando dessa organização estatal uma partilha interna de atribuições dos Governos Federal, do Estadual e do Municipal, sem que haja supremacia de um sobre o outro.


1. Emprego das Forças Armadas na Segurança Pública

As Forças Armadas são compostas pela Marinha, Exército e Aeronáutica e se destinam à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer desses, da lei e da ordem. Esta é a previsão constitucional contida no artigo 142 da Constituição Federal.

Daí se extrai que o papel das Forças Armadas não está voltado à preservação da ordem pública, nem à execução de atividades típicas das forças policiais elencadas no artigo 144 da Carta Constitucional e que, a atuação nessa área, só poderá ocorrer em situação de excepcionalidade temporária, dentro da concepção de atuação para garantia da lei e da ordem.

A atuação das FFAA para garantir a lei e a ordem, tem natureza secundária, excepcional, dependente de justificativas e iniciativas das autoridades legitimadas representantes dos poderes federais, ou seja, do Presidente da Mesa do Congresso Nacional, do Presidente da República ou do Presidente do Supremo Tribunal Federal.

Só subsidiariamente e, eventualmente, incumbe às FFAA a defesa da lei e da ordem, porque essa defesa é de competência primária das forças de segurança pública, que compreendem a Polícia Militar dos Estados e do Distrito Federal, entre outras polícias civis.

A respeito do tema segue meu comentário anterior feito em 1994 quando ocorreu o emprego das Forças Armadas nas Favelas do Rio de Janeiro com o pretexto de prender traficantes de drogas e “acabar com a criminalidade”, na chamada Operação Rio I e II:

“As insistentes demandas por providências conduziram os responsáveis a buscar a solução nas Forças Armadas (FFAA), por não acreditarem em uma alternativa melhor para a resposta imediata”. - A decisão dos governantes repercutiu nacionalmente de forma favorável, em virtude da seriedade dessas instituições e do grande prestígio e respeito que possuem perante a opinião pública, apesar desta tropa não estar bem preparada e habilitada para atuar nas atividades de Preservação da Ordem Pública. As Forças Federais são instituições permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina. Assim sendo, não poderiam deixar de atender aos apelos da população e, principalmente, a vontade política de sua autoridade suprema (Presidente da República), partindo prontamente para a difícil missão. As FFAA são essenciais à execução da política de segurança nacional, tendo por incumbência basilar a defesa da Pátria, a garantia dos poderes constituídos, da lei e da ordem. Podem ser acionadas para o desempenho de missões na área da Segurança Pública - Defesa Pública, em casos e situações especiais, previstos na Carta Constitucional e em legislação federal especial. Configurando-se o quadro sintomático de grave perturbação da ordem (Segurança interna - Defesa Interna) onde fica evidente a superação da capacidade do governo estadual para preservar a ordem pública, após decretação de Intervenção Federal e demais procedimentos legais, as Forças Federais entram em ação. Temos a impressão que esse quadro ainda não tinha se configurado, motivo pelo qual não foram acionados os dispositivos constitucionais pertinentes, celebrando-se unicamente um “convênio” entre o Governo Estadual e o Federal. Na verdade “um jeitinho político de improviso” para não desagradar o governo estadual”.

Matéria publicada no Jornal O Progresso, Dourados, quarta feira, 14 de dezembro de 1994, p. 09.

Objetivando dar legitimidade à atuação das FFAA na Segurança Pública, o governo federal, por meio do Decreto nº 3.897, de 24 de agosto de 2001, fixa as diretrizes para o emprego delas na garantia da lei e da ordem, concedendo Poder de Polícia aos militares federais quando convocados a atuar na Preservação da Ordem Pública em situação emergencial comprovada e respaldada pela Carta Constitucional.

Posteriormente, a Lei Complementar nº 117, de 02 de setembro de 2004 alterou a Lei Complementar nº 97, de 09 de junho de 1999, que dispõe sobre as normas gerais para a organização, o preparo e o emprego das Forças Armadas, reforçando a legitimidade do emprego das FFAA no âmbito da segurança pública, mas impondo requisitos mais específicos para atuação nas questões de Segurança Pública.

É extensa a legislação base legal para o emprego das Forças Armadas na garantia da lei e da ordem, podendo-se citar, a seguir, as três principais:

Abaixo, aborda-se situações previstas na Constituição e na legislação infraconstitucional especial que autorizm a convocação das FFAA para atuar na Preservação da Ordem Pública – Defesa Pública. Em todas se exige estar presentes requisitos específicos e procedimentos próprios indispensáveis. Veja-se:

  1. Intervenção federal decorrente de grave perturbação da ordem pública (art. 34, III da CF);

  2. Estado de Defesa (art. 136. da CF);

  3. Estado de Sítio (art. 137. da CF);

  4. Na Garantia de Lei e da Ordem (art. 142. da CF).


2. Intervenção federal

Citam-se abaixo as 02 (duas) espécies do gênero “Intervenção” - art. 34, III da CF:

2.1. Intervenção Espontânea

Iniciativa do Chefe do Executivo Federal. As hipóteses de intervenção federal espontânea são voltadas para a defesa:

2.2. Intervenção Provocada

Medida depende de provocação de um ou mais órgãos ao qual a Constituição Federal atribuiu competência, podendo esta dar-se mediante “Requisição” ou “Solicitação”.

As hipóteses de intervenção federal provocada mediante requisição estão previstas no art. 34, incisos IV, V, VI E VII da CF:

2.3. Intervenção federal decorrente de solicitação


3. Preservação da Ordem Pública e Garantia da Lei e da Ordem

Tem-se maior interesse para a Segurança Pública a intervenção federal na hipótese de defesa da ordem pública nos estados federados (art. 34, III da CF) e a da Garantia de Lei e da Ordem (art. 142. da CF) uma vez que em situação de normalidade essas atividades são de atribuição das polícias estaduais e vem sendo utilizadas corriqueiramente com o emprego das FFAA.

São 02 (duas) as principais situações mais utilizadas atualmente pelo governo federal, previstas na Carta Constitucional e na legislação infraconstitucional especial, para autorizar a convocação das FFAA. Em ambas se exige estar presentes requisitos específicos e procedimentos próprios:

3.1. Na órbita da Defesa Pública - Preservação da Ordem Pública (art. 34, III da CF) e na Garantia da lei e da Ordem (art. 142. da CF)

Caracterizada por não se apresentar o risco iminente de ruptura das instituições democráticas, estando elas em pleno funcionamento, harmonia e em equilíbrio.

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Todavia, na órbita acima, se apresenta quadro acentuado de grave descontrole da criminalidade e da violência, onde as forças policiais do estado encontram óbices para atuar, perdendo sua capacidade operativa de controlar a criminalidade e de oferecer segurança à população, fato ocorrido recentemente no Estado do Espírito Santo. Veja-se abaixo uma publicação resumida sobre o assunto:

“Mal a polícia saiu da rua em Espírito Santo, eclodiu a violência -Polícia Militar reivindica aumentos salariais. Há pilhagens e armas apontadas à cabeça de motoristas — 95 mortos em seis dias. Com as medidas de austeridade, aumentam no país os protestos e a instabilidade social.

Foi o sexto dia sem a Polícia Militar nas ruas e estima-se que tenham morrido já pelo menos 95 pessoas no estado do Espírito Santo, no Brasil. Um protesto das famílias dos polícias deixou o estado sujeito a uma onda de violência e assaltos que nem a presença do Exército conseguiu travar. É mais um episódio ligado à crise económica que se agudiza no Brasil, com medidas de austeridade a aumentar protestos e instabilidade social. Moradores assustados mantinham-se fechados em casa e os media mostram ruas desertas na cidade de Vitória, capital do estado. Chegou a haver corpos nas ruas da cidade por falta de câmaras frigoríficas no Instituto de Medicina Legal. Escolas e postos de saúde estavam fechados, assim como muitos estabelecimentos comerciais. O sindicato dos motoristas de autocarro disse que nenhum veículo saiu, depois de na véspera ter havido problemas. “Houve assaltos, arma na cabeça de motorista obrigando-o a invadir uma loja para os meliantes poderem assaltar”, enumerou o presidente do sindicato, Edson Bastos. “Prefiro pagar um preço pela minha atitude do que chorar um motorista”, concluiu. A polícia civil também suspendeu durante algumas horas as suas atividades após a morte de um agente, atingido a tiro quando intervinha num assalto a um motociclista. Estes queixam-se de não ter aumentos nem ajustes à inflação há cinco anos e reivindicam subsídios de alimentação, de risco, e um complemento por horário noturno. O seu salário-base é de 2.643 reais (cerca de 790 euros), o pior do Brasil, segundo disse o responsável da associação, Thiago Bicalho, ao UOL. O governo do estado, a norte do Rio de Janeiro, nega dialogar com as famílias ou os polícias nestas condições. Fartos da insegurança, umas séries de moradores de Vitória fizeram uma contramanifestação pedindo o regresso dos polícias às ruas, chegando a bloquear uma avenida com pneus a arder, levando à intervenção dos militares, que dispersaram o protesto”.

Publico. pt - 8 fevereiro/ 2017 -

Daí então, usando o dispositivo Constitucional da Intervenção - Art. 34, inciso III da CF e outros infraconstitucionais previstos no Decreto nº 3.897, de 24 de agosto de 2001 e na Lei Complementar nº 97, de 09 de junho de 1999, alterada Posteriormente pela Lei Complementar nº 117, de 02 de setembro de 2004, as forças armadas podem atuar legalmente.

Evidencia-se que, na situação acima, não há presença da figura doutrinária das FFAA denominada de “inimigo interno ou de inimigo externo”. No caso ocorrido no Estado do Espírito Santo não se tem conhecimento se todos os procedimentos legais foram cumpridos, parece que não.

3.2. Nas situações emergenciais de defesa interna e territorial, previstas nos artigos 136 (Estado de Defesa) e 137 (Estado de Sítio) da Carta Constitucional

Ao se configurarem essas situações gravíssimas, cabe ao governo federal decretar a medida emergencial de exceção cabível, onde se afigura presente, conforme doutrina das FFAA, o “inimigo interno ou o inimigo externo” que ameaçam o funcionamento harmônico e normal das instituições democráticas nacionais. Vejam-se os dispositivos constitucionais mencionados:

Art. 136 - O Presidente da República pode, ouvidos o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional, decretar estado de defesa para preservar ou prontamente restabelecer, em locais restritos e determinados, a ordem pública ou a paz social ameaçada por grave e iminente instabilidade institucional ou atingidas por calamidades de grandes proporções na natureza. (...).

Art. 137. - O presidente da República pode, ouvidos o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional, solicitar ao Congresso Nacional autorização para decretar o estado de sítio nos casos de: I – comoção grave de repercussão nacional ou ocorrência de fatos que comprovem a ineficácia de medida tomada durante o estado de defesa; II – declaração de estado de guerra ou resposta a agressão armada estrangeira. (...).

Havendo ocorrência dos fatos de anormalidade gravem como elencados acima, situação em que um ou mais poderes constitucionais estão ameaçados de não poder executar suas atribuições e atividades normais, verifica-se o pré-requisito para o emprego das tropas federais, pois os órgãos de segurança responsáveis por sua preservação não são capazes de controlar a conjuntura que se apresenta caótica.

Daí as Forças Armadas devem agir no intuito de atuar em conjunto com as forças de segurança, suprindo lacunas que, nem mesmo com políticas emergenciais, a exemplos de aparelhamento e treinamento, as polícias civis, militares e federais poderiam solucionar, pois já se configurou o quadro autêntico de Segurança Nacional e, por conseguinte, passa a ser de responsabilidade do governo federal intervir.

Todavia, ao pesquisar-se sobre os casos em comento, verificamos a complexidade deles. A discussão doutrinária não restou pacificada quanto à constitucionalidade do Decreto nº 3.897, de 24 de agosto de 2001, que autorizou o emprego das Forças Armadas a atuar com poder de polícia nas situações de normalidade institucional, sem a decretação da medida de exceção constitucional prevista, ou seja, da Intervenção – Art. 34, inciso III, da CF.

A desarmonia doutrinária está fundada no entendimento dos limites do poder regulamentar concedido ao Presidente da República. Não poderia esta autoridade executiva, por si só, como se fosse constituinte, conferir poder de polícia às Forças Armadas para o exercício de operações policiais que a própria Constituição conferiu competência às polícias militares estaduais e a outras instituições policiais civis.

A Intervenção federal, prevista no Art. 34. CF, é ato eminentemente político e frisado de forte excepcionalidade. No Estado Federativo, a regra é a posse de competências exclusivas conferidas às partes componentes do pacto federativo que determina, salve exceções legais, a União não intervirá nos Estados e nem no Distrito Federal.

Ainda, em passado recente e na atual conjuntura, vem sendo o emprego das Forças Armadas realizado em flagrante conflito com a lei, visto que inexistentes os motivos formais e materiais para a atuação da tropa.

As sínteses dos noticiários transcritos abaixo demonstram situações em que a legislação pertinente foi utilizada de forma a burlar a Carta Constitucional objetivando atender interesses privados – Uso das tropas Federais para atender interesses políticos:

1 - Em outubro de 1996, o presidente Fernando Henrique Cardoso autorizou o envio de mais de mil soldados do Exército para ocupar a sede da Companhia Vale do Rio Doce, no sul do Pará. Foram presos 12 líderes de garimpeiros do chamado Movimento Pela Libertação de Serra Pelada. O fato ganha mais significado se considerado que, desde agosto, dois meses antes, a medida já era cogitada pelo governo e a requisição de tropas federais partiu do juiz de Curionópolis, pequeno município próximo ao garimpo, atropelando literalmente a exigência de iniciativa por parte do chefe de um dos três Poderes da República.

2 - Em julho de 2000 foi à vez do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) servir como pretexto para a atuação dos militares, quando seus integrantes ameaçaram ocupar uma fazenda de familiares do presidente Fernando Henrique Cardoso, na cidade de Buritis (MG).

Empregar as Forças Armadas em operações tipicamente urbanas é medida extrema a ser adotada em situações igualmente extremas. Vislumbra-se o risco mediato à Democracia e ao Estado de Direito.

Citamos, também, o ocorrido em 14 de Junho de 2008, quando o então presidente Lula, a pedido do senador Crivella, autorizou o emprego político das FFAA “para fazer segurança preventiva” da reforma de 782 casas, no Morro da Providência – Rio de Janeiro.

Daí resultou no assassinato de três jovens que foram entregues, pelo oficial do exército comandante da patrulha militar, aos traficantes da facção “Amigos dos Amigos”, adversária do “Comando Vermelho” que atuava naquela favela. Vejam-se no que resultou:

“O exército, o político, o morro e a morte. Das manchetes ao esquecimento: o caso Providência faz dois anos. A ideia do senador Marcelo Crivella era reformar 782 casas no morro da Providência às vésperas da eleição municipal de 2008. Para isso, contava com o apoio do Exército. O script, porém, não previa a morte violenta de três jovens. Às seis horas da manhã de 14 de junho de 2008, os amigos David Florêncio, Wellington Gonzaga e Marcos Paulo Campos desceram do táxi, na Praça Américo Brum, no alto do morro da Providência – a favela mais antiga do Rio de Janeiro. Chegavam de um baile funk. Os rapazes, moradores da comunidade, falavam alto e riam, chamando a atenção dos comerciantes que abriam suas lojas ainda com o céu escuro. Do outro lado da praça, um grupo de militares do Exército – que havia seis meses patrulhava a área como parte da estratégia de segurança do Cimento Social, um projeto de reforma de casas populares. O tenente Vinícius Ghidetti, um capixaba de 25 anos, casado e com um filho de 2 meses, comandava a operação. Os três rapazes foram capturados e levados de volta à praça. Durante uma hora, os rapazes permaneceram sentados no chão, sob o bulício revoltado dos moradores. “Usar o “Exército na proteção dos canteiros era a única alternativa viável”, explicou Crivella, numa tarde de maio no plenário do Senado, em Brasília. “As polícias do Rio não tinham gente suficiente nem interesse político para executar aquilo”, acrescentou. Perguntado sobre quem teria dado a ordem final autorizando a ocupação da favela pelas tropas durante as obras do Cimento Social, ele respondeu sem titubear: “O Lula. O presidente Lula”.

(Revista Piauí - Edição 46 | Julho DE 2010 - Por Cristina Tardáguila, diretora da agência Lupa).

Não foi só a dor dos familiares e amigos dos jovens assassinados que restou desse episódio!

Sem querer justificar a conduta criminosa do oficial do Exército, a decisão tomada pelos políticos também afetou drasticamente a carreira do oficial do Exército, Vinícius Ghidetti, recém-promovido ao posto hierárquico de 2º tenente, mas também abalou seus familiares e amigos. Vejam-se as consequências enfrentadas pelo jovem militar que não foi preparado para exercer missões na esfera da Segurança Pública:

“O exército, o político, o morro e a morte. Das manchetes ao esquecimento: o caso Providência faz dois anos. Há dois anos, o tenente Ghidetti está preso numa cela do 1º Batalhão de Polícia do Exército, na Tijuca, Zona Norte do Rio. O primeiro ano serviu para ele cumprir a única sentença que já recebeu, no caso, da Justiça Militar – 365 dias de cadeia por insubordinação ao capitão Ferrari. O segundo ano tem sido de espera ao pronunciamento da Justiça Federal. Recentemente, soube que será julgado por triplo homicídio num tribunal do júri. A data ainda não foi marcada”.

(Revista Piauí - Edição 46 | Julho DE 2010 - Cristina Tardáguila, diretora da agência Lupa).

Podemos afirmar que no episódio em comento ocorreu flagrante uso político da força federal, pois a tropa foi empregada na atividade típica de responsabilidade da força de segurança pública estatal – Polícia Militar, incumbida de exercer o policiamento ostensivo fardado naquela situação de plena normalidade.

Mesmo as polícias que possuem a formação e o preparo profissional algumas vezes extrapolam em suas ações, causando espanto, indignação e reprovação da sociedade. Imagina-se uma eventual estrapolação das FFAA! Os riscos de desvio de função são enormes e, quando ocorrido, vão provocar o descrédito de uma instituição respeitada e essencial à solidez do Estado Brasileiro.

No dia 15/02/2017, no Rio de Janeiro, foi autorizado o “emprego preventivo” (assim classificou o governo federal) de 9.000 militares federais para executar o policiamento ostensivo preventivo, aquele de atribuição constitucional das forças de segurança pública dos estados, onde as FFAA executaram operações eminentemente policias, exercendo o Poder de Polícia em situação não prevista constitucionalmente.

Veja-se o relato abaixo ocorrido no primeiro dia de atuação das FFAA (15/02/2017 - Rio de Janeiro). Na falta de informações confiáveis, não se aborda as reais circunstâncias em que ocorreu a morte (“eliminação do inimigo”) do suspeito:

Nove mil homens do Exército e da Marinha já estão nas ruas para ajudar na segurança do Rio, Niterói e São Gonçalo. A vinda das Forças Armadas ao Estado foi um pedido do governador Luiz Fernando Pezão ao presidente Michel Temer. O exército vai atuar na Transolímpica do Recreio até Deodoro, na Avenida Brasil, Niterói e São Gonçalo. Já os fuzileiros navais vão patrulhar o Caju, Cais do Porto, aeroportos Santos Dumont, Marina da Glória, Aterro do Flamengo, Copacabana, Lagoa, Leblon e Ipanema. Em todos esses locais, as Forças Armadas vão substituir os PMs e vão ter poder de polícia, inclusive, revistando passageiros nos ônibus na operação nas praias no verão”. - “Suspeito é morto em tiroteio com fuzileiros navais na Avenida Brasil – Jornal O Globo – 15/02/2017 - Rio de Janeiro”. RIO - “O Ministério da Defesa informa que na manhã desta quarta-feira fuzileiros navais que faziam patrulhamento nas imediações da Rodoviária Novo Rio se confrontaram com dois assaltantes que tentavam roubar uma moto”. Cumprindo as orientações e procedimentos para atuação na Operação Carioca, reagiram atirando somente no assaltante que estava armado. O criminoso foi baleado e veio a falecer no local. De imediato, a rua foi interditada pelos fuzileiros até que a perícia seja feita e o corpo trasladado para o Instituto Médico-Legal (IML). Um “Inquérito Policial Militar (IPM) será instaurado para apurar as circunstâncias do evento”.

Jornal O Globo – 15/02/2017 - Rio de Janeiro.

Ora, está aí à notícia e a prova do uso indiscriminado das Forças Armadas na Segurança Pública, pois parece não ter se configurado as situações constitucionais previstas e ainda se adotado o trâmite documental exigido para colocar a tropa federal em ação. Situação de fato muito preocupante!

Nesse episódio em que a tropa federal realiza operações de Policiamento Preventivo Ostensivo Fardado, utilizando o aparato que dispõe, como viaturas e material, armas e equipamentos voltados para o combate e à eliminação do inimigo, a exemplos de fuzis FAL 7,62 mm, Metralhadoras 50 mm de alto poder destrutivo instaladas sobre blindados Urutus, pistolas 09 mm,... Fica ela exposta e submetida a julgamento da população. As criticas já começaram! Vejam-se:

Nove mil homens das Forças Armadas passaram nesta terça-feira, 14, a reforçar a segurança do Rio, naquela que será a quarta operação desenvolvida pelas tropas neste ano, após atuarem no Rio Grande do Norte e no Espírito Santo, e terem sido destacadas para fazer varreduras em presídios. - Levantamento feito pelo Ministério da Defesa e pelo Comando do Exército, a pedido do Estado, mostra que o acionamento do reforço federal tem sido cada vez mais comum e já consumiu 1.300 dias de atividades nos últimos dez anos, o que equivale a mais de três anos de operações. - Apesar de a atuação estar prevista na Constituição, sob o escopo de Operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), o uso recorrente é criticado por especialistas que veem desvio de finalidade da força e risco de prejuízos à sociedade. - O acionamento encontra ressalvas também dentro das corporações. - O Exército participou 67 vezes de operações GLO na última década em 17 Estados. - São as mais variadas às razões: de ataques violentos nas ruas, como em Natal em janeiro, ao congresso técnico da FIFA, em Florianópolis (2014). - O rol de atuações inclui ainda 13 participações para seguranças de reuniões, encontros e cúpulas com autoridades de Estado, 15 para eventos esportivos e 09 para eleições ou plebiscitos. - As mais comuns são as ações de patrulhamento e ronda urbana, como a do Rio. - As tropas já estiveram no Estado entre novembro de 2010 e julho de 2012, na Operação Arcanjo, quando foram empregadas na pacificação de favelas. - O Rio está entre os que mais usam as tropas, como ocorreu em 2013 para segurança durante a realização dos leilões de campos de petróleo de Libra e na Jornada Mundial da Juventude. - O diretor executivo do Instituto “Sou da Paz”, Ivan Marques, pede cautela no uso da Força, que considera necessária só em momentos urgentes: “as tropas têm como missão a defesa da soberania nacional e são preparadas para a lógica de guerra”. - “Como polícia, elas têm de entender que o objetivo é proteger e servir e não ver o cidadão como inimigo a ser abatido.” - Ele fala que o reforço pode acabar por levar mais tensão. - Imagina o soldado treinado para matar enfrentando com um fuzil de guerra a criminalidade das ruas. “Pode ter consequências não desejadas pelo Estado”, disse. - O especialista em segurança e inteligência Ricardo Chilelli critica esse emprego: “Não tem perfil, não tem doutrina nem treinamento. É totalmente indevido. - Uma hora é para atacar Aedes, outra hora para subir morro no Rio”, disse. - Nesta terça, o ministro da Defesa, Raul Jungmann, foi taxativo ao afirmar que a Operação Carioca tem caráter preventivo, porque, ao contrário do Espírito Santo, o Rio não vive descontrole do policiamento. No pedido enviado à presidência, o governador Luiz Fernando Pezão (PMDB) chegou a mencionar o risco de uma “contaminação”.

Marco Antônio Carvalho e Mariana Durão. Colaborou Constança Rezende - Estadão/montedo.com

Figurativamente, dizendo que, ao entregar o filho às Forças Armadas para cumprir o serviço militar obrigatório, não profissional ou mesmo serviço profissional de carreira, se supõe que o jovem correrá risco em face do treinamento rígido preparatório para o Combate - Guerra.

Acredita-se que, quando o filho for ao Campo de Batalha – Teatro de Operações, ou mesmo atuar nas situações de emergência previstas na Constituição comentadas alhures, é possível haver resignação ou conformação de seus pais, dos familiares e dos amigos, pois esse jovem estava cumprindo seu dever, defendendo os interesses da nação brasileira.

Ao revés, poderá ocorrer, aflorando sentimentos de revolta, de indignação e de inconformismo, quando o filho vier a se ferir ou perecer ao ser empregado em atividades caracterizadas como uso ilegal das forças armadas como, aliás, parece já ter ocorrido e ainda ocorre.

Os governantes estaduais, durante muitos anos, negligenciaram a implantação de insumos necessários ao bom desempenho de suas forças de segurança pública.

Agora, quando o sistema criminal entra em colapso e a população precisa dele funcionando adequadamente para controlar a criminalidade comum e a violência, esse sistema se mostra ineficaz, acarretando o corriqueiro uso das Forças Armadas para atuar nas atribuições típicas das Polícias de Segurança Pública. Não é verdade?

Geralmente, essa conduta ocorre para atender interesses políticos partidários de determinados grupos e dar uma resposta simplista e rápida a sociedade. O uso político das Forças Federais vem sendo utilizado de longa data, sob o risco latente de ferir o Estado de Direito – as garantias individuais.

A força federal é integrada em sua maioria por cabos e soldados recrutas do efetivo variável (EV) do serviço militar obrigatório e oficiais e sargentos temporários, por conseguinte, com insuficiente preparo técnico profissionais para executar o policiamento ostensivo e atuar no controle da criminalidade e da violência – Preservação da Ordem Publica. Considera-se este fato muito preocupante!

Apesar das polícias possuem o preparo para atuar na Segurança Pública, todavia algumas vezes excede em suas ações causando espanto, indignação e reprovação da sociedade.

Imagina-se uma estrapolação das FFAA! Os riscos de desvio de função são enormes e quando ocorre irá provocar o descrédito de uma instituição respeitada e essencial à solidez do Estado brasileiro.

Pelo que se consta, no período de 15/02/2017 até essa data, o Rio de Janeiro ainda está em situação de normalidade, não se configurando nenhuma das hipóteses elencadas na Carta Constitucional. Apesar de se considerar um improviso simplista para tentar atender as necessidades de segurança nos estados, porque a Força Nacional de Segurança Pública não foi acionada em primeira instância?

Acredita-se já ter passado da hora de se instituir uma “Força Policial Militar Federal”. O nome não importa, regular e permanente, incorporada á Força Terrestre – Exército Brasileiro, como se fosse uma espécie de Guarda Nacional e, desta forma, se abolir de vez o ineficaz emprego das FFAA e da Força Nacional de Segurança Pública nas questões eminentemente de Segurança Pública.

Já na Grécia Clássica se discutia se os militares deviam ou não atuar dentro das fronteiras do país que defendiam. Platão em sua obra “A República”, sustenta que não, com o argumento de se assim for comprometera a própria existência do Estado.

Na Roma Antiga, os generais romanos se comprometiam tacitamente a evitar adentrar nas cidades com seus exércitos. Quando se aproximavam das metrópoles costumavam estacionar sua legiões e acampar fora dos muros delas. Era um ato de respeito ao Senado Romano e a polis, a qual tinha organização e dinâmica próprias.

Há 49 AC. , quando o general Júlio César resolve violar o costume tácito de não adentrar em Roma com suas legiões, a história revelou o resultado drástico: A República se transforma em Império e o cidadão romano ficou á margem do poder.

Nos Estados Unidos, as Forças Armadas costumam ser mantidas à distância dos assuntos internos. Em setembro de 2006, quando o então presidente George W. Bush quis enviar tropas militares à cidade de Nova Orleans, destruída pelo furacão Katrina, precisou de uma manobra política para convencer os congressistas a alterar uma lei que datava do século XIX.

Desde então, o Exército dos Estados Unidos pode atuar dentro das fronteiras nacionais em situações de emergência decorrentes de desastres naturais, epidemias ou ataques terroristas. E mais nada!

No Brasil, quando o país não estiver em Guerra, em Estado de Sítio ou em Estado de Defesa, a Constituição autoriza a requisição das FFAA para agir nas questões de segurança pública, mediante a assinatura de um decreto presidencial, mas somente se os órgãos responsáveis pela Ordem Pública – as polícias federais, civis, militares e os Corpos de Bombeiros militares estiverem indisponíveis, inexistentes ou insuficientes.

Por conseguinte, após se expor o tema deveras importante, se acredita caber aos membros do Ministério Público Federal, aos legisladores federais, aos juristas e a própria sociedade investigar e aquilatar se o emprego banal das FFAA na Preservação da Ordem Pública, sem observar os preceitos constitucionais e legislação infraconstitucional, constitui desvio de finalidade que poderá acarretar prejuízo à principal missão das Forças Armadas - à Defesa Nacional.


Considerações Finais

Após o término do Regime Militar, as FFAA, em face às críticas de extrapolação da lei, e de tudo mais que foi alardeado por anos pelos órgãos de imprensa e pelas instituições de defesa dos direitos humanos, sofreram grande repulsa e discriminação dos partidos políticos que estavam no poder.

Durante os últimos 12 anos do governo federal, as Forças Armadas foram vilipendiadas, humilhadas e relegadas a plano algum. Seus salários foram achatados, suas verbas financeiras reduzidas, seu material, seus equipamentos e armamentos não tiveram reposição e o investimento necessário para manter a operacionalidade desejada.

Apesar disso, durante todos esses anos os militares federais preservaram os princípios da hierarquia e da disciplina, da ética, da honestidade, da honradez, da discrição e do fiel compromisso com a nação brasileira. Não é verdade?

As Forças Armadas, objetivando resgatar sua credibilidade com a classe política atual e com a sociedade, têm abraçado todas as missões que lhes são confiadas sem hesitar, sem oposição, sem contestação legal, pois com o caos que se apresenta o nosso sistema criminal como um todo, vislumbrou a grande oportunidade para emergir do ostracismo em que se encontravam.

Estas observações não são pejorativas e não desqualificam as FFAA, pelo contrário, evidenciam a vontade e a determinação de demostrar para toda a nação brasileira o real valor de suas instituições para a segurança da nação.

Conduta semelhante deveria estar sendo desenvolvida pelos órgãos de segurança pública, particularmente pelas Policias Militares, os quais, nesse momento de reformas, podem ter alguns de seus direitos, de suas garantias e de suas prerrogativas diminuídas ou mesmo suprimidas, se deixando de considerar e respeitar os militares estaduais como sendo uma categoria especial de servidores militares policiais.

O presente ensaio não tem por propósito esgotar o assunto, o qual se afigura extremamente complexo e de difícil abordagem em poucos parágrafos. O texto apresentado nada mais é do que uma opinião profissional particular e, por conseguinte, não representa o pensamento da instituição Polícia Militar e de seus integrantes.

Minha formação profissional inicial é oriunda da Força Terrestre – Exército Brasileiro – Cento de Formação de Oficiais da Reserva onde fui formado oficial do exército e prestei serviço por 06 (seis) anos. Posteriormente, sem interrupção de serviço, conclui o Curso de Adaptação Policial Militar na Academia de Polícia Militar de Paudalho, em Pernambuco, o qual me habilitou ingressar na Polícia Militar do Estado do Mato Grosso do Sul e seguir a nobre carreira de oficial de Polícia Militar.

Por final, se afirma não se ter a intenção de emprestar ao tema nenhuma conotação de cunho político-partidário e/ou ideológico, muito menos menosprezar ou diminuir a real importância das Forças Armadas para a nação brasileira, pelas quais se tem os sentimentos de apreço e de profundo respeito.

Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

AGEVAN, Razec. Marinha, Exército e Aeronáutica: atividades de preservação da ordem pública. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5100, 18 jun. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/58421. Acesso em: 23 nov. 2024.

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