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Aplicação dos princípios constitucionais civis sobre a responsabilidade civil

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A ideia de que a responsabilidade civil tem caráter punitivo, ou de mero direito remediador, vem, cada vez mais, sendo deixada de lado. Em verdade, seu objetivo principal deve ser compreendido como oportunidade de conservação e proteção dos bens jurídicos, tanto existenciais, quanto patrimoniais. Esta ótica advém de alguns princípios, principalmente o da solidariedade social.

RESUMO: O objetivo deste estudo teórico é buscar entender os pormenores meandros do instituto da responsabilidade civil quanto ao seu desenvolvimento em uma sociedade cada vez mais complexa, a qual, nas palavras de Nelson Rosenvald (2017), transcendeu o mundo das relações interindividuais, ascendendo ao “amplo campo dos conflitos sociais, danos anônimos, atemporais e globais”. Outrossim, tal objeto será examinado, mormente quanto à aplicação dos princípios constitucionais civis sobre o mesmo. Diante desta proposta, por meio do método qualitativo-dedutivo e dialético, nos valemos da pesquisa bibliográfica dos principais doutrinadores que orbitam o tema ora em análise. O emprego de tais diligências possibilitaram auferir o propósito do trabalho ao qual nos lançamos, trazendo contextualização, conceitos, aplicações práticas do instituto, contribuindo assim, com o conhecimento acadêmico e científico da matéria. Destarte, evidencia-se a importância do desenvolvimento deste estudo para a obtenção de uma ampla visão sobre o vasto campo da responsabilidade civil sob a luz dos princípios constitucionais a que são inerentes. Por fim, ao adotarmos uma linguagem simples e didática, sem abandonar a formalidade que o trabalho científico exige, dirigimos esse estudo não tão somente aos acadêmicos e profissionais da área jurídica, mas também a todas as pessoas que queiram se aventurar nesse tema tão presente na vida de todos nós e que, portanto, é de interesse da coletividade.

Palavra-chave: Responsabilidade Civil. Princípios Constitucionais Civis. Artigo.

METODOLOGIA: QUALITATIVA, DE FORMA DEDUTIVA PELA PESQUISA BIBLIOGRÁFICA (LAKATOS, 2017).


1 INTRODUÇÃO

A Constituição Federal, em um Estado Democrático de Direito, é a pedra de toque de todo o ordenamento jurídico. Pode ser considerada uma mola propulsora, pois é dela que emanam todas as normas e princípios que regem os demais ramos do direito. Nesta senda, o direito civil (como todos os outros ramos) busca sua orientação e validade na Carta Magna. Assim, toda lei que não obedeça aos ditames constitucionais padecera de vícios de constitucionalidade.

Essa observância aos preceitos constitucionais possui um cunho garantista, pois busca assegurar aos indivíduos maior proteção aos bens jurídicos dispostos em sociedade. No decorrer da história se observou diversas arbitrariedades para com o ser humano, principalmente ao se tratar da “lei do mais forte”, onde aquele mais provido de força física ou econômica prevalecia sobre os menos favorecidos, dando ensejo a um mar de injustiças.

Com a evolução da sociedade e consequentemente do Direito, o Estado agora já fortalecido, trouxe para si a responsabilidade de proteger o individuo das mazelas percebidas ao curso da história. Para isso, viu-se a necessidade de criar normas que serviriam como diretrizes para a vida em sociedade, ditando as regras de relação entre Estado e o particular, bem como da relação entre particulares, que é o objeto principal deste trabalho.

No ordenamento jurídico de um Estado Democrático de Direito, a Constituição Federal pode ser considera a raiz, pois é de onde provêm todas as demais ramificações. Matando a raiz, morta também estará o resto da árvore, a qual não se sustentará.

Frisada essa importância, passaremos a analisar neste trabalho de que forma a Constituição Federal orienta a relação entre particulares, mais precisamente a problemática da Responsabilidade Civil. Em um momento onde a obrigação de reparar o dano causado a outrem ganha cada vez mais importância, trataremos dos principais princípios constitucionais que servem de base para a reparação desses danos comumente causados em sociedade. Por que reparar? Quando reparar? Como reparar? Quanto reparar? São algumas das perguntas que buscaremos responder ao decorrer deste artigo sob a luz da temática constitucional.


2 DA RESPONSABILIDADE CIVIL

2.1 Preliminares propedêuticas

Ao viver em sociedade, o ser humano abre mão de parte de sua liberdade, depositando-a em uma pessoa que regulará as relações interindividuais, garantindo uma convivência pacifica no meio social. O Estado, como aparato administrativo, é quem tem a incumbência de receber essa parcela de liberdade cedida pelo individuo, adquirindo então poder para ditar regras e intervir quando surgir algum conflito de interesses entre particulares. Convenhamos que se todos pudessem fazer aquilo que bem entendessem e do jeito que quisessem, a tarefa de viver em sociedade seria no mínimo tormentosa, para não dizer que se tornaria algo impossível.

É com essa parcela de liberdade cedida que o Estado cria regras a fim de regular a vida em sociedade. Trazendo para o campo do direito civil, o individuo tem liberdade ampla para se relacionar com seus pares, porém, essa liberdade não é absoluta, eis que encontra limites tanto em leis trazidas no corpo de nosso Código Civil, bem como em nossa Constituição Federal. A violação desses limites importa na ofensa de direito alheio, ou seja, resulta em dano à outrem, a qual caberá ao ofensor repará-lo ou compensá-lo pela inobservância das regras de convívio social impostas pelo Estado, tornando-se assim, responsável pelo mesmo.

2.2 Conceito de responsabilidade civil

A palavra “responsabilidade”, amplamente utilizada no cotidiano em situações e contextos diversos, origina-se do termo em latim respondere, de spondeo, o qual traduz-se literalmente em garantir, responder por alguém, prometer, e que, em outras palavras, significa a obrigação de responsabilizar-se, ou seja, de responder pelos seus atos. No âmbito jurídico, Pablo Stolze e Pamplona Filho conceitua responsabilidade civil nas situações em que se pressupõe,

[...] atividade danosa de alguém que, atuando a priori ilicitamente, viola uma norma jurídica preexistente (legal ou contratual), subordinando-se, dessa forma, às consequências do seu ato (obrigação de reparar) (GAGLIANO; FILHO, 2014, p. 36) [grifo nosso].

Desta forma, sempre que um sujeito ofender interesse particular de outrem, mediante ato ilícito, estará presente o instituto da responsabilidade civil, ou seja, a obrigação do ofensor de reparar ou compensar o dano causado, com o intuito de reestabelecer, respectivamente, o status quo ante da relação ou o seu equilíbrio jurídico. Para que tal responsabilidade civil seja caracterizada in casu, é necessário o exame e o preenchimento de seus requisitos basilares de imputação, que são divididos em três elementos: a conduta do agente (positiva ou negativa); o dano causado; e o nexo de causalidade.

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Nelson Rosenvald, baseado nas ideias de Paul Ricoeur, em sua obra “O Justo”, ao tratar da evolução das relações jurídicas na sociedade quanto a sua complexidade e, consequentemente, do desenvolvimento do próprio Direito para garantir a segurança da ordem jurídica, amplia o conceito de responsabilidade civil, deslocando o seu objeto da simples reparação do dano causado mediante culpa do agente, para o dever de cuidado com o outrem, ou seja, a responsabilidade não estaria se tratando apenas da reparação do ofendido após a materialização do dano, mas sim, nasceria da precaução a qual o sujeito moral deve pautar seus atos. Assim, o sujeito será responsabilizado por qualquer dano causado a terceiro decorrente da não observação da virtude da prudência pelo mesmo (ROSENVALD, 2015).

Logo, não se trata de uma substituição de conceitos contrapostos ou uma evolução de um entendimento obsoleto, mas sim de uma verdadeira ampliação de seu significado e aplicação, onde se mantém a ideia da reparação total do dano causado mediante culpa (princípio da reparação integral), somando-se a este o fundamento de que a responsabilidade é a garantia contra qualquer risco, uma ideia ética e moral da responsabilidade que demanda que todos atuem sob o signo da prudência preventiva (princípio da prevenção). Nas palavras de Paulo Nader,

ao responsável por pessoas ou instituições, cabe o estado de vigilância, atenção e zelo na conduta. Responsável é a pessoa que se sujeita às consequências pelo descumprimento do dever; é a que deve garantir eventuais indenizações (NADER, 2016, p. 33) [grifo nosso].

Nesta senda, conclui-se que é possível a aplicação da responsabilidade civil, in praxe, independentemente de culpa, quando houver previsão legal que a caracterize, ou quando a própria atividade elaborada pelo autor do dano importar, em sua essência, risco para os direitos de terceiros. Tal entendimento, denominado de teoria do risco criado, foi consagrado pelo Código Civil de 2002, no parágrafo único do artigo 927, o qual elencou a possibilidade da responsabilidade com base no risco, sendo o autor do dano responsável por sua reparação. Segue in verbis:

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

2.3 Controvérsias quanto a aplicação de multa administrativa na responsabilidade por dano ambiental: Teoria objetiva ou subjetiva?

Tratando-se de aplicação de sansão administrativa por dano ambiental, não será utilizado o entendimento doutrinário e positivado no Código Civil acerca da Teoria do Risco-Criado, previsto na responsabilidade (ambiental) civil, a qual prevê a responsabilização independente de culpa, pois esta se refere tão somente à reparação do dano causado com o desiderato de reestabelecer o status quo ante, quando este for possível, ou indenização em pecúnia (compensação) pelo dano provocado ao meio ambiente, a ser levantado o quantum em processo judicial na esfera cível.

Por outro lado, versando sobre a aplicação de multa pela administração pública, o que consiste na utilização do poder de polícia repressivo do Estado, ou seja, de caráter punitivo (aquele que não tem como escopo a reparação do dano, mas sim, a punição da conduta do agente), serão observadas as regras da responsabilidade administrativa ambiental. Nesta, é imprescindível que fiquem comprovados a intencionalidade do agente (dolo ou culpa) no dano ambiental. Destarte, será aplicado a Teoria da Culpabilidade (responsabilidade subjetiva), e não da Teoria do Risco (responsabilidade objetiva).

O assunto ora abordado é de relevante importância no estudo da responsabilidade civil, para que se possa delinear com clareza as hipóteses limites de sua aplicação, uma vez que seu instituto é alvo frequente de confusão com a responsabilidade administrativa, tanto no meio acadêmico, como também no próprio judiciário.

Para melhor elucidação da matéria, segue abaixo recente Acórdão do STJ, a qual alterou decisão proferida pelo Tribunal de origem, que havia utilizado a teoria do risco criado e, portanto, da responsabilidade objetiva (independente de culpa) para a imputação de multa administrativa, incorrendo na confusão dos institutos acima discorridos:

PROCESSUAL CIVIL. AMBIENTAL. EXPLOSÃO DE NAVIO NA BAÍA DE PARANAGUÁ (NAVIO "VICUNA").  VAZAMENTO DE METANOL E ÓLEOS COMBUSTÍVEIS. OCORRÊNCIA DE GRAVES DANOS AMBIENTAIS.  AUTUAÇÃO PELO INSTITUTO AMBIENTAL DO PARANÁ (IAP) DA EMPRESA QUE IMPORTOU O PRODUTO "METANOL".  ART. 535 DO CPC.  VIOLAÇÃO.  OCORRÊNCIA.  EMBARGOS DE DECLARAÇÃO.  AUSÊNCIA DE MANIFESTAÇÃO PELO TRIBUNAL A QUO. QUESTÃO RELEVANTE PARA A SOLUÇÃO DA LIDE.

1. [...] c) o Tribunal de origem consignou que "a responsabilidade do poluidor por danos ao meio ambiente é objetiva e decorre do risco gerado pela atividade potencialmente nociva ao bem ambiental. Nesses termos, tal responsabilidade  independe de culpa, admitindo-se como responsável mesmo aquele que aufere indiretamente lucro com o risco criado" e que "o artigo 25, § 1º, VI, da Lei  9.966/2000 estabelece expressamente a responsabilidade do 'proprietário da carga' quanto ao derramamento de efluentes no transporte marítimo", mantendo a Sentença e desprovendo o recurso de Apelação.

[...]

4.  Todavia, os presentes autos tratam de questão diversa, a saber a natureza da  responsabilidade administrativa ambiental, bem como a demonstração de existência ou não de culpa, já que a controvérsia é referente ao cabimento ou não de multa administrativa.

5.  Sendo assim, o STJ possui jurisprudência no sentido de que, "tratando-se de responsabilidade administrativa ambiental, o terceiro, proprietário da carga, por não ser o efetivo causador do dano ambiental, responde subjetivamente pela degradação ambiental causada pelo transportador" (AgRg no AREsp 62.584/RJ, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Rel. p/ acórdão Ministra Regina Helena  Costa, Primeira Turma, DJe 7.10.2015).

6.  "Isso porque a aplicação de penalidades administrativas não obedece à lógica da responsabilidade objetiva da esfera cível (para reparação dos danos causados), mas deve obedecer à sistemática da teoria da culpabilidade, ou seja, a conduta deve ser cometida pelo alegado transgressor, com demonstração de seu elemento subjetivo, e com demonstração do nexo causal entre a conduta e o dano". (REsp 1.251.697/PR,  Rel.  Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 17.4.2012).

[...]

9. Recurso Especial provido.

(REsp 1401500/PR 2013/0293137-0. Segunda Turma. Relator Ministro Herman Benjamin. DJe 13.09.2016) [grifo nosso]


3 PRINCIPIO DA SOLIDARIEDADE APLICADO À RESPONSABILIDADE CIVIL

A solidariedade é um dos princípios inerentes a Responsabilidade Civil. Trata-se de princípio expresso, esculpido no art. 3º, I, da CF/88.

Solidariedade nada mais é que a ajuda mutua entre as pessoas, ou seja, é junção de esforços para se chegar a um objetivo pretendido. Esse objetivo, juridicamente falando, consiste em preservar as relações humanas, bem como a própria condição de ser humano do individuo.  Soa como obrigação a observância de cuidado com nossos pares. José Afonso da Silva, em seu Curso de Direto Constitucional Positivo, elenca a solidariedade como sendo um principio relativo à organização da sociedade (SILVA, 2016, p. 96).

Nem sempre tivemos a solidariedade como um dever jurídico. A Revolução Francesa, como bem lembra Nelson Rosenvald, se desenvolveu baseada em três premissas, que soaram como lema para o movimento revolucionário, quais sejam: Liberdade, Igualdade e Fraternidade. Liberdade e Igualdade foram objetos de grande valoração por parte da burguesia, deixando a fraternidade a cargo do altruísmo das pessoas. Assim, a solidariedade era vista como um ato de bondade, e quem não a exercessem, não sofreria nenhuma consequência (ROSENVALD, 2017, p. 43).

A partir de meados do século passado, as Constituições se fortaleceram, passando de simples cartas de intenções políticas, para um conjunto de direitos e garantias fundamentais que asseguravam ao ser humano o mínimo de dignidade possível. O principio em comento veio na esteira desse movimento de consolidação constitucional observado no século XX.

Além de ser um principio fundamental da CF/1988, a solidariedade esta ligada umbilicalmente com a Responsabilidade Civil.  O principio em tela não pode ser analisado com enfoque apenas no individuo, mas sim no contexto social em que ele esta inserido. É justamente nesta gama de relações humanas que surge a necessidade de cooperação mútua, devendo cada membro do corpo social buscar o equilíbrio necessário para manter a sociedade em harmonia.  O direito assegura justamente para que esse cuidado seja efetivamente observado, não ficando a mercê da boa vontade das pessoas.

Trazendo para o campo das relações privadas, quais sejam as relações civis, não é dado ao particular sacrificar direito alheio em detrimento do seu interesse egoístico. Mesmo sendo detentor de ampla liberdade de se relacionar, o direito impõe certos limites que visam manter o equilíbrio social. Para Nelson Rosenvald, “são consensos mínimos para rechaçar aquilo que é intolerável” (ROSENVALD, 2017, p. 45).

 No campo da Responsabilidade Civil objetiva, o principio em questão ganha maior conotação. Vivemos em um Estado extremamente capitalista, onde o lucro é o maior dos objetivos perseguidos.  A própria constituição favorece esse modelo econômico, como faz, por exemplo, ao estimular a livre concorrência de mercado.  Isso acarreta uma corrida desenfreada em busca do lucro, que é o combustível de todo esse sistema.

Essa busca incansável pode gerar enormes danos à sociedade, e por esse motivo o ordenamento jurídico busca impor meios de coibir condutas lesivas em busca de proteger interesses individuais indispensáveis. Mesmo na busca pelo lucro, é necessário assegurar o bem estar comum, sopesando individual e o coletivo, de modo a contribuir para o tão almejado equilíbrio social.

Nos casos em que a atividade desenvolvida pelo autor implicar, por sua natureza, risco para o direito de outrem, haverá a obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, bem como nos casos especificados em lei (art. 927 do CC). Outro dispositivo que evidencia essa preocupação especial com as atividades econômicas potenciais causadoras de danos é o Art. 929 do CC, verberando que “ressalvados outros casos previstos em lei especial, os empresários individuais e as empresas respondem independentemente de culpa pelos danos causados pelos produtos postos em circulação”.

Os donos de Hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se albergue por dinheiro, mesmo para fins de educação, também são responsáveis pela reparação dos danos ocasionados pelos seus hospedes, moradores e educandos, independentemente de culpa de sua parte (art. 932 c/c art. 933, ambos do Código Civil). Estes são exemplos de responsabilidades civis objetivas, onde busca-se assegurar a prevenção e a reparação de eventuais danos resultantes de atividades que tenham cunho lucrativo, estimulando a observância de cuidado, fazendo jus a função precaucional, difundida por Nelson Rosenvald.

Na Responsabilidade Civil Objetiva, desprezasse o elemento culpa da teoria subjetivista. Isso porque, nessa categoria de reparação do dano, o objetivo principal é a tutela ao lesado, buscando-se então, reparar o dano e não sancionar o ofensor. Nesse sentido são as palavras de Nelson Rosenvald:

Ao invés de buscar um culpado pela prática de um ilícito danoso – avaliando-se a moral de sua conduta -, quer-se encontrar um responsável pela reparação de danos injustos, mesmo que este não tenha violado um dever de conduta (teoria objetiva), mas simplesmente pela potencialidade de risco inerente à sua atividade ou por outras necessidades de se lhe imputar a obrigação de indenizar (v. g. preposição, titularidade de direitos, confiança etc) (ROSENVALD, 2017, p. 45).

Uma vez ocorrido o dano, o objetivo da reparação calcado no principio da solidariedade é reestabelecer o status quo ante, ou seja, devolver o equilíbrio e a harmonia perdidos com o evento danoso.

Surge assim a Teoria do Risco-Criado, difundida por Caio Mario da Silva Pereira, derivada da Teoria do Risco-Proveito. Para a Teoria do Risco-Criado, deve-se responsabilizar pelos danos causados, aquele que exerce atividade que possa por em risco a esfera de direitos de outras pessoas. Algumas atividades, economicamente desenvolvidas, podem gerar um ambiente propicio a causar danos. Por criar esse tipo de ambiente, exige-se a máxima segurança possível aos consumidores (PEREIRA, 2016).

Ocorrido o dano, ignora-se o elemento culpa presente na responsabilidade civil subjetiva. Na verdade trata-se de uma espécie de culpa presumida, pois se entende que não fora observado o dever de cuidado exigido. O enfoque principal é reestabelecer a ordem rompida pelo dano, por isso, basta a visualização do dano e o nexo de causalidade para que surja o dever de reparar. Havendo a lesão, haverá a reparação.

Porém, como argumenta Nelson Rosenvald, sob a luz dos ensinamentos de José Jairo Gomes,

na interpretação global do evento, sob a ótica da solidariedade e da cooperação, não deve o interprete colocar no primeiro plano de considerações tão somente os aspectos econômicos que possam emergir do evento (ROSENVALD, 2017, p. 45).

Isso quer dizer que o principio da solidariedade não deve ficar adstrito somente no enfoque econômico das relações humanas. Para Nelson Rosenvald,

o enfoque primeiro a ser considerado diz respeito a necessidade de se tornarem mais humanos e solidários os comportamentos individuais e coletivos no ambiente social, devendo o intérprete, portanto, ponderar se o comportamento danoso atendeu a tal paradigma (ROSENVALD, 2017, p. 45).

Assim, um dos aspectos que orientam a solidariedade é a eticidade. Consiste no dever moral de zelar pela integridade existencial do próximo. O ideal seria que não houvesse a necessidade de mecanismos coercitivos para que alcançássemos a efetividade deste principio. Porém, observamos cada vez mais a índole individualista do ser humano, buscando satisfazer suas pretensões e não se importando com o bem estar coletivo. O certo é que todos nós temos responsabilidades por nossos pares. Trata-se da ideia de “coletivização da responsabilidade”, levantada por Nelson Rosenvald (2017).

Observamos também o principio da solidariedade nas relações privadas, como bem lembra Nelson Rosenvald, na função social da propriedade (art. 1.228, do CC); na clausula geral da “comunhão plena de vida” como base da família (art. 1.511, do CC); na boa fé objetiva e na função social dos contratos (arts. 421 e 422 do CC) (ROSENVALD, 2017, p. 44).

Sobre os autores
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MADRUGA, Bruno Camargo; COSTA JUNIOR, Gilberto Sousa et al. Aplicação dos princípios constitucionais civis sobre a responsabilidade civil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5102, 20 jun. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/58449. Acesso em: 23 dez. 2024.

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