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O caso do escrivão que sabia a diferença entre processo e procedimento

Um processo cautelar de busca e apreensão tramitava em São Luís, no dia em que o novo CPC entrou em vigor. A juntada do mandado de busca e apreensão foi o último ato praticado no processo, e foi devidamente cumprido pelo oficial de justiça. Saiba um pouco mais sobre o caso e entenda o que o NCPC trouxe de novidade neste aspecto.

1.DESCRIÇÃO DO CASO

Um procesaso cautelar de busca e apreensão tramitava em São Luis no dia em que o novo CPC entrou em vigor. A juntada do mandado de busca e apreensão foi o ultimo ato praticado no processo, que foi devidamente cumprido pelo oficial de justiça. Ao verificar que a cautelar de busca e apreensão foi extinta pelo novo CPC, o escrivão fez os autos conclusos ao Juiz para que decidisse o deslinde a lhe dar. Curioso, o juiz conversou com o escrivão e o mesmo explicou a diferença entre processo e procedimento. Após a explicação do escrivão, o juiz designou audiência de conciliação para a partir de então decidir sobre a difícil questão do processo em curso. Na audiência, foi esclarecido às partes e advogados a diferença entre processo e procedimento e o fato de a cautelar de busca e apreensão ter sido extinta pelo novo CPC. As partes não chegaram a nenhum acordo, então, ainda nesta audiência, resta ao juiz tomar uma iniciativa que resolva a questão processual criada pelo novo CPC.


2.IDENTIFICAÇÃO E ANÁLISE DO CASO

2.1.No que tange a Processo e Procedimento

Faz-se necessário, inicialmente, estabelecer as principais diferenças entre processo e procedimento. Tendo em vista um momento histórico, tem-se que, no começo, processo e procedimento eram entendidos como sinônimos, sendo compreendidos como atos destinados a um determinado fim, que era a devida aplicação do direito material. Com a evolução histórica, passa-se a entender processo como um mecanismo de legitimação do Poder Estatal, buscando-se, por meio deste, a prestação de uma solução jurisdicional mais ágil, com maior aceitação, satisfação e confiança da sociedade. A partir de então o processo para a ser autônomo em relação ao direito material. (AVILA, Kellen)

Conforme explica Kellen Avila[4], “a partir desse novo panorama o processo foi diferenciado do procedimento. O processo passou a ser identificado a partir de seu escopo jurídico e o procedimento como um encadeamento de atos que formam um rito judicial”.

No que tange a procedimento, Rebeca Amorim[5] explica que é a maneira como os atos processuais são organizados para atingirem sua finalidade. Os procedimentos podem ser de dois tipos: procedimento comum e procedimento especial. Para melhor entendimento, Kellen Avila explica procedimento:

O procedimento tem como escopo fins específicos relacionados à jurisdição e aos direitos postos em conflito. È necessário que o procedimento seja refletido desde sua forma em abstrato, quando criado pelo legislador, para possibilitar tutelar o direito material; até sua aplicação no caso concreto, quando o juiz, utilizando-se das regras atinentes ao procedimento, viabiliza a efetividade do direito. A parte tem direito ao procedimento adequado a tutela do direito material discutido, consentâneo com seus direitos fundamentais e com os princípios constitucionais de justiça. Nesse sentido, não podem ser instituídos procedimentos que restringem as alegações do réu, pois violam direitos fundamentais, como o direito ao contraditório, assim como dificultam o alcance do direito material. Tais restrições devem sempre alinhar-se ao direito fundamental das partes a efetiva participação das mesmas no processo.

Feita esta diferenciação, faz-se necessário, ainda, explanar as alterações ocasionadas pelo novo CPC no que se refere a processo e procedimento. Uma dessas alterações sofridas com o novo CPC, no que tange ao processo diz respeito à exclusão do Processo Cautelar. Atualmente, o que se tem são tutelas provisórias, dentre as quais se encontra a tutela cautelar, que agora se caracteriza como um processo acessório de um processo principal, e não mais como um processo autônomo. Já no tocante a Procedimentos, tem-se que não ocorreram alterações significativa, e os mesmos prevalecem com a estrutura no novo CPC, ou seja, os procedimentos especiais continuam a se enquadrar como um processo autônomo, enquanto que os processos cautelares foram extintos do novo CPC.

2.2O novo CPC não desrespeita o artigo 5º, XXXVI da CF.

Estão previstos, no artigo 5º da Constituição Federal de 1988,  os direitos fundamentais inerentes a todas as pessoas. Na questão suscitada, faz-se necessário a análise do inciso XXXVI, que dispõe: “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”. Partindo de tal premissa, conclui-se que a Constituição Federal assegura como direito fundamental o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. Tendo isto em vista, e em razão do objeto deste caso, que é um mandado de busca e apreensão devidamente cumprido, tem-se que, aqui, não há que se falar em violação da Constituição Federal, visto que não se trata de direito adquirido, pois tal medida cautelar de busca e apreensão objetiva tão somente garantir a proteção do bem ou coisa, além ainda de se entender que o direito adquirido alcança apenas o direito material, e não o direito processual.

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Sobre essa perspectiva, há ainda de se explanar que o novo CPC dispõe sobre o respeito aos atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada, conforme explica seu artigo 14: “A norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada”. E seu artigo 1.046 trás as possibilidades em que poderá retroagir a atual lei de Processo Civil. Entende-se, portanto, que a medida cautelar de busca e apreensão será mantida em conformidade com o atual CPC.

Conclui-se, conforme entendimento de Leonardo Farinha Goulart que: “A imediata aplicação da norma processual civil não se sobrepõe a regra constitucional que veda a retroatividade da lei para ir ao encontro do ato jurídico perfeito e do direito adquirido da parte praticar o ato permitido na lei vigente naquele momento”.

2.3 Decisões e atitudes processuais possíveis pelo juiz

A priori, faz-se de fundamental importância explanar aqui que as leis processuais possuem duas variações, quais sejam: a lei processual no tempo e a lei processual no espaço. O debate em questão versa sobre a eficácia de uma lei processual no tempo, haja vista o advento do novo CPC. Aqui, João Borelli[6] explica o que seria essa lei processual no tempo:

Diz respeito ao tempo, aos momentos quando leis novas entram em vigor, e como proceder com os casos já em andamento. Caso a lei nova crie um outro recurso, ou faça a extinção do mesmo, a lei antiga permanece, para manter o direito assegurado daquele que desejou recorrer, uma vez que o processo já foi iniciado e esta em andamento. Se a lei nova diminui os prazos, a lei antiga permanece ainda até o fim do processo. Se a lei nova, pelo contrario, aumenta os prazos, ela vai ser utilizada, aplicada ao processo, uma vez que favorece ao réu.

Tem-se, ainda aqui, que se falar na aplicabilidade imediata da lei processual conforme explana o artigo 14 do novo CPC, já transcrito anteriormente. Tal dispositivo é bem objetivo ao explanar que a norma processual não retroagirá e terá sua aplicabilidade imediata aos processos em curso, porém, conforme explica Leonardo Farinha Goulart[7]:

O Novo Código de Processo Civil, na segunda parte da redação do artigo 14/NCPC, cuidou de resguardar os atos processuais já praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada. Isso porque, cada ato processual é também um ato jurídico perfeitamente realizado no tempo e merece proteção ao direito que foi conferido, nos termos do artigo 5o, inciso XXXVI¹, da Constituição Federal. O NCPC não pode, portanto, atingir o direito da parte praticar um ato cujo termo inicial se deu na vigência da norma antiga. Já os atos havidos na vigência do Novo Código de Processo Civil deverão obedecer o regramento hodierno.

Contudo, no caso concreto, o melhor caminho a ser percorrido é observar quando o ato processual foi praticado.

No que tange às leis processuais no tempo, há a Teoria do isolamento dos atos praticados, como um dos sistemas capazes de garantir a aplicação da norma devida. Sobre esta teoria, entende-se:

Os atos processuais são realizados durante o curso normal do processo e, na medida em que uma norma processual nova insere-se no ordenamento jurídico, ela apenas será aplicada (no caso de processos pendentes) para os atos que ainda serão realizados. Pelo isolamento dos atos processuais, a lei nova não alcança os efeitos produzidos em atos já realizados até aquela fase do processo. Para os novos processos, não há o que falar em isolamento dos atos, o processo, desde o inicio, será regido pela nova lei[8].

Partindo de tais premissas, e observando as previsões do novo CPC, que dispõe expressamente que, em respeito ao princípio da Irretroatividade, somente se aplicarão as disposições previstas no antigo CPC, quando se tratar de procedimento sumário e procedimentos especiais revogados, em ações propostas e não sentenciadas até a vigência no novo CPC.

Diante disto, por se tratar de um processo cautelar revogado, faz-se necessário a análise do artigo 1.046 do novo CPC, que dispõe: “ao entrar em vigor este Código, suas disposições se aplicarão desde logo aos processos pendentes, ficando revogada a Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973”.

Como já discutido anteriormente, o caso em questão não se trata de processo cautelar, mas tão somente de uma tutela provisória de urgência. Tendo isto em vista, as decisões e atitudes processuais possíveis pelo juiz são:dar continuidade ao procedimento da tutela cautelar ou decretar a revogaçãodesta tutela provisória.

Caso o juiz decida no sentido de dar continuidade ao procedimento da tutela cautelar, este deverá abrir o prazo para a contestação, devendo o réu se manifestar em até 5 dias, e abrir prazo para o autor emendar a petição inicial em até 30 dias, conforme determina o novo CPC. Mas, caso o juiz decida no sentido de revogar esta tutela provisória, a busca e apreensão será revogada com base em característica própria de tutelas provisórias, que podem ser revogadas a qualquer tempo, conforme dispõe o artigo 296 do novo CPC.


REFERÊNCIAS

AVILA, Kellen Cristina de Andrade. Processo e Procedimento: As distinções necessárias no contexto de um Estado Democrático de Direito. Disponível em: >http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=12983&revista_caderno=21< Acesso em: 28 de abril de 2016.

AMORIM, Rebeca. Diferença entre Processo e Procedimento. Disponível em: >http://www.megajuridico.com/diferenca-entre-processo-e-procedimento/< Acesso em: 28 de abril de 2016.

BORELLI, João. Direito Processual Civil: Conceito e Lei Processual no tempo e no espaço. Disponível em: >http://joaoborelli.jusbrasil.com.br/artigos/180434460/direito-processual-civil-conceito-e-lei-processual-no-tempo-e-no-espaco< Acesso em: 29 de abril de 2016.

BRASIL, 1973. Código de Processo Civil. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5869.htm>. Acesso em: 26 de abril de 2016.

BRASIL, 1988. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em: 26 de abril de 2016.

BRASIL, 2015. Novo Código de Processo Civil. Versão Impressa. Senado Federal. Secretaria de Editoração e Publicações – SEGRAF.

GOULART, Leonardo Farinha. O Novo Código de Processo Civil e o Direito Intertemporal. Disponível em: >http://www.azevedosette.com.br/pt/noticias/o_novo_codigo_de_processo_civil_e_o_direito_intertemporal/3684< Acesso em: 29 de abril de 2016.


Notas

[4]AVILA, Kellen Cristina de Andrade. Processo e Procedimento: As distinções necessárias no contexto de um Estado Democrático de Direito.

[5] AMORIM, Rebeca. Diferença entre Processo e Procedimento.

[6] BORELLI, João. Direito Processual Civil: Conceito e Lei Processual no tempo e no espaço.

[7] GOULART, Leonardo Farinha. O Novo Código de Processo Civil e o Direito Intertemporal.

[8] Norma processual no tempo e no espaço. Disponível em: >http://estudosdoprocesso.blogspot.com.br/2011/02/norma-processual-no-tempo-e-no-espaco.html< Acesso em: 29 de abril de 2016.

Sobre os autores
Byhanca de Sá Varão

Aluna do 7º Período do Curso de Direito, vespertino da UNDB .

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VARÃO, Byhanca Sá; FILHO, Vail Altarugio. O caso do escrivão que sabia a diferença entre processo e procedimento. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5388, 2 abr. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/58468. Acesso em: 27 dez. 2024.

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