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A não Incidência do ITCMD na extinção do usufruto

Agenda 17/06/2017 às 14:05

Este artigo traça breves comentários acerca da não incidência do ITCMD na extinção do usufruto, por não constituir hipótese de transmissão causa mortis ou doação de bens ou direitos.

De início, é necessário registrar que a base normativa do ITCMD encontra-se na Constituição Federal de 1988, precisamente no artigo 155, inciso I, vejamos:

“Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993)

I - transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos;(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993)” [1]

A Emenda à Constituição n.º 03/1993, além de instituir a competência dos Estados e do Distrito Federal para a instituição da exação, trouxe o aspecto material do fato gerador do ITCMD, que é a transmissão causa mortis e doação de bens e direitos, o que importa afirmar que trata-se de imposto sobre o acréscimo patrimonial decorrente i) do recebimento de herança ou legado e ii) do recebimento a título de doação de bens ou direitos.

Acontece que alguns Estados editaram leis equiparando a extinção do usufruto, quer seja por morte ou renúncia do usufrutuário, ao contrato de doação, para fins de incidência do Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação de quaisquer bens ou direitos.

Exemplo disso são as Leis n.ºs 1.427/89 e 11.651/91, do Estado do Rio de Janeiro e do Estado de Goiás, respectivamente, senão vejamos:

Lei 1.427/89:

“Art. 1º - O Imposto sobre a Transmissão Causa Mortis e por Doação, de quaisquer Bens ou Direitos, tem como fato gerador: [...]

§ 1º - Para efeito deste artigo, considera-se doação qualquer ato ou fato não oneroso que importe ou se resolva em transmissão de bens ou direitos.”

“Art. 11 - Nos casos abaixo especificados, observado o disposto no artigo anterior, a base de cálculo é:

I - na instituição de usufruto, uso e habitação, 50% (cinqüenta por cento) do valor do bem;

*I –na doação da nua-propriedade, na instituição e na extinção de usufruto, uso e habitação, 50% (cinqüenta por cento) do valor do bem;

* (Nova redação dada pelo art. 1º da Lei nº 3515/2000)”[2]

Lei 11.651/91:

“Art. 74.Ocorre o fato gerador do ITCD: [...]

II - na transmissão por doação, na data:

b) em que ocorrer fato ou ato jurídico que resulte na consolidação da propriedade na pessoa do nu proprietário, na extinção de usufruto;” [3]

Mutatis Mutandis, atualmente, no Estado do Rio de Janeiro, vige a Lei n.º 7.174/15 que, em seu artigo 7.º, inciso III, estabeleceu a não incidência do ITCMD na hipótese de extinção do usufruto, enquanto que, no Estado de Goiás, o artigo 74, inciso II, “b” da Lei n.º 11.651/91 foi declarado inconstitucional pelo Tribunal de Justiça daquele ente, no julgamento da Arguição de Inconstitucionalidade n.º 02131317620168090000, cuja ementa será transcrita em momento oportuno.

Voltando à análise do tema, cabe, neste momento, distinguir os dois institutos de direito privado. A doação é contrato translativo de domínio (ato inter vivos), por meio do qual o doador, em ato espontâneo, entrega gratuitamente parte de seus bens ou vantagens a outrem (donatário) que, em convergência de vontades, os aceita expressa ou tacitamente (artigo 538 CC/02).

O usufruto é um direito real sobre coisa alheia, por meio do qual o nu proprietário transmite ao usufrutuário (pessoa para quem o usufruto foi constituído) o direito à posse, ao uso, à administração e à percepção dos frutos de um determinado bem, quer seja imóvel ou móvel (artigo 1.225, inciso IV c.c. artigo 1.394, ambos do CC/02).

Assim, diferentemente da doação, na qual há a transferência da propriedade do bem ao donatário, no usufruto ocorre apenas a divisão da posse do bem, ou seja, o nu proprietário não transfere a propriedade ao usufrutuário, mas apenas a posse direta.

Saliente-se que o usufruto é direito real intuitu personae que não pode ser transferido por meio de contrato de doação, herança ou legado, de modo que a sua extinção não constitui fato gerador do ITCMD por não implicar transmissão de bens ou direitos.

De fato, a extinção do usufruto importa no fenômeno da consolidação, haja vista que o nu proprietário passará a exercer a posse plena (posse direta + posse indireta) do bem objeto do usufruto, o qual, sublinhe-se, jamais deixou de integrar seu patrimônio, não se podendo falar, portanto, em transmissão de bens ou direitos.

Alguns Legisladores Estaduais, na tentativa de equiparar a extinção do usufruto ao contrato de doação, excederam os limites da competência tributária outorgada pelo artigo 155, inciso I, da CRFB/88, assim como o próprio Código Tributário Nacional que, em seu artigo 110, dispõe que:

“A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias.” [4]

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Atento a isso, os Tribunais veem reiteradamente repelindo qualquer tentativa de as Fazendas Públicas Estaduais cobrarem o ITCMD por ocasião de extinção de usufruto, conforme demonstram as ementas abaixo:

AGRAVO REGIMENTAL. MANDADO DE SEGURANÇA. EXTINÇÃO DE USUFRUTO. CONSOLIDAÇÃO DA PROPRIEDADE NAS MÃOS DO NU-PROPRIETÁRIO. AUSÊNCIA DE TRANSFERÊNCIA DE BENS E DIREITOS A TÍTULO NÃO ONEROSO. INEXIGILIDADE DO IMPOSTO DE TRANSMISSÃO - ITCMD. DECISÃO LIMINAR. MANUTENÇÃO. 1 - Reside a controvérsia em relação à legalidade da incidência do ITD - Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e por Doação -, em razão da extinção do usufruto em decorrência da morte do usufrutuário; 2 - A hipótese de incidência do ITD subsume-se à transmissão de propriedade causa mortis ou por doação, pelo que a mera extinção de usufruto, seja em razão do falecimento ou de renúncia dos usufrutuários, na forma do art. 1.410, inciso I do CC, não constitui fato gerador a justificar a exigibilidade do tributo em questão, pois a propriedade nunca saiu da esfera do nu proprietário. Deste modo, encontra-se presente o fumus boni iuris, bem como o periculum in mora ante o risco do Impetrante de inscrição em dívida ativa; 3 - Inexistindo fato novo a ensejar a retratação da decisão, esta há de ser mantida, por seus próprios fundamentos. Aplicação do Verbete da Súmula nº 58 TJ/RJ. Tentativa de reexame da matéria. Decisão que se mantém integralmente. Desprovimento do recurso.”

(TJ-RJ – Agravo Regimental no MS: 0058798-27.2015.8.19.0000, Relatora: Desembargadora Teresa de Andrade, Data do Julgamento: 26.04.2017, Sexta Câmara Cível.) [5]

ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 74, INC. II, ALÍNEA 'B', DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO DO ESTADO DE GOIÁS. ITCMD - IMPOSTO SOBRE TRANSMISSÃO CAUSA MORTIS E DOAÇÃO. USUFRUTO. MORTE DO USUFRUTUÁRIO. EXTINÇÃO/ CANCELAMENTO. TRIBUTAÇÃO INDEVIDA. 1. Para que seja legítima a cobrança do ITCMD é necessária a transmissão ou cessão de propriedade ou de direito real, o que pode ocorrer em vida ou pela morte de um dos sujeitos da relação jurídica. O falecimento do usufrutuário não enseja a transmissão do direito real de usufruto, mas sim a sua extinção/cancelamento, não se verificando a ocorrência de transmissão de bens ou direitos que constituem hipótese de incidência do aludido tributo. 2. É inconstitucional o art. 74, inciso II, alínea 'b', do Código Tributário Estadual, com a redação que lhe confere a Lei Estadual n. 13.772/2001, por não se enquadrar nas hipóteses de INCIDÊNCIA DO ITCMD. 4. ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DE LEI ACOLHIDA.”

(TJ-GO - ARGUICAO DE INCONSTITUCIONALIDADE DE LEI: 02131317620168090000, Relator: DES. WALTER CARLOS LEMES, Data de Julgamento: 26/10/2016, CORTE ESPECIAL, Data de Publicação: DJ 2153 de 22/11/2016) [6]

APELAÇÃO ? MANDADO DE SEGURANÇA ? ITCMD ? USUFRUTO ? Impetrante que busca o cancelamento dos créditos tributários relativos ao AIIM nº 3.121.157-4, sob o argumento da inocorrência do fato gerador do ITCMD - Segurança concedida em primeiro grau - Sentença ratificada nos termos do art. 252 do Regimento Interno desta Egrégia Corte de Justiça ? Fato gerador do ITCMD que ocorre no momento da doação e não da cessação do usufruto ? Somente a partir do ano 2000 o ITCMD passou a ser cobrado, com a promulgação da Lei Estadual nº 10.705 ? Doação que ocorreu em 1998 ? Divisão prevista no artigo 9º da referida lei que não poderia ser aplicada ao caso, visto que à época da ocorrência da doação a lei não era vigente ? Decisão Normativa CAT nº 03/10 que confirma não ser hipótese de incidência do ITCMD a extinção do usufruto ? Negado provimento ao recurso e reexame necessário desacolhido.”

(TJ-SP - APL: 00241081720128260053 SP 0024108-17.2012.8.26.0053, Relator: Rubens Rihl, Data de Julgamento: 05/11/2014, 8ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 05/11/2014) [7]

MANDADO DE SEGURANÇA - ILEGITIMIDADE PASSIVA DO SECRETÁRIO DE ESTADO DE FAZENDA - TEORIA DA ENCAMPAÇÃO APLICÁVEL NA ESPÉCIE - ESTADO QUE, AO CONTESTAR, ENCAMPOU O ATO COATOR - PRELIMINAR REJEITADA. I) Aplica-se a teoria da encampação, afastando-se a alegação de ilegitimidade passiva, se o Estado de Mato Grosso do Sul, ao contestar o mandamus, defende amplamente a legalidade e o mérito do ato impugnado. II) Preliminar rejeitada, contra o parecer. MÉRITO. RENÚNCIA DE USUFRUTO SEM MORTE DO USUFRUTUÁRIO. ITCMD. FATO GERADOR DO IMPOSTO NÃO CONFIGURADO. OFENSA A DIREITO LÍQUIDO E CERTO. ORDEMCONCEDIDA. I) Na forma do art. 35 do CTN à luz da Constituição Federal (art. 155, II) e do art. 121 do Código Tributário Estadual, o ITCMD - Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação é imposto que incide na hipótese de transmissão de quaisquer bens ou direitos por causa mortis ou por doação. II) O usufruto se extingue com o cancelamento do registro no Cartório, pela renúncia ou morte do usufrutuário, mas não gera a transferência do bem imóvel ou do direito. Ocasiona apenas a consolidação plena da propriedade nas mãos do nu-proprietário, sem existir transmissão. III) Hipótese de renúncia de usufruto sem morte da usufrutária, como forma de pagamento na compra de um outro imóvel rural, não havendo que se falar em transferência, tampouco causa mortis ou por doação, de sorte que, inexistindo o fato gerador do ITCMD, é direito líquido e certo o registro da compra/venda sem apresentar guia de recolhimento do imposto cobrado indevidamente. IV) Liminar confirmada e segurança concedida, com o parecer.”

(TJ-MS - MS: 16000068320138120000 MS 1600006-83.2013.8.12.0000, Relator: Des. Dorival Renato Pavan, Data de Julgamento: 09/09/2013, 2ª Seção Cível, Data de Publicação: 15/05/2014) [8]

No mesmo sentido é o Enunciado n.º SN1 de 21.11.2013, do Conselho da Magistratura que, em hipótese semelhante, mas de doação com reserva de usufruto, assim dispõe: “Extinção do usufruto por renúncia ou morte do usufrutuário não é fato gerador da cobrança do ITD, sob pena de incorrer em bitributação, vez que a doação do imóvel constitui fato gerador do imposto de transmissão inter vivos.”.

Com efeito, podem os contribuintes, amparados na jurisprudência, buscar no Poder Judiciário a repetição do indébito de eventual recolhimento feito indevidamente nos últimos 05 (cinco) anos a título de ITCMD incidente sobre a extinção do usufruto ou, então, para afastar eventual cobrança neste sentido que esteja sendo realizada pela Fazenda Pública Estadual.

Assim, pode-se concluir que, apesar de na vida existirem duas certezas que são a morte e os impostos, como dito por Benjamin Franklin, certo é, contudo, que a certeza dos impostos, num Estado Democrático de Direito, só se materializa mediante a observação e o respeito aos ditames do ordenamento jurídico, mormente à Constituição Federal.


Referências.

[1] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituição/constituicaocompilado. Htm, acesso em 14.06.2017.

[2] BRASIL. Lei do Estado do Rio de Janeiro n.º 1.427/89. Instituiu o Imposto Sobre Transmissão “Causa Mortis” e Por Doação de Quaisquer bens ou Direitos. Disponível em http://alerjln1.alerj.rj.gov.br/CONTLEI.NSF/b24a2da5a077847c032564f4005d4bf2/541098e046aa07b7032565540066df22, acesso em 14.06.2017.

[3] BRASIL. Lei do Estado de Goiás n.º 11.651/91. Instituiu o Código Tributário de Goiás. Disponível em https://www.legisweb.com.br/legislacao/?id=127513, acesso em 14.06.2017.

[4] BRASIL. Lei n.º 5.172/66. Dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5172.htm, acesso em 14.06.2017.

[5] BRASIL. TJ-RJ – Agravo Regimental no MS: 0058798-27.2015.8.19.0000, Relatora: Desembargadora Teresa de Andrade, Data do Julgamento: 26.04.2017, Sexta Câmara Cível.

[6] BRASIL. TJ-GO - ARGUICAO DE INCONSTITUCIONALIDADE DE LEI: 02131317620168090000, Relator: DES. WALTER CARLOS LEMES, Data de Julgamento: 26/10/2016, CORTE ESPECIAL, Data de Publicação: DJ 2153 de 22/11/2016.

[7] BRASIL. TJ-SP - APL: 00241081720128260053 SP 0024108-17.2012.8.26.0053, Relator: Rubens Rihl, Data de Julgamento: 05/11/2014, 8ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 05/11/2014.

[8] BRASIL. TJ-MS - MS: 16000068320138120000 MS 1600006-83.2013.8.12.0000, Relator: Des. Dorival Renato Pavan, Data de Julgamento: 09/09/2013, 2ª Seção Cível, Data de Publicação: 15/05/2014.

[9] BRASIL. Conselho da Magistratura. Enunciados e Recomendações do PJERJ. Disponível em http://www.tjrj.jus.br/documents/10136/30422/regist-public-cons-magist.pdf?=v23, acesso em 14.06.2017.

Sobre o autor
Henrique Castelli

Advogado militante nos ramos do Direito Tributário, Civil e Consumidor; Bacharel em Direito pela Universidade Estácio de Sá - Campus Petrópolis-RJ; Pós-graduado em Direito Tributário pela Universidade Cândido Mendes - UCAM; Membro da Comissão de Direito Tributário da 03.ª Subseção da OAB em Petrópolis-RJ.

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