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O pedido genérico nas ações de revisão contratual nos termos do novo Código Civil

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Agenda 28/10/2004 às 00:00

Tem-se, cada vez mais, a presença da jurisdição por eqüidade em nosso ordenamento jurídico. Necessita-se do debate sobre os limites dessa permissão, especialmente quanto à revisão judicial dos contratos, com destaque à necessidade de correlação entre o pedido das partes e a sentença.

SUMÁRIO: 1. Introdução – 2. Premissas conceituais dos contratos – 3. Teoria da imprevisão e onerosidade excessiva – 4. Da ação de revisão dos contratos: 4.1. A evolução jurisprudencial e legislativa da aplicação da teoria da imprevisão no Brasil; 4.2. O regime jurídico da aplicação da teoria da imprevisão; 4.3. Outros requisitos para a ação revisional; 4.4. A crescente politização das decisões judiciais – 5. O pedido genérico e a sentença determinativa: 5.1. Caráter constitutivo da sentença revisional; 5.2. Sentença Determinativa em Ação de Revisão Contratual; 5.3. Sentença genérica e sentença determinativa – 6. O pedido genérico e a ação de revisão contratual – 7. Matéria de ordem pública – Bibliografia.


1. Introdução

Com a vigência do Novo Código Civil brasileiro, em 11 de janeiro de 2003, constata-se no seu espírito a perseguição da "socialidade" ou "justiça social", como decantado pelo ilustre Professor MIGUEL REALE, em sua Exposição de Motivos do Anteprojeto do Código Civil.

Nesse sentido, houve a positivação do tema, há muito estudado e relevado, referente à função social do contrato, que vem prevista nos artigos 421 e 2035, parágrafo único, como cláusula geral de aplicação judicial desta modalidade de ato jurídico.

Por se tratar de cláusula geral, que se entende como regra com conteúdo móvel dirigida ao juiz, "cujos valores devem ser preenchidos pelo juiz no caso concreto, autorizado para assim agir em decorrência da formulação legal da própria cláusula geral, que tem natureza de diretriz" [1], desponta com fundamental importância no desenvolvimento das relações jurídicas e da intervenção judicial, na medida em que "il processo deve dare per quanto possibile praticamente a chi ha un diritto tutto quelo e proprio quelo ch’egli ha diritto di conseguire" [2].

De acordo com essa noção, tem-se, cada vez mais, a presença da jurisdição por eqüidade permeando os flancos de nosso ordenamento jurídico, nos termos do artigo 127 do Código de Processo Civil. Disto decorre a necessidade do debate envolvendo os limites dessa permissão, especialmente quanto à revisão judicial dos contratos, com destaque à necessidade de correlação entre o pedido das partes e a sentença.


2. Premissas conceituais dos contratos

Os contratos, como atos jurídicos bilaterais, apresentarão determinada configuração, de acordo com a espécie de acertamento que houver entre os contratantes, sendo classificados como fonte geradora de obrigações. Assim, não pretendendo esgotar o tema, o contrato será realizado segundo as circunstâncias que as partes dispuserem, como corolário quer da liberdade de contratar, quer da liberdade contratual [3].

Forma-se, então, o contrato, que disporá sobre o número de sujeitos, o número de prestações, o tempo e a forma de execução, a onerosidade, o consenso, a comutatividade, entre outros. Importa para o presente estudo, a discussão acerca do tempo da execução do contrato e da sua comutatividade.

Quanto ao tempo da execução do contrato, conhece o direito das obrigações, duas espécies: a execução imediata e a execução diferida. Não há maiores dificuldades em se compreender essas espécies de execução, sendo que as obrigações com execução diferida sujeitam-se a um interregno de tempo entre a sua formação e a sua execução. Essa execução diferida poder-se-á dar de forma única, com a estipulação de prazo futuro ou de termo, ou parceladamente, com mais de um prazo fixo, ou em execuções continuadas e execuções periódicas. [4]

A comutatividade contratual se refere ao conhecimento que os contratantes têm quanto à situação em que se obrigam, e tem utilidade em se tratando de contratos onerosos. A classificação das obrigações distingue as comutativas das aleatórias, sendo certo que nas primeiras conhece-se a situação em que foi realizado o contrato, sendo estabelecidas prestações e contra-prestações, ganhos e perdas, proporcionais para cada contratante, não envolvendo risco de alteração dessa situação. Já nas obrigações aleatórias, o risco faz parte do objeto do contrato, ou seja, os contratantes reconhecem que a situação do contrato está sujeita a alterações, decorrendo daí que as prestações e contra-prestações não importarão, necessariamente, em equilíbrio contratual. O risco será suportado por uma parte ou por ambas, conforme seu ajuste. Um contrato que não envolve álea e no qual não há comutatividade entre as partes implica ou na sua gratuidade ou na sua realização sem o atendimento da boa-fé contratual, exigida pelo art. 422 do Código Civil.

SILVIO RODRIGUES afirma que "o que a rigor caracteriza o contrato comutativo não é a equivalência das prestações, mas o fato de a respectiva vantagem ou sacrifício de qualquer das partes poder ser avaliado no próprio ato em que o contrato se aperfeiçoa" [5].

A teoria contratual fundamenta-se no cumprimento espontâneo das obrigações assumidas. Ainda assim, os aplicadores do direito, desde tempos remotos, impunham a sua obrigatoriedade na medida em que o cumprimento das avenças é premissa da vida em sociedade.

Mas não sem razão a obrigatoriedade do cumprimento do contrato passará pela análise da boa-fé das partes envolvidas, bem como da função social que este deve apresentar.

A boa-fé exigida no art. 422 do Código Civil apresenta-se, também, como cláusula geral de integração do direito positivo [6]. Portanto, sua aplicação resolve-se com a determinação do seu valor pela exegese judicial.

Deve-se, contudo, distinguir a análise da boa-fé como regra para interpretação da vontade dos contratantes, da regra dirigida ao julgador de uma ação ao valorar o que se entender como ‘boa-fé’ na nossa sociedade. Assim, no primeiro caso, temos a boa-fé subjetiva que é "uma regra de interpretação do negócio jurídico" [7], conforme a disposição do artigo 113 do Código Civil. Ou seja, realizado um contrato entre partes, gera-se uma justificada expectativa de que o pactuado será cumprido espontaneamente por aqueles, em decorrência da crença recíproca da boa-fé entre os contratantes.

Quanto ao artigo 422 do Código Civil, como já mencionado, trata-se da boa-fé objetiva, que é cláusula geral de direito. Disto decorre que o seu conteúdo é indeterminado, ou seja, o valor a que se refere a "boa-fé" deve ser preenchido pelo juiz quando da aplicação do direito ao caso concreto. Cabe ao juiz determinar o que seja a boa-fé antes de fazê-la respeitada na lide.

A função social do contrato também se apresenta como cláusula geral, sendo que caberá ao juiz preencher os claros do sentido dessa expressão, com valores econômicos, sociais, morais que são percebidos na sociedade na época de sua aplicação, como se verá neste estudo.

A cláusula geral tanto permite maior mobilidade ao ordenamento jurídico, já que coloca o aplicador do direito como "criador" da norma pela determinação do seu conceito, atualizando-a, como retira do sistema parte de sua certeza, na medida em que confere a cada juiz tal poder criativo [8].


3. Teoria da imprevisão e onerosidade excessiva

Partindo-se das premissas teóricas a respeito dos contratos, encontrou a pragmática, percalços em sua atuação, devido ao radicalismo derivado da inteligência do pacta sunt servanda.

Tem-se a notícia nos escritos antigos da exceção a esta regra, em decorrência de circunstâncias alheias à vontade dos contratantes, como, por exemplo, casos decorrentes de força maior [9]. Foi no período da Idade Média, na qual trabalharam os glosadores de textos do direito romano antigo, em que se registrou a máxima: "contractus qui habent tractum sucessivum et depentian de futuro, rebus sic stantibus intelliguntur". A frase excepciona os contratos de trato sucessivo ou que dependam do futuro, ao afirmar que estes devem conservar o estado em que se originaram. Esta a origem da cláusula rebus sic stantibus decantada na praxe forense [10].

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A aplicação desse instituto foi se firmando junto aos aplicadores do direito medievo, tendo encontrado forte resistência junto à sociedade liberalista, já nos séculos XVIII e seguintes, com a publicação dos códigos de direito modernos, imbuídos do ideal liberal, em que prevalecia a autonomia da vontade. Retornava incontestável o regime do pacta sunt servanda.

Ocorre, finalmente, no século XX a retomada da socialização das leis e constituições ocidentais, com a tentativa de se proporcionar a distribuição de oportunidades e o acesso ao direito para todas as classes, com a promulgação de Constituições programas e cidadãs. As grandes guerras resultaram num incrível desajuste econômico no velho continente, detonando, além do flagelo humano, crises de descumprimento contratual, decorrentes da escassez da produção e conseqüente alta dos preços. Resgatava-se a inteligência da cláusula rebus sic stantibus para minorar os efeitos da impossibilidade de cumprimento dos contratos nos moldes pactuados. Assim, "para se reimplantar a cláusula rebus sic stantibus, a Lei Faillot, na França, modificou o Código Civil; na Inglaterra criou-se a frustration of the adventure; na Alemanha recorreu-se ao princípio geral da boa-fé e na Itália aplicou-se exatamente a velha cláusula do direito medieval" [11].

A utilização da cláusula rebus sic stantibus dependerá da concorrência dos fatores expostos no tópico anterior, qual seja, a comutatividade e a execução diferida do contrato. Isto porque não se irá perquirir a respeito da alteração na situação em contratos de execução imediata, que se exaurem na mesma situação em que foram concluídos.

Na hipótese da contratação se dar em determinada situação, e houver a ocorrência de um acontecimento imprevisto pelas partes, com tal magnitude que afete a execução das obrigações assumidas, importando em um desequilíbrio entre os ganhos e os sacrifícios incorridos, e que estes sejam maiores que o esperado, de modo que o contrato exigido encontrar-se-ia em situação diferente da original, afirma essa doutrina que este contrato deverá ser revisto, com o intuito de se restabelecer o equilíbrio original.

Essa dependência de um acontecimento imprevisto pelos contratantes justifica a utilização doutrinária de teoria da imprevisão para sintetizar essa regra de exceção [12].

Com a entrada em vigor do Novo Código Civil, ficou expressamente convencionada em nosso ordenamento jurídico a previsão da seção "da resolução por onerosidade excessiva", no artigo 478 e seguintes desse diploma, dentre as formas de extinção dos contratos.

Esta seção traz, além da disposição acerca do direito material, normas de caráter processual e regras direcionadas à forma de integração do direito que o juiz deverá aplicar nas hipóteses de sua incidência.

Na letra do artigo 478, "nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato". É a idéia contida na teoria da imprevisão, sendo certo que há nessa hipótese a execução diferida do contrato, com desequilíbrio na comutatividade, em decorrência de fato superveniente imprevisto pelos contratantes.

Perceba-se, ademais, que não se refere a toda e qualquer cláusula que demonstre um aparente desequilíbrio, mas tão-somente àquelas que tornem inexeqüível o contrato.

Há que se revelar, à guisa de conclusão, a diferença entre a teoria da imprevisão e a onerosidade excessiva, a despeito da redação do artigo 478 do Código Civil. Isto porque, como visto, a teoria da imprevisão exige o acontecimento de um fato imprevisto, uma circunstância que altere a situação em que o contrato será executado, circunstância essa não esperada pelos contratantes. Essa alteração do estado das coisas, frustrando as expectativas diuturnas das partes, deverá gerar um desequilíbrio na prestação de uma das partes, com ganho inesperado para a outra, permitindo que o Poder Judiciário interceda para restabelecer o equilíbrio original [13].

A doutrina aponta que a onerosidade excessiva, por sua vez, não necessita da interferência de um fato inesperado, imprevisto. Esta regra iria além da teoria da imprevisão ao exigir, como requisito de sua aplicação, a prova de que há desequilíbrio contratual, prescindindo da prova de que um evento imprevisto justificou esse desequilíbrio. Neste caso, mesmo a ocorrência de eventos previstos pelas partes, no desenvolvimento normal da execução do contrato, poderá ser argüida como prova do desequilíbrio contratual [14]- (15).

Destaca-se, contudo, que o Código Civil pátrio albergou a teoria da imprevisão, posto que se utiliza da nomenclatura "Da resolução por onerosidade excessiva", ao exigir que o devedor comprove os "acontecimentos extraordinários e imprevisíveis".

A onerosidade excessiva não justifica a revisão ou resolução do contrato, mas é requisito para que estes sejam possibilitados ao contratante, bem como a ocorrência de um fato imprevisto pelas partes que tenha como conseqüência tal aumento de encargos. São, ambos, requisitos para aplicação do art. 478 do Código Civil. Não se há olvidar, também, que, paralelamente à necessidade da onerosidade excessiva para um contratante, deverá o demandante comprovar a extrema vantagem auferida pelo outro contratante. Isto quer dizer que o desequilíbrio a que se refere a teoria da imprevisão em nosso ordenamento exige que a balança altere proporcionalmente os ganhos de um em relação às perdas do outro. Não basta que haja um aumento excessivo da prestação, necessita-se da prova de que o demandado recebeu os ganhos decorrentes do fato imprevisto.

Porém, analisando a atuação jurisprudencial, percebe-se que a resolução e revisão por onerosidade excessiva, apenas, já são encontradas nas lides nacionais, prescindindo-se do fato imprevisto. Nessa esteira, conclui-se que a prática judicial caminhará nesse entendimento, nada obstante as críticas e ressalvas levantadas pela doutrina, como se verá, com relação à crescente politização das decisões judiciais.


4. Da ação de revisão contratual

Estando já desenvolvidas e estabelecidas as teorias que reputam imprescindível a manutenção da comutatividade nos contratos, disporá a parte de meios para que, em se entendendo prejudicada, promova a correção dessas distorções.

A hipótese menos dispendiosa é a negociação extrajudicial com o outro contratante, com o escopo de, caso não obstada pela vontade deste, serem pactuadas novas cláusulas que se substituirão às existentes, importando em uma novação contratual, perpetrada por meio de instrumentos hábeis a comprová-la.

A discussão do contrato na esfera judicial vem de longa data, como modo de atender aos anseios sociais, quer impondo sua execução, quer impondo sua rescisão. As alterações contratuais, contudo, estão intimamente ligadas à evolução da teoria da imprevisão. Comprova tal assertiva o fato de que o artigo 1058 do Código Civil de 1916 (atual art. 393) previa apenas a extinção das obrigações sem responsabilizar o devedor nas hipóteses de caso fortuito ou força maior [16].

4.1. A evolução jurisprudencial e legislativa da aplicação da teoria da imprevisão no Brasil

Como já mencionado, a aplicação da teoria da imprevisão em nossa sociedade se deu por força da prática jurisprudencial que a entendeu como melhor opção para atender aos anseios da sociedade. Cite-se, originalmente, o julgado da lavra do renomado jurista Nelson Hungria, quando este era juiz de primeiro grau, no ano de 1930, em razão de inesperada alta dos preços, cuja decisão assentava que "desde o momento em que um fato inesperado e fora da previsão comum destrói por completo a equação entre a prestação e a contraprestação ajustadas, deixa de subsistir o que Oertmann chama a base do contrato (Geschäftsgrundlage), isto é, o pensamento das partes, manifestado no momento de celebrar-se o contrato, acerca da existência das circunstâncias determinantes". Tal decisão seria reformada, à época, pelo Egrégio Tribunal de Apelação do Distrito Federal (Rio de Janeiro), em 05 de abril de 1932, em consonância com a orientação da jurisprudência [17].

Campo fecundo à aplicação da teoria da imprevisão foi o Direito Administrativo, quanto aos contratos realizados entre particulares e a administração, desde que esta apresentava prerrogativas que lhe permitia alterar o contrato, ou mesmo extingui-lo, unilateralmente, denominado fato do príncipe. Discutia-se se essa prerrogativa dava possibilidade à revisão contratual. Porém, firmou-se o entendimento que haveria, como conseqüência do fato do príncipe, a indenização integral ao particular pelos prejuízos causados. Esta regra está agora expressa na Lei 8.666/93 [18]. Ademais, além desta definição, pacificou-se na doutrina e jurisprudência a possibilidade de aplicação da teoria da imprevisão, diferente da indenização por fato do príncipe, também aos contratos administrativos, na mesma medida em que as condições reais da proposta licitatória deveriam se manter inalteradas durante a execução do contrato, revisando-o caso prejudicado seu equilíbrio econômico-financeiro, permitida a revisão tanto para o particular quanto para a própria Administração, se restasse prejudicada [19].

A evolução jurisprudencial trouxe consigo uma lenta e gradual evolução legislativa no enfoque revisionista do contrato sob o prisma da teoria da imprevisão. É certo, todavia, que a ação revisional de contrato encontra sua guarida desde longa data em nosso ordenamento jurídico, com a Lei de Luvas (Decreto 24.150, de 1934), retomada pela Lei do Inquilinato (Lei 8.245/91), porém afirma parte da doutrina que não é exigida nesta a aplicação da teoria da imprevisão como requisito da ação, mas exige-se tão-somente a adequação do aluguel ao valor do mercado, sendo o seu reajuste fato do cotidiano, nada imprevisível. Assim, Nelson Borges afirma que "havendo reconhecimento prévio de que fatores do cotidiano, oscilações inerentes à própria natureza do mercado locatício, possam alterar a realidade contratada, buscando preveni-los é que a lei autoriza a revisão trienal", concluindo que "este entendimento, aprioristicamente, desaconselha que se fale em teoria da imprevisão" [20]. Não quer dizer que seja descabida a ação baseada na teoria da imprevisão, que poderá ser proposta mesmo antes da permissão legal, em razão de alteração da base contratual imprevista pelas partes [21]. Importa salientar, naquele decreto, a utilização pioneira da ação revisional pelo contratante como ação positivada em nosso ordenamento jurídico.

O Código do Consumidor (Lei 8.078/90) vem ao encontro dessa orientação, possibilitando ao consumidor exigir a revisão de cláusulas contratuais em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas, conforme seu artigo 6.º, V. Deve-se ter em mente que tal regra destoa da teoria da imprevisão ao permitir a revisão somente a um dos contratantes, qual seja, o consumidor, e que por "fatos supervenientes" devem ser entendidos tanto fatos previsíveis como imprevisíveis [22]. Ressalte-se, novamente, que, fora desta revisão prevista no art. 6.º, V, permitida está a revisão nos termos do art. 478 do Código Civil a ambos os contratantes, provada a alteração da base contratual e imprevisibilidade do fato que a originou.

O Código Civil em vigor, finalmente, coloca expressamente no ordenamento positivado a teoria da imprevisão, como norma de conduta para a contratação de boa-fé, vez que impera como fiel da balança junto à consciência dos contratantes, que devem reconhecer a comutatividade como requisito efetivamente imprescindível na vida em sociedade.

4.2. O regime jurídico da aplicação da teoria da imprevisão

Estando estabelecida definitivamente em nosso ordenamento, cumpre dissertar acerca do regime jurídico previsto para se tratar os contratos sujeitos à teoria da imprevisão. Assim, surgem, historicamente, e uma vez descartada pelo juízo a execução pura e simples do mesmo, dois extremos para a participação judicial nessa solução, a resolução e a revisão do contrato. Há, além destas, a posição intermediária, através do regime misto, que também apresenta mais de uma faceta, como se mostrará.

Despiciendas as razões que criticam a aplicação de modo exclusivo destes extremos. Tanto a previsão somente da resolução, quanto somente a da revisão, levariam a situações teratológicas, não desejadas pela sociedade [23].

Obviamente, os aplicadores do direito devem priorizar a revisão do contrato, antes de analisar a sua resolução, como medida responsável de atuação junto às relações particulares, protegendo-as e buscando realizá-las, na medida do que for praticamente possível. Consoante Othon Sidou, deve o juízo buscar "preferencialmente, portanto, a tentativa de reconciliar, e só depois, por ineficácia deste esforço, deve pensar-se na desvinculação" [24].

O Código Civil pátrio, por sua vez, traz uma fórmula baseada no regime misto, mas que, ao mesmo tempo, remete os contratantes, primeiramente, à resolução do contrato, conforme disposto no seu art. 478. No decurso da demanda, caberia ao demandado, a seu critério, oferecer a revisão, mediante proposta de mudança eqüitativa das condições do contrato. Neste sentido, o certo seria a propositura de uma ação de resolução do contrato.

A discussão teórica partiria da previsão da revisão contratual como sendo exceção à regra da resolução. Defende-se, ao contrário, que a revisão seja eleita preferencialmente como a via a ser seguida, cabendo a resolução apenas se aquela não obtiver êxito. À par desse debate, o certo é que a prática judicial fatalmente encaminhará as demandas neste sentido, na medida em que, pela cláusula geral da função social do contrato, é dever dos juízes buscar a sua adaptação no sentido da comutatividade.

Assim, caberá também ao demandante propor alternativamente os pedidos de revisão e resolução, tanto como poderá o réu oferecer a revisão do contrato diante de uma ação resolutiva. Ainda, restará ao juiz tentar conciliar as partes para que aceitem novos termos e condições contratuais, evitando, sempre, a extinção da relação jurídica [25].

O fundamento para a ação de resolução contratual será a onerosidade excessiva e a vantagem extrema decorrentes de acontecimento imprevisto, nos termos do art. 478 do Código Civil. Já a ação de revisão contratual fundamenta-se "na incidência concomitante das cláusulas gerais da função social do contrato (CC 421), da boa-fé objetiva (CC 422) e da base objetiva do negócio (CC 422)", como lecionam Nery & Nery [26]. Os artigos 421 e 422 do Código Civil permitem inclusive a revisão do contrato ope judicis, sendo do interesse da parte onerada, e mesmo sem a concordância do réu, mediante correção ex officio pelo juízo do feito, por se tratar de matéria de ordem pública, nos estritos termos do parágrafo único do artigo 2.035 do Código Civil.

Finalmente, não se há negar que é cabível a indenização do réu, em hipótese de resolução contratual, decorrente de fato imprevisto, na exata medida do enriquecimento sem causa em que incorrer o devedor, uma vez que a jurisdição não deve servir apenas para transferir os prejuízos de uma parte para a outra. Para tanto, imprescindível o pedido de indenização a ser feito pelo réu em sua resposta, em caso de impossibilidade de revisão, ampliando o objeto de julgamento do juiz, que deve atentar para os princípios de eqüidade e boa-fé [27].

4.3. Outros requisitos para a ação revisional

Já foram mencionadas algumas das condições necessárias à aplicação da teoria da imprevisão em sede judicial, como a ocorrência de fato imprevisto, a excessiva onerosidade e a extrema vantagem decorrentes daquele, e a inexeqüibilidade da prestação. A doutrina aponta outros requisitos igualmente indispensáveis, que serão explicitados neste contexto.

Primeiramente, há que estar presente o nexo entre o fato imprevisto e a onerosidade da prestação, ou seja, deve estar provado que a prestação exigida é inexeqüível em decorrência de um fato imprevisto que alterou profundamente a base contratual. A essa profunda alteração se dá o nome de essencialidade, que destrói o equilíbrio econômico-financeiro do contrato, sendo um "fato realmente incomum que atinge o âmago de um pacto, e não apenas seu aspecto periférico" [28].

Obviamente, este fato imprevisto não pode ser imputado ao contratante que alega excessiva onerosidade de sua prestação, como de bom senso e já assentado em nossa jurisprudência. É certo que a parte não extrairá benefícios, alegando a própria torpeza (turpitudinem suam allegans nos est audiendus) [29].

Além destes, é requisito da revisão judicial a ausência de mora do demandante na época da ocorrência do fato imprevisto. A incidência do devedor em mora, de acordo com o art. 397 e parágrafo único, após um imprevisto e em decorrência deste, que o onere excessivamente, é atenuação ao rigor dos efeitos do estado moratório. Finalmente, a lesão iminente apresenta-se como outra condição da revisão contratual, na medida em que a imprevisão localiza-se entre o cumprimento da obrigação, mesmo que onerosa e danosa, e a ocorrência da mora, com seus efeitos legais [30].

4.4. A crescente politização das decisões judiciais

Outro ponto de relevância fundamental na aplicação da teoria da imprevisão refere-se a qual a medida da politização das decisões judiciais, e qual a medida da interferência do Poder Judiciário na política desempenhada pelo Poder Executivo e Legislativo.

Não importa ao presente estudo a análise do controle realizado pelo Poder Judiciário com relação às políticas econômicas e sociais do Estado, mas faz-se imperiosa a discussão acerca da influência da visão pessoal dos magistrados sobre temas pontuais em demandas, mas que apresentam sensíveis conseqüências à sociedade na medida em que integrados ao nosso direito em decorrência de jurisprudência massiva.

De acordo com estudo coordenado pelo Prof. Armando Castelar Pinheiro, a politização das decisões é fato, não se há negar, mas as discussões a seu respeito e sobre as suas conseqüências ainda são incipientes. Conforme afirma em seu artigo, "o resultado disso tem sido termos, de um lado, juízes pouco atentos às repercussões macroeconômicas de suas decisões, e, de outro lado, economistas que freqüentemente desconhecem os micro-fundamentos institucionais que alicerçam, ou não, suas iniciativas e políticas. E empresas que, tanto quanto possível, evitam qualquer contato com o judiciário, mesmo que para isso tenham de mudar sua forma de operar ou mesmo deixar de realizar certas atividades" [31]- (32).

Em pesquisa apresentada ainda neste artigo, com a participação de 741 juízes estaduais, federais, trabalhistas, de todos os graus, inclusive de Tribunais superiores, colocam-se dados relevantes para a discussão do tema, sendo que a visão política dos juízes apresentava-se tão politizada quanto mais politizada fosse a questão envolvida [33].

É imperiosa a conscientização a respeito da politização das decisões judiciais e de suas conseqüências macroeconômicas, sendo necessário maior diálogo entre a sociedade civil e o Judiciário, mediante reforma do Judiciário, para evitar distorções na disciplina das relações jurídicas, campo de aplicação dos contratos.

Sobre o autor
Ilton Carmona de Souza

Membro da Comissão dos Novos Advogados do Instituto dos Advogados de São Paulo – IASP, Advogado em São Paulo

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUZA, Ilton Carmona. O pedido genérico nas ações de revisão contratual nos termos do novo Código Civil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 478, 28 out. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5858. Acesso em: 23 dez. 2024.

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