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Pressupostos caracterizadores do estado de falência: importância, definição e instrumentos de comprovação

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Agenda 17/03/2018 às 11:15

A delimitação dos pressupostos necessários à caracterização do estado de falência é fundamental para que se evite o recurso indiscriminado a esse instrumento. As informações trazidas a cabo no momento pré-falimentar mostram-se essenciais para o bom andamento do processo de falência que pode vir a se seguir.

1 Introdução

Nos primórdios da civilização ocidental, o devedor inadimplente respondia por suas dívidas com o próprio corpo, de tal forma que a garantia do credor era a pessoa do devedor. Isso consagrava o que comumente se chama de responsabilidade pessoal do devedor. Hoje, tal situação não é mais admitida. A responsabilidade pessoal foi substituída pela responsabilidade patrimonial. Assim, são os bens do devedor, e não a sua pessoa, que devem servir de garantia aos seus credores. Nesse sentido, para ver satisfeita a obrigação descumprida, o credor, via de regra, deve mover processo de execução individual contra o devedor, e o Judiciário determinará que seja buscado no patrimônio do devedor valor suficiente para a satisfação do crédito.

Mas, ocorre que, quando o patrimônio do devedor é insuficiente para cumprir com a totalidade de suas obrigações, a individualidade da execução torna-se injusta, pois, diante disso, nem todos os credores conseguirão ter acesso ao recebimento de seu crédito. Em razão disso, nesses casos, visando a concretizar o princípio da par condicio creditorum, que estabelece o tratamento paritário dos credores, o ordenamento jurídico atual prevê a hipótese de instauração de uma execução concursal, reunindo a totalidade do ativo e do passivo do devedor em um único processo.

O regime jurídico aplicável à execução concursal varia de acordo com a qualidade do devedor. Os devedores não empresários submetem-se à insolvência civil, mediante concurso de credores disciplinado pelo Código de Processo Civil. Aos devedores empresários, por sua vez, a legislação prevê um processo específico de execução concursal, denominado falência, disciplinado pela Lei 11.101/2005.

Contudo, não é em todo caso de insuficiência patrimonial para pagamento das dívidas que cabe a instauração da falência. De fato, é preciso que se verifique uma efetiva condição de inviabilidade da empresa em crise. Caso contrário, em observância aos princípios da função social e da preservação da empresa, consagrados na legislação falimentar brasileira vigente, a opção deve ser sempre primar pela sua recuperação, seja ela fruto do normal funcionamento das forças do livre mercado (o que se costuma chamar de solução de mercado) ou da intervenção do Poder Judiciário por meio dos mecanismos de recuperação judicial e extrajudicial, quando as estruturas do sistema econômico não funcionam de modo conveniente.

Diante do exposto, a doutrina comercial costuma apontar três pressupostos da falência: o primeiro, considerado como pressuposto material subjetivo, refere-se à qualidade de empresário do devedor; o segundo, dito pressuposto material objetivo, revela-se na insolvência do devedor; e o terceiro, denominado pressuposto formal, consiste na sentença que decreta a falência. Dessa forma, antes do início do processo de execução concursal propriamente dito, há uma fase pré-falimentar, que vai do pedido de falência até a sentença que denega ou decreta o pedido de falência, observando a verificação de tais pressupostos. Analisaremos, nos tópicos que se seguem, cada um dos pressupostos mencionados.


2 Devedor empresário

No processo falimentar, o devedor empresário ocupa a posição de sujeito passivo. O art. 1º da Lei 11.101/2005 afirma que essa lei “disciplina a recuperação judicial, a recuperação extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária, doravante referidos simplesmente como devedor”. Percebemos, a partir desta disposição, que somente os empresários podem ser submetidos ao processo falimentar. A importância de ter um regime específico de execução concursal destinado aos empresários se dá em razão das especificidades da atividade empresarial e sua dimensão, notadamente o amplo conjunto de relações jurídicas que são geradas pelo exercício da empresa.

O empresário pode ser tanto uma pessoa física (empresário individual) quanto uma pessoa jurídica (sociedade empresária ou EIRELI). O Código Civil, em seu art. 966, define a figura do empresário como aquele que “exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços”. Nesse sentido, percebemos que as disposições falimentares não se aplicam aos devedores que não exploram atividade econômica nenhuma, nem àqueles que a exerçam sem empresarialidade. Da mesma forma, não se aplicam às cooperativas – uma vez que estas são sempre classificadas como sociedades simples, conforme dispõe o parágrafo único do art. 982 do Código Civil[1] – nem aos profissionais liberais que não se enquadram na condição de empresário de acordo com o parágrafo único do art. 966 do Código Civil[2].

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Podem ser submetidos à falência tanto os empresários regulares quanto os irregulares. Tal conclusão se chega a partir da interpretação do art. 967 do Código Civil[3], do qual inferimos que a condição de empresário pode ser anterior ao registro. Esse entendimento é reforçado pelo inciso VIII do art. 96 da Lei 11.101/2005, que permite a decretação da falência do empresário que cancelou sua inscrição, com extinção da firma individual, quando haja prova de exercício posterior ao ato registrado, isto é, quando, apesar de a empresa ter sido extinta de direito, tenha sido mantida de fato.

Todavia, nem todos os empresários estão abrangidos no âmbito de incidência da Lei 11.101/2005. A própria lei, em seu art. 2º, traz como exceção alguns empresários que são excluídos do seu regime jurídico:

Art. 2º. Essa lei não se aplica a:

I - empresa pública e sociedade de economia mista;

II - instituição financeira pública ou privada, cooperativa de crédito, consórcio, entidade de previdência complementar, sociedade operadora de plano de assistência à saúde, sociedade seguradora, sociedade de capitalização e outras entidades legalmente equiparadas às anteriores.

2.1 Hipóteses de exclusão do regime falimentar

Fábio Ulhoa Coelho (2012, p. 312) classifica as hipóteses de exclusão em exclusão total ou absoluta e exclusão parcial ou relativa do regime falimentar. Não obstante tal exclusão, seja ela total ou parcial, em nenhum caso os entes excluídos submetem-se à insolvência civil.

Os excluídos totalmente são sempre submetidos a regime de execução concursal diverso do falimentar, ou seja, em nenhuma hipótese podem submeter-se a ele. De acordo com Ricardo Negrão (2012, p. 62), “são de não incidência absoluta as duas hipóteses previstas no art. 2º, I (empresa pública e sociedade de economia mista) e um caso do art. 2º, II (entidade de previdência complementar) da Lei Falimentar”. Ulhoa (2012, p. 312) acrescenta ainda entre os absolutamente excluídos do regime falimentar as câmaras ou prestadoras de serviços de compensação e de liquidação financeira.

Os parcialmente excluídos, por sua vez, submetem-se a procedimento extrajudicial que liquidação concursal alternativo ao processo falimentar. Tais agentes possuem leis específicas que disciplinam o tratamento jurídico de sua insolvência, sendo submetidos a um processo especial de liquidação extrajudicial. Não se encontram completamente excluídos do regime em questão porque, em certos casos, as leis específicas que regem seus processos de liquidação preveem a aplicação subsidiária da antiga legislação falimentar (Decreto-lei 7.661/45). Pensando nisso, a Lei 11.101/2005 trouxe a regra do art. 197, que sugere a revisão das leis que relaciona, a fim de que estas se adaptem aos novos paradigmas do regime falimentar, e substitui o Decreto-lei 7.661/45 pela Lei 11.101/2005 sempre que as leis especiais fizerem referência a ele, nos seguintes termos:

Art. 197. Enquanto não forem aprovadas as respectivas leis específicas, esta Lei aplica-se subsidiariamente, no que couber, aos regimes previstos no Decreto-lei n. 73, de 21 de novembro de 1966, na Lei n. 6.024, de 13 de março de 1974, no Decreto-lei n. 2.321, de 25 de fevereiro de 1987, e na Lei n. 9.514, de 20 de novembro de 1997.

São de não incidência relativa todas as hipóteses previstas no art. 2º, II, da Lei Falimentar, com exceção das entidades fechadas de previdência complementar. Tratam-se, basicamente, de agentes econômicos que atuam em mercados regulados.

2.1.1 Empresas públicas e sociedades de economia mista

As empresas públicas e sociedades de economia mista são entes da Administração Indireta do Estado e espécies do gênero empresas estatais. O principal ponto de distinção entre elas é composição do capital e a forma de organização – as primeiras são constituídas exclusivamente por capital público e podem adotar qualquer forma admitida pelo direito, ao passo que as segundas têm capital misto (parcialmente público e parcialmente privado) e somente podem adotar a forma de sociedades anônimas.

Desde a época da vigência da antiga legislação falimentar (DL 7.661/45), a submissão, ou não, das empresas estatais ao regime jurídico falimentar era questão controversa na doutrina. O principal motivo da polêmica é o disposto no § 1º do art. 173 da Constituição Federal, que, em seu inciso II, estabelece às empresas estatais exploradoras de atividade econômica “a sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários”. Na interpretação desse dispositivo, alguns autores defendiam que tais empresas deveriam, portanto, submeter-se ao regime jurídico falimentar aplicável às empresas privadas.

A revogação do art. 242 da Lei de Sociedades Anônimas (Lei 6.404/1976), que expressamente excluía as sociedades de economia mista do procedimento falimentar, contribuiu para reforçar esse entendimento. No entanto, a Lei 11.101/2005, ao dispor sobre a exclusão das empresas públicas e sociedades de economia mista de sua aplicação, não fez qualquer distinção entre as prestadoras de serviços públicos e as exploradoras de atividade econômica, o que leva outros autores a entender que em nenhum caso tais empresas devem se submeter ao regime falimentar. Nesse sentido, entendem que a tais entidades devem ser aplicadas as normas do Direito Administrativo, que define regramentos específicos sobre o pagamento de dívidas.

Uma das principais justificativas para a exclusão desses entes estatais do regime falimentar tem relação direta com o interesse social e público envolvido, como ressalta Ulhoa (2012, p. 312):

Como são sociedades exercentes de atividade econômica controladas direta ou indiretamente por pessoas jurídicas de direito público (União, Estados, Distrito Federal, Território ou Municípios), os credores têm sua garantia representada pela disposição dos controladores em mantê-las solventes. Não é o do interesse público a falência de entes integrantes da Administração Indireta, ou seja, de desmembramento do Estado. Caindo elas erm insolvência, os credores podem demandar seus créditos diretamente contra a pessoa jurídica de direito público controladora.

2.1.2 Entidades submetidas a procedimento de liquidação extrajudicial

Como já dito anteriormente, as entidades a que se refere o inciso II do art. 2º da Lei 11.101/2005 são relativamente excluídas do regime falimentar – com exceção das entidades fechadas de previdência complementar – e submetem-se a processos especiais de liquidação extrajudicial, previstos em leis específicas.

Às instituições financeiras públicas ou privadas, cooperativas de crédito, administradoras de consórcio e entidades de previdência complementar, aplica-se a Lei 6.024/74, que dispõe sobre a intervenção e a liquidação extrajudicial de instituições financeiras.  Às operadoras de plano de assistência a saúde, sociedades seguradoras e sociedades de capitalização, é aplicável o Decreto-lei 73/66. Por fim, o inciso II do art. 2º da Lei Falimentar faz referência ainda a “outras entidades legalmente equiparadas às anteriores”, deixando claro que tal lei não tem por pretensão definir taxativamente quais são tais entidades; o alcance das exceções será definido pelas legislações específicas e sua interpretação doutrinária e jurisprudencial.

2.1.3 Câmaras ou prestadoras de serviços de compensação e de liquidação financeira

As câmaras ou prestadoras de serviços de compensação e de liquidação financeira têm suas obrigações ultimadas e liquidadas de acordo com seus regulamentos, aprovados pelo Banco Central. Dessa forma, em nenhuma hipótese pode ter falência decretada. Nesse sentido, dispõe o art. 193 da Lei 11.101/2005:

Art. 193. O disposto nesta Lei não afeta as obrigações assumidas no âmbito das câmaras ou prestadoras de serviços de compensação e de liquidação financeira, que serão ultimadas e liquidadas pela câmara ou prestador de serviços, na forma de seus regulamentos.

Além disso, de acordo com o art. 194 da mesma lei, as garantias conferidas pelas câmaras ou prestadoras de serviços de compensação e de liquidação financeira destinam-se prioritariamente à satisfação das obrigações assumidas no serviço típico dessas entidades.

Art. 194. O produto da realização das garantias prestadas pelo participante das câmaras ou prestadores de serviços de compensação e de liquidação financeira submetidos aos regimes de que trata esta Lei, assim como os títulos, valores mobiliários e quaisquer outros de seus ativos objetos de compensação ou liquidação serão destinados à liquidação das obrigações assumidas no âmbito das câmaras ou prestadoras de serviços.

2.2 Casos especiais de incidência

2.3.1 Empresário que registrou cessação de suas atividades

Contra o empresário regular que deixou o exercício de sua atividade há mais de dois anos, a falência não poderá ser decretada. No entanto, se o empresário tem registrada a cessação de sua atividade há mais de dois anos, mas, efetivamente, não deixou de exercê-la, prevalece a situação fática, de tal forma que o devedor será considerado empresário irregular, levando em consideração o entendimento já exposto anteriormente segundo o qual o que de fato qualifica o empresário é o exercício da atividade empresarial, e não o seu registro. Nesse sentido dispõe o inciso VIII do art. 96 da Lei n. 11.101/2005:

Art. 96. A falência requerida com base no art. 94, inciso I do caput, desta Lei, não será decretada se o requerido provar:

VIII - cessação das atividades empresariais mais de 2 (dois) anos antes do pedido de falência, comprovada por documento hábil do Registro Público de Empresas, o qual não prevalecerá contra prova de exercício posterior ao ato registrado.

2.3.2 Sociedade anônima liquidada que teve seu ativo partilhado

A primeira parte do § 1º do art. 96 da Lei 11.101/2005 estabelece que não pode ser requerida a falência de sociedade anônima após liquidado e partilhado seu ativo.

Sobre essa hipótese, esclarece Ricardo Negrão (2012, p. 70):

A redação leva a entender que todas as outras sociedades – em nome coletivo, em comandita simples, em conta de participação e limitadas – submetem-se ao regime falimentar mesmo se o ativo estiver partilhado no momento da decretação. Não é bem assim. A distinção existia porque, no regime anterior, o art. 218 da LSA previa outra forma de satisfação dos credores da sociedade por ações em liquidação: “Encerrada a liquidação, o credor não satisfeito só terá direito de exigir dos acionistas, individualmente, o pagamento de seu crédito, até o limite da soma, por eles recebida, e de propor contra o liquidante, se for o caso, ação de perdas e danos. O acionista executado terá direito de haver dos demais a parcela que lhes couber no crédito pago”. Para as sociedades previstas no Código Comercial não havia regra similar e os credores não satisfeitos podiam requerer a falência da sociedade irregularmente liquidada. Com a entrada em vigor do Código Civil, o tratamento distinto não mais se justifica porque previsto procedimento liquidatório similar (arts. 1.102 – 1.112, CC), inclusive quanto aso créditos remanescentes ao encerramento, reproduzindo, ipsis literris, a regra dos art. 218 da Lei das Sociedades por Ações (art. 1.110, CC). Verifica-se, pois, que, liquidada a sociedade e partilhado seu ativo, os credores têm ação contra os sócios, ex-administradores e liquidante, mas não podem requerer a falência da sociedade. 

2.3.3 Espólio, até um ano após a morte do autor da herança

De acordo com a segunda parte do § 1º do art. 96 da Lei 11.101/2005, poderá ser decretada a falência de espólio de pessoa física e, portanto, do empresário individual ou de sócio ilimitadamente responsável, até um ano após a ocorrência de sua morte, sendo esse prazo decadencial. Isso porque a lei pressupõe que, no momento do falecimento, o devedor se encontrava em estado de falência.

Sobre essa hipótese, Ricardo Negrão (2012, p. 68) faz interessante observação:

Observe-se que a existência da pessoa natural termina com a morte (art. 6º, CC), e a herança – patrimônio do morto denominado espólio – passa a responder pelo pagamento de dívidas do falecido, levando os herdeiros a serem responsáveis por elas, após a partilha, cada qual em proporção da parte que na herança lhes coube (art. 1.997, CC). Assume, pois, o espólio a posição de falido, não se podendo, tecnicamente, falar em falência de pessoa falecida, mas sim de seu espólio, fato que não deixa de ser igualmente curioso, porque o espólio não é uma pessoa, mas o conjunto de bens do falecido. 

Sendo decretada a falência, o processo do inventário é suspenso, nos termos do art. 125 da Lei Falimentar:

Art. 125. Na falência do espólio, ficará suspenso o processo de inventário, cabendo ao administrador judicial a realização de atos pendentes em relaçãos aos direitos e obrigações da massa falida.

Sobre a autora
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SENCADES, Larissa. Pressupostos caracterizadores do estado de falência: importância, definição e instrumentos de comprovação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5372, 17 mar. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/58607. Acesso em: 23 dez. 2024.

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