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O princípio da precaução no Direito Ambiental

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Agenda 07/11/2004 às 00:00

Resumo: A humanidade vive uma realidade de incertezas, sob o ponto de vista ecológico, haja vista que a degradação do meio ambiente aumentou significativamente nas últimas décadas. Não é apenas a poluição atmosférica, chuvas ácidas, morte dos rios, mares e oceanos que demonstram a ação devastadora do homem. Pelo contrário, a questão ambiental traz implicações complexas e polêmicas, como a produção e a comercialização dos produtos geneticamente modificados. No Brasil, a questão ambiental passou a ter relevância jurídica, pois o direito de viver num ambiente ecologicamente equilibrado foi erigido à categoria de Direito Humano Fundamental pela Constituição Federal de 1988. Neste sentido, enfatiza-se um dos princípios fundamentais do Direito Ambiental, mais especificamente o princípio da precaução, com o intuito de analisar a incorporação destes no ordenamento jurídico e sua aplicabilidade frente ao desafio de proteger o meio ambiente em que vivemos.

Palavras-chave: Meio Ambiente – Homem – Participação – Efetividade – Princípio da Precaução –Responsabilidade.


1. DEFINIÇÃO

O direito ambiental, entendido sob o prisma de uma ciência dotada de autonomia científica, apesar de seu caráter interdisciplinar, obedece, na aplicação de suas normas, a princípios específicos de proteção ambiental. Neste sentido, os princípios que informam o direito ambiental têm como escopo fundamental proteger o meio ambiente e, assim, garantir melhor qualidade de vida a toda coletividade.

No entender de Rehbender "os princípios guardam a capacidade quando compreendidos como princípios gerais de influenciar a interpretação e a composição de aspectos cinzentos do direito ambiental." (apud DERANI, 1997, p. 156). Ou seja, os princípios são o alicerce do direito ambiental, que contribuem para o entendimento da disciplina e, principalmente, orientam a aplicação das normas relativas à proteção do meio ambiente.

Salienta-se, no que concerne à importância dos princípios, a lição de Canotilho, ao destacar que a utilidade dos mesmos reside: 1) em serem um padrão que permite aferir a validade das leis, tornando inconstitucionais ou ilegais as disposições legais ou regulamentadoras ou atos que os contrariem; 2) no seu potencial como auxiliares da interpretação de outras normas jurídicas; e 3) na sua capacidade de integração de lacunas (apud MORATO LEITE, 2000, p. 47).

Não há como refutar que os princípios do direito ambiental são indispensáveis para a formulação de um Estado do ambiente, à medida que orientam o desenvolvimento e a aplicação de políticas ambientais que servem como instrumento fundamental de proteção ao meio ambiente e, conseqüentemente, à vida humana.

É mister dizer que os princípios do direito ambiental, adotados pela Constituição Federal, tiveram forte influência da doutrina alemã. Neste sentido, Correia destaca:

Seguindo de perto a doutrina alemã, poderemos dizer que o direito do ambiente é caracterizado por três princípios fundamentais: o princípio da prevenção (vorsorge prinzip), o princípio do poluidor-pagador ou princípio da responsabilização (verursacher prinzip) e o princípio da cooperação ou da participação (koopegrotions prinzip). Estes três princípios estão condensados, ao lado de outros, no código 3º da Lei de Bases do Ambiente e estão presentes em várias disposições. (apud MUKAI, 1998, p. 35).

Não obstante a importância de todos os princípios do direito ambiental, é preciso destacar que o princípio da precaução se constitui no principal norteador das políticas ambientais, à medida que este se reporta à função primordial de evitar os riscos e a ocorrência dos danos ambientais. Entretanto, a efetivação do referido princípio pressupõe a aplicação do princípio do poluidor-pagador, porque há de se considerar que os danos ambientais verificados devem, necessariamente, ter seus autores identificados, a fim de responsabilizá-los pelos seus atos.

Assim, far-se-á referência ao princípio da precaução e também do poluidor-pagador, visando a demonstrar que os mesmos propiciam a viabilização do desenvolvimento de políticas ambientais necessárias ao cumprimento da tarefa de proteger o meio ambiente. Reitera-se, entretanto, que a eficácia das medidas que objetivam a preservação do meio ambiente depende da aplicação dos princípios acima referidos, os quais devem estar, necessariamente, articulados com os demais princípios que norteiam o direito ambiental.


2. O PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO

É pacífico entre os doutrinadores que o princípio da precaução se constitui no principal orientador das políticas ambientais, além de ser a base para a estruturação do direito ambiental. Nesse sentido, diante da crise ambiental que relega o desenvolvimento econômico sustentável a segundo plano e da devastação do meio ambiente em escala assustadora, prevenir a degradação do meio ambiente passou a ser preocupação constante de todos aqueles que buscam melhor qualidade de vida para as presentes e futuras gerações.

Em que pese a recente preocupação no país com a aplicação do princípio da precaução, pode-se dizer que a Alemanha aborda o referido princípio desde 1970, na Declaração de Wingspread, juntamente com o princípio da cooperação e do poluidor-pagador. Assim, o doutrinador alemão Kloespfer afirma que "a política ambiental não se esgota na defesa contra ameaçadores perigos e na correção de danos existentes. Uma política ambiental preventiva reclama que as bases naturais sejam protegidas e utilizadas com cuidado, parciosamente." (apud DERANI, 1997, p. 165).

A Declaração de Wingspread aborda o Princípio da Precaução da seguinte maneira: "Quando uma atividade representa ameaças de danos ao meio ambiente ou à saúde humana, medidas de precaução devem ser tomadas, mesmo se algumas relações de causa e efeito não forem plenamente estabelecidos cientificamente." (www.fgaia.org.br/texts/t-precau, tradução de Lúcia A. Melin).

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No direito positivo brasileiro, o princípio da precaução tem seu fundamento na Lei de Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938, de 31/08/1981), mais precisamente no artigo 4, I e IV, da referida lei, que expressa a necessidade de haver um equilíbrio entre o desenvolvimento econômico e a utilização, de forma racional, dos recursos naturais, inserindo também a avaliação do impacto ambiental.

Salienta-se, que o referido princípio foi expressamente incorporado em nosso ordenamento jurídico, no artigo 225, § 1º, V, da Constituição Federal, e também através da Lei de Crimes Ambientais (lei 9.605/1998, art. 54, § 3º).

O artigo 225, § 1º, inciso IV da Constituição Federal expressa que:

Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

§ 1º – Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:

IV – Exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio do impacto ambiental.

Convém, a título de esclarecimento do conceito do princípio da precaução, citar Derani:

Precaução é cuidado. O princípio da precaução está ligado aos conceitos de afastamento de perigo e segurança das gerações futuras, como também de sustentabilidade ambiental das atividades humanas. Este princípio é a tradução da busca da proteção da existência humana, seja pela proteção de seu ambiente como pelo asseguramento da integridade da vida humana. A partir desta premissa, deve-se também considerar não só o risco eminente de uma determinada atividade, como também os riscos futuros decorrentes de empreendimentos humanos, os quais nossa compreensão e o atual estágio de desenvolvimento da ciência jamais conseguem captar em toda densidade [...]. (1997, p. 167).

Dessa forma, o princípio da precaução implica uma ação antecipatória à ocorrência do dano ambiental, o que garante a plena eficácia das medidas ambientais selecionadas. Neste sentido, Milaré assevera que "Precaução é substantivo do verbo precaver-se (do latim prae = antes e cavere = tomar cuidado), e sugere cuidados antecipados, cautela para que uma atitude ou ação não venha resultar em efeitos indesejáveis." (apud MIRRA, 2000, p. 62).

Observe-se que a consagração do princípio da precaução no ordenamento jurídico pátrio representa a adoção de uma nova postura em relação à degradação do meio ambiente. Ou seja, a precaução exige que sejam tomadas, por parte do Estado como também por parte da sociedade em geral, medidas ambientais que, num primeiro momento, impeçam o início da ocorrência de atividades potencialmente e/ou lesivas ao meio ambiente. Mas a precaução também atua, quando o dano ambiental já está concretizado, desenvolvendo ações que façam cessar esse dano ou pelo menos minimizar seus efeitos.

Nesta linha de pensamento, Machado nos ensina que:

A precaução age no presente para não se ter que chorar e lastimar o futuro. A precaução não só deve estar presente para impedir o prejuízo ambiental, mesmo incerto, que possa resultar das ações ou omissões humanas, como deve atuar para a prevenção oportuna desse prejuízo. Evita-se o dano ambiental através da prevenção no tempo certo. (2001, p. 57).

Não se pode olvidar que o princípio da precaução é o colorario do direito ambiental, devendo estar presente na legislação, assim como também na escolha das medidas ambientais adequadas a eventuais riscos para o meio ambiente ocasionado pela ação humana.

Frisando a importância da presença do princípio da precaução nas políticas ambientais, Kloepfer assevera que: "A política ambiental não se esgota na defesa contra ameaçadores perigos e na correção de dados existentes. Uma política ambiental preventiva reclama que as bases naturais sejam protegidas e utilizadas com cuidado, parciosamente." (apud DERANI, 1997, p. 165).

Verifica-se que a precaução abarca também uma melhor alocação dos recursos naturais, com a adoção de instrumentos eficazes no controle da utilização dos mesmos, dada a escassez de alguns bens naturais. Isso reforça a idéia de que "[...] a política ambiental não se limita à eliminação de danos ocorridos, mas sim, tem sustentáculo na proteção contra o risco, mesmo que simples." (MACIEL, www.faroljuridico.com.br/art.ambiental).

Acrescenta-se a esse panorama que a maior dificuldade na implantação do princípio da precaução é a resistência de alguns Estados em aplicar a legislação ambiental, devido ao fato de que as normas relativas ao meio ambiente implicariam estagnação da economia, o que, na verdade, não se concretiza, porque o que se propõe é a utilização de novas tecnologias que contribuam para a manutenção do equilíbrio ecológico sem prejuízo ao desenvolvimento.

Por tudo isso, afirma-se que o princípio da precaução é a base das leis e das práticas relacionadas à preservação do meio ambiente. É preciso, antes de tudo, se antecipar e prevenir a provável e/ou efetiva ocorrência de uma atividade lesiva, pois há de se considerar que nem todos os danos ambientais podem ser reparados pela ação humana. Hoppe assevera que "é uma precaução contra o risco, que objetiva prevenir já uma suspeição de perigo ou garantir uma suficiente margem de segurança da linha de perigo." (apud DERANI, 1997, p. 165).

Desse modo, a atuação do princípio da precaução não se constitui apenas num recurso contra a degradação do meio ambiente. Pelo contrário, sua significação compreende também a garantia da preservação da espécie humana e, conseqüentemente, uma melhor qualidade de vida para a coletividade.


3. O PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO x PREVENÇÃO

Na maioria dos documentos anteriores à declaração do Rio de Janeiro, preponderava o termo prevenção em vez de precaução. E apesar dos referidos termos apresentarem significados semelhantes, é preciso fazer uma distinção entre ambos para que se possa entender de forma correta o princípio da precaução.

É oportuno detalhar que a Constituição Brasileira não faz uma distinção propriamente dita entre a expressão prevenção e precaução, e as utiliza quase como sinônimas. O que se tem, no Brasil, são diferenciações entre os referidos termos por parte de doutrinadores, como Machado e Morato Leite.

Dessa forma, segundo Machado,

No princípio da prevenção previne-se porque se sabe quais as conseqüências de se iniciar determinado ato, prosseguir com ele ou suprimi-lo. O nexo causal é cientificamente comprovado, é certo, decorre muitas vezes até da lógica.

No princípio da precaução previne-se porque não se pode saber quais as conseqüências que determinado ato, ou empreendimento, ou aplicação científica causarão ao meio ambiente no espaço e/ou no tempo, quais os reflexos ou conseqüências. Há incerteza científica não dirimida (www.ecoambiental.com.br/ principal/principios).

Nesta acepção, o princípio da precaução reforça a idéia de que os danos ambientais, uma vez concretizados, não podem, via de regra, ser reparados ou, mais precisamente, não voltam ao seu estado anterior. Ao se destruir uma floresta, por exemplo, mesmo que o homem faça o reflorestamento, a nova floresta não apresentará as mesmas características da primitiva.

Assim afirma Canotilho:

Comparando-se o princípio da precaução com o da atuação preventiva, observa-se que o segundo exige que os perigos comprovados sejam eliminados. Já o princípio da precaução determina que a ação para eliminar possíveis impactos danosos ao ambiente seja tomada antes de um nexo causal ter sido estabelecido com evidência científica absoluta. (apud MORATO LEITE, 2000, p. 48).

Além disso, o princípio da precaução está diretamente ligado à atuação preventiva. Ambos objetivam proporcionar meios para impedir que ocorra a degradação do meio ambiente, ou seja, são medidas que, essencialmente, buscam evitar a existência do risco.

Entretanto, o princípio da precaução é prioritariamente utilizado quando o risco de degradação do meio ambiente é considerado irreparável ou o impacto negativo ao meio ambiente é tamanho que exige a aplicação imediata das medidas necessárias à preservação.

Já a atuação preventiva é o ponto central do direito ambiental, e se traduz numa frase do senso comum: "Mais vale prevenir do que remediar." (MORATO LEITE, 2000, p. 52). Ou seja, a degradação do meio ambiente deve ser evitada antes de sua concretização e não apenas combater e/ou minimizar os efeitos dessa degradação.

No panorama do direito estrangeiro, a União Européia faz a seguinte distinção da expressão prevenção/precaução: prevenir significaria "evitar ou reduzir tanto o volume de resíduos quanto do risco" ("avaid or reduce both volume of waste and associateal hazard"), enquanto que precaucionar seria uma obrigação de interveniência quando há suspeitas para o meio ambiente ("obligation to intervene once there is supcionus to the enviromment"), devendo neste último caso ocorrer intervenção estatal em relação ao risco (SCHIMIDT, www.mp.rs.gov.br).

Desenhadas as distinções doutrinárias entre o termo prevenção e precaução, é importante mencionar que ambos têm um objetivo comum que é o de preservar o meio ambiente, exigindo para tanto, a atuação do Estado da organização de uma política de proteção do meio ambiente.


4. O PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO E A DECLARAÇÃO DO RIO DE JANEIRO

A Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro (1992) discutiu as medidas necessárias para que houvesse uma redução da degradação do meio ambiente, além de estabelecer políticas ambientais que conduzissem à efetiva concretização do desenvolvimento econômico sustentável.

Deste modo, o princípio da precaução encontra-se inserido nos Princípios 15 e 17 da Declaração do Rio de Janeiro, que expressam o seguinte:

Princípio 15: de modo a proteger o meio ambiente, o princípio da precaução deve ser amplamente observado pelos Estados, de acordo com suas capacidades. Quando houver ameaça de danos sérios ou irreversíveis, ausência de absoluta certeza científica não deve ser utilizada como razão para postergar medidas eficazes e economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental. (apud MACHADO, 2001, p.50).

Princípio 17: a avaliação do impacto ambiental, como instrumento internacional, deve ser empreendida para as atividades planejadas que possam vir a ter impacto negativo considerável sobre o meio ambiente, e que dependam de uma decisão de autoridade nacional competente. (apud AYALA, 2000, p.77).

Salienta-se que os princípios acima mencionados se fundamentam numa política ambiental preventiva, que busca a utilização racional dos recursos naturais e a identificação dos riscos e perigos eminentes, a fim de que seja evitada a destruição do meio ambiente. Para tanto, incumbe aos Estados nacionais, observar o princípio da precaução, que deve orientar as políticas ambientais adotadas, entretanto, torna flexível sua aplicação à capacidade de implementação de cada Estado.

É oportuno detalhar que a Declaração do Rio de Janeiro estabelece também a necessidade da avaliação do impacto ambiental, determinando que ao ser identificado ameaça de danos sérios ou irreversíveis, prescindindo, portanto, do critério da absoluta certeza científica, medidas ambientais eficazes devem ser tomadas a fim de preservar o meio ambiente.

Pontua-se que há discussão na doutrina quanto à imperatividade jurídica do princípio da precaução emanado da Declaração do Rio de Janeiro. Assim, apesar das declarações internacionais não apresentarem o caráter de obrigatoriedade para os países participantes, não sendo, portanto, vinculantes na ordem jurídica interna, é inegável que as declarações de princípios influenciam de forma significativa as ações desenvolvidas pelos Estados, do que se conclui que estes adotam, no direito interno, os princípios declarados (MIRRA, 2000, p. 64-65).

Nestes termos, o princípio da precaução, estabelecido pela Declaração do Rio de Janeiro, deve ser obrigatoriamente respeitado no ordenamento jurídico interno, como assenta Trindade: "os princípios oriundos das declarações internacionais são juridicamente relevantes e não podem ser ignorados pelos países na ordem internacional, nem pelos legisladores, pelos administradores públicos e pelos tribunais na ordem interna." (apud MIRRA, 2000, p. 65).

Deste teor, resulta que a partir da Declaração do Rio de Janeiro (1992), foi deflagrada a necessidade de preservar o meio ambiente, consolidando assim, a tomada da consciência ecológica. Neste sentido, o princípio da precaução, aprovado plenamente pelos países participantes da conferência supra mencionada, passou a incorporar o ordenamento jurídico brasileiro, e a orientar as políticas ambientais desenvolvidas. Ressalta-se que as Convenções Internacionais também se reportam ao princípio da precaução como diretriz das ações que envolvam o meio ambiente.


5. O PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO NAS CONVENÇÕES INTERNACIONAIS

É mister pontuar que as convenções ou tratados internacionais assinados pelos países participantes dos mesmos somente se tornam obrigatórias no Direito Interno a partir da ratificação pelo poder legislativo e da sua entrada em vigor. Esta posição é ressaltada por Seintenfus (1999, p. 40), quando enfatiza que para os Estados "o tratado significa, mais do que uma manifestação de soberania, o reconhecimento jurídico da existência de uma fonte de limitação de suas competências."

No que concerne ao Brasil, constata-se que a legislação ambiental recebeu influências de várias convenções e/ou tratados internacionais. Assim, a Convenção da Diversidade Biológica e a Convenção Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima, que foram devidamente assinadas, ratificadas e promulgadas pelo Brasil, abrigaram o princípio da precaução. Ambas as convenções estabelecem que o princípio da precaução deve objetivar a redução dos danos ambientais, prescindindo que seja demonstrada a certeza científica à efetividade do dano, para que sejam tomadas medidas cabíveis com vistas à solução ou pelo menos minimização do problema.

Entretanto, as duas Convenções abordam o princípio da precaução de modo diferente: enquanto que a Convenção da Diversidade Biológica exige apenas ameaça de sensível redução ou perda de diversidade ecológica, a Convenção Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima exige, no seu artigo 3o, que a ameaça de dano seja séria ou irreversível, além de se manifestar a respeito dos custos das medidas ambientais (MACHADO, 2001).

Ressalta-se que outras Convenções, como a Convenção de Paris para a Proteção do Meio Marinho do Atlântico Nordeste (1992), bem como a Segunda Conferência Internacional do Mar Morto, inseriram o princípio da precaução em seus textos. Da mesma forma, o Programa Comunitário de Ação em matéria de ambiente abordou o princípio da precaução, o que demonstra que este se constitui num dos pontos norteadores da política ambiental de prevenção dos riscos de degradação do meio ambiente.

A título de conhecimento, a Convenção de Paris para a Proteção do Meio Marinho do Atlântico Nordeste (1992) aponta que

[...] medidas de prevenção devem ser tomadas quando existam motivos razoáveis de se inquietar do fato de a introdução, no meio marinho, de substância ou energia, direta ou individualmente, poder acarretar riscos para a saúde humana, prejuízo aos recursos biológicos e aos ecossistemas marinhos, representar atentado contra os valores de lazer ou entravar outras utilizações legítimas do mar, mesmo se não existam provas indicando relação de causalidade entre as causas e efeitos. (apud MACHADO, 2001, p. 53-54).

Ademais, o princípio da precaução foi inserido no direito francês, em 1995, que o definiu como o princípio:

[...] segundo o qual a ausência de certezas, levando-se em conta os conhecimentos científicos e técnicos do momento, não deve retardar a adoção de medidas efetivas e em exata proporção que visem prevenir um risco de prejuízos graves e irreversíveis ao meio ambiente a um custo economicamente aceitável (GODARD, www.ambfrance.org.br).

Não há como refutar que a legislação ambiental interna do Brasil, como também de outros países, tem sua política fundamentada no princípio da precaução. Mas outros princípios, como o da responsabilidade ambiental, também foram inseridos nos textos dos tratados e/ou convenções, o que nos leva a reiterar que esses têm influência direta no ordenamento jurídico interno do Brasil.

Sobre a autora
Silvana Brendler Colombo

Advogada, especialista em direito ambiental e mestranda em direito pela UCS-Universidade de Caxias do Sul

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COLOMBO, Silvana Brendler. O princípio da precaução no Direito Ambiental. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 494, 7 nov. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5879. Acesso em: 22 nov. 2024.

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