2. Conclusão
Pelo exposto neste trabalho, conclui-se que o princípio da proteção da confiança é de notável importância para a limitação da atuação administrativa no que concerne à revisão dos atos administrativos, tendo em vista, principalmente, o anseio jurídico natural pela estabilidade das situações amparadas pelo Direito.
Nesse sentido, rejeita-se a hipertrofiada utilização do princípio da legalidade como superior, a priori, aos demais princípios. Embora seja certo que o Poder Público deve atender aos pressupostos legais na sua atuação, a legalidade deve ser cotejada com os demais princípios constitucionais, entre eles a segurança jurídica, da qual decorre o princípio da proteção da confiança, com o objetivo de conferir a máxima efetividade às normas constitucionais, incluídas aqui as regras, os princípios e os postulados.
Com efeito, a ponderação entre legalidade e proteção da confiança já foi realizada pelo legislador federal quando da edição da Lei nº 9.784/99, em especial através do seu art. 54, ao propor o prazo decadencial como instrumento de concordância prática entre esses dois princípios. Desse modo, antes dos cinco anos contados ou da edição do ato administrativo ou da percepção do primeiro pagamento, nos casos de atos com efeitos patrimoniais contínuos, a Administração tem o dever de anular o ato em desconformidade com a lei. Por outro lado, presentes os requisitos da boa-fé do destinatário, da conduta ampliativa e transcorrido o prazo decadencial de cinco anos, a situação estará estabilizada, razão pela qual não há mais falar em potestade anulatória da Administração, salvo a hipótese de ter antes investido contra a própria conduta viciada (art. 54, §2º, Lei 9.784/99).
Com relação aos atos inconstitucionais, constatou-se que não se lhe aplica o prazo previsto no art. 54 da Lei nº 9.784/99, posicionamento assente na jurisprudência tanto do STF como do STJ, tendo em vista a afirmação do princípio da supremacia da Constituição. Desse modo, prazo estipulado por mera lei ordinária não poderia sanar afronta direta à Constituição, de hierarquia superior.
Já com relação aos atos editados antes da vigência da Lei de Processo Administrativo Federal, conclui-se que o início da contagem do prazo decadencial deveria iniciar desde a edição do ato, em razão do princípio constitucional implícito da segurança jurídica; todavia, é pacífico na jurisprudência do STJ o entendimento segundo o qual o início da contagem ocorre a partir da data de início da vigência da lei, qual seja, 29 de janeiro de 1999.
Por último, a partir análise do caso concreto proposto, relativo ao ato de concessão de aposentadoria ou pensão, discorda-se do posicionamento majoritariamente adotado pelos principais tribunais do País, segundo o qual o referido ato seria classificado como complexo, de modo que só estaria perfeito a partir do registro da concessão pelos Tribunais de Contas, formalidade que pode durar mais de cinco anos para ser realizada, como a prática dos tribunais vem demonstrando.
Para este autor, o ato de concessão deveria ser classificado como composto, razão pela qual o registro pelos Tribunais de Contas é ato acessório e autônomo, já que consiste em mero controle de legalidade, no qual se analisa a existência dos pressupostos de fato e direito para a elaboração do ato. Assim, antes desse registro, o ato já existe e surte todos os seus efeitos, como a percepção de proventos em vez de vencimentos e a vacância do cargo do servidor aposentado.
Nesse sentido, o início da contagem do prazo decadencial deve ocorrer a partir da percepção do primeiro pagamento, já que a aposentadoria ou a pensão têm efeitos patrimoniais contínuos. Em arremate, caso haja atraso no pagamento da primeira prestação por motivo imputado ao Poder Público, deverá ser desconsiderado o §1º, do art. 54, da Lei nº 9.784/99, aplicando-se, subsidiariamente, o disposto no caput.
Referências
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Notas
[1] Ver também, com o mesmo entendimento: AgRg no REsp 1092202 / DF; AgRg no RMS 25979 / GO; AgRg no REsp 1261695 / SC; AgRg no Ag 1384939 / SP.
[2] O que seria a própria subversão da tese aqui defendida, visto que a existência do prazo decadencial, como corolário do princípio da proteção da confiança, deve estar, por óbvio, a serviço da segurança jurídica e, consequentemente, do Estado de Direito.
[3] É preciso observar que a decadência se coloca em face do administrado (em seu favor), no que diz respeito à Lei 9.784/99 (art. 54), beneficiando-o dentro dos requisitos dispostos. De outra parte, a prescrição se coloca contra ele, administrado, quando, precisando agir em tempo hábil para discutir direito/crédito seu em face da Fazenda Pública, nos termos do art. 1º do Decreto 20.910/32, sujeita-se ao prazo de cinco anos (Nesse sentido, ver REsp 1400282 / SP; AgRg no REsp 1384835 / RS; AgRg no REsp 1375450 / DF).
Art. 1º As dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, bem assim todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda federal, estadual ou municipal, seja qual for a sua natureza, prescrevem em cinco anos contados da data do ato ou fato do qual se originarem. (BRASIL, 1932)
[4] Em sentido contrário, ver FREITAS, Juarez. Dever de motivação, de convalidação e de anulação: deveres correlacionados e proposta harmonizadora. Revista Interesse Público. Porto Alegre, n. 16, out./dez. 2002.
[5] Art. 103-A. O direito da Previdência Social de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os seus beneficiários decai em dez anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé. (BRASIL, 1991, grifo nosso)
[6] Nesse sentido, ver: AgRg no REsp 1268266 / RN; AgRg no AREsp 214237 / RN; AgRg no REsp 1294424 / RN; AgRg no REsp 1282972 / RN; AgRg no REsp 1282972 / RN; AgRg no REsp 1129833 / RS.
[7] O art. 70 da Lei nº 9.784/99 dispõe: “Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação” (BRASIL. 1999).
[8] Insiste-se na ressalva observada do prazo decadencial mais amplo de que trata a Lei 8.213 (art. 103-A) para a revisão de benefícios oriundos do Regime Geral de Previdência Social.
[9] Ver MS 18671 / DF; MS 15433 / DF; e MS 17224 / DF.
[10] No mesmo sentido: MS 18606 / DF; MS 19278 / DF; MS 18714 / DF; e MS 19448 / DF.
[11] Na mesma linha, ver o MS 28279 / DF.
[12] Notadamente pela experiência prática deste autor como estagiário da Procuradoria da República no Estado do Ceará, PR/CE, auxiliando na elaboração de pareceres em mandado de segurança. Além disso, a recorrência da matéria é atestada também por diversos julgados do STF (ver MS 30830 AgR / DF; MS 28711 AgR / DF; MS 27746 ED / DF; MS 24781 / DF) e do STJ (ver, por exemplo, AgRg no RMS 33930 / PA; AgRg no AREsp 200872 / SC; AgRg no REsp 1284915 / SC).
[13] Também com o auxílio dos Tribunais de Contas Estadual ou Municipal, se houver, tendo em vista que a Constituição de 1988, no art. 31, vedou a criação de Tribunais, Conselhos ou órgãos de Contas Municipais, restando apenas os que já existiam antes da promulgação da Carta Magna.
[14] A Lei nº 8.112/90, que regula o regime jurídico dos servidores públicos civis no âmbito federal, assim dispõe em seu art. 33, VII:
Art. 33. A vacância do cargo público decorrerá de: [...]
VII - aposentadoria;
[15] Ver ainda, na jurisprudência do STJ: RMS 30785 / RS; AgRg no REsp 1239282 / SC; AgRg no REsp 1233820 / RS; EDcl no REsp 1187203 / DF.