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A função sancionatória da responsabilidade civil.

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Agenda 30/06/2017 às 08:23

V. O DANO MORAL E A RESPONSABILIDADE CIVIL RESSARCITÓRIA.

O que era meramente econômico ficou para trás. A proteção apenas ao patrimônio deixou de ser suficiente para atender aos anseios da sociedade. As relações que antes eram vistas apenas a partir de um singelo ponto de vista passou a ser observado por um caleidoscópio de novas cores. Efetivamente, os direitos da personalidade não podem ser deixados de lado.

Com a inserção da ofensa aos direitos da personalidade no âmbito da proteção advinda da responsabilidade civil, percebeu-se que tais direitos eram atacados num patamar muito maior do que se imaginava. Inúmeros “novos danos” foram observados o que acabou por resultar num volume muito maior de indenizações arbitradas pelo Poder Judiciário.

Ocorre que, exatamente, neste quesito da quantificação é que surge novos problemas que colocam em xeque a função meramente ressarcitória dos danos morais. O principal ponto de questionamento, a partir de então, resumia-se em saber o que ressarcir: quanto vale a honra de uma determinada pessoa? E a do seu vizinho? O mesmo valor? Como retornar ao status quo ante mediante o pagamento de um valor em pecúnia? Seria então possível afirmar que pagamento de determinado valor eliminava os prejuízos decorrentes de ofensa a direitos da personalidade?

Tais questões tormentaram – e ainda continuam a causar transtornos – os estudiosos mais clássicos da responsabilidade civil. Aquele pensamento antes incólume do seu caráter restituitório passava a ruir diante dos olhos da sociedade jurídica brasileira.

Já que não dá para ressarcir uma ofensa a um direito tão caro quanto os da personalidade, a jurisprudência e a doutrina passou a utilizar a expressão “compensatório”. A responsabilidade civil, portanto, decorrente, de ofensa ao complexo de direitos extrapatrimoniais do sujeito resultaria não numa restituição – até por conta da impossibilidade -, mas sim numa compensação. O sujeito agressor era obrigado a pagar ao ofendido uma quantia em dinheiro para compensar o seu comportamento abusivo.

Usa-se a expressão “compensatórios” para qualificar uma responsabilidade civil que não encontra perfeita adequação com a linha de pensamento originária. Já que não é possível haver a reintegração à situação jurídica anterior e, também, não de pode deixar sem efetividade o princípio do nemen leadere, a indenização pecuniária decorrente dos danos morais teriam essa singela eficácia, qual seja, compensar pelo prejuízo experimentado.

A quantificação do dano moral sempre se apresentou como uma grande interrogação no desenvolvimento da matéria. Muitos se questionam sobre a possibilidade de assegurar tal medida ao julgador de forma exclusiva. Isso, portanto, acabaria por conduzir a uma flagrante insegurança jurídica já que não se saberia o valor de uma futura condenação decorrente desta responsabilidade civil.

O caráter compensatório dos danos morais, desenvolvido pela doutrina clássica, tornava esse temor mais suportável, na medida em que conduz a um entendimento de que o valor a ser arbitrado pelo Juiz não deveria ser muito grande a ponto de ultrapassar, ou até mesmo atingir o valor máximo a ser conferido pela ofensa a, por exemplo, imagem da pessoa. Seguindo esta linha de raciocínio, ao compensar, deveria o Julgador apenas conceder um montante para que a ofensa não restasse incólume.

Em sua obra, Rodolfo Pamplona Filho e Pablo Stolze Gagliano sustentam a ideia de que, para os danos morais, aplica-se a reparação e não a indenização. Isso porque, enquanto a segunda agrega uma ideia de ressarcimento do prejuízo causado ao ofendido em razão de descumprimento de obrigação contratual ou prática de ato ilícito, a primeira é acompanhada pelo sentido de compensação pelo dano sofrido no sentido de atenuar as consequências oriundas da lesão.

Quando a vítima reclamar a reparação pecuniária em virtude do dano moral que recai, por exemplo, em sua honra, nome profissional e família, não está definitivamente pedindo o chamado pretio doloris, mas apenas que se lhe propicie uma forma de atenuar, de modo razoável, as consequências do prejuízo sofrido, ao mesmo tempo em que pretende a punição do lesante.[22]

É facilmente observável na doutrina do STJ a utilização da expressão “compensatório” para justificar o valor da indenização por danos morais. O Ministro Edson Vidigal, por exemplo, quando da relatoria do Resp. 239973/RN, em 16.05.2000 afirmou que:

A jurisprudência é unânime em remeter ao prudente arbítrio judicial a fixação do quantum para a composição do dano, no que o regimento positivo não reconhece quaisquer restrições ou limitações, haja vista a determinação constitucional no sentido de que a indenização respectiva seja proporcional ao agravo e a inexistência de balizamento ali preestabelecidos (CF, art. 5º, V e X).

[…]

A indenização, nestes casos, não visa reparar, no sentido literal ,a dor, a alegria, a honra, a tristeza ou a humilhação; são valores inestimáveis, mas isso não impede que seja precisado um valor compensatório, que amenize o respectivo dano. Prudente, desta forma, seja fixada com base me elementos informativos como a gravidade objetiva do dano, a personalidade da vítima, sua situação familiar e social, a gravidade da falta, ou mesmo a condição econômica das partes.[23]

Pede-se desculpas àqueles que defendem este ponto de vista, mas afirmar que o dano moral tem apenas um aspecto compensatório espelha uma noção muito próxima à esmola; a algo diminuto sem qualquer preocupação, na realidade, com a preciosidade dos direitos ofendidos. Estar-se-ia, então, diante de uma crise do sistema da responsabilidade civil.

Muitos autores passam a sustentar este fato, ou seja, a inserção do dano moral no sistema brasileiro acabou por resultar numa guinada de fundamentos para a responsabilidade civil. Seria necessário abandonar a linha de pensamento anteriormente existente para costurar novos caminhos, ou, como afirma Giselda Hironaka,

Se o caso for o de observar um horizonte histórico de responsabilidade civil, este instituto contemporâneo é um instituto que hoje, exige uma reformulação de concepção e clama por uma concepção ético-política, vale dizer uma concepção que vá além da sua singela compreensão dogmática ou burocrática. A compensação e a reparação,  porque são formas concebidas contemporaneamente para o reequilíbrio da vida social, não podem simplesmente procurar restabelecer um mesmo estado anterior de pouca cidadania. Clama também por obrigação e responsabilidade civil, mas pode – ou melhor, deve – fazer da responsabilidade civil um instrumento para garantia de direitos sociais e de exercício de direitos civis por todos os cidadãos, inclusive o direito à propriedade.

Se, todavia, se pretender apenas considerara responsabilidade civil como um simples instituto jurídico – que pode simplesmente ser reduzido à condição de ser uma garantia da propriedade – certamente a sociedade brasileira poderá deixar de contar com mais uma excepcional vertente endereçada a uma substancial alteração de uma cultura de violência e de exclusão social.”[24]

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Simpático a este pensamento, Humberto Theodoro admite que aquele mal causado, por exemplo, ao nome, à intimidade, à honra, ou seja, ao patamar mais íntimo da pessoa, é irreversível. A indenização, portanto, é uma contraprestação com bordas muito mais amplas do que a restituição. Nela, pode ser inserida a atualização do valor do bem no transcorrer do tempo e outros montantes destinados a situações economicamente impossíveis de ser auferidas[25].

Claro se torna que restituição diz respeito a uma forma de sanção imposta pelo ordenamento jurídico exclusivamente sobre os danos patrimoniais, uma vez que é absolutamente impossível sua verificação na seara dos danos extrapatrimoniais. Apesar de alguns autores[26] aduzirem a possibilidade de uma prestação in natura para os danos morais – o exemplo da retratação em caso de notícia inverídica –, entende-se que a expressão com melhor técnica a ser aplicada seja “indenização”, para tratar dos danos morais. Diz-se isso porque, conforme já foi explanado, esta expressão não agrega uma ideia de retorno ao status quo como é conduzido o leitor ao mencionar reparação.

Esta barreira a uma mera restituição da situação anterior começou a trazer certa inquietação a parte da doutrina que buscou em sistemas alienígenas a possibilidade de assegurar uma maior efetividade para a responsabilidade civil quando se fala em danos morais. O mais disseminado atualmente é oriundo do direito americano e trata do punitive damages.


VI. MESMO SEM PUNITIVE DAMAGE, A INDENIZAÇÃO É PUNITIVA.

Como mencionado acima, a identificação do dano moral, atualmente, passa por dois grandes grupos de teóricos: aqueles que o considera como uma ofensa que resulte em dor, humilhação, tristeza, ou qualquer outro sentimento negativo; e outros pensadores que incluem os danos morais como ofensas diretas a direitos da personalidade e, por consequência, à proteção inerente a todo ser humano.

A existência de conceitos abertos e de uma carga subjetiva nos seus fundamentos faz com que o instituto da agressão a bens imateriais apresente-se como uma boa oportunidade para tentativas de estipulação de parâmetros disforme com os objetivos desejados. A cada dia, torna-se mais rotineira nos corredores dos fóruns e na comunidade jurídica a utilização deste instituto distorcendo-o da sua verdadeira funcionalidade, o que acarreta no seu completo descrédito social.

Certamente, influenciado por seguimentos que tentam divulgar a ideia de que a agressão por dano moral decorre necessariamente em pagamento de valores astronômicos, muitas pessoas passam a pleitear este suposto direito em situações que não devem ser cotejadas. São embaraços, aborrecimento e outros pequenos constrangimentos corriqueiros e cotidianos que são trazidos para as salas de audiência, abarrotando ainda mais a prestação muitas vezes ineficiente do Estado.

Baseado nesta rotina, começam a surgir posicionamentos que defendem a mitigação na sua aplicação em decorrência de uma suposta “industrialização do dano moral”. O insuperável J. J. Calmon de Passos figura como um dos adeptos dessa corrente ao afirmar que:

assim sendo, é da própria essência do dano esse acréscimo de desconforto e quebra de normalidade em nossa vida. Será este o dano moral indenizável? (...) Seriam eles não danos morais, sim um consectário inerente a todo dano material, devendo ser estimados em função desses mesmo danos materiais.” (...) “Para ressarcir esses danos, deveríamos ter ao menos a decência ou a cautela de exigir a prova da efetiva dor do beneficiário, desocultando-a.” (...) “Não se indaga se aquele que se enche de furor ético porque teve recusado um cheque de sua emissão teve, por força disso, forte abalo emocional, ou é simplesmente um navegador esperto no mar de permissividades e tolerância que apelidamos de ousadia empreededora.[27]

É inegável que a Constituição Federal sepultou de vez a discussão antes existente acerca da possibilidade de mensuração econômica dos danos não-patrimoniais. Abriu-se, então, um leque de possibilidades, que aliado à facilitação do acesso à Justiça, gerou um volume nunca antes esperado de ações.

Nesta esteira, em artigo publicado no site Consultor Jurídico, o advogado Marcelo Di Rezende Bernardes noticia que no Estado de Goiás os juízes afirmam que “o número de processos de indenização por danos morais cresceu tanto que são chamados de ‘batatas fritas’, pois veem como acompanhamento de ações na Justiça”[28]. Da mesma forma, o “boom” também ocorre nas ações consumeristas, onde, sob o manto da condição de “parte mais frágil” na relação jurídica muitos consumidores possuem a errônea ideia de que qualquer desvio por parte do empresário, por menor que seja, deriva numa agressão a direitos imateriais.

No Brasil há uma forte resistência quando se fala na aplicação do punitive damages – também denominado no direito pátrio como “teoria do desestímulo”[29]. Os que apresentam posicionamento contrário afirmam que se trata de um mecanismo de enriquecimento sem causa e que a chancela deste mecanismo de cálculo irá transformar o Poder Judiciário numa loteria que resultará, como consequência direta, num incremendo desenfreado de novas demandas e, indiretamente, no estabelecimento de uma sociedade ávida por danos e numa insegurança judicial sem precedentes.

Asseguram que a responsabilidade civil não pode ultrapassar o patamar meramente ressarcitório. O objetivo deste instituto é apenas restituir o ofendido, quando possível, ao seu status quo ante e não viabilizar qualquer tipo de ganho pecuniário, sob pena de se chancelar o enriquecimento sem causa.

O STJ, por exemplo, apesar de usar, em diversos casos, a expressão “desestímulo”, não permite a incidência de uma indenização em valores elevados, capazes de, efetivamente, desestimular o ofensor. Há, inclusive, publicações em sites especializados[30] que apontam para uma espécie de tabelamento tácito dos valores arbitrados à título de danos morais por aquele Tribunal.

Tanto cuidado na quantificação, por sua vez, não vem se apresentando quando se fala na própria incidência do dano moral. Ainda que se adote o caráter misto a partir da mescla das duas teorias, verifica-se que a jurisprudência tem utilizado o dano moral como uma forma de punição para algumas práticas que, na estrita análise do instituto não resultaria em qualquer adequação com os meandros do dano moral.

Um dos exemplos que pode ser citado no presente caso versa sobre o atraso na entrega de produtos adquiridos. A partir de uma pesquisa jurisprudencial, é possível perceber que pouco importa qual o produto, podendo ser desde uma simples compra via internet a aquisição de um veículo. Em caso de demora no recebimento do bem pelo adquirente, este último deverá ser indenizado por danos morais.

No curso desta pesquisa, encontrou-se decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul na qual o Desembargador Marcelo Cezar Muller, ao Relatar a Apelação Cível 70050678507, reconheceu o dever de uma empresa que vendia produtos via Internet em indenizar por danos morais a sua cliente em razão do atraso na entrega do bem por ela adquirido sob a justificativa de que:

Com efeito, a conduta que submete outrem à situação incômoda deixa de ser um mero dissabor tolerável da vida cotidiana e passa a configurar dano de ordem moral, passível de compensação civil pela via indenizatória. Nesse momento, cumpre divagar sobre a funcionalização dos institutos do direito privado, especialmente no que respeita à função social do dano moral. A reparação do dano moral deve ter escopo compensatório e pedagógico, com o intuito de não apenas compensar a vítima do dano, mas de punir o ofensor que deu causa.[31]

Em outro acórdão do mesmo Tribunal, o Desembargador Leandro Raul Klippel reconheceu o direito a perceber danos morais a uma consumidora que adquiriu um veículo e a empresa demorou para entregar o bem. Segundo o Relator, o dano moral foi decorrente do tratamento conferido à esta consumidora que entrou em contato diversas vezes com a concessionária para saber do seu veículo, sem qualquer sucesso[32].

Mais interessante é o acórdão da Desembargadora Marta Borges Ortiz, também do Tribunal de Justiça Gaúcho que reconheceu o dever de indenizar de uma loja em razão do rompimento de um ziper do vestido da noiva minutos antes do início da cerimônia de casamento. Para justificar a sua decisão, a Relatora[33] afirmou que:

Embora se possa depreender que ambos tenham vivenciado situação de plena angústia junto à noiva, a eles não se pode conferir indenização, porquanto não participaram da relação contratual de aluguel, muito embora se presuma tenham contribuído e participado de todos os preparativos da cerimônia e da festa de casamento.

Ademais, a noiva foi quem utilizou o vestido com defeito, o qual permaneceu com o zíper aberto, sendo seguro – de modo precário - apenas por “joaninhas”, somente se podendo conferir a ela o sentimento de constrangimento, insegurança e tensão na data de seu casamento, quando as expectativas positivas para a data são extremas.

Outro exemplo que pode ser citado vem do Tribunal de Justiça de São Paulo que reconheceu o dever de indenizar de um determinado Shopping Center em razão da queda de um de seus clientes no estacionamento quando estava indo até o seu veículo. Segundo se observa no voto, o local onde o carro se encontrava estacionado era na área descoberta do abrigo de veículo e havia certa umidade no piso. Apesar disso, o estabelecimento comercial não providenciou a sinalização do local, o que acabou resultando na queda do seu cliente. Diante deste fato, o Desembargador Claudio Godoy assim concluiu:

Mas fato é que, no caso, esse defeito sem dúvida se evidenciou. Falhou a segurança, o cuidado ao réu afeto, corolários da boa-fé objetiva com que se deve portar, que permeia mesmo as relações de consumo (art. 4o, III, do CDC) e que, na sua função supletiva, dentre as várias que desempenha no sistema, cria os chamados deveres anexos ou laterais, que gravitam em torno da prestação principal e enriquecem o vínculo obrigacional, impondo às partes standard de conduta ética, cooperativa. São deveres de comportamento leal, em que se põe a segurança e o cuidado, a cautela que, na espécie, faltaram.

Sabida a contingência da umidade do piso do estacionamento do terceiro andar, porque descoberto, ao réu incumbia providenciar medidas de segurança e de prévio aviso aos consumidores, a fim de evitar acidentes tal qual o ocorrido. Aliás, são comuns, nessas hipóteses, e só para citar um exemplo, as placas indicativas de chão molhado, bem a denotar quão corriqueiras são providências de especial cautela e cuidado com que se trata o consumidor. Nada do que se comprovou na hipótese sucedido.[34]

Com isso, percebe-se, portanto, que o dano moral atualmente ganha contornos muito mais elevados do que uma mera indenização a título ressarcitório por um dano sofrido. Seu contorno permeia o caráter punitivo, a partir do momento em que se verifica a ocorrência da prática de um ato ilícito que não seja abrangido pelo dano material.

Tal situação é bastante evidente quanto se trata de perda de uma chance. A indenização prevista para este instituto – de origem francesa – é observada como dano moral. Ocorre, porém que, analisando os critério clássicos qualificadores do instituto, não se observa qualquer uma das teorias como justificadoras para a sua incidência.[35]

A perda de uma chance é um instituto introduzido no país a partir de estudos recentes dos pensadores da responsabilidade civil. Não é uma invenção brasileira, pois sua viabilidade já vem sendo observada pela jurisprudência estrangeira há tempos atrás.

A jurisprudência francesa foi a primeira a aponta neste sentido. Segundo afirma Rafael Peterffi da Silva, foi no século XIX que se registrou a ocorrência mais antiga acerca do tema quando a Corte de Cassação determinou o pagamento de indenização em face do comportamento de um oficial ministerial “que extinguiu todas as possibilidades de a demanda lograr êxito mediante o seu normal procedimento” [36].

No Brasil o tema ainda é observado com alguma reserva por certos tribunais. A sua aplicabilidade mostra-se bastante tímida, pois há um leque de exigências que devem ser necessariamente exauridas. Poucos são aqueles causídicos que buscam a incidência deste instituto para seus clientes. Porém, quando conseguem configura-lo pleitearão a indenização devida pelo agressor à título de danos morais.[37]

Ocorre que analisando a situação em questão, percebe-se que tal indenização por danos morais não abraça nenhuma das teorias ora em vigor no direito brasileiro. Ao estabelecer tal indenização, na realidade, o que se busca é um mecanismo para assegurar os prejuízos decorrentes daquela conduta. Trabalha-se, portanto, com uma espécie de dano futuro, no qual o sujeito agressor deverá arcar com prejuízos esperados ao ofendido em razão da sua conduta.

Esta conclusão é alcançada a partir da compreensão do conceito doutrinário quanto à perda de uma Chance que, segundo Sérgio Savi, “o termo perda de uma chance utilizados pelos franceses significa em sentido jurídico probabilidade de obter um lucro ou evitar uma perda. No vernáculo, a melhor tradução para o termo chance, seria, em nosso sentir, oportunidade.”[38]

Como se percebe, a teoria da perda de uma chance  - perte d'une chance -, tem como objetivo responsabilizar o agente causador de um dano. Ocorre que a doutrina qualifica este dano, não como sendo um dano emergente, ou um lucro cessante, pois neste caso estar-se-ia dentro do âmbito do dano material. Esta ofensa, na realidade, encontra-se num patamar intermediário entre ambos, ou seja, a quebra de uma probabilidade de uma situação mais favorável a ser alcançada caso o ilícito não houvesse sido praticado. É, portanto, um dano específico, com identidade própria.

Com isso quer-se deixar claro que, no caso da perda de uma chance, não há que se falar em, necessariamente, dor, sofrimento, ou ofensa a direitos da personalidade. Nestes casos, a jurisprudência tem utilizado o dano moral, como uma espécie de sanção ao agressor que privou o ofendido de uma expectativa de ganho. Por não ser um prejuízo material real, não se enquadra no âmbito do dano patrimonial, sendo, portanto guinado para a seara do dano moral.

Outro caso que demonstra que o caráter sancionatório está muito mais inserido no âmbito da responsabilidade civil do que se imagina foi noticiado há pouco tempo pelo site do STJ quando afirmou que uma determinada indústria automobilística tinha sido responsabilizada a pagar danos morais coletivos em razão de uma ação civil pública que o Ministério Público tinha ingressado sob a alegação de ocorrência de propaganda enganosa. É evidente que não há ai a representação de nenhuma das teorias, mas a demonstração de que o dano moral deve ser utilizado como um caráter sancionador.

Sobre o autor
Salomão Resedá

Mestre em Direito Privado pela Universidade Federal da Bahia - Ufba. Especialista em Direito Civil pela Fundação Faculdade de Direito - Ufba. Professor da Unifacs (Universidade Salvador). Assessor do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia. Autor de Livros.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RESEDÁ, Salomão. A função sancionatória da responsabilidade civil.: Uma nova realidade frente aos danos morais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5112, 30 jun. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/58851. Acesso em: 22 nov. 2024.

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