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A tópica em poucas palavras

Agenda 17/10/2017 às 13:30

Apresenta-se a tópica na história do direito privado moderno, resultado do estudo de técnicas práticas de aplicação da lei e do desenvolvimento do direito para a determinação dos fundamentos de uma decisão jurídica concreta.

A partir de uma apreciação das técnicas práticas de aplicação da lei e do desenvolvimento do direito pelos juristas, Theodor Wiehweg tentou (Topik u. Jurisprudenz – 1953, ed. Italiana tradução por Crifò; Topica e giusrisprudenza, Milano, 1962) determinar os fundamentos da decisão jurídica concreta.

Wiehweg viu nessas decisões soluções de problemas e ligou isto à teoria aristotélica do achamento (inventio) dos pontos de vista (topoi, loci) dos argumentos jurídicos na antiga retórica. A partir desse ponto, as verdades a-históricas do direito do anterior jusnaturalismo e os conceitos, regras, máximas e construções da tradição jurídica europeia aparecem como um thesaurus de apoio da discussão (de inventiones, no sentido da tópica aristotélica e ciceroniana), como observou Franz Wieacker (Historia do direito privado moderno, 2ª edição, pág. 690), cuja correspondência prática se baseia na verossimilhança, própria da teoria da probabilidade racional das soluções dos problemas continuamente experimentadas pela jurisprudência.

Fala-se que Aristóteles projetou um catálogo para todos os problemas possíveis, e Cícero, um que fosse o mais prático possivel. Há grande diferença entre os catálogos e os tópicos. Há topoi universalmente aplicáveis, sendo aplicados apenas aos problemas pensáveis e representam generalizações muito amplas, e há outros que são aplicáveis apenas a um determinado ramo, servem para determinado círculo de problemas. 

Aristóteles dizia que os tópicos ou lugares referentes a quantidades e graus comparativos devem ser tomados da forma mais geral possivel, porque, assim tomados, serão provavelmente mais úteis num número maior de casos. 

Ensinou  A. M. Moreira (Sobre a tópica, pág. 206) que, para Viehweg, a tópica é uma técnica de pensamento problemático, que parte de consensos gerais, bem como o procedimento de premissas para a solução de um determinado problema. 

Mas a tópica já se via desde o direito romano antigo, dentro do espírito prático dos juristas romanos que era voltado para mais a solução de problemas do que a esquematização de mecanismos. 

Daí porque se disse: a tópica é uma parte da retórica conceituada por Theodor Viehweg como uma “técnica de pensar problemas”.

Estamos no estudo dos chamados conceitos-chave.

No entendimento de Thomas da Rosa de Bustamante (Tópica e argumentação jurídica, Revista de Informação Legislativa, n. 163, jul/set., 2004, pág. 155), Viehweg volta suas atenções para a prática jurídica, formulando um esboço de teoria da razão prática que concebe o processo juridico-decisório como sendo um discurso racional. 

Para Viehweg, problema é toda questão que aparentemente permite mais de uma resposta e que requer necessariamente um entendimento preliminar, de acordo com o qual toma o aspecto de questão que há que se levar a sério e para qual há que se buscar uma resposta para a solução. O conjunto de deduções, pode ser chamado sistema, no qual infere uma resposta. A ênfase neste opera uma seleção de problemas. Já se for o acento no problema, este busca um sistema que sirva de ajuda para encontrar a solução. 

O problema procede de um nexo compreensivo já preexistente, que de início não se sabe se é um conjunto de deduções ou algo distinto. Não é possível perder de vista as implicações que existem entre o problema e o sistema. 

Dir-se-á que o mérito da tópica jurídica residiria na apresentação da possibilidade de ir-se buscar a discussão histórica dos problemas na atuação prático-social responsável dos juristas. As tais verdades jurídicas que são tantas vezes procuradas num plano que supera o histórico, nos limites da construção do direito.

A Tópica pode ser compreendida como a arte de argumentação mediante o uso de opiniões correntes na sociedade, com o fim de encontrar uma solução para um determinado problema.

A descoberta, então, de novos conhecimentos se faz pela dialética, consistente na argumentação fundada em conhecimentos aceitos pela sociedade oposta a contra-argumentações de modo a se chegar a um novo conhecimento.

Seria uma resposta trazida, após a segunda guerra mundial, ao positivismo jurídico, cujo maior expoente foi Kelsen, à luz de uma  teoria neo-racionalista, com base em Kant, na dogmática normativa. Era uma reação contra os excessos da norma,  como ato abstrato, imperativo, coativo e sancionativo, fato que ocorreu naquele período.

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Dizia Viehweg que a partir da premissa, vem a  seguinte definição do problema:

“Toda questão que aparentemente permite mais de uma resposta e que requer necessariamente um entendimento preliminar, de acordo com o qual toma o aspecto de questão que há que levar a sério e para a qual há que buscar uma resposta como solução. Isto se desenvolve abreviadamente do seguinte modo: o problema, através de uma reformulação adequada, é trazido para dentro de um conjunto de deduções, previamente dado, mais ou menos explícito e mais ou menos abrangente, a partir do qual se infere uma resposta. Se a este conjunto de deduções chamamos sistema, então podemos dizer que, de um modo mais breve, que, para encontrar uma solução, problema se ordena dentro de sistema" (1979, p. 34).  

A  tópica se caracteriza como uma forma de raciocínio que lida de modo pragmático com uma problemática, na medida em que sua validez não está imbricada numa lógica sistemático-dedutiva, mas sim na situação base da qual o discurso é proveniente (VIEHWEG, 1979, p. 102).

Esse o caráter próprio do pensamento tópico de ser elaborado em função de problemas.

Originada “[...] simultaneamente como uma teoria dos lugares comuns e como uma teoria da argumentação e dos raciocínios dialéticos” , a tópica provocou, a partir da década de 50, mudanças no direito, cujo instrumento utilizado para analisar os raciocínios jurídicos, até então, estava fixado no positivismo jurídico de método sistemático lógico-dedutivo, como afirmou Margarida Camargo (Hermenêutica e argumentação: uma contribuição ao estudo do direito. 3.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004):

A lógica formal, de feição cartesiana, não dava mais resposta satisfatória à complexidade das questões jurídicas. Daí verificarmos, na filosofia do direito do século XX, toda uma tendência para se resgatar a antiga arte retórica dos gregos e a prática jurídica dos romanos, para construir um modelo de fundamentação mais condizente à legitimação judicial, visando a validez e a eficácia. 

O sistema jurídico deixaria de ser formal-positivo para ser material-tópico.

A validade das normas deixaria de ser universal e passaria a ser particular.

A normatização deixaria de ser “a priori” e passaria a ser “a posteriori”.

Viehweg resgata a forma tópico-problemática da antiguidade clássica como uma outra forma de fundamentar o raciocínio. Ele “reintroduz a argumentação como ferramenta do direito para a busca da decisão” (Eduardo Bittar e  Guilherme Assis de Almeida - Curso de filosofia do direito.2.ed., 2002, p.409).

A teoria tópica veio para romper com o método sistemático-dedutivo, com a lógica formal que interpreta o direito como um sistema fechado. Ela tem uma ideia contrária, interpreta o direito como um sistema aberto (não há certezas absolutas, nada é indiscutível), parte do simplesmente provável, de conhecimentos fragmentários, ou seja, seus pontos de partida são abertos para discussão, são tentativas eternas de compreensão. Lorenzetti apud Fiuza confirma: “O Direito não é um sistema meramente dedutivo, é sim um sistema dialético, orientado ao problema, é uma recompilação de pontos de vista sobre o problema em permanente movimento; é aberto e pragmático”, como explicou Cezar Fiuza (Direito Civil: curso completo, 10ª edição, pág. 109 a 110).

A tópica parte do reflexo para a reflexão, do específico para o geral, ou seja, a partir do problema encontra-se a solução da qual são retirados os fundamentos de validade. Além disso, a tópica se dirige para o problema e em razão deste. Viehweg acredita, que a tópica “é a forma adequada para o direito equacionar suas questões”, pois, para ele, o direito é “arte de pensar problemas”.

A tópica apresenta como características fundamentais: ser problemática; buscar e analisar premissas, tendo esta atividade como principal, já que para a tópica a ênfase recai nas premissas; e usar como argumentos iniciais do diálogo os topos ou lugares-comuns que consistem em ideias aceitas consensualmente e como uma grande força persuasiva. Manuel Atienza confirma:

Viehweg caracteriza la tópica como un ars inveniendi, como uma técnica del pensamiento problemático em la que el centro lo ocupa la noción de topos o lugar común. Ello significa que, para él, lo que importa em la argumentación jurídica no es la ars iudicandi, esto es, la técnica consistente em infrir unas proposiciones de otras [...], sino el ars inveniendi, el descubrimiento y examen de las premisas, em Derecho y argumentación, 2001, pág. 45).

A descoberta, então, de novos conhecimentos se faz pela dialética, consistente na argumentação fundada em conhecimentos aceitos pela sociedade oposta a contra-argumentações de modo a se chegar a um novo conhecimento.

É evidente que essa teoria traz riscos à segurança jurídica. Aliás, a própria proliferação de decisões antagônicas trará para a sociedade essa insegurança. Esse é o lado negativo posto contra a teoria que sai do formalismo positivo universal para o material e particular.

Segundo Canaris (Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do Direito. 2ª ed. Trad. portuguesa de A. Menezes Cordeiro. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1996.1996, p. 255), o uso da tópica seria impraticável na ciência jurídica tendo em vista o fato de ser atrelada à retórica. Para ele, é inadmissível a afirmação de que as premissas fundamentais são legitimadas através do interlocutor na conversa, uma vez que tais premissas hão de ser determinadas para os juristas através do direito objetivo, em especial através da lei.

Daí fala-se que o declínio da tópica se deu por causa do estatismo jurídico. 

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. A tópica em poucas palavras. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5221, 17 out. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/58853. Acesso em: 24 nov. 2024.

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