BAUMAN E A LIQUEFAÇÃO DA POLÍTICA
Bauman, que há muito se debruça sobre a problemática abordada pelo Presidente Uruguaio, José Mujica, denunciando a liquidez da sociedade moderna (que ele denomina de modernidade líquida, em oposição à modernidade sólida[30]).
Sobre a definição de modernidade, Hespanha expõe que pré-modernidade, modernidade e pós-modernidade são termos que representam temporalmente a compreensão do mundo humano no último milênio. Ele afirma, ademais, que a modernidade é o conceito chave que, por contraposição, fez surgir os outros dois (pré-modernidade e pós-modernidade:
Pré-modernidade, modernidade e pós-modernidade são termos correntes na teoria social contemporânea para designar – embora com indecisões e discrepâncias temporais e conceituais – grandes épocas de autocompreensão do mundo humano, pelo menos durante o último milênio. (...) interessa caracterizar (...) a modernidade, pois este é o conceito a partir do qual os outros surgiram, por contraste. A típica visão moderna do mundo é a de uma sociedade ordenada segundo um plano global, acessível, melhorável. O plano do mundo humano é, por isso, também um projeto humano, racional e otimista; embora, como coisa artificial, tenha de ser imposto. No plano intelectual, pela verdade da ciência. E, no plano político, pela vontade científica do Estado. (...) O modernismo é um progressismo, uma crença na modernização e na sua bondade. Sendo um progressismo, em que a história caminha num sentido certo, incorpora também a crença na possibilidade de conhecer o fim da história e os valores finais para que se evolui – o bem”. [31]
A metáfora da liquidez é assim explicada por Bauman:
'Fluidez' é a qualidade de líquidos e gases. O que os distingue dos sólidos, como a Enciclopédia britânica, com a autoridade que tem, nos informa, é que eles “não podem suportar uma força tangencial ou deformante quando imóveis” e assim “sofrem uma mudança de forma quando submetidos a tal tensão. [32]
Para Bauman, a liquidez é a principal metáfora para a compreensão e descrição do atual estágio da era moderna. Ele explica que os líquidos não gozam da estabilidade de que gozam os sólidos e, por isso, não mantém sua forma com facilidade. Enquanto os sólidos, por conta dessa estabilidade sofrem menos impacto do fluxo do tempo, “os fluídos não se atêm a qualquer forma e estão constantemente propensos à mudá-la; assim, para eles, o que conta é afinal o tempo, mais do que o espaço que lhes toca ocupar; espaço, afinal, que preenchem apenas por um momento”[33].
O autor sugere que o projeto moderno foi, desde o começo, um processo de “liquefação”, de “derretimento dos sólidos”. Segundo Bauman, o pensamento moderno enxergaria a sociedade moderna como sofredora de uma estagnação crônica, uma solidez patológica (aqui em nítida referência a “primeira modernidade”); o “espírito” para poder ganhar o atributo de “moderno”, segundo Bauman, deveria almejar a emancipação da realidade da “mão morta” da história, o que só poderia ser feito derretendo os sólidos (que por definição gozam de estabilidade maior e, por isso, são menos afetados pela passagem do tempo).
A tarefa de derretimento dos sólidos impunha o destronamento do passado e da tradição[34] – que representa o sedimento do passado no presente; “clamava pelo esmagamento da armadura protetora forjada das crenças e lealdades que permitiam que os sólidos resistissem à liquefação”[35].
A modernidade via a tradição, enquanto característica da pré-modernidade, com maus olhos; a pré-modernidade era vista como “arcaica”, “selvagem”, “tradicional”. A tradição seria uma das principais razões de as estruturas das sociedades pré-moderna repetirem-se, sem que houvesse uma intencionalidade, tal como os ambientes selvagens. As comunidade pré-modernas “São comunidades tradicionais, respeitadoras da ordem das coisas e dos tempos, avessas das mudanças aos projetos, a qualquer forma de engenharia social”[36].
E se inicialmente o desejo de liquefação dos sólidos se destinava à possibilitar a substituição dos antigos sólidos por novos - que não mais careceriam de substituição -, acabou por acarretar à progressiva libertação da economia das tradicionais amarras de ordem política, ética e culturais; levou à sedimentação de uma nova ordem[37], definida principalmente em termos econômicos.
Sobre essa nova ordem, Bauman traça a seguinte análise:
Essa nova ordem deveria ser mais “sólida” que as ordens que substituía, porque, diferentemente delas, era imune a desafios por qualquer ação que não fosse econômica. A maioria das alavancas políticas ou morais capazes de mudar ou reformar a nova ordem foram quebradas ou feitas curtas demais ou fracas demais, ou de alguma forma inadequadas para a tarefa. Não que a ordem econômica uma vez instalada, tivesse colonizado, reeducado e convertido a seus fins o restante da vida social; essa ordem veio a dominar a totalidade da vida humana porque o que quer que pudesse ter acontecido nessa vida humana tornou-se irrelevante e ineficaz no que diz respeito à implacável e contínua reprodução dessa ordem. (BAUMAN, 2001, p. 11).
Nesse contexto, um dos principais paradoxos da sociedade líquida moderna é que, ao mesmo tempo que os subsistemas da nova ordem[38] foram (e hoje se definem por) liquefeitos e afrouxados, isoladamente ou em conjunto, o modo como são trançados rígido: “Essa rigidez é o resultado de 'soltar o freio': da desregulamentação, da liberalização, da 'flexibilização', da 'fluidez' crescente, do descontrole dos mercados financeiro, imobiliário e de trabalho (...)”[39] (BAUMAN, 2001, p. 11/12).
Bauman aponta, por fim, que a construção de uma nova e melhor ordem não está mais na agenda do domínio da ação política. O “derretimento dos sólidos” foi redirecionado a um novo alvo, a saber: “dissolução das forças que poderiam ter mantido a questão da ordem e do sistema na agenda política” [40].
Um dos maiores e mais inusitados problemas apontados por Bauman no contexto do forjamento dessa nova ordem se situa no âmbito da desintegração do espaço público, como lugar de encontro e discussão sobre problemas privados e questões públicas.
A DESINTEGRAÇÃO DO ESPAÇO PÚBLICO E O DIREITO AMBIENTAL
Para Bauman, se historicamente se viveu sob a ameaça de domínio e subjugação da vida privada pela esfera pública, o desafio contemporâneo é defender o domínio público, “ou, antes, reequipar e repovoar o espaço público que se esvazia rapidamente devido à deserção de ambos os lados: a fuga do 'cidadão interessado' e a fuga do poder real para um território que, por tudo que as instituições democráticas existentes são capazes de realizar, só pode ser descrito como um 'espaço cósmico'”[41]
No diagnóstico do sociólogo polonês, o espaço público passou a ser um lugar de socialização e compartilhamento das aflições privadas, sem que sejam abstratizadas suficientemente para se tornarem efetivamente questões públicas. O espaço público teria, assim, passado a ser o lugar em que se faz a confissão de segredos e intimidades privados [42].
Ainda para o autor, o aumento da liberdade individual coincidiria com o aumento da impotência coletiva, uma vez que as pontes entre o público e o privado vem sendo destruídas; “ou, colocando de outra forma, uma vez que não há maneira óbvia e fácil de traduzir preocupações pessoais em questões públicas, e, inversamente, de discernir e apontar o que é público nos problemas privados”[43].
Para Bauman, a arte da política democraticamente construída tem um aspecto dúplice, e quase paradoxal: deve ao mesmo tempo desmontar os limites da liberdade individual dos cidadãos e buscar a autolimitação: “libertar os indivíduos para capacitá-los a traçar, individual e coletivamente, seus próprios limites individuais e coletivos”[44].
Importa, ainda, recordar que, contemporaneamente, a maioria das decisões politicamente relevantes vem sendo tomadas longe do espaço público politicamente institucionalizado, sem que sejam controladas por instituições políticas democráticas. A desregulamentação aqui ganha destaque como uma das principais causas da apatia política e também como obstaculizadora de qualquer agenda política minimamente séria no que diz respeito ao direito ambiental.
Questiona-se, sem qualquer perspectiva de resposta, sobre como seria possível a implementação de uma “agenda de sustentabilidade multidimensional”, nos moldes propostos por Juares de Freitas[45], sem que haja (muita) vontade política para tanto? Não há saída, principalmente quando se pensa que o Congresso Nacional é hoje colonizado por uma bancadas como a do agronegócio ou frente parlamentar evangélica; a primeira, defendendo interesses nitidamente opostos à implementação de uma agenda política com forte viés ambientalista (basta olhar para os termos Novo Código Florestal, aprovado em 2012); a segunda, mais interessada em discutir temas como o conceito de família, objetivando definir legalmente como família aquela constituída por homem e mulher casados ou convivendo em união estável (PL n. 6.583/13, mais conhecido por Estatuto da família), em nítido retrocesso ao entendimento já consolidado pelo STF no que toca à união homoafetiva.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como visto anteriormente, o advento da esfera social (socialização de aflições privadas; salientando que a socialização dessas questões não as torna menos privadas) inicia um processo de difusão entre os domínios público e privado, de modo que no mundo experienciado hoje distinguir entre os dois domínios é tarefa, senão inexecutável, ao menos bastante árdua.
Ao mesmo tempo, uma separação mínima entre essas esferas é pressuposto para qualquer discussão sobre política. A urgência de políticas sobre recursos esgotáveis, manutenção da qualidade ambiental e recuperação de ambientes degradados tem se tornado cada vez mais urgentes, uma vez que – como alertava Arendt – o mundo (Planeta Terra) e o fato de vivermos nele – mundanidade – é pressuposto da humanidade como a conhecemos.
Como se expôs no último item do desenvolvimento (intitulado ‘A desintegração do espaço público e o direito ambiental’), contudo, qualquer pretensão de articulação de respostas efetivas à crise ambiental perpassa pelo reconsideração sobre o modo de ser fazer política no Brasil – aqui optou-se por deixar de lado questões afetas à colonização do espaço político internacional e sua (des)regulamentação. É preciso repensar o exercício da democracia em termos políticos e, além disso, consolidar juridicamente a sustentabilidade como paradigma vinculante (o que depende, em muito, de se repensar a formação dos juristas). Sem isso, não parece possível pensar em soluções minimamente efetivas para a crise ambiental que inegavelmente vivemos.
NOTAS
[1] Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=zsOGZKRVqHQ. Acesso em 10 de abril de 2015.
[2] Trata-se de tema de fundamental importância para a história, o direito, a política etc.: foi a reivindicação da Burguesia pela limitação estatal que deu origem, no contexto europeu continental do século XVIII, aos direitos fundamentais como hoje os conhecemos; essa necessidade de frenagem e contensão Estatal renova-se e readquire destaque com o advento das tecnologias da informação e da democratização das comunicações interpessoais: como advento e a democratização da internet as pessoas passaram a viver e agir também numa esfera virtual. Muitas das interações humanas, sejam atinentes a atividades políticas ou eminentemente privadas (como relacionamentos amorosos e correspondências entre amigos e familiares), agora se desenrolam on-line e a forma como o mundo globalizado lidará com os desafios impostos por essa nova realidade reside no futuro (remain to be seen). Recente escândalo internacional, trazido a público pelo ex-analista da NSA (sigla em inglês que significa Agência de Segurança Nacional - dos Estados Unidos), Edward Snowden, denunciando um programa de espionagem em massa mantido pelo Governo dos Estado Unidos da América (incluindo espionagem doméstica de civis, civis estrangeiros e Chefes de Governo de países amigos, a exemplo da Presidente do Brasil, Dilma Rousseff) a partir de comunicações de dados (internet) e telefônicas, apenas se prestam a corroborar a dimensão e a relevância e as novas roupagens da problemática na atualidade.
[3] ARENDT, Hannah. A Condição Humana. Tradução Roberto Raposo. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2014, p. 8.
[4] ARENDT, Hannah. A Condição Humana. Tradução Roberto Raposo. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2014, p. 39/40.
[5] ARENDT, Hannah. A Condição Humana. Tradução Roberto Raposo. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2014, p. 35.
[6] ARENDT, Hannah. A Condição Humana. Tradução Roberto Raposo. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2014, p. 75.
[7] ARENDT, Hannah. A Condição Humana. Tradução Roberto Raposo. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2014, p. 78, grifo meu.
[8] ARENDT, Hannah. A Condição Humana. Tradução Roberto Raposo. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2014, p. 90.
[9] ARENDT, Hannah. Between Past and Future. New York: Penguin Classics, 2006, p. 145, sem grifos no original. Tradução livre: “Liberdade, além disso, não é apenas mais um entre os muitos problemas e fenômenos do domínio político propriamente dito, como a justiça, o poder ou a igualdade; liberdade, que só raramente, de tempos em tempos – em tempos de crise ou revolução – torna-se o objetivo direto da ação política, é na verdade o motivo pelo qual os homens vivem juntos em organizações políticas. Sem a liberdade a vida política não teria sentido. A razão de ser da política é a liberdade, e seu campo de experiência, a ação ”.
[10] ARENDT, Hannah. A Condição Humana. Tradução Roberto Raposo. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2014, p. 67.
[11] MACHADO, Felipe Daniel Amorim. Arendt e Schmit: diálogos sobre política. Belo Horizonte: Arraes Editores, 2013, p. 96.
[12] ARENDT, Hannah. A Condição Humana. Tradução Roberto Raposo. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2014, p. 61.
[13] ARENDT, Hannah. A Condição Humana. Tradução Roberto Raposo. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2014, p. 63.
[14] ARENDT, Hannah. A Condição Humana. Tradução Roberto Raposo. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2014, p. 64.
[15] ARENDT, Hannah. A Condição Humana. Tradução Roberto Raposo. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2014, p. 64/65.
[16] ARENDT, Hannah. A Condição Humana. Tradução Roberto Raposo. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2014, p. 226/227.
[17] “O que resta? Resta a língua”: uma conversa com Günter Gaus. In: ARENDT, Hannah. Compreender. Formação, exílio e totalitarismo. Tradução Denise Bottman. São Paulo: Companhia das Letras. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2008, p. 47.
[18] ARENDT, Hannah. A Condição Humana. Tradução Roberto Raposo. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2014, p. 68.
[19] Arendt esclarece que a pólis não é a cidade-Estado em sua localização física, mas a organização das pessoas resultante do agir e falar em conjunto, e o seu verdadeiro espaço situa-se entre as pessoas. ARENDT, Hannah. A Condição Humana. Tradução Roberto Raposo. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2014, p. 246.
[20] ARENDT, Hannah. A Condição Humana. Tradução Roberto Raposo. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2014, p. 68. Logo no primeiro capítulo de A Condição Humana existe um subtítulo inteiramente dedicado à diferenciar a imortalidade da eternidade; a diferença entre as duas categorias é colocada pela autora como uma das melhores maneiras de ilustrar a diferença entre ação e contemplação. Imortalidade significaria continuidade no tempo, permanência neste mundo sem a morte. A preocupação dos gregos com a imortalidade adviria da sua experiência com uma natureza imortal e de deuses imortais (os deuses do Olimpo, que tinham a mesma natureza dos homens, mas não a mesma forma; que eram imortais, mas não eternos em clara distinção com um deus eterno e transcendental situados além do tempo e do espaço). Inserida em um universo onde tudo era imortal, a mortalidade teria se tornado o emblema da natureza humana. A mortalidade, assim, seria o que faz dos homens humanos. Apesar de a imortalidade (permanência) da espécie humana se garantir pela procriação, não se pode garanti-la para o indivíduo. A capacidade humana de realizar feitos imortais permitiria que os homens deixem atrás de si vestígios imortais, a despeito de sua mortalidade individual. A ação, atividade integrante da vita activa que exige a presença de outros, ou seja, tem como condição a pluralidade e como locus o domínio público, seria a forma de os homens atingirem a imortalidade e mostrarem seu caráter “divino”. Veja-se que a noção é aqui retomada justamente ilustrar o declínio do domínio público.
[21] ARENDT, Hannah. A Condição Humana. Tradução Roberto Raposo. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2014, p. 70.
[22] ARENDT, Hannah. A Condição Humana. Tradução Roberto Raposo. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2014, p. 71.
[23] ARENDT, Hannah. A Condição Humana. Tradução Roberto Raposo. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2014, p. 72.
[24] ARENDT, Hannah. A Condição Humana. Tradução Roberto Raposo. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2014, p. 46/47, sem grifos no original.
[25] ARENDT, Hannah. A Condição Humana. Tradução Roberto Raposo. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2014, p. 49/50.
[26] Em Origens do Totalitarismo Arendt aduz que a igualdade pode ser concebida em dois planos: o social e o político; a igualdade política implicaria o fato de os indivíduos serem considerados iguais entre si independentemente de quaisquer outras características, e, como tal, gozarem dos mesmo direitos perante a lei; já a igualdade social implicaria na criação de um padrão de normalidade concebida como “qualidade inata de todo indivíduo, que é ‘normal’ se for como todos os outros, e ‘anormal’ se for diferente”, de forma que indivíduos que se julguem iguais formam grupos fechados que relutam em reconhecer no outro a igualdade (política), surgindo então as mais variadas formas de discriminação. Conferir ARENDT, Hannah. Origens do Totalitarismo. Tradução de Roberto Raposo. São Paulo: Companhia de bolso, 2012, p. 85-86.
[27] ARENDT, Hannah. A Condição Humana. Tradução Roberto Raposo. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2014, p. 52/53.
[28] ARENDT, Hannah. A Condição Humana. Tradução Roberto Raposo. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2014, p. 53.
[29] ARENDT, Hannah. A Condição Humana. Tradução Roberto Raposo. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2014, p. 56.
[30] Importa, aqui, expor a ideia de ruptura dentro da modernidade que foi descrita pelo sociólogo alemão Ulrich Beck. Ele apresenta a problemática por meio de uma analogia histórica: “(...) assim como no século XIX a modernização dissolveu a esclerosada sociedade agrária estamental e, ao depurá-la, extraiu a imagem estrutural da sociedade industrial, hoje a modernização dissolve os contornos da sociedade industrial e, na continuidade da modernidade, surge uma outra configuração social. (...) Se no século XIX foram os privilégios estamentais e as imagens religiosas do mundo que passaram por um desencantamento, hoje é o entendimento científico e tecnológico da sociedade industrial clássica que passa pelo mesmo processo – as formas de vida e de trabalho, na família nuclear e na profissão, os papéis-modelo de homens e mulheres etc. A modernização nos trilhos da sociedade industrial é substituída por uma modernização das premissas da sociedade industrial, que não estava prevista em qualquer dos manuais teóricos ou livros de receitas políticas do século XIX. É essa iminente oposição entre modernidade e sociedade industrial (em todas as suas variantes) que atualmente nos confunde em nossos sistema de coordenadas, a nós que estávamos até a medula acostumados a conceber a modernidade nas categorias da sociedade industrial” (BECK, 2011, p. 13). É possível afirmar que, para Beck, o advento dos riscos decorrentes da tecnologia (dentre as quais se destaca a nuclear) representa um ruptura dentro da própria modernidade: “O reverso da natureza socializada é a socialização dos danos à natureza, sua transformação em ameaças sociais e econômicas e políticas sistêmicas da sociedade mundial altamente industrializada. Na globalidade da contaminação e nas cadeias mundiais de alimentos e produtos, as ameaças à vida na cultura industrial passam por metamorfoses sociais do perigo: regras da vida cotidiana são viradas de cabeça para baixo. Mercados colapsam. Prevalece a carência em meio à abundância. Caudais de demandas são desencadeados. Sistemas jurídicos não dão conta das situações de fato. (...) Cuidados médicos falham, edifícios ruem. Governos tombam. (...) Esse é o fim do século XIX, o fim da sociedade industrial clássica, com suas ideias de soberania do Estado Nacional, automatismo do progresso, classes, princípio do desempenho, natureza, realidade, conhecimento científico etc.” (BECK, Sociedade de Risco: rumo a uma outra modernidade. 2. ed. Tradução: Sebastião Nascimento. São Paulo: Editora 34, 2011, p. 10).
[31] HESPANHA, Antônio Manuel. Cultura jurídica europeia: síntese de um milênio. Almedina: Coimbra, 2011, p. 91/92.
[32] BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Tradução: Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Zahar, 2001, p. 7.
[33] BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Tradução: Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Zahar, 2001, p. 8.
[34] A modernidade via a tradição, que é uma característica da pré-modernidade, com maus olhos: “Esta visão moderna do mundo social rompia com a visão pré-moderna, que os modernos classificavam de ‘selvagem’, ‘primitiva’, ‘arcaica’, ‘tradicional’. As culturas pré-modernas reproduzir-se-iam a cada nova geração sem uma intenção consciente, ou sem reflexão. Tal como os ambientes silvestres (ou selvagens), as comunidade da pré-modernidade reproduzem-se segundo equilíbrios naturais, próprios de cada ambiente particular, não planeados globalmente e apenas dependentes de condições estabilizadas e de hábitos estabelecidos. São comunidades tradicionais, respeitadoras da ordem das coisas e dos tempos, avessas das mudanças aos projetos, a qualquer forma de engenharia social” (HESPANHA, Antônio Manuel. Cultura jurídica europeia: síntese de um milênio. Almedina: Coimbra, 2011, p.93).
[35] BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Tradução: Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Zahar, 2001, p. 9/10.
[36] HESPANHA, Antônio Manuel. Cultura jurídica europeia: síntese de um milênio. Almedina: Coimbra, 2011, p. 93.
[37] A noção de ordem implica uma ideia de organização; de pertença; de lugar adequado. Se para os antigos a ordem das coisas era ditada por essencialidades naturais (natureza), para os pré-modernos a força ordenadora da vida vem manifesta na figura do Criador (HESPANHA, Antônio Manuel. Cultura jurídica europeia: síntese de um milênio. Almedina: Coimbra, 2011, p. 98).
[38] Por ‘nova ordem’ fica implícita a ideia de nova organização, novo lugar, das coisas do mundo; a nova ideia de ordem tem um fundo, portanto, economicista; logo a ordem de importância das coisas passa a se relacionar com noções como lucro, consumo etc. Essa neo noção de ordem está arraigada no imaginário da segunda modernidade e é o alicerce que fundou a construção (ou desconstrução) da política e do direito como hoje os conhecemos e vivemos.
[39] BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Tradução: Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Zahar, 2001, p. 11/12.
[40] BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Tradução: Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Zahar, 2001, p. 13.
[41] BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Tradução: Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Zahar, 2001, p. 54.
[42] Nesse sentido ver: BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Tradução: Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Zahar, 2001, p. 54; e BAUMAN, Zygmunt. 44 Cartas do Mundo Líquido Moderno. Tradução: Vera Pereira. Rio de Janeiro: Zahar, 2011, p. 38.
[43] Bauman, Zygmunt. Em busca da política. Tradução: Marcus Penchel. Rio de Janeiro: Zahar, 2000, p. 10.
[44] Bauman, Zygmunt. Em busca da política. Tradução: Marcus Penchel. Rio de Janeiro: Zahar, 2000, p. 12.
[45] FREITAS, Juarez. Sustentabilidade. 2. ed. Belo Horizonte: Forum, 2012, cf. especialmente Cap. 4.