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Apontamentos sobre a contribuição previdenciária dos inativos

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RESUMO: O artigo tem objetivo tratar de flagrante inconstitucionalidade da contribuiçãoprevidenciária dos inativos, nos termos da Emenda Constitucional n. 41/2003.

SUMÁRIO: 1. Introdução, 2. Da contribuição dos inativos, 2.1. Falta de "causa suficiente", 2.2. Descaracterização da natureza de contribuição social, 2.3. A verdadeira natureza da contribuição dos inativos, 2.4. A contribuição dos inativos e o direito adquirido, 3. Conclusão, 4. Referencias Bibliográficas


1. Introdução

Recentemente, o Governo Federal teve aprovada a Emenda Constitucional n. 41/2003 que, entre outras modificações, incluiu na Constituição Federal dispositivos que autorizam a instituição de contribuição sobre proventos e pensões de aposentados e pensionistas do serviço público em geral. E mais: a partir de 19.02.2004, a Medida Provisória n. 167 passou a regulamentar tal cobrança em relação aos servidores públicos federais.

Na redação anterior à Emenda Constitucional n. 41, de 19.12.2003, estabelecia a Constituição:

Art. 40. Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo.

Essa redação, com a referida Emenda Constitucional, passou a ser a seguinte:

Art. 40. Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo.

(...)

§18. Incidirá contribuição sobre os proventos de aposentadorias e pensões concedidas pelo regime de que trata este artigo que superem o limite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral de previdência social de que trata o art. 201, com percentual igual ao estabelecido para os servidores titulares de cargos efetivos.

§ 19. O servidor de que trata este artigo que tenha completado as exigências para aposentadoria voluntária estabelecidas no § 1º, III, a, e que opte por permanecer em atividade fará jus a um abono de permanência equivalente ao valor da sua contribuição previdenciária até completar as exigências para aposentadoria compulsória contidas no § 1º, II.

Além disso, foram acrescentados, no pertinente à matéria, os seguintes dispositivos:

Art. 3º. É assegurada a concessão, a qualquer tempo, de aposentadoria aos servidores públicos, bem como pensão aos seus dependentes, que, até a data de publicação desta Emenda, tenham cumprido todos os requisitos para obtenção desses benefícios, com base nos critérios da legislação então vigente.

§1º. O servidor de que trata este artigo que opte por permanecer em atividade tendo completado as exigências para aposentadoria voluntária e que conte com, no mínimo, vinte e cinco anos de contribuição, se mulher, ou trinta anos de contribuição, se homem, fará jus a um abono de permanência equivalente ao valor da sua contribuição previdenciária até completar as exigências para aposentadoria compulsória contidas no art. 40, § 1º, II, da Constituição Federal.

(...)

Art. 4º. Os servidores inativos e os pensionistas da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, em gozo de benefícios na data de publicação desta Emenda, bem como os alcançados pelo disposto no seu art. 3º, contribuirão para o custeio do regime de que trata o art. 40 da Constituição Federal com o percentual igual ao estabelecido para os servidores titulares de cargos efetivos.

Parágrafo único. A contribuição previdenciária a que se refere o caput incidirá apenas sobre a parcela dos proventos e das pensões que superem:

I – cinqüenta por cento do limite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral de previdência social de que trata o art. 201 da Constituição Federal, para os servidores inativos e os pensionistas dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;

II – sessenta por cento do limite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral de previdência social de que trata o art. 201 da Constituição Federal, para os servidores inativos e os pensionistas da União.

Art. 5º. O limite máximo para o valor dos benefícios do regime geral de previdência social de que trata o art. 201 da Constituição Federal é fixado em R$ 2.400,00 (dois mil e quatrocentos reais), devendo, a partir da data de publicação desta Emenda, ser reajustado de forma a preservar, em caráter permanente, seu valor real, atualizado pelos mesmos índices aplicados aos benefícios do regime geral de previdência social.

Ademais, com a edição da Medida Provisória n. 167, de 19 de fevereiro de 2004, a Lei n. 9.783 passa a vigorar da seguinte maneira:

Art. 1º - A (...)

Art. 3º - A. Os aposentados e pensionistas de qualquer dos poderes da União, incluídas suas autarquias e fundações, contribuirão com onze por cento, incidente sobre o valor da parcela dos proventos de aposentadorias e pensões concedidas de acordo com os critérios estabelecidos no art. 40 da Constituição e pelos arts. 2º e 6º da Emenda Constitucional n. 41, de 2003, que supere o limite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral de previdência social.

Art. 3º - B. Os aposentados e pensionistas de qualquer dos Poderes da União incluídas suas autarquias e fundações, em gozo desses benefícios na data de publicação da Emenda Constitucional n. 41 de 2003, contribuirão com onze por cento incidente sobre a parcela dos proventos de aposentadorias e pensões que supere sessenta por cento do limite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral de previdência social.

Dessa forma, os servidores públicos inativos estarão sujeitos a contribuir para a Previdência Social "com percentual igual ao estabelecido para os servidores titulares de cargos efetivos" (Art. 4º da EC n. 41/2003), que atualmente é de 11% (onze por cento), como dita a Lei n. 9.783/99, modificada pela MP n. 167/04, incidente sobre a parcela dos proventos que excedem a "sessenta por cento do limite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral de previdência social de que trata o art. 201 da Constituição Federal" (Art. 4º, parágrafo único, II, da EC n. 41/2003). Tal contribuição passou a ser exigida decorrida a anterioridade nonagesimal prevista no art. 195, § 6º, da Constituição e assegurada pela Medida Provisória n. 167/04, art. 8º, ou seja, a partir do dia 20 de maio de 2004.


2. Da contribuição dos inativos

Vêm de algum tempo as tentativas de estender aos servidores públicos inativos a cobrança de contribuiçãoprevidenciária, mencionando-se a Medida Provisória n. 1.720/98, que foi rejeitada pelo Congresso Nacional, e, em seguida, a Lei n. 9.783/99, que, no particular, teve sua eficácia suspensa pelo Supremo Tribunal Federal.

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A novidade é que, agora, a pretensão de instituir contribuição sobre os proventos de aposentadoria e pensões foi veiculada por Emenda Constitucional, com o que se pensou estar superando as objeções feitas pela doutrina e pela jurisprudência à criação do mencionado tributo. Mera ilusão, todavia, uma vez que permanecem graves máculas de inconstitucionalidade, conforme se passa a demonstrar.

2.1. Falta de "causa suficiente"

Já por ocasião do julgamento liminar da ADI n. 2.010-2, que tinha como objeto a Lei n. 9.783/99, surgiu a tese de que "sem causa suficiente, não se justifica a instituição (ou a majoração) da contribuição de seguridade social, pois, no regime de previdência de caráter contributivo deve haver, necessariamente, correlação entre custo e benefício. A existência de estrita vinculação causal entre contribuição e benefício põe em evidência a correção da fórmula segundo a qual não pode haver contribuição sem benefício, nem benefício sem contribuição".

Neste ponto, foi decisivo o voto do Relator, Ministro Celso de Mello, com base, inclusive, na doutrina do hoje também Ministro Carlos Ayres de Brito, segundo a qual "os servidores efetivos da administração direta, autárquica e fundacional pagam suas contribuições previdenciárias e, assim, compram a cada mês a sua futura aposentadoria ou a pensão de seus dependentes. Uma e outra (aposentadoria e pensão), já inteiramente livres de contribuições, assim como se dá com o recebimento de um seguro, pagos os prêmios e preenchidas as demais condições do resgate". Na opinião do Relator, a contribuição dos inativos e pensionistas, naquele caso, transgredia "o princípio constitucional do equilíbrio atuarial (CF, art. 195, § 5º), evidenciando que essa exação quanto a aposentados e pensionistas, apresenta-se destituída da necessária causa suficiente", citando a doutrina de renomados autores:

Misabel Derzi

Há na previdência social "um contrato entre gerações, de modo que os trabalhadores em atividade financiam o seguro daqueles segurados atualmente aposentados, esperando que, no futuro, ao se recolherem à inatividade, a próxima geração de trabalhadores igualmente lhes custeie os benefícios previdenciários". (...) "Se o servidor já goza de aposentadoria, a meta constitucional permitida para a cobrança já foi alcançada, inexiste a despesa a ser custeada do ponto de vista do aposentado, pois os servidores públicos em atividade a financiam. Falta então o fundamento constitucional necessário e impostergável, que funda o exercício da competência da União". (...) "... as despesas não são constitucionalmente permitidas, porque não guardam relação de causa e efeito com o sujeito passivo tributário. Fica assim profundamente ferida a lógica constitucional do contrato entre gerações, em que se assentam as contribuições previdenciárias pagas pelos trabalhadores em geral e servidores públicos. Nova contribuição sobre os proventos de aposentadoria significa dupla cobrança, dupla contribuição, com ofensa profunda à equidade (art. 194, V). A primeira foi cobrada dos servidores e trabalhadores ainda em atividade, sob a promessa de aposentadoria futura a ser custeada pela próxima geração, a segunda – sem justificação – é a quebra do contrato, com nova cobrança para os mesmos fins, metas e despesas

(Da instituição de contribuição sobre os proventos dos servidores inativos. Enfoque jurídico, set/96, p. 13).

Hugo de Brito Machado

"O núcleo da contribuição de seguridade social alberga como elemento essencial a condição inerente ao seguro, e este, em face de sua natureza mesma, envolve sempre a possibilidade de auferimento de um prêmio. No caso da seguridade social, esse prêmio é o benefício, com o qual o segurado tem a garantia dos meios de subsistência, em face de eventual invalidez, ou da velhice. Não é razoável pretender-se que alguém, depois de haver sido satisfeito no benefício a que tem direito, pela seguradora, venha a ser obrigado a pagar a esta, novamente, o mesmo prêmio que havia pago anteriormente. Por isto é que o núcleo do fato gerador da contribuição de seguridade social alberga, como se disse, aquela condição própria do seguro. No caso pode-se dizer, com rigorosa propriedade, que se trata de um seguro contra a invalidez e a velhice". (....) "Quem já está aposentado já cumpriu com todos os seus deveres, segundo as leis então vigentes, para com a seguridade social. A imposição desse ônus adicional viola a eqüidade; é injusto e inaceitável sob todos os aspectos". (...) "Na verdade, nenhum ônus pode ser atribuído a quem exerce regularmente os seus direitos. Assim, a contribuição de que se cuida passou a ser uma punição para quem se aposenta, como se aposentar-se fosse algo ilícito"

(Contribuição social dos aposentados – Lei 9.783/99 – inconstitucionalidade. Revista dialética de direito tributário, n. 45, junho/1999, p. 85-95).

Também se referiu o Relator – Ministro Celso de Mello – a argumentação expendida em outra ADI (n. 2.016-DF) no sentido de que "inocorre, quanto a inativos e a pensionistas, a necessária correlação entre custo e benefício, pois o regime contributivo, por sua natureza mesma, há de ser essencialmente retributivo, qualificando-se como constitucionalmente ilegítima, porque despojada de causa eficiente, a instituição de contribuição sem o correspondente oferecimento de uma nova retribuição, um novo benefício ou um novo serviço". Continuou: "Se é certo, portanto, que nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido, sem a correspondente fonte de custeio total (CF, art. 195, § 5º), não é menos exato que também não será lícito, sob uma perspectiva estritamente constitucional, instituir ou majorar contribuição para custear a seguridade social sem que assista àquele que é compelido a contribuir o direito de acesso a novos benefícios ou a novos serviços".

É importante destacar também a referência feita pelo mesmo Relator ao pensamento do Ministro Marco Aurélio: "O disposto no art. 195, § 5º, da Constituição Federal, segundo o qual ‘nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio’, homenageia o equilíbrio atuarial, revelando o princípio indicador da correlação entre, de um lado, contribuições e, de outro, benefícios e serviços. O desaparecimento da causa da majoração do percentual implica o conflito da lei que a impôs com o texto constitucional..." (RTJ 147/921-929). E por falar no entendimento do Ministro Marco Aurélio, é oportuna a citação de outra passagem do voto deste, no mesmo julgamento, na qual, jocosamente, observou que, embora se estivesse vivendo uma época rotulada de "real", talvez se tenha cogitado, em visão espiritual, de "uma aposentadoria no além". Concluiu, sustentando que "contribuição e benefício compõem uma mesma moeda, decorrem de relação jurídica sinalagmática e comutativa. Contribuição para quê, a tal altura? Qual o benefício revelador da contraprestação? A colocação é irrespondível: não terão aposentados e pensionistas qualquer vantagem". Tais considerações mostram, no mínimo, total desrespeito ao princípio da eqüidade (leia-se justiça)na forma de participação no custeio da previdência social (art. 194, V, da Constituição).

No mesmo julgamento, referindo-se à questão da progressividade da contribuição dos servidores ativos, considerou que "deve haver equivalência entre o custo do serviço e a prestação devida, pois os valores das contribuições previdenciárias são fixados com base em cálculos atuariais em que se busca, dentro de aproximação razoável, o mencionado equilíbrio". Citou doutrina de Sacha Calmon Navarro Coelho sobre o caráter sinalagmático da contribuição previdenciária.

2.2. Descaracterização da natureza de contribuição social

Além de não haver "causa suficiente" para a instituição do tributo em referência, no Brasil ainda não se pode falar em sistema de repartição simples ou de qualquer sistema, uma vez que, conforme as palavras de Sérgio de Andréa Ferreira, em audiência pública realizada pela Comissão Especial da Câmara dos Deputados, "ainda não se implantou o regime próprio dos servidores, dado que apenas se iniciaram as contribuições, mas não foram criados fundos de coleta e aplicação desses recursos". Neste sentido, ponderou que não se pode falar em déficit atuarial. Não há, efetivamente implantado, sistema parafiscal de previdência. As quantias pagas deságuam juntamente com todas as receitas tributárias, não sendo, em conseqüência, administradas e aplicadas separadamente. É próprio das contribuições sociais, porque parafiscais: a) "a delegação do poder fiscal do Estado a órgão oficial ou semi-oficial autônomo, de existência paralela à do Estado, e incumbido de arrecadar e aplicar a receita assim deferida"; b) a "exclusão do orçamento geral do Estado, da receita, arrecadada e aplicada pela entidade investida da delegação"; c) "a destinação a fim especial da receita recolhida por esse órgão beneficiado da delegação" (Cf. NASCIMENTO, A. Theodoro. Contribuições Especiais. Rio de Janeiro: Forense, 1986, p. 15, 19 e 20). Não se pretende – se bem que poderia acontecer – alegar simplesmente que a falta de administração e aplicação autônoma das quantias arrecadadas desconfigure a natureza de contribuição social, mas que esta circunstância, aliada à falta de causa suficiente e eqüidade para cobrança e, na prática, a não-aplicação dos recursos arrecadados a um fim específico (separado da destinação de todos os recursos do Tesouro) atestam que pode tratar-se de outro tributo, mas nunca de contribuição social.

Objetar-se-á que a Constituição erigiu expressamente o princípio da solidariedade ao tratar do sistema contributivo para a previdência. Mas também a solidariedade fica descaracterizada pela inexistência de um sistema específico de arrecadação e aplicação da suposta contribuição previdenciária em referência. A solidariedade, aliás, é característica própria do imposto, como "tributo cuja obrigação tem por fato gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal específica, relativa ao contribuinte" (Art. 16, CTN).

2.3. A verdadeira natureza da contribuição dos inativos

A suposta contribuição previdenciária dos inativos tem a natureza, na verdade, de imposto de renda, sendo esta a natureza que deve ser considerada para efeito de contraste com as normas constitucionais e, aí, são gritantes as inconstitucionalidades.

Na opinião de Hugo de Brito Machado, tratando da contribuição que se pretendeu instituir pela Lei n. 9.783/99, dúvida não havia de que configurava imposto sobre a renda. Esta seria sua natureza jurídica, indiscutivelmente. Não era "propriamente o imposto de renda previsto no art. 153, III, da vigente Constituição, porque este já existe, e incide sobre os proventos em questão. Seria então esse mesmo imposto de renda, com alíquota aumentada. Ou então seria um imposto adicional de renda, criado no exercício, pela União Federal, de sua competência tributária residual. Ocorre que a vigente Constituição não autoriza essa criação, seja como imposto adicional de renda, seja como elevação da alíquota do imposto de renda já existente" (...) "E a segunda, também, está flagrantemente desobedecida. O malsinado imposto, criado com o nome de contribuição, tem o mesmo fato gerador e a mesma base de cálculo do imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza". (Parecer de Hugo Machado sobre a contribuição previdenciária dos inativos. Jus Navigandi, Teresina, a. 3, n. 32, jun. 1999. Disponível em: jus.com.br/revista/pecas/texto.asp?id=271>. Acesso em: 12 fev. 2004.)

No julgamento da ADI n. 790/DF, votou o Ministro Marco Aurélio no sentido de que "a regra segundo a qual nenhum benefício da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total, corresponde a relativa à exigibilidade de causa suficiente para majoração, sob pena de esta última discrepar do móvel que lhe é próprio, ligado ao equilíbrio atuarial entre contribuições e benefício, implicando, aí sim, um adicional sobre a renda do trabalhador".

A competência residual da União exige que o novo imposto não tenha fato gerador ou base de cálculo próprios dos originariamente discriminados (Art. 154, I, CF), de modo que, perante a atual Constituição, ao contrário do que acontecia na Constituição anterior (Cf. caso do FINSOCIAL), não tem cabimento a consideração de uma nova exação, independentemente do respectivo nome, como adicional de imposto já existente.

Como imposto de renda, a contribuição dos inativos, além disso, seria tremendamente injusta, porque elevaria em 11% (onze por cento) o imposto de renda dos aposentados e pensionistas, logo destes, que se presumem os menos aquinhoados. Estaria sendo contrariada, a um só tempo, a regra do art. 145, § 1º, da Constituição, que determina sejam os impostos, sempre que possível, graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, e a do art. 150, IV, que veda a utilização de tributo com o efeito de confisco.

Por outro lado, ferida restaria a regra de isonomia, com assento geral no art. 5º da Constituição, especializada, para efeitos tributários, no art. 150, II, que veda "instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos". Outra infringência da regra de isonomia consiste no abono (na verdade imunidade) concedido ao servidor que complete os requisitos para aposentadoria voluntária e permaneça em atividade. Numa leitura ao inverso dessa regra, verifica-se a odiosa discriminação dos inativos em relação a tais servidores que permanecem em atividade. O servidor que se aposenta é, na realidade, punido pelo exercício de um direito pelo qual pagou durante toda a vida funcional.

Em última hipótese, o imposto de renda cobrado como contribuição social frustra a distribuição do produto da arrecadação aos Estados e ao Distrito Federal, conforme previsão do art. 157, I, da Constituição Federal.

Todos essas violações incidem sobre direitos e garantias fundamentais que estão a salvo de Emenda Constitucional, nos termos do art. 60, § 4º, IV, daí uma das principais inconstitucionalidades da Emenda Constitucional n. 41/2003. Que os direitos e garantias previstos nos arts. 145 e seguintes da Constituição constituem direitos fundamentais insuscetíveis de Emenda tendente (grifei) a aboli-los, não resta dúvida principalmente após o julgamento da ADI n. 939-7/DF.

2.4. A contribuição dos inativos e o direito adquirido

Prevê a Constituição, no art. 5º, XXXVI, que "a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada". Por sua vez, estabelece o art. 6º, § 2º, da Lei de Introdução ao Código Civil que se consideram adquiridos "assim os direitos que o seu titular, ou alguém por ele, possa exercer, como aqueles cujo começo do exercício tenha termo prefixo, ou condição preestabelecida, inalterável, a arbítrio de outrem".

Ao se inativar, o servidor, completando o ciclo de pagamentos de contribuições aptas a obter o benefício previdenciário da aposentadoria, adquiriu direito imutável sequer por emenda constitucional, uma vez que também direito fundamental.

A alegação de que a regra do art. 60, § 4º, IV, veda apenas emenda tendente à abolição genérica da garantia inscrita no art. 5º, XXXVI, da Constituição é refutada pela doutrina à consideração de que tanto faz a abolição total dessa regra como a sua negação casuística, ou seja, por meio do seu afastamento em determinados casos individuais. Tanto faz a negação por atacado como a negação no varejo. Se assim não fosse, para burlar a referida cláusula pétrea bastaria, toda vez que surgisse concretamente um direito adquirido, que fosse editada uma Emenda Constitucional para afastá-lo. É esta a lição, dentre outros, do renomado José Afonso da Silva.

Não está em causa questão de regime jurídico, mas ato concreto de deferimento de benefício previdenciário. O fato que a lei escolheu para dar nascimento ao direito ocorreu por inteiro (Cf. voto do Ministro Carlos Mário Velloso no RE n. 145.183-1/DF). Com isto se afasta tese, assentada em certa jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (não unânime), de que não há direito adquirido a regime jurídico.

Em tese similar à de falta do equilíbrio atuarial e à de violação de direito adquirido, na pretendida contribuição dos inativos, sustenta Sérgio de Andréa Ferreira que viola o equilíbrio econômico-financeiro, que deve existir, mesmo na relação estatutária do servidor público. Entende que, "tal como o contratado, nas avenças administrativas, e o concessionário de serviço público, o funcionário brasileiro tem direito a um equilíbrio econômico-financeiro, que traduz a equação entre os ônus e as vantagens funcionais "(Reforma da previdência e contribuição dos inativos. Belo Horizonte: Fórum, 2003, p. 73). Fere a razoabilidade que nos contratos administrativos a empresa contratada possa repassar para os preços os tributos posteriormente instituídos e isto não aconteça na relação funcional do servidor público.

Está configurada, pois, no caso da contribuição dos inativos, mais uma violação de regra pétrea da Constituição Federal. Na opinião de Fábio Konder Comparato, "alguns pontos do texto aprovado na Câmara (que resultou na Emenda Constitucional n. 41/2003) são perdidamente inconstitucionais. A taxação dos inativos fere o princípio elementar do respeito ao direito adquirido. O mesmo ocorre com a redução das pensões para familiares de segurados já mortos" (Folha de S. Paulo,ed. 18.08.2003, p. A12).

Sobre as autoras
Eloína Corrêa Gomes Moreira de Mendonça Telho

servidora pública federal em Eunápolis(BA), especialista em Direito Administrativo

Ludmila Alves da Cunha

Advogada e Especialista em Direito Administrativo

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TELHO, Eloína Corrêa Gomes Moreira Mendonça; CUNHA, Ludmila Alves. Apontamentos sobre a contribuição previdenciária dos inativos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 500, 13 nov. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5912. Acesso em: 23 dez. 2024.

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