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Política Nacional de Resíduos Sólidos e logística reversa

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6. PERSPECTIVAS PREVENTIVA E PRECAUCIONAL.

A logística reversa pode ser vislumbrada sob uma perspectiva preventiva, como dever imposto ao setor empresarial em estruturar, implementar e operacionalizar o retorno dos resíduos, isto é produtos pós-consumo com destinação ou disposição final ambientalmente adequada quando retornados.

À medida que o setor empresarial é física e economicamente responsabilizado a dar a destinação ambientalmente adequada aos produtos que produz e coloca no mercado, espera-se, com isso, fornecer-lhes um incentivo a repensar o processo de produção de seus produtos, desde o início, com vistas à concepção de produtos menos intensivos em materiais e cujo uso não gere ou gere menos resíduos ou, ainda, permita o reuso, afinal, quanto menor a quantidade de resíduos sólidos gerados, menores serão os custos com a destinação final.

Por sua vez, a finalidade de incentivo ao “ecodesign” dos produtos, com vistas à prevenção de resíduos é o objetivo, decorrente da melhoria no gerenciamento dos resíduos gerados. Frente a obrigatoriedade de sistemas de logística reversa para parte dos produtos listados nos incisos I a VI do artigo 33 e para os demais produtos e embalagens mencionados no §1º desse mesmo dispositivo, o potencial preventivo desses sistemas deve envolver não apenas a estruturação e implementação de metas de reciclagem, mas sim o seu reuso ou o design, acompanhando a preferência sinalizada pela adoção do modelo repartido de responsabilidade.

Malgrado as previsões dos artigos 31, inciso I, e 32, ambos da PNRS, não há, nem em lei, nem em regulamento, o estabelecimento de critérios e/ou do modus operandi para o cumprimento das obrigações diretas de ecodesign, o que é explicado pelo fato se se tratar de uma Lei de resíduos; e não propriamente um instrumento de regulação de produtos. De outra sorte, no que diz respeito ao propósito de influência indireta sobre o ecodesign dos produtos mediante a responsabilidade pós-consumo em geral e a logística reversa nela embutida, o foco normativo da PNRS ainda se concentra no objetivo de gerenciamento de resíduos. Não há iniciativas na cadeia de produção, onde melhorias no design dos produtos poderiam trazer resultados efetivos para a redução de materiais.

O modelo compartilhado de responsabilidade significa o cumprimento dos deveres que compõem a responsabilidade pós-consumo, isto é, a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos a que se refere a PNRS, repartida de forma conjunta aos sujeitos obrigados (fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes), sendo a logística reversa um instrumento para sua concretização.

A principal vantagem desse modelo é a criação de escala e a redução dos custos incorridos com o gerenciamento ambientalmente adequado dos resíduos pós-consumo, mas que tende, entretanto, a comprometer a internalização, pelos produtores, dos custos associados a esse gerenciamento.

Visível que, para reaproveitar o volume de matérias-primas gerado pela logística reversa, o mercado deverá superar alguns preconceitos quanto à utilização de matéria-prima reciclada, como exemplo a baixa qualidade do material reciclado, já que o material reciclado pode ter a mesma qualidade de uma matéria-prima nova desde que tenha o tratamento adequado durante o período de reciclagem.

O estabelecimento de selos, certificação ou outras formas de comprovação da qualidade do material e do processo nele empregado, referente a matéria-prima reciclada, podem possibilitar o êxito do sistema.

Ora, outro preconceito a ser combatido seria quanto a não contribuição por parte do consumidor final na devolução dos produtos. Para isso, os fabricantes devem dispor de canais logísticos que suportem essa operação. Mesmo porque, a utilização do material reciclado apresentam algumas vantagens em relação à matéria-prima original, entre elas menores preços de mercado, combate à nova extração de matéria-prima escassa, economia no consumo de recursos naturais (energia elétrica, água) e vantagem competitiva com a melhora da imagem da empresa, por exemplo.

Sob uma ótica precaucional, a obrigação legalmente estabelecida de que as embalagens devem ser fabricadas com materiais que propiciem a reutilização ou a reciclagem, consoante artigo 32, incontestavelmente, traz a oportunidade de formatação de novos mercados industrializados que venham a gerenciar e, sem dúvida, mitigar os riscos ambientais.

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Destarte, para demonstrar as ações precautórias ou precaucionais ou acautelatórias que a PNRS adota, tem-se uma diversidade de alternativas ou soluções para evitar o descarte dos resíduos, incluindo no rol de destinação final adequada a reutilização, reciclagem, compostagem, a recuperação e o aproveitamento energético, ampliando, ainda, esse rol, quando admite outras destinações admitidas pelos órgãos competentes do SISNAMA, do SNVS e do SUASA, segundo o artigo 3º, inciso VII, da Lei nº 12.305/2010.

Mesmo com tantas alternativas de destinação final que a PNRS entende como sendo adequada, a Política admite a hipótese de que pode haver resíduos que não terão nenhuma das destinações previstas.

Para tanto, mesmo que tais resíduos não sejam reutilizados, reciclados, recuperados, energeticamente aproveitados ou destinados à compostagem, deverão seguir para alguma outra destinação final ambientalmente adequada, ou mesmo para a disposição, definida como sendo a distribuição ordenada de rejeitos em aterros, observando normas operacionais específicas, de modo a evitar danos ou riscos à saúde pública e à segurança e a minimizar impactos ambientais adversos, como se pode notar do disposto no artigo 3º, inciso VIII, da Lei Nacional.

A PNRS estabelece uma diferença clara entre disposição final adequada, que diz respeito apenas e tão somente àqueles resíduos que não apresentam quaisquer alternativas para seu reaproveitamento; e destinação adequada, que abrange os resíduos cujo reaproveitamento é possível com a utilização de diferentes técnicas de tratamento.

A necessária minimização dos riscos, diante da atual produção excessiva de resíduos sólidos obrigou o legislador pátrio a estabelecer a destinação adequada, elencando diversas alternativas com o fim de evitar o descarte e promover o reaproveitamento dos resíduos.

Desse modo, ao definir a gestão integrada de resíduos sólidos, a Política Nacional, considerou a maior amplitude de possibilidades de impactos que a produção de resíduos sólidos poderá causar nas diversas esferas da sociedade, reconhecendo que os riscos ou possibilidades de impactos possuem várias dimensões difíceis de serem contornadas e amplamente conhecidas.

O sistema de logística reversa é o principal elemento de materialização da destinação adequada de resíduos, uma vez que fomenta a integração e o elemento reversibilidade no sistema de produção e de consumo quanto aos resíduos produzidos. Através desse instituto também se dá uma modificação conceitual e nos próprios processos de produção, que devem preocupar-se com os fluxos de retornos dos materiais.

Mas, por meio dele, também há a triagem de produtos que receberão a disposição final correta, uma vez que a mesma dependerá da conclusão aviada após a avaliação feita pelo produtor ou fabricante.


7. CONCLUSÃO

A formulação de uma Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), inserida por meio da Lei Federal nº 12.305/2010, representa um marco na proposta de preservação ambiental brasileira, por meio do combate à poluição por resíduos sólidos.

Ao disciplinar a destinação e a disposição final de produtos descartados pelos consumidores, atribuindo o seu retorno aos respectivos fabricantes, a norma ampliou seu universo de tutela e deslocou, pela primeira vez, a atenção para a problemática verificada no final ou ocaso do ciclo produtivo.

Mas, com isso, na verdade, o que se procura é que não há uma faceta meramente precaucional dos responsáveis, mas, principalmente, preventiva. E não podemos perder de vista que, em matéria de resíduos, uma atuação preventiva significa adotar medidas anteriormente ao próprio surgimento destes

Como dissemos anteriormente, à medida que o setor empresarial é física e economicamente responsabilizado a dar a destinação ambientalmente adequada aos produtos que produz e coloca no mercado, promover-se-á, com isso, determinada influência a que venha a repensar todo o processo de produção de seus produtos, isto é, desde o seu início, com vistas à concepção de produtos menos intensivos em materiais e cujo uso não gere ou gere menos resíduos ou, ainda, permita o seu reuso, afinal, quanto menor a quantidade de resíduos sólidos gerados, menores serão os custos com a destinação final.

Porém, ao estudar perspectivamente a PNRS, verificamos de pronto que a matéria é complexa, externada até mesmo pelas multidimensões de ação observadas na norma, como a política, econômica, ambiental propriamente dita, cultural e social.

Em sua dimensão politica a norma engloba a necessidade de acordos dos diversos setores envolvidos na gestão dos resíduos e a superação de conflitos de interesse que representem barreiras à implementação da PNRS, impondo a necessidade de elaboração de planos de resíduos sólidos na esfera federal, estadual, regional, intermunicipal e municipal, bem como a elaboração de planos de gerenciamento de resíduos, quando o caso, conforme seu artigo 14.

Pela sua dimensão econômica procura viabilizar soluções para o tratamento dos resíduos que contemplem instrumentos econômicos, sendo que, de acordo com o que dispõe o seu artigo 42, o Poder Publico poderá instituir medidas indutoras e linhas de financiamento visando à efetividade das suas propostas.

A par disso, na dimensão ambiental, é evidente, pois que a PNRS visa minimizar os impactos ambientais ocasionados pela produção de resíduos, como seu fim maior.

Pela dimensão cultural, considera relevantes os hábitos e os valores das populações locais, quando da definição dos métodos e dos procedimentos a serem implantados para o gerenciamento dos resíduos sólidos.

Observada, ainda, em sua dimensão social, está diretamente relacionada à participação social nos processos de elaboração das politicas publicas relacionadas aos resíduos sólidos, como definido no artigo 3°, inciso VI, da Lei 12305/2010.

Na prática, entretanto, as discussões e os esforços de implementação da PNRS têm-se concentrado mais na melhoria do gerenciamento ambientalmente adequado dos resíduos gerados e menos no fornecimento de incentivos à mudança e melhoria dos produtos e dos processos de produção e consumo a eles associados, o que nos parece inadequado.

Essa não priorização conferida à prevenção pode ser explicada pelo fato de a Lei, aparentemente, estar sendo aplicada de modo mais vocacionado a tratar dos resíduos, ancorada por uma cultura de atenção à fase final do ciclo de vida dos produtos, embora se mostre mais adequada e, necessariamente, um instrumento de regulação dos próprios produtos e das etapas relacionadas à produção e ao consumo destes, que são precisamente as etapas geradoras de resíduos que não encontravam óbices legais mais específicos anteriormente.

Há necessidade e importância, pois, de medidas, mais a montante da cadeia econômica; isto é, no inicio da cadeia produtiva, desde o próprio design até os materiais empregados nos produtos.

Por conseguinte, ainda que a PNRS procure operar em frentes de adequação ambiental, como aterros e reciclagem de resíduos, parece decisivo para o atingimento de seu desiderato que se focalize nas práticas de produção e consumo, para a construção e implementação de medidas de prevenção a resíduos, o que viabilizará, consequentemente, sistemáticas mais efetivas de logística reversa.

Se isto não for realizado, reorientando-se as ações da PNRS, corre-se o risco de se tornar mais uma norma sem atingir o tão desejado êxito no enfrentamento da geração de resíduos sólidos e na segurança econômico-sócio-ambiental, reclamada pelo desenvolvimento sustentável de nossa sociedade, cada vez mais pressionada pelo problema do “lixo”.

Ademais, no âmbito acadêmico e da experimentação, é essencial que haja fomento aos estudos e os debates jurídicos mais regulares e propositivos, a fim de melhor se lapidar e demonstrar a correta amplitude da aplicação da Lei Federal nº 12.305/2010.

Destacamos que, para estudos futuros há uma diversidade de dimensões a serem trabalhadas em torno da temática prevenção: aspectos legais, inovação tecnológica, reaproveitamento, tratamento dos resíduos, geração de energia, mudanças comportamentais (tanto na produção como no consumo), entre outras. Todas elas estão interconectadas e requerem abordagens inovadoras e interdisciplinares.

Veja-se que, com isso, não se nega que a Política Nacional de Resíduos Sólidos reuniu um conjunto de princípios, objetivos, instrumentos, diretrizes, metas e ações capazes de, se bem utilizados, conduzir à gestão integrada e ao gerenciamento ambientalmente adequado dos resíduos sólidos. Mas é preciso conduzir-se a uma melhor compreensão e capacitação de seus aplicadores.

Por sua vez, como se sabe, a teorização aprofundada, desacompanhada de ferramentas de efetivação, bem delineadas e estratificadas nas diversas ambiências sociais, torna-se insuficiente ao atingimento das finalidades sociais nos termos almejados pelas normas inseridas no ordenamento.

Daí, por certo – e por que não – a necessidade de um olhar mais receptivo à aplicação de um direito reflexivo à matéria, como idealizado por HELMUT WILKE[9].

Ademais, destacamos, em meio às inovações da norma, a consagrada responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida do produto como um dos seus mais relevantes princípios específicos, cuja manifestação mais perspicaz parece-nos, realmente seja logística reversa.

Não obstante, pelo fato de a prevenção dos resíduos exigir o enfrentamento da produção e do consumo propriamente ditos, qualquer tentativa de persecução do objetivo da prevenção, acreditamos, deverá ocorrer não no âmbito isolado de uma regulação setorial, mas de forma intersetorial, de modo a levar em consideração toda a complexidade e todas as vertentes que a questão encerra.

Sobre os autores
Alexandre Massarana da Costa

Advogado, pós-graduado em direito constitucional e político, com atuação na área do direito público.

Alexandre Dias Maciel

Advogado, mestrando em direitos difusos e coletivos pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COSTA, Alexandre Massarana; MACIEL, Alexandre Dias. Política Nacional de Resíduos Sólidos e logística reversa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5131, 19 jul. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/59182. Acesso em: 23 dez. 2024.

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