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O fornecimento do serviço essencial de água e sua suspensão

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Agenda 17/07/2017 às 08:39

Os Serviços Essenciais são aqueles nos quais se atribuem todo o desenvolvimento de uma sociedade e a geração de riqueza de um país inteiro. Estes serviços estão dispostos em Lei, e sua falta ou interrupção geram verdadeiras catástrofes, porém, não ferem o CDC.

RESUMO: Os Serviços Essenciais são aqueles nos quais se atribuem todo o desenvolvimento de uma sociedade e a geração de riqueza de um país inteiro. Estes serviços estão dispostos em Lei, e sua falta ou interrupção geram verdadeiras catástrofes, e não ferem somente o Código de Defesa do Consumidor. No entanto, ao tratar-se de fornecimento de água, existem hipóteses em que o ordenamento jurídico brasileiro a autoriza.

SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO 2. SERVIÇOS PÚBLICOS 3. PRINCÍPIOS NORTEADORES 4. LEGISLAÇÃO APLICADA 5. O SERVIÇO ESSENCIAL DE ÁGUA 5.1 – HIPÓTESES DE LEGALIDADE NA SUSPENSÃO DO FORNECIMENTO DE ÁGUA 5.2 – HIPÓTESES DE ILEGALIDADE NA SUSPENSÃO DO FORNECIMENTO DE ÁGUA 6. CONCLUSÃO 7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Palavras- Chave: SERVIÇOS ESSENCIAIS. FORNECIMENTO DE ÁGUA. SUSPENSÃO.


1. INTRODUÇÃO 

  O conceito de serviço público engloba tanto o sentido estrito, como o sentido amplo. A definição de serviços públicos essenciais trazidos pela Lei nº 7.783/89, considera serem os serviços ou atividades essenciais aqueles indispensáveis à vida e ao desenvolvimento de uma sociedade, seguido pela análise dos princípios regentes da Administração Pública.

  Os atributos dos serviços públicos e a sua relação com o Código de Defesa do Consumidor, bem como o fator essencialidade e continuidade tem primordial importância no ordenamento jurídico brasileiro. Deve-se destacar que as obrigações impostas ao ente público ou às concessionárias são devidas à importância do serviço que prestam, bem como, o significado e o alcance da continuidade do serviço público para a coletividade.

No entanto, ao tratar como sendo uma prática abusiva, a suspensão do fornecimento do serviço público essencial pela falta de pagamento do usuário, o Código de Defesa do Consumidor estará entrando em conflito com a Lei nº. 8.987/95, que regula o regime das concessões e permissões, em seu artigo 6º, §3º, inciso II, ao dispor que não caracteriza o descumprimento da continuidade, quando o serviço for interrompido por inadimplência, por caracterizar como sendo interesse da coletividade.

Aqueles que são favoráveis à suspensão do serviço, sustentam que o inadimplemento do usuário causa prejuízos ao prestador de serviços, e este não é obrigado a prestar o serviço gratuitamente. Por outro lado, aqueles que são contrários à suspensão, alegam que os serviços públicos essenciais são indispensáveis à sobrevivência humana.

É mister, por fim, fazer referência ao Código de Defesa do Consumidor ao tratar da proteção dos usuários frente as fornecedoras ao estabelecer que, os usuários não poderão ser submetidos a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça ao serem cobrados, e também ao assegurar que os serviços públicos devem ser prestados adequadamente e contínuos quando se tratar de serviços essenciais.


2. SERVIÇOS PÚBLICOS

O conceito de serviço público no Direito Brasileiro não se apresenta na doutrina de forma unânime, pois há várias questões que podem ser levadas em consideração na formação de seus elementos de constituição, quer pela variedade de aspectos para sua conceituação, quer pela necessidade de elevar um dado elemento constitutivo, privilegiando assim uma determinada situação vivenciada pela sociedade.

  Para alguns doutrinadores, há dois meios para conceituação de serviço público, em sentido amplo e em sentido restrito. Aqueles que adotam o conceito de serviço público em sentido amplo consideram que serviço público é toda atividade que o Estado exerce, direta ou indiretamente, para a satisfação das necessidades públicas, ou seja, qualquer atividade exercida pelo Estado.

  Na mesma linha, o autor Hely Lopes Meirelles conceitua serviço público da seguinte maneira:

"Serviço público é todo aquele prestado pela Administração ou por seus delegados, sob normas e controles estatais, para satisfazer necessidades essenciais ou secundárias da coletividade, ou simples conveniências do Estado". (MEIRELLES, 2000:306)

O serviço público em sentido estrito é definido como aquele necessário a vida coletiva, onde há um Estado que atende aos interesses e bem estar social da coletividade através do fornecimento de serviços essenciais, sendo insuscetíveis de prestação por particulares, como por exemplo: fornecimento de água e energia elétrica. 

No entanto, a titularidade do serviço continua pertencendo ao Estado, apenas a sua execução é delegada ao particular.

  O doutrinador Celso Antônio Bandeira de Mello conceitua serviço público da seguinte forma, in verbis:

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"Serviço público é toda atividade de oferecimento de utilidade ou comodidade material fruível diretamente pelos administrados, prestados pelo Estado ou por quem lhe faça às vezes, sob um regime de direito público - portanto consagrador de prerrogativas de supremacia e de restrições especiais - instituído pelo Estado em favor dos interesses que houver definido como próprios no sistema normativo".

Para a ilustre Maria Sylvia Zanella di Pietro, serviço público é:

"(...) toda atividade material que a lei atribui ao Estado para que a exerça diretamente ou por meio de seus delegados, com o objetivo de satisfazer concretamente às necessidades coletivas, sob regime jurídico total ou parcialmente público".

Assim, para conceituação de serviço público deve ser considerado, essencialmente, o atendimento pelo Estado das necessidades coletivas mais imediatas, seja através da ação direta do poder público ou através de seus delegados, por permissão ou concessão, para que forneçam serviços indispensáveis ao bom desenvolvimento social.

  Com base no atendimento às necessidades de interesse coletivo, que o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90) cuidou em seu capítulo IV, titulado "Da qualidade de produtos e serviços, da prevenção e da reparação de danos", dos serviços públicos.

Existe na doutrina e jurisprudência uma grande discussão sobre que tipo de serviço público pode ser considerado essencial, uma vez que todo serviço público carrega em si um traço de essencialidade. 

No entanto, pode-se dizer que são aqueles que sua falta ou interrupção geram verdadeiras catástrofes, são revestidos de urgência e precisam ser fornecidos de forma contínua, ou seja, os relativos à segurança, saúde e educação.

Como não existe uma legislação específica que regulamente e defina  quais são os serviços públicos essenciais, é usada pelos doutrinadores a Lei 7.783/89, chamada “Lei de Greve”, uma vez que “Dispõe sobre o exercício do direito de greve, define as atividades essenciais, regula o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade, e dá outras providências.”.

O artigo 10 desta Lei elenca o rol de serviços essenciais. São eles: “I - Tratamento e abastecimento de água; Produção e distribuição de  energia elétrica, gás e combustíveis; II - Assistência médica e hospitalar; III -¬ Distribuição e comercialização de medicamentos e alimentos; IV ¬ Funerários; V ¬ Transporte coletivo; VI ¬ Captação e tratamento de esgoto e lixo      VII ¬ Telecomunicações; VIII ¬ Guarda, uso e controle de substâncias radioativas, equipamentos e materiais nucleares; IX ¬ Processamento de dados ligados a serviços essenciais; X ¬ Controle da tráfico aéreo; XI ¬ Compensação bancária.”

O art. 11 da “Lei de Greve” dispõe que “as necessidades inadiáveis da comunidade são aquelas, que não atendidas, coloquem em perigo iminente a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população”.

Assim, o fornecimento de água, energia elétrica e telefonia estão incluídos como serviços ou atividades essenciais, certamente, porque são atividades que atendem às necessidades inadiáveis da população. Nota-se, que alguns desses serviços são de utilização obrigatória, por exemplo, ligação ao sistema de água encanada, a rede pública de esgoto, etc. Isso ocorre devido ao interesse estatal pela saúde pública.

Sobre a natureza dos serviços essenciais entende o doutrinador Luis Antonio Rizzatto Nunes que “Há no serviço considerado essencial um aspecto real e concreto de urgência, isto é, necessidade concreta e efetiva de sua prestação" (2000:207).

Ou seja, tais citados serviços são considerados essenciais pois são indispensáveis a vida moderna, e servem para suprir as necessidades básicas dos indivíduos e a ausência de qualquer um deles coloca em risco a sobrevivência da sociedade, atingindo a qualidade de vida da população e sua dignidade humana, diante disto, existem específicos princípios que regem a administração pública que são utilizados para garantir e manter o equilíbrio entre a urgência do fornecimento desses serviços e sua manutenção.


3. PRINCÍPIOS NORTEADORES

A finalidade dos serviços públicos é favorecer a acessibilidade e pôr os cidadãos em igualdade de condições de usufruto. Devido a sua importância social, os serviços públicos são regidos por determinados princípios, que devem ser observados na sua execução.

Entre eles encontra-se o Princípio Constitucional da Legalidade que está expresso na Constituição Federal como determinação legal e de observação obrigatória, em dois momentos, no artigo 5º, inciso II, onde garante a liberdade dos cidadãos, quando prevê que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer algo que não seja previsto em lei, com objetivo de regular o comportamento dos cidadãos e dos órgãos do governo, visando à manutenção da paz social e da segurança jurídica e, em um segundo momento, no artigo 37, caput, como o princípio que deverá ser obedecido por toda a Administração Pública, em todos os níveis. 

  Pelo princípio da legalidade, entende-se que, ao contrário do particular, que pode fazer tudo que não seja proibido em lei, a Administração Pública só poderá agir segundo as determinações legais. Neste contexto, vale ressaltar ensinamento de Celso Antônio Bandeira de Mello:

"(...) é o fruto da submissão do Estado à lei. É em suma: a consagração da idéia de que a Administração Pública só pode ser exercida na conformidade da lei e que, de conseguinte, a atividade administrativa é atividade sublegal, infralegal, consistente na expedição de comandos complementares à lei." (1995:47)

Baseadas neste princípio é que as concessionárias de serviços públicos pautam-se para que, em caso de inadimplência, possam suspender o fornecimento dos serviços realizados. 

 No caso das concessionárias de serviço de fornecimento de água, tal medida é capitaneada pelo inciso I do artigo 55 do Decreto 553/76, que assim determina:

“Art. 55- O fornecimento de água ao imóvel será interrompido nos seguintes casos, sem prejuízo de aplicação das multas previstas neste Regulamento:

I – falta de pagamento das tarifas.”

Já a Lei nº 11.445, de 05 de janeiro de 2007, estabelece diretrizes nacionais para o saneamento básico, em seu artigo 40, inciso V, também dispondo o seguinte sobre a legalidade de suspensão do fornecimento de água ao usuário inadimplente:

“Art. 40 – Os serviços poderão ser interrompidos pelo prestador nas seguintes hipóteses:

(...)

V- inadimplemento do usuário do serviço de abastecimento de água, do pagamento das tarifas, após ter sido formalmente notificado”

Neste prisma e pautado neste princípio é que a concessionária de fornecimento de água e coleta de esgoto sanitário se baseia para suspender o fornecimento de água dos usuários inadimplentes.

Em contrapartida tais interrupções vêm trazendo inúmeras repercussões na sociedade, principalmente quando a interrupção do fornecimento desse serviço essencial ao usuário-consumidor é utilizada como forma de coação ao pagamento, extrapolando os limites da legalidade e ferindo o princípio da dignidade da pessoa humana.

Pelo princípio da dignidade da pessoa humana entende-se aquele onde a pessoa merece todo o respeito, independentemente de sua origem, raça, sexo, idade, estado civil ou condição social e econômica.

Com efeito, a ideia de dignidade da pessoa humana está na base do reconhecimento dos direitos humanos fundamentais. Só é sujeito de direitos a pessoa humana. Os direitos humanos fundamentais são o "mínimo existencial" para que possa se desenvolver e se realizar. 

  Diante disso, há dois prismas, o primeiro em relação à possibilidade de suspensão do serviço em obediência ao princípio da legalidade, posto que a não interrupção do fornecimento sem a devida contraprestação gera o enriquecimento sem causa do devedor, fomentando a inadimplência generalizada, o que compromete o equilíbrio financeiro da relação e a própria continuidade do serviço.

  E, em outra visão, deve-se atender ao princípio constitucional da Dignidade da Pessoa Humana onde, por ser um serviço essencial, deve estar à disposição da população, vez que o direito do cidadão de se utilizar dos serviços públicos essenciais para a sua vida em sociedade deve ser interpretado com vistas a beneficiar a quem deles se utiliza.

No melhor entendimento, a questão deve ser analisada no caso concreto, onde o Direito Civil deve se aproximar cada vez mais do Direito Constitucional, convertendo a sua visão individualista tradicional em uma visão coletiva.

  Isso porque, apesar da previsão legal, o fornecimento dos serviços essenciais por falta de pagamento, podem se tornar, no caso concreto, violador do princípio da dignidade da pessoa humana caso a cobrança seja abusiva e exponha o cidadão a qualquer tipo constrangimento.

Já pelo princípio constitucional da eficiência, entende-se como aquele que impõe o direcionamento da atividade administrativa no sentido de auferir o máximo de efeitos positivos aos administrados. Hely Lopes Meirelles conceitua da seguinte forma:

“o mais moderno princípio da função administrativa, que já não se contenta em ser desempenhada apenas com legalidade, exigindo resultados positivos para o serviço público e satisfatório atendimento das necessidades da comunidade e de seus membros."

Assim, ao transportar a noção da eficiência para os serviços públicos tutelados pelo Código de Defesa do Consumidor, tem-se que os serviços prestados pela Administração Pública devem cumprir sua finalidade no caso concreto, não bastando a mera adequação ou disponibilidade do serviço público oferecido.

Nesse sentido, Luiz Antônio Rizzato Nunes afirma que:

"A eficiência é um plus necessário da adequação. O indivíduo recebe serviço público eficiente quando a necessidade para a qual ele foi criado é suprida concretamente. É isso que o princípio constitucional pretende." 

Portanto, é esse o direcionamento que o princípio da eficiência deve alcançar no campo da Administração Pública, obrigando não só o ente público, mas também aqueles concessionários e permissionários a respeitar os contornos conferidos pela lei, a fim de que o serviço púbico oferecido possa atingir plenamente os efeitos almejados pelos consumidores.

Ou seja, a eficiência consiste em buscar com objetividade o melhor resultado com o menor dispêndio, tornando os serviços mais baratos e, portanto, mais acessíveis aos usuários, coibindo o desperdício do dinheiro público.

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