A progressividade da corrupção e o desencadeamento de diversas operações destinadas a obstá-la despertam na população o anseio por novas leis e mecanismos voltados a extinguir a malversação da verba pública e o favorecimento indevido de agentes públicos e particulares que agem em conluio.
Por diversas vezes, a corrupção tem como ponto de partida as contratações públicas, atreladas à realização dos processos licitatórios que, embora objetivem “a contratação da proposta mais vantajosa”, não raro são ineficazes e se traduzem em prejuízos diretos e indiretos ao Poder Público.
A Lei de Licitações foi aprovada pelo Congresso Nacional no ano de 1993, enquanto o país ainda vivia o clima de impeachment do Presidente Collor, ocorrido no ano anterior. À época, a população clamava por medidas moralizadoras destinadas a barrar a corrupção, que, então, era atribuída à debilidade do ordenamento jurídico, fazendo crer que a edição da nova legislação cumpriria com essa finalidade.
Com base no cenário vivenciado naquela ocasião, a Lei de Licitações foi editada em face da desconfiança que repousava sob os agentes administrativos. Consequência disso foi a criação de uma legislação restritiva e destinada a refutar qualquer espaço para a ilicitude e, ainda, que retirou toda a autoridade dos agentes públicos.
No entanto, superados mais de vinte anos da sua promulgação é de fácil conclusão que a lei não atendeu a sua finalidade primordial e, sem margem de dúvidas, os certames licitatórios continuam proporcionando transgressões.
Talvez a sua ineficiência possa ser atestada pelos incontáveis projetos de lei propostos pelo governo para substituí-la ou então alterá-la em partes, o que não se operou quiçá pela carência de competência política e/ou jurídica, embora ainda persistam diversas propostas em tramitação. Não podemos esquecer de mencionar também aos diplomas legais que instituíram o pregão e o regime diferenciado de contratação – RDC.
Não se nega, todavia, que o arcabouço principiológico conferido aos dispositivos legais inseridos no diploma em comento são de extrema relevância e baseiam-se nos postulados constitucionais, revestindo-se de rígida forma; como exemplo lista-se o princípio constitucional da isonomia.
A problemática cinge-se acerca do rigorismo instituído, transfigurando as licitações num procedimento engessado e que torna as contratações públicas excessivamente morosas. E, pior do que isso, cada vez mais afastadas do interesse declarado que, como prevê a própria legislação, é a contratação da proposta mais vantajosa.
Essa procedimentalização instituída repercute na demasiada judicialização dos certames, contudo, não é propriamente essa a principal mazela incorporada ao nosso atual, porém, desatualizado, sistema de contratações públicas.
Enquanto a judicialização dos certames implica basicamente no retardamento dos atos e conclusão dos certames, a corrupção conduz a prejuízos ao erário e todos os administrados, desvirtuando-se da essência competitiva que deveria conduzir ao menor dispêndio financeiro na contratação. Eis a principal mazela: corrupção.
O rigorismo exacerbado previsto pelo ordenamento e o engessamento do processo conduzem à facilitação da ocorrência de fraudes e corrupção e, não bastasse isso, à ineficiência das contratações. Embora a intenção da lei tenha sido enrijecer o sistema e não conferir maiores discricionariedades, na prática, revela-se ineficaz e burocratizada. É justamente essa ineficácia que confere margem para a corrupção e, quando isso não acontece, acaba por vincular a Administração Pública a contratações ineficientes.
Assim, a legislação tratou de enrijecer o processo e vedar qualquer margem de escolha ou opção por parte dos agentes públicos, a ponto de conduzir à conclusão diversa do interesse público e, pior, vinculando a contratação, mesmo que não se cumpra com a finalidade. Muito mais do que isso, veda a inserção de qualquer exigência ou requisitos que possam “restringir” a competitividade, ou tão somente abrandá-la. Aliado a isso, depara-se com a atuação dos órgãos de controle que não raro usurpam suas atribuições e agem, de forma arbitrária, imbuídos da falsa presunção de ilegalidade, haja vista aquele mesmo pensamento ínsito no consciente coletivo.
Lamentavelmente, a Administração Pública acaba adquirindo itens de péssima qualidade que não se prestam para o fim desejado ou então não correspondem à mínima durabilidade. Isso com base na exigência da contratação mais vantajosa e no critério de julgamento das propostas que, ordinariamente, é o menor preço. Ocorre que há nítida contradição entre esses dois elementos – proposta mais vantajosa e menor preço – porquanto, um não é consequente lógico do outro. Ao contrário disso, revela-se mais vantajosa a contratação de determinando objeto de qualidade superior e maior durabilidade, ainda que de maior custo, do que a contratação de objeto de custo inferior, mesmo que não corresponda à mesma qualidade e durabilidade.
No entanto, tal critério de julgamento engessa a decisão na análise das propostas, obrigando a Administração Pública a sujeitar-se a isso, atrelando a adjudicação ao menor custo. No dia a dia, a comprovação da ineficácia da lei de licitações se demonstra não somente pela corrupção e judicialização dos certames, mas também pela imprestabilidade dos objetos, que consistem na baixa durabilidade, prestação de serviços desqualificados e má qualidade. Especialmente porque o apego exacerbado às formas conduz a arremates irracionais.
Em verdade, as contratações não podem ser impulsionadas através de procedimentos “mecanizados” e que tornem impertinentes os resultados. É necessária a aplicação de critérios justos e que efetivamente atendam ao interesse público, sem desapegar-se da competitividade. Essas circunstâncias, aliadas ao atual momento político, clamam pela edição de uma nova legislação que conduza a resultados propriamente eficientes e satisfatórios ao interesse público!