2. CARACTERÍSTICAS COMUNS ÀS TUTELAS PROVISÓRIAS
2.1. A Disciplina Conjunta e suas Linhas Gerais
O primeiro ponto a ser objeto de discussão, eis que é o primeiro a ser visualizado pelo leitor do Código, consiste na disciplina conjunta dada às tutelas antecipadas e cautelares.
Outrora tratadas em pontos diferentes pelo legislador, atualmente as tutelas antecipadas e cautelares são tidas como espécies de um mesmo gênero e foram aglutinadas pelo Código sob o nomen juris tutelas provisórias.
Segundo escreve Gustavo Filipe Barbosa Garcia, em publicação intitulada o Novo Código de Processo Civil: principais modificações:
No Novo Código de Processo Civil, a tutela provisória passou a ser entendida como gênero, tendo como espécies a tutela de urgência e a tutela da evidência (art. 294).A tutela (provisória) de urgência pode ser cautelar ou antecipada. (2015, p. 93)
Da mesma forma, diz Guilherme Lunelli:
Conforme entabulado no Livro V da Parte Geral do novo código, a “tutela provisória” passa a ser gênero, do qual a “tutela de urgência” e a “tutela” de evidência seriam espécies. (2015, p. 122).
Já Ester Camila Gomes Norato Rezende, expondo as profundas semelhanças entre os institutos da tutela antecipada e da tutela cautelar, evidencia que eles são espécies pertencentes ao mesmo gênero:
Identificando, pois, que tanto as medidas cautelares, quanto as tutelas antecipadas: (a) exigem a presença excepcional de uma situação de perigo (periculum in mora) que determine um provimento jurisdicional imediato visando à não concretização do dano; (b) são exaradas mediante cognição sumária, isto é, juízo superficial/perfunctório sobre alegações e provas, que revelará o fomus boni iuris ou a verossimilhança das alegações; e, por isso, (c) são provimentos provisórios, sem o cunho de imutabilidade característico da coisa julgada , podendo ser revogados ou reformados, observa-se que eles se alinham pertencentes ao mesmo gênero de provimentos, gênero este que tem em comum as características acima listadas. Tal gênero é denominado de tutela de urgência. (2015, p. 183).
Em que pese a disciplina conjunta, porém, no Novo Código ainda persistem diferenças entre a tutela antecipada e a tutela cautelar, que distinguem-se pela finalidade de cada uma.
Conforme escreve Ester Camila Gomes Norato Rezende:
O novo Código de Processo Civil mantém a distinção finalística das duas espécies de tutela provisória, tanto assim que a elas alude de modo distinto – cautelar e tutela antecipada -, além de traçar regulamentação também diversa em vista das especificidades de cada uma. (2015, p. 196).
Assim é que, tendo por finalidade satisfazer, desde logo, os interesses da parte, adiantando o resultado final do processo, a tutela será antecipada. De outro lado, caso tenha por objeto apenas a garantia do resultado futuro do processo, sem que esse resultado seja deslocado na marcha processual, a tutela será cautelar. Assim escreve Cássio Scarpinella Bueno:
Nessa perspectiva, a tônica distintiva, destarte, parece (ainda e pertinentemente) recair na aptidão de a tutela provisória poder satisfazer ou apenas assegurar o direito (material) do requerente. Satisfazendo-o, é antecipada; assegurando-o, é cautelar. Trata-se, neste sentido, da lição imorredoura de Pontes de Miranda, cultuada e divulgada por Ovídio Baptista da Silva: execução para segurança e segurança para execução, respectivamente, ou, na linguagem do CPC de 2015 “cumprimento (de decisões veiculadoras de tutela jurisdicional) para segurança e segurança para o cumprimento (de decisões veiculadoras de tutela jurisdicional)”. (2016, p. 248/249).
A par da já clássica distinção entre as tutelas antecipada e cautelar, o Novo Código de Processo Civil faz outra divisão, que também não é nova, e que toma em conta não a finalidade buscada, mas sim o fundamento da decisão judicial.Assim é que as tutelas provisórias podem fundar-se em urgência ou em evidência. Como diz Cássio Scarpinella Bueno:
Quanto ao fundamento, a tutela provisória pode ser de urgência ou de evidência (art. 294, caput). A tutela provisória de urgência ocupa a maior parte dos dispositivos, arts. 300. a 310, que corresponde ao Título II, do Livro V, da Parte Geral. A tutela provisória de evidência restringe-se a um só, o art. 312, equivalente ao Título III. (2016, p. 247/248).
As tutelas provisórias de urgência podem ser cautelares ou antecipadas. Já as tutelas provisórias de evidência, conforme a disciplina legal, serão sempre antecipadas.
Inovando no que toca a aspectos procedimentais, em comparação com o Diploma revogado, O Código de Processo Civil não mais exige a propositura de nova ação, com a instauração de nova relação processual, para a concessão de medidas cautelares. Veja-se o que diz Guilherme Lunelli:
Aqui, merece ênfase a manifesta perda de autonomia de toda e qualquer medida provisória no NCPC. Se, conforme a redação original do CPC/73, a regra era que as medidas cautelares inauguravam uma nova relação jurídica processual, diferente daquela existente no processo que buscavam proteger, o mesmo não ocorre no recém-aprovado Código. (2015, p. 127).
E isso ocorre não apenas com as cautelares, mas com toda e qualquer tutela de urgência. Uma vez mais, diz Guilherme Lunelli que:
Nesse ponto, o legislador, aproveitando a boa experiência trazida pelo artigo 273 (e § 7º) do antigo diploma, que já permitia o requerimento de qualquer medida de urgência de forma incidental em uma demanda, sem a necessidade de implantar-se uma nova relação processual para tanto, estendeu tal ideia também para as medidas antecedentes. (2015, p. 128).
Respeitadas as diferenças de fundo existentes entre as espécies de tutelas provisórias, assim, o legislador reuniu as tutelas cautelares e antecipadas, aproximando, inclusive o procedimento a ser seguido para sua concessão.
2.2. A Divisão do Tempo
Como já dito alhures, característica marcante das tutelas provisórias e questão cujo conhecimento é fundamental para sua adequada compreensão, consiste na necessidade imperiosa da divisão do ônus representado pela passagem do tempo para aqueles que litigam em Juízo.
O combate aos malefícios que a passagem do tempo causa ao processo é elemento de união entre as modalidades de tutela de urgência.
Assim é que, como diz Ester Camila Gomes Norato Rezende:
Legislativamente o novo Código de Processo Civil inova ao avançar no reconhecimento da proximidade entre as medidas cautelares e a tutela antecipada, alinhado-as ao gênero de tutelas fundadas na urgência, exatamente reconhecendo que ambas assemelham-se porque têm por requisito uma situação de perigo, de fundado receio de que o transcurso do tempo, frente a uma ocorrência emergencial, cause dano à efetividade do processo ou ao direito em debate. Nessa senda, ambas são medidas destinadas a combater os efeitos nocivos do tempo sobre o processo, de modo a, por intermédio do provimento jurisdicional provisório, conservativo (cautelar) ou satisfativo, equacionar a distribuição entre as partes do ônus do tempo necessário para se alcançar a solução definitiva da demanda.(2015, p. 183).
Desnecessário, aqui, discorrer acerca da questão da passagem do tempo e da divisão do ônus que ele representa, assunto já abordado anteriormente e cujo retorno representaria apenas a repetição da mesma ideia já apresentada, ainda que sob outro enfoque.
Basta reiterar que esta é característica comum a todas as modalidades de tutelas provisórias, sejam cautelares ou antecipadas, fundadas em urgência ou em evidência.
Ainda que não haja urgência, nada razoável que a parte que ostente direito evidente tenha de aguardar pelo lento caminhar do processo, para, somente ao final, usufruir do que, desde o início, aparentava ser seu.
2.3. Cognição Sumária
Todas as espécies de tutelas provisórias, sejam elas fundadas em urgência ou evidência, antecipadas ou cautelares, têm como característica comum a circunstância de serem alicerçadas em cognição sumária, em regra.
Ainda que fundada em evidência, resta inafastável que a tutela provisória será, sempre, fundada em cognição sumária. A evidência não significa o esgotamento da instrução, mas sim que, em dadas hipóteses, que são bastante restritas aliás, ainda que ausente qualquer urgência, poderá a parte usufruir do direito postulado, antes do trânsito em julgado de decisão judicial que o conceda.
Segundo a doutrina de Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero:
Quer se fundamente na urgência ou na evidência, a técnica antecipatória sempre trabalha nos domínios da “probabilidade do direito” (art. 300) – e, nesse sentido, está comprometida com a prevalência do direito provável ao longo do processo. Qualquer que seja o seu fundamento, a técnica antecipatória tem como pressuposto a probabilidade do direito, isto é, de uma convicção judicial formada a partir de uma cognição sumária das alegações da parte. (2015a, p. 202).
No mesmo sentido, diz Marcelo Abelha:
Como já foi dito, um dos pontos de agregação entre as tutelas provisórias do artigo 294 do CPC (urgência e da evidência) é justamente a sumariedade da cognição jurisdicional para a concessão das referidas tutelas por intermédio das técnicas de antecipação do provimento. (2016, p. 392).
Afirmar que a tutela provisória será concedida com base em cognição sumária equivale a dizer que, não tendo findo a instrução processual, o Juízo ainda não conheceu de todas as provas nem tampouco, em regra, de todas alegações das as partes. Mais uma vez, como diz Marcelo Abelha:
Por outro lado, parece claro e evidente que todas as vezes que o juízo de valor do magistrado é antecipado de seu momento normal, é sinal de que nem todo caminho de colheita de informações e nem todo tempo idôneo para formação de seu juízo de valor foram esgotados e, por consequência, a sua decisão, a ser emitida, será fruto de um juízo abreviado, sumarizado e limitado, de forma que não estará idônea a obter a marca da definitividade, justamente porque oriunda de um juízo provável, e por isso instável. (2016, p. 393).
Assim é que a tutela jurisdicional é concedida àquele que, aparentemente, tem o direito.
Como ainda não foram postas todas as cartas na mesa, pode ocorrer de que a questão levada a Juízo não esteja totalmente clara.
A tutela provisória, porém, se funda em juízo de probabilidade e não de certeza, de forma que não deve o Magistrado, ao apreciar o requerimento de tutela provisória, abster-se de sua concessão quando entender que o direito não é extreme de dúvidas.
Ocorre que, algumas questões e por sua própria natureza, não podem ser imediata e completamente expostas e provadas pelo autor que vai a Juízo. Não raras vezes o completo aclaramento da questão posta nos Autos depende da instrução processual, dos poderes instrutórios do Juiz e mesmo da participação da parte adversa.
Assim é que, conforme escrevem Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero:
Para bem valorar a probabilidade do direito, deve o juiz considerar ainda: (i) o valor do bem jurídico ameaçado ou violado; (ii) a dificuldade de o autor provar a sua alegação; (iii) a credibilidade da alegação, de acordo com as regras de experiência (art. 375); e (iv) a própria urgência alegada pelo autor. Nesse caso, além da probabilidade das alegações propriamente dita, deve o juiz analisar o contexto em que inserido o pedido de tutela provisória. (2015a, p. 203).
Como dito, fundada em cognição sumária a tutela provisória não exige o exaurimento da produção probatória, nem tampouco a certeza absoluta acerca do direito da parte. Daí surge outra de suas características, a provisoriedade.
2.4. Provisoriedade
Outra característica fundamental das tutelas provisórias, e o próprio nome o diz, é a provisoriedade. Como acentua Arruda Alvim: “As medidas de urgência são, todas, provisórias, pois dependem de confirmação por uma sentença de mérito superveniente” (2016, p. 171).
Seja justificada pela urgência, seja pela evidência, a tutela provisória sempre será fundada em cognição sumária, razão pela qual pode ser revista a qualquer tempo, desde que por decisão fundamentada. Segundo a doutrina de Gustavo Filipe Barbosa Garcia:
Em razão da urgência ou da evidência, a tutela provisória se caracteriza pela cognição menos aprofundada e sumária, realizada pelo juízo.
Por isso, a tutela provisória pode, a qualquer tempo, ser revogada ou modificada.
Essa modificação e revogação podem ser adotadas até mesmo de oficio pelo juiz, mas sempre por meio de decisão fundamentada. (2015, p. 94/95).
Ressalte-se que, conforme escreve Gustavo Filipe Barbosa Garcia, a característica da provisoriedade também está presente na tutela fundada em evidência, consequência lógica de que, também nesta espécie de tutela provisória, a cognição é sumária. Escreve o doutrinador que:
Mesmo na tutela provisória da evidência (art. 311. do CPC), de igual modo, a ausência do direito pode ficar demonstrada após a manifestação do réu, justificando a posterior modificação ou revogação da tutela antecipada. (2015, p. 95).
Não é por ser provisória, porém, que a tutela de urgência ou de evidência é instável. Uma vez concedida, ou negada, a situação processual apenas pode ser revista diante de novas circunstâncias. Segundo escrevem Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero:
Não é correto, no entanto, imaginar que a decisão que presta “tutela provisória” não tem qualquer estabilidade. Compõe o direito ao processo justo o direito à segurança jurídica no processo. A propósito, é um equívoco imaginar que toda a estabilidade no processo tem necessariamente que se identificar com a estabilidade oriunda da coisa julgada. Se o pedido de tutela provisória foi deferido, então a sua modificação ou revogação só pode ser admitida se aparecerem novas circunstâncias que a justifique (a realização do contraditório ou a produção de novas provas são exemplos de novas circunstâncias). O simples reexame da questão jurídica pelo órgão jurisdicional não autoriza a revogação da tutela sumária. Simetricamente, se o pedido foi indeferido, novo requerimento só se justifica igualmente a partir de novas circunstâncias. (2015b, p. 242/243).
Ainda que marcada pela provisoriedade, portanto, a tutela provisória, de urgência ou de evidência, é dotada de certa estabilidade e permanece até o momento da decisão definitiva da demanda, quando será ela confirmada ou revogada.Em sendo confirmada, ou revogada, a tutela provisória sempre é substituída pela tutela definitiva, esta sim, acobertada pela coisa julgada. Eis a doutrina de Marcelo Abelha:
Disse o artigo 296 que toda tutela provisória “conserva sua eficácia na pendência do processo, mas pode, a qualquer tempo, ser revogada ou modificada”. É preciso explicar que se se tratar de tutela incidental (urgente antecipada ou da evidência) que vier a ser confirmada no provimento final é óbvio que a eficácia da tutela provisória será substituída pela eficácia da tutela definitiva, que receberá o selo da coisa julgada. (2016, p. 395).
Por ser provisória e fundada em cognição sumária, poderia ter lugar a ideia de que a decisão que concede a tutela provisória deveria ser, sempre, proferida in limini litis, mas não é isso que ocorre, como se passa a expor.
2.5. Concessão a Qualquer Tempo
A princípio poder-se-ia imaginar que as tutelas provisórias deveriam, sempre, ser concedidas liminarmente. Contudo, não raras vezes, os fundamentos para concessão da tutela provisória apenas surgem durante o tramitar do processo. Cite-se o exemplo da tutela de evidência fundada em abuso do direito de defesa, ou a ocorrência de fato novo que faça surgir urgência que outrora não existia.
Assim é que as tutelas provisórias podem ser concedidas a qualquer tempo e grau de jurisdição, mesmo na sentença ou após ela, enquanto ainda pendente de definitividade a decisão judicial. Conforme escrevem Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero:
Além de poder ser concedida liminarmente ou depois da oitiva do réu, a “tutela provisória” pode ainda ser prestada ao longo de todo o procedimento comum e mesmo na própria sentença.
(...)
Em suma: enquanto pendente decisão definitiva, estando presentes os pressupostos legais, é possível obter decisão mediante a técnica antecipatória. (2015b, p. 240).
Portanto, as tutelas provisórias, antecipadas ou cautelares, fundadas em urgência ou evidência, podem ser concedidas a qualquer tempo, até o trânsito em julgado da decisão que pôr fim ao processo.
Porém, em sendo concedida a tutela provisória, sem que se garanta o direito de prévio conhecimento e manifestação à parte contraditória, o contraditório, sempre presente em qualquer relação processual, resta diferido e mitigado.
Aqui surge mais uma característica conjunta das tutelas provisórias, a possibilidade da postergação do contraditório.
2.6. A Questão do Contraditório
A fim de que a tutela provisória cumpra seu objetivo, seja o de antecipação seja o cautelar, ela pode ser concedida pelo Magistrado antes mesmo de que a parte adversa seja chamada aos Autos.
Tal se justifica tanto pela extrema urgência da medida, que pode ser incompatível com o tempo necessário para a oitiva da outra parte, quanto pela circunstância de que, uma vez cientificada, pode vir ela a comprometer a efetivação da tutela provisória.
Como escrevem Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero:
... A possibilidade de o tempo ou a atuação da parte contrária frustrar a efetividade da tutela sumária constitui pressuposto para postergação do contraditório no processo civil. Isso vale tanto para a concessão liminar da tutela satisfativa (tutela antecipada) como para a tutela cautelar. (2015b, p. 239).
Da mesma forma, ainda que já formada a relação processual, com a presença de todas as partes no processo, pode a decisão que concede a tutela antecipada postergar a oitiva do litigante, quando necessário.
Acrescente-se, por fim, que postergação do contraditório não significa eliminação do contraditório. A parte contrária deve sempre ser ouvida. Ao menos deve ser dada a ela a possibilidade de vir aos Autos e manejar suas armas visando o convencimento judicial acerca do acerto de sua pretensão.
2.7. Recorribilidade
Consoante estabelece expressamente o Novo Código de Processo Civil, toda e qualquer decisão que trate das tutelas provisórias será recorrível, a princípio, por Agravo de Instrumento.
Insta salientar que, conforme a nova disciplina do Agravo de Instrumento, as decisões interlocutórias são, em regra, irrecorríveis. O artigo 1.015 do novo diploma legal é taxativo ao elencar as hipóteses de cabimento do recurso e estabelece, já em seu inciso I, que todas as decisões, que tratem de toda qualquer espécie de tutela provisória, serão recorríveis.
A questão aqui posta é de extrema singeleza, e dispensa maiores comentários. O que importa, neste ponto, é evidenciar que é esta é mais uma das características comuns a todas as espécies de tutela provisória.
Tal não significa dizer, porém, que toda decisão que trate das tutelas provisórias será recorrível por Agravo de Instrumento, por óbvio. Deve ser respeitada a sistemática recursal estabelecida pelo Código.
Eis o que escreve Cássio Scarpinella Bueno a respeito:
Embora silente o Livro V da parte Geral, cabe destacar, com fundamento no indico I do art. 1.015. que as decisões interlocutórias que tratarem sobre tutelas provisórias, concedendo-as ou negando-as, são imediatamente recorríveis por agravo de instrumento quando proferidas pelos órgãos jurisdicionais de primeira instância.
No âmbito dos Tribunais, as decisões monocráticas sobre o tema também são recorríveis para o colegiado, por intermédio do recurso de agravo interno (art. 1.021). A recorribilidade dos acórdãos não traz peculiaridades a não ser a inviabilidade de questões fáticas serem reexaminadas em sede de recurso extraordinário ou especial. (2016, p. 253).
Assim, são recorríveis por agravo de instrumento as decisões interlocutórias que tratem de tutelas provisórias, proferidas em primeiro grau de jurisdição e que não sejam sentença.
Caso a tutela provisória seja concedida em sentença, o recurso cabível é a Apelação.
De outro lado, e por exemplo, em sendo a tutela provisória concedida por decisão monocrática, em segundo grau de jurisdição, o recurso cabível é o de Agravo Interno, direcionado ao Colegiado integrado pelo prolator da decisão recorrida.
2.8. Efetivação das Tutelas Provisórias
O Novo texto legal estabelece, de forma simples, que o Magistrado poderá determinar todas as medidas que considerar adequadas para a efetivação da tutela provisória concedida, seja ela fundada em urgência ou evidência, antecipada ou cautelar. Eis o que escreve Guilherme Lunelli:
Com efeito, no que concerne a efetividade das tutelas provisórias, o verdejante diploma também confia em experiência bem sucedida da legislação pretérita. Narra o NCPC que “o juiz poderá determinar as medidas que considerar adequadas para a efetivação da tutela provisória”, repetindo, assim, técnica redacional já adotada pelo CPC/73 para a efetivação das obrigações de fazer, não fazer e entregar coisa. (2015, p. 128).
A liberdade conferida ao julgador, porém, não é absoluta. Conforme escreve Arruda Alvim:
O art. 297. do CPC/2015, diz que: “o juiz poderá determinar as medidas que considerar adequadas para efetivação da tutela provisória”. Em outras palavras, é conferida ao magistrado uma ampla gama de poderes para se certificar de que a sua decisão será cumprida. O parágrafo único deste art. 297. esclarece, no entanto, que “a efetivação da tutela provisória observará as normas referentes a cumprimento provisório de sentença, no que couber”. (2016, p. 177).
E, ainda, segue Arruda Alvim a afirmando que:
Assim, no CPC/2015 o art. 519. reforça a intersecção entre as tutelas de urgência e a sua efetivação através de mecanismos de cumprimento de sentença. Diz o artigo: “Aplicam-se as disposições relativas ao cumprimento de sentença, provisório ou definitivo, e à liquidação, no que couber, às disposições que concederem tutela provisória”. (2016, p. 177).
Neste ponto não houve qualquer inovação, eis que já o Código de 1973 previa a aplicação da disciplina dada ao cumprimento de sentença para efetivação das tutelas antecipadas:
O CPC de 1973, o art. 273, § 3º, já previa que a efetivação da tutela antecipada haveria de observar os dispositivos relativos ao cumprimento de obrigações de pagar, de entregar coisa certa e de fazer. Isto já havia eliminado qualquer dúvida – infundada – quanto à possibilidade de efetivar, no plano fático, a própria tutela antecipadamente, ou seja, de satisfação do direito antes do momento “normal” para a sua ocorrência. (ALVIM, 2016, p. 177).
Efetivada a tutela provisória, ou apenas meramente concedida, o postulante responde pelos danos que daí resultem à parte contrária, conforme se passa a expor.
2.9. Responsabilização
A previsão da possibilidade da concessão de tutelas provisórias, porém, não representa a quem a postula uma vantagem processual que vem desvinculada de qualquer ônus, como já sinalizado.
Como já dito, a tutela provisória é concedida, sempre, com base em cognição sumária, podendo, portanto, ser revista a qualquer tempo. O que, a princípio se mostrou razoável pode, após o seguimento da marcha processual, com a oitiva da parte contrária e/ou a produção de provas, mostrar-se um equívoco. Eis o que diz Arruda Alvim:
O risco assumido na provisoriedade reside na hipótese de, produzido o restante da prova, o juiz constatar que aquilo que parecia verossímil não traduz a real situação entre as partes. Neste caso, deverá modificar total ou parcialmente a tutela que havia sido antecipada. A juntada de documento ou a realização de audiência são, claramente, acontecimentos supervenientes, legitimadores da modificação ou revogação da tutela. Assim, a modificação ou a revogação somente deverá ocorrer diante de uma situação fática superveniente, e não simplesmente porque o juiz entenda que tenha se equivocado. (2016, p. 171/172).
Pelos danos que resultem à parte adversa, decorrentes da tutela provisória que, posteriormente, mostrou-se equivocada, responde objetivamente a parte que a postulou. Discorrendo sobre esse assunto diz Guilherme Lunelli:
Nesse ponto, o novo diploma mantém o regime de responsabilidade objetiva (é dizer: indiferente à existência de culpa, ou se a parte agiu de má-fé ou não) pelos prejuízos que a efetivação da tutela de urgência causar à parte adversa, se: (i) concedida a tutela, a sentença posteriormente foi de improcedência; (ii) obtida liminarmente a tutela em caráter antecedente, a parte não fornecer os meios necessários para a citação do requerido no prazo de 5 (cinco) dias; (iii) ocorrer a cessação da eficácia da medida em qualquer hipótese legal; (iv) o juiz acolher a alegação de decadência ou de prescrição da pretensão do autor. (2015, p. 135).
Conhecedor da possibilidade de que a concessão da tutela provisória pode resultar em danos à parte contrária, e uma vez que a responsabilidade pela reparação destes danos é objetiva, o legislador abriu a possibilidade a que o Magistrado determine a prestação de caução a quem postula a medida emergencial.
Da mesma forma, atento a que a Constituição da República garante o acesso à Justiça ao economicamente hipossuficiente, o mesmo legislador dispensou, a estes, do depósito da caução. Conforme escreve Cássio Scarpinella Bueno:
O magistrado pode exigir prestação de caução dos danos a serem suportados pela parte contrária (aquela em face de quem a tutela provisória é requerida), ressalvada, expressamente, a situação do hipossuficiente economicamente (art. 300, § 1º). A ressalva é pertinentíssima porque eventuais ônus financeiros não podem se transformar em obstáculos ao acesso à Justiça. Solução dada pelo dispositivo, destarte, é plenamente harmônica com os incisos XXXV e LXXIV do art. 5º da CF. (2016, p. 254).
Eis aí mais uma característica comum a todas as espécies de tutelas provisórias.
Já abordadas, assim, as principais características conjuntas das tutelas provisórias, passa-se à uma análise do que antes previa o Código de Processo Civil de 1973, a fim de que se possa avaliar a evolução dada ao instituto processual pelo legislador.
2.10. O Código Revogado
As semelhanças entre a atual disciplina das tutelas provisórias, e a que foi dispensada pelo Código de 1973, às tutelas antecipadas e cautelares, não são poucas. Do contrário, o tratamento de todo similar dado a matéria por ambos os diplomas legais é ressaltada por Ester Camila Gomes Norato Rezende:
Sob a égide do Código de Processo Civil de 1973, são tutelas provisórias as medidas cautelares, a tutela antecipada (quando presentes verossimilhança das alegações, prova inequívoca e perigo de dano irreparável ou de difícil reparação) e o que a doutrina convencionou nominar de tutela de evidência (tutela antecipada em que se requer verossimilhança e prova inequívoca das alegações, bem como abuso do direito de defesa do réu). O novo Código de Processo Civil refere-se também a essas espécies de tutelas provisórias. (2015, p. 180).
Já à época do Código revogado a doutrina, analisando a fundo as tutelas antecipadas, havia chegado à conclusão de que se tratava de ferramenta processual destinada à equânime divisão do ônus representado pelo tempo do processo, tal qual ocorre com o Novo Código.Comentando o Diploma anterior já dizia Luiz Guilherme Marinoni:
A tutela antecipatória constitui o grande sinal de esperança em meio à crise que afeta a Justiça Civil. Trata-se de instrumento que, se corretamente usado, certamente contribuirá para restauração da igualdade no procedimento. Embora Chiovenda houvesse anunciado, com absoluta clareza e invulgar elegância, que o processo deve dar a quem tem um direito tudo aquilo e exatamente aquilo que tem o direito de obter, e, ainda, que o processo não deve prejudicar o autor que tem razão, a doutrina jamais compreendeu, porque não quis enxergar o que se passava na realidade da vida, que o tempo do processo não é um ônus do autor. (2009, p. 22/23).
Também não é nova a circunstância de que as tutelas provisórias fundam-se em cognição sumária e em juízo de probabilidade. Fazendo referência ao codex anterior já expunha Cássio Scarpinella Bueno:
(...) O que se relaciona à tutela antecipada, pois, é o que Watanabe chama de “cognição vertical”, e suas três espécies, superficial, sumária e exauriente. A diferença que existe entre essas três espécies de cognição jurisdicional (cognição no plano vertical) repousa na circunstância de, em alguns casos, o magistrado estar autorizado a decidir de forma mais rápida sem ter formulado, em seu íntimo, uma convicção total e imodificável de seu ponto de vista. É decidir, em determinadas situações, mais com a aparência do que parece ser certo e necessário do que decidir com 100% de razão ou convicção formada. (2007, p. 17).
A exemplo do que ocorre hoje, as tutelas antecipadas e cautelares também eram provisórias.
Não houve, neste ponto, modificação do antigo regime, que disciplinava a tutela antecipada que, a qualquer tempo podia ser revista pelo Magistrado. Repetindo as palavras de Ester Camila Gomes Norato Rezende:
Ainda em destaque à característica da provisoriedade, que domina o gênero (conforme opção teórica adotada pelo Código de Processo Civil), o art. 296. veicula consectário da provisoriedade, revelando que a tutela provisória não implica coisa julgada material, visto que “a tutela provisória conserva sua eficácia na pendência do processo, mas pode, a qualquer tempo, ser revogada ou modificada”. O dispositivo reproduz em parte o que prevê o artigo 273, do Código de Processo Civil de 1973, segundo do qual “a tutela antecipada poderá ser revogada ou modificada a qualquer tempo, em decisão fundamentada”. (2015, p. 186/187).
Pelas mesmas razões que hoje governam, sempre houve a possibilidade de que o contraditório fosse postergado, seja em se tratando de tutelas cautelares, seja de antecipadas. A busca do equilíbrio dos princípios constitucionais que regem o processo civil, no caso, com o sacrifício parcial do contraditório e da ampla defesa, já era retratada por Cássio Scarpinella Bueno:
(...) E justamente porque, por definição, não há uma resposta apriorística sobre qual “princípio deve prevalecer” em cada caso concreto é que o legislador da Lei n. 8.952/94 criou, para o magistrado, condições concretas e efetivas de, em cada caso concreto, assim decidir. Justamente porque o tempo inerente ao exercício do contraditório e da ampla defesa é rigorosamente oposta à necessidade da efetividade da jurisdição e de sua celeridade é que, realizando o modelo constitucional do processo civil, o legislador criou formas de, dependendo de uns tantos pressupostos a serem demonstrados concretamente, o juiz, sopesando-os, decidir pela preponderância de um ou de outro princípio constitucional, é dizer, de um ou de outro valor constitucional. (2007, p. 7).
À época do Código anterior, e ao contrário do que ocorre atualmente, toda e qualquer decisão interlocutória poderia ser atacada pelo recurso de agravo, de forma que, concedida ou negada a tutela urgente, a decisão era recorrível. A respeito escreveu Cássio Scarpinella Bueno:
Tratando-se, como se trata, de decisão interlocutória, o recurso a ser interposto por quem sofre algum tipo de prejuízo com seu proferimento é o agravo, nos termos ao art. 522, caput. E mais: o agravo de ser interposto na modalidade de instrumento, seja da decisão que nega o pedido, seja, também, da que o defere. (2007, p. 77).
Modificada a sistemática recursal, com a extinção do agravo retido e a restrição das hipóteses de cabimento de agravo de instrumento, contudo, foi mantida a possibilidade da busca da revisão da decisão que trate de tutelas provisórias.
Verdadeira mudança ocorreu, mas muito mais de reorganização da matéria do que de conteúdo, em razão da disciplina conjunta dada pelo Novo CPC, que aglutinou todas as modalidades sob o rótulo de tutelas provisórias. Como diz Ester Camila Gomes Norato Rezende:
A principal distinção entre as duas regulamentações legislativas, no entanto, é que o novo Código de Processo Civil, reconhecendo as semelhanças que alinham as três espécies, identificam-nas como pertencentes ao mesmo gênero, o gênero das tutelas provisórias, isto é, dos provimentos que têm a marca característica da provisoriedade. (2015, p. 180).
Evidenciado, assim, que poucas e superficiais são as mudanças trazidas pelo novo Código de Processo Civil, que ainda que tenha reorganizado a matéria, nada ou muito pouco de novo trouxe no que toca à essência dos institutos jurídicos que reuniu sob o título de tutelas provisórias.