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Idade penal (maioridade) na legislação brasileira desde a colonização até o Código de 1969

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Agenda 27/11/2004 às 00:00

1. Introdução

No decorrer do breve estudo acerca da maioridade penal, notaremos a tendência das legislações, que, a princípio, limitavam a idade limite a 9 anos e foi progressivamente aumentando para 16 e 18 anos.

Isso se deu, sobretudo, porque os povos modernos, no afã de alcançar a sociedade justa, lutam para que seja dispensado ao menor um tratamento jurídico capaz de faze-lo alcançar a maturidade. Até porque, a criança é patrimônio da humanidade e o nível de civilização de um povo pode ser aferido pelo tratamento dispensado à infância.

No início do século XIX, conforme ensina Francisco Pereira de Bulhões Carvalho, segundo os princípios da escola clássica, todo menor que demonstrasse "discernimento" era punível como se fosse adulto. Com o advento da teoria humanitária ou correcional fez com que se desse a esses menores uma prisão especial denominada reformatório (lei francesa de 09 de agosto de 1850), que visava a transformar a prisão-pena em prisão-educação que, entretanto, constituíam verdadeiras prisões.

Temos registrado na história do Brasil, a exemplo de outros países como os EUA, a França e a Rússia, em certas fases de sua trajetória, à inimputabilidade associam-se providências de caráter repressivo. Bento de Faria (1919), por exemplo, ao comentar o Código Penal de 1890, ilustra esta situação no art. 30. (onde se fixa a inimputabilidade dos jovens até 14 anos) com uma série de decisões dos tribunais de mandar soltar meninos recolhidos em prisões com adultos por falta de instituições adequadas. 1

O objetivo do presente trabalho, contudo, é traçar a evolução da maioridade penal na legislação brasileira desde a colonização, tendo como limite o Código de 1969. A despeito disso, pensamos ser importante, antes de adentrar no tema proposto, tecer alguns comentários sobre a história do direito do menor desde os tempos mais remotos.


2. Dados históricos da maioridade penal

O direito em relação à infância era completamente desconhecido na antiguidade. As antigas legislações permitiam a eliminação de filhos defeituosos e débeis, enquanto outras aceitavam a asfixia de recém-nascidos do sexo feminino.

No Direito Romano, em seu período inicial, as crianças eram tratadas como se fossem propriedades dos pais, que tinham sobre elas o direito absoluto de vida ou morte. A lei mosaica, embora anterior, não diferia muito da romana. No Velho Testamento encontram-se inúmeras práticas severas contra os jovens. 2

A tarefa de traçar todo o percurso tomado pelos juristas no tratamento com a criança não é fácil, porque o estado de menoridade não foi regulado no curso histórico com precisão, havendo períodos com lacunas legislativas.

Entretanto, no Direito Romano, pode-se acompanhar, com mais segurança o rumo seguido pelos legisladores.

O primeiro registro histórico do direito do menor normatizado, que se tem notícia, encontra-se em Roma, com a célebre distinção entre infantes, púberes e impúberes, contida na Lei das XII Tábuas, de 450 a.C., que levava em conta o desenvolvimento estrutural para nortear os limites de faixa etária daquela classificação. 3

A proteção especial ao menor era da seguinte forma: os impúberes (homens de 07 a 18 anos e mulheres de 07 a 14 anos) estavam isentos de pena ordinária aplicada pelo juiz, uma vez que esta somente era aplicada após os 25 anos de idade, quando se alcançava a maioridade civil e penal, embora fossem passíveis de receber uma pena especial, chamada de arbitrária (bastão, admoestação), desde que apurado o seu discernimento. Assim prescrevia a lei romana: "os pupilos devem ser castigados mais suavemente". A pena de morte era proibida. 4

Os Glosadores, na idade média, suportavam uma legislação que determinava a impossibilidade de punir adultos por crimes praticados na infância.

Já o Direito Canônico, assim como nos demais segmentos jurídicos, seguiu as diretrizes preestabelecidas pelo Direito Romano.

Consta na história, outrossim, que na Inglaterra e na Itália de antigamente, para conhecer se a criança agira ou não com discernimento, era a prova da maçã de Lubecca, que consistia em oferecer uma maçã e uma moeda. Escolhida esta estava provada a malícia e anulada qualquer proposta legal com proteção. Por isso, encontram-se registros sobre a pena capital recaindo em crianças de dez e onze anos.

A Constitutio Carolina (1532), por exemplo, embora não admitisse a pena de morte aos menores até quatorze anos, admitia a pena corporal para o delito de roubo. No Direito Inglês, durante o reinado de Aethalstano, foi estabelecido que "se os parentes de um menor de idade acusado de um delito, não o toam a seu cargo e não constituem uma garantia de sua honestidade, ele deverá jurar não voltar a delinqüir, devendo permanecer em uma prisão pela falta cometida. E se depois disto roubar de novo, deixem que os homens o matem". (Muccillo, 1961, p. 30). 5

Os Decretos penais do Conselho da República de Lucca, de 1640, referem-se ao decreto sobre o vício sodomítico para o qual havia as seguintes penas: se o acusado tinha menos de quatorze anos, "a pena arbitrária"; se tinha de quatorze a dezoito anos, "trinta dias de cárcere isolado"; de dezoito aos vinte e cinco anos, "sessenta dias de cárcere isolado ou desterro por dois anos"; de vinte e cinco anos aos cinqüenta anos, "um ano de cárcere ou dez de desterro"; se tinha mais de cinqüenta anos, "a pena era de ser decapitado e queimado". Já o Decreto de 1533 previa para os jovens de dez anos para cima que atiram pedras na escola, nas oficinas ou contramestres, se são da cidade, a prisão com a liberdade mediante o pagamento de um escudo, sendo metade para o alcaide e outra metade para câmara da magnífica comarca; se são camponeses ou forasteiros, idem e mais vinte e cinco açoites em público.

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As Ordenações de Luís IX, ao tratarem da blasfêmia, aplicavam ao menor a correção com chicotadas, a multa e a prisão, enquanto para o adulto havia pena de morte.

As Ordenações Filipinas, que vigoravam em Portugal a partir de 1603 e no Brasil até 1830, espelhavam o mesmo espírito da época. No título CXXXV do Livro Quinto, por exemplo, diz:

"Quando os menores eram punidos, por delitos que fizerem.

Quando algum homem, ou mulher, que passar de vinte anos cometer qualquer delito, dar-se-lhe-á a pena total, que lhe seria dada, se de vinte e cinco anos passasse.

E se for de idade de dezessete anos até vinte, ficará ao arbítrio dos julgadores dar-lhe a pena total, ou diminuir-lha.

E neste caso olhará o julgador o modo, com que o delito foi cometido, e as circunstâncias dele, e a pessoa do menor; e se achar em tanta malícia, que lhe pareça que merece pena total, dar-lhe-á, porto que seja de morte natural.

E parecendo-lhe que não a merece, poder-lhe-á diminuir, segundo a qualidade, ou simpleza, com que achar, que o delito foi cometido.

E quando o delinqüente for menor de dezessete anos cumpridos, posto que o delito mereça morte natural, em nenhum caso lhe será dada, mas ficará em arbítrio do julgador dar-lhe outra menor pena.

E não sendo o delito tal, em que caiba pena de morte natural, se guardará a disposição do Direito comum "(Pierangelli, 1980, pp. 133-134)".

Este foi o rumo seguido pelos povos no tratamento com o menor infrator até o século XVIII. Rousseau e Spencer, segundo os ensinamentos de Maria Auxiliadora Minahim, admitiam que todos os homens ao nascer só têm bons sentimentos, mas não puderam com isso impedir que, de fato, face à perplexidade causada pela infração cometida pelo jovem, ele pudesse cumprir pena em calabouços.

Na verdade, a idéia de que a criança representa a pureza e bondade, como dizia Cristo, não parece compatível com determinadas ações que pratica.

Isto tem gerado uma dúvida sobre o tratamento a lhe ser dispensado porque, se de um lado sua preservação é fundamental, sua fragilidade e encanto fascinam; por outro lado, a constatação, que este ser, assim percebido, também é egoísta e cruel, é assustadora.

Com a criação do Código Francês em 1791 notou-se um pequeno avanço na repressão da delinqüência juvenil com aspecto recuperativo, com o aparecimento das primeiras medidas de reeducação e o sistema de atenuação de penas.


3. Evolução histórica da maioridade penal no Brasil até o Código de 1969

Até a criação da primeira legislação penal brasileira, vigoravam no Brasil, como já dito, o mesmo ordenamento jurídico que regiam os portugueses. Portanto, os comentários já feitos acerca da legislação lusitana durante esse período (que corresponde desde a colonização até o Código de 1830) são transportados para o início desse tópico.

Em 1830, com a criação do Código Criminal do Império, inspirado no Código Penal Francês de 1810, adotou-se o sistema do discernimento, determinando a maioridade penal absoluta a partir dos 14 anos, salvo se tivesse obrado com discernimento, devendo, então, ser recolhido às casas de correção, pelo tempo determinado pelo juiz, contanto que o recolhimento não excedesse a idade de dezessete anos. Por este critério, o discernimento poderia ser descoberto até mesmo em uma criança de oito anos e um adolescente de quinze anos poderia ser condenado à prisão perpétua, o que se dava efetivamente, conforme criticava Tobias Barreto. 6

Já o Código Penal Republicano, de 1890, determinava a inimputabilidade absoluta até os 09 anos de idade completos, sendo que os maiores de 09 e menores de 14 anos estariam submetidos à analise do discernimento, critério este que sempre foi um verdadeiro enigma para os aplicadores da lei, chamado por Evaristo de Moraes, como lembra Márcia Milanez Carneiro, de "adivinhação psicológica".

A verificação da aptidão para distinguir o bem do mal, o reconhecimento de possuir o menor relativa lucidez para orientar-se segundo as alternativas do lícito e do ilícito era das mais difíceis para o juiz, que quase invariavelmente decidia em favor do menor, proclamando-lhe a ausência de discernimento, conforme ensina Basileu Garcia. 7

Segundo Aníbal Bruno, 8 "nos fins do século XIX outra ordem de motivos veio a influir na matéria – motivos de natureza criminológica e de política criminal, segundo os novos conhecimento sobre a gênese da criminalidade e a idéia da defesa social, que impunha deter os menores na carreira do crime. Daí nasceu o impulso que iria transformar radicalmente a maneira de considerar a tratar a criminalidade infantil e juvenil, conduzindo-a a um ponto de vista educativo e reformador".

O dispositivo do Código de 1890, que tratava da inimputabilidade, foi revogado em 1921 com a Lei 4.242, de 5.1.21, art. 3o. Que autorizou o Governo da República a organizar o serviço de assistência e proteção à infância abandonada e delinqüente, construindo abrigos, fundando casas de preservação, etc., para, então estabelecer no parágrafo 20 o seguinte:

"O menor de 14 anos, indigitado autor ou cúmplice de crime ou contravenção, não será submetido a processo de espécie alguma e que o menor de 14 a 18 anos, indigitado autor ou cúmplice de crime ou contravenção será submetido a processo especial".

Em 1926 passou a vigorar o Código de Menores instituído pelo Decreto Legislativo de 1o. De dezembro do mesmo ano, prevendo a impossibilidade de recolhimento à prisão do menor de 18 anos que houvesse praticado ato infracional. O menor de 14 anos, conforme sua condição de abandono ou perversão, seria abrigado em casa de educação ou preservação, ou ainda, confiado à guarda de pessoa idônea até a idade de 21 anos. Poderia ficar sob custódia dos pais, tutor ou outro responsável se sua periculosidade não fosse acentuada.

Com a introdução do Código Penal de 1940 no ordenamento jurídico brasileiro, que vigora até os dias de hoje, embora com alterações, passou-se a adotar o critério puramente biológico, no que concerne à inimputabilidade em face da idade, estabelecendo-a para os menores de 18 anos, traduzindo-se, assim, como uma exceção à regra, ou seja, o método bio-psicológico, que prevalece no caso das demais espécies de inimputabilidade previstas naquele Código. 9

Sobre esse período, ensina Nelson Hungria 10 que "inspirado principalmente por um critério de política criminal, colocou os menores de 18 anos inteira e irrestritamente à margem do direito penal, deixando-os apenas sujeitos às medidas de pedagogia corretiva do Código de Menores. Não cuidou da maior ou menor precocidade psíquica desses menores, declarando-os por presunção absoluta, desprovidos das condições da responsabilidade penal, isto é o entendimento ético-jurídico e a faculdade de autogoverno ". E continua: "ao invés de assinalar o adolescente transviado com o ferrete de uma condenação penal, que arruinará, talvez irremediavelmente, sua existência inteira, é preferível, sem dúvida, tentar corrigi-lo por métodos pedagógicos, prevenindo sua recaída no malefício".

Em 1969 o natimorto Código Penal, em seu artigo 33, tentou ressuscitar o critério do discernimento ao estabelecer o retorno do critério bio-psicológico, possibilitando a aplicação de pena ao maior de 16 e menor de 18 anos, com a pena reduzida de 1/3 a metade, desde que o mesmo entendesse o caráter ilícito do ato ou tivesse possibilidade de se portar de acordo com este entendimento. A presunção da inimputabilidade era relativa, portanto.

Muito criticada foi a tentativa da redução da imputabilidade para 16 anos, conforme lembra José Henrique Pierangeli, 11 pois fazia depender de exame criminológico para a verificação da sua capacidade de entendimento e de autodeterminação.

Entretanto, como sabido, este código, teve o início da vigência protelado por várias vezes e acabou por não ter tido a oportunidade de entrar em vigor. Com isso, a maioridade penal permaneceu nos moldes do estabelecido pelo de 1940, ou seja, 18 anos de idade, sujeitando os menores à legislação especial.

Não podemos deixar de mencionar, ainda, que o nosso Código Penal Militar adotou a teoria o discernimento ao fixar o limite penal em 18 anos salvo se, já tendo o menor 16 anos, revelar discernimento. 12

Fez-se surgir, assim, uma anomalia do processo contra o menor de 18 anos, já que se envia em primeiro lugar para a Justiça Militar, para que esta se declare ou não incompetente para remetê-lo ao juízo de menores, se entender haver o menor agido com discernimento. É tanto mais anômala essa situação quanto é certo que, pelo Código Penal comum, é absoluta a inimputabilidade do menor de 18 anos.

Contudo, como a Constituição Federal de 1988 dispõe, em seu art. 228, que a menoridade penal termina aos 18 anos, o citado dispositivo do Código Penal Militar não mais vigora, por ausência de recepção com a nova ordem constitucional. 13


4. Maioridade penal no direito comparado

Segundo quadro publicado pelas Nações Unidas em 1955, sobre 40 países, 22 fixariam em 18 anos essa idade, sendo que, na Europa, tal ocorreria na Áustria, Dinamarca, Finlândia, França, Itália, Luxemburgo, Noruega, Holanda, Suíça e Iugoslávia. 14

Assim, temos na obra Direito do Menor, de Francisco Pereira de Bulhões Carvalho:

Portanto, a lei francesa fixa o tempo máximo da inimputabilidade em 13 anos. Pelo antigo Código Penal francês, não era fixado o mínimo de idade, que ficava a critério dos magistrados (Garraud, 1, n. 238).

Importante salientar que pelo direito francês só excepcionalmente são impostas penas aos menores de 18 anos e, quando tal acontece e a execução dessas penas não seja suspensa pela liberdade vigiada, são elas cumpridas em estabelecimentos especiais de "educação vigiada" comum em geral aos menores gravemente indisciplinados ou perigosos (art. 28. da lei de 24 de maio de 1951).


5. Considerações finais

Pudemos observar, no decorrer do breve apanhado histórico da maioridade penal, que a responsabilidade do menor sempre foi alvo de discussões, desde os tempos mais remotos, em todos os países. Os menores passaram por exaustivos sacrifícios, inclusive tendo que pagar com a própria vida, até alcançarem a garantia de seus direitos fundamentais.

Muitas legislações foram criadas e aplicadas no Brasil ao longo de sua história. Desde a inimputabilidade absoluta até os 09 anos, até a responsabilização especial do Estatuto da Criança e do Adolescente, atravessando a fase do critério do discernimento.

Hoje, como se sabe, a maioridade penal é fixada aos 18 anos. No entanto, ressalta Francisco de Assis Toledo, 15 nada indica que essa idade seja um marco preciso no advento da capacidade de compreensão do injusto e de autodeterminação. É, entretanto, um limite razoável de tolerância recomendado pelo Seminário Europeu de Assistência Social das Nações Unidas, de 1949, em Paris, tanto que podemos afirmar ser o limite de 18 anos praticamente regra internacional, sendo adotado pela maioria dos países, ou com pequenas variações para mais ou para menos.

De toda a sorte, o aumento da criminalidade infanto-juvenil galgando até os dias de hoje, faz com que a maioridade penal continue sendo o foco de grande polêmica e discussões na sociedade, sobretudo no meio jurídico.

Todavia, não nos cabe aqui nesse pequeno trabalho, expor a celeuma vivida na atualidade acerca da redução ou não da maioridade penal, nem sequer exaurir o tema, mas, tão somente, comprovar a existência bem como a evolução do direito menorista na história.

Sobre a autora
Heloisa Gaspar Martins Tavares

Advogada da FUNAP, atuante na PAJ DE São José do Rio Preto– SP; Professora de Direito no Centro de Estudos Jurídicos MERITUM

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TAVARES, Heloisa Gaspar Martins. Idade penal (maioridade) na legislação brasileira desde a colonização até o Código de 1969. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 514, 27 nov. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5958. Acesso em: 22 nov. 2024.

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