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Uma vergonha

Agenda 10/08/2017 às 13:00

A munição cluster é um tipo de projétil que se abre no ar e espalha submunições explosivas. Seu uso é proibido nos termos da Convenção sobre Munições Cluster (CCM), de 2008, subscrita por mais de 100 países. O Brasil, que é um de seus maiores produtores e está fornecendo para a Arábia Saudita, não a assinou.

Vem a notícia de que a Arábia Saudita usou armas brasileiras em ataques no Iemen.

A Árábia Saudita foi acusada de massacre na capital do Iêmen, provando um borbardeio no qual mais de 40 pessoas morreram, atingindo em cheio as pessoas que estavam numa cerimônica fúnebre na capital daquele país.

O objetivo da coalizão árabe é restabelecer a autoridade em todo o país do governo iemenita, reconhecido pela comunidade internacional, que precisou fugir do Iêmen em fevereiro de 2015.

O país está controlado em parte pelos rebeldes xiitas huthis. O governo no exílio tenta ganhar terreno com o apoio da coalizão árabe. Conseguiu reforçar suas posições no sul, mas tem problemas para reconquistar as regiões do norte. O Irã, que apoia os huthis, reagiu rapidamente ao bombardeio.

Mais de 5.000 mil civis foram mortos e 8.500 feridos desde 2015, em ataques aéreos e terrestres promovidos por uma coalização de paises liderados pela Arábia Saudita contra as forças hutis. A coalização matou civis de forma indiscriminada ou desproporcional, atingindo escolas, casas, hospitais e funerais, com uso, inclusive, de armas de fragmentação, as chamadas "munições cluster".

Sabe-se que, no fim de 2016, essas munições foram lançadas pela coalização nas proximidades de duas escolas de Saada, no norte do Iêmen. 

Como registrou Maria Laura Canineu (Contradições Bélicas, Revista Veja), fotos tiradas após os ataques mostram restos de um foguete fabricado pela Empresa Avibras, em São José dos Campos, além de danos de fragmentação característicos de submunições a partir de um ataque com munições cluster. 

Caso comprovado o fato, é uma vergonha para o Brasil, em sua politica internacional de apoio aos direitos humanos.

A Anistia Internacional denunciou que uma coalizão liderada pela Arábia Saudita utilizou armamentos fabricados no Brasil em três ataques no Iêmen nos últimos 16 meses. Segundo a entidade, o primeiro foi documentado em outubro de 2015, o segundo em maio de 2016 e o terceiro ocorreu, às 10h30, do dia 15 de fevereiro deste ano. Neste, foram atingidas três áreas residenciais e uma área rural na cidade de Sa’da, ferindo dois civis e causando danos materiais.

Segundo a Anistia Internacional, o uso, a produção, a venda e o comércio de munições cluster, um tipo de projétil, que se abre no ar e espalha submunições explosivas e podem ser jogados ou disparados de um avião ou lançados de foguetes superfície-superfície, é proibida nos termos da Convenção sobre Munições Cluster (CCM), de 2008, subscrita por mais de 100 países signatários.

O Brasil não assinou a convenção e é um dos principais produtores mundial deste tipo de munição, ao lado de Estados Unidos, China, Índia, Rússia, Israel e Paquistão, que também não são signatários da CCM.

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De acordo com a diretora de pesquisa do escritório da Anistia Internacional em Beirute, Lynn Maalouf, a coalizão liderada pela Arábia Saudita justifica de modo absurdo o uso de munições cluster, alegando que está em conformidade com a lei internacional.

“As munições cluster são, de forma inerente, armas que infligem dano inimaginável às vidas civis. O uso de tais armas é proibido pela lei internacional humanitária em qualquer circunstância. À luz de evidências crescentes, é mais urgente do que nunca que o Brasil faça sua adesão à Convenção sobre Munições Cluster, e que a Arábia Saudita, e os membros da coalizão, parem todo o uso destas armas”, disse a diretora.

A Anistia Internacional informou que entrevistou oito moradores do local, inclusive duas testemunhas, sendo que uma delas foi ferida no ataque. Além disso, manteve contato com um ativista local e analisou fotos e vídeo fornecidos pelo Yemen Executive Mining Action Center, que inspecionou a área 30 minutos após o ataque.

Vestígios identificados pela Anistia Internacional mostram que o ataque partiu de um foguete Astros II superfície-superfície, um sistema de lançamento múltiplo, carregado por caminhão, fabricado pela empresa brasileira Avibras.

A Anistia Internacional chamou atenção, ainda, para a elevada taxa de falhas desses armamentos, o que, para a entidade, significa que uma alta quantidade deles não explode no momento do impacto, tornando-se minas terrestres que representam uma ameaça para os civis durante anos após o ataque.

Se verdadeiro o fato, é preciso que o Brasil se explique perante a comunidade internacional, pelo fato de fornecer armas que matam inocentes numa guerra que envolve interesses da Arábia Saudita, país de população sunita, rico em petróleo e acusado de desconhecimento às regras de direitos humanos e, ainda, apoiado pelos Estados Unidos da América.

Isso acontece quando, em 7 de julho de 2017, junto a 121 países, o Brasil adotou um novo tratado sobre a proibição de armas nucleares, que será aberto para assinatura da Assembleia Geral da ONU, em setembro do corrente ano. 

O Brasil sabe que é um avanço lutar contra as armas de destruição em massa. 

Ora, o Brasil já participa do tratado que proíbe minas terrestres. Por que não faz o mesmo com o tratado-irmão, que envolve a Convenção sobre as munições cluster de 2008, que proíbe sua produção, transferência, armazenamento e uso? O Brasil, ratifica-se, não assumiu nenhum desses compromissos. 

Trata-se de um dever humanitário de proteger civis que estão expostos a esses armamentos. 

A gravidade do fato é evidente.

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. Uma vergonha. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5153, 10 ago. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/59597. Acesso em: 21 nov. 2024.

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