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Rescisão indireta e o direito de defesa do empregado nas relações trabalhistas

Agenda 08/08/2017 às 10:40

O empregado precisa ser bem orientado e estar consciente de que, se seu pedido de rescisão indireta não for acolhido pelo juízo, será considerado como pedido de demissão.

1 INTRODUÇÃO

A rescisão indireta do contrato de trabalho é ferramenta disponível ao empregado celetista que buscar rescindir seu contrato por grave falta cometida pelo seu empregador, podendo ser algum dos sócios, supervisores ou prepostos de modo geral.

As relações trabalhistas são regidas pela CLT – Consolidação das Leis do Trabalho, decreto-Lei n.º 5.452/43, salvo aquelas de regime público especial, como os estatutários, cujos direitos e obrigações possuem regulamentação própria.

Nas relações trabalhistas, assim como em qualquer relação contratual, há circunstâncias, evitáveis ou não, que acarretam grave lesão e prejuízo a uma das partes. Na hipótese que abordaremos neste artigo é quando o empregado é a parte prejudicada, já que o empregador, quando prejudicado, tem ao seu dispor a demissão por justa causa, dentre outras medidas à sua disposição, inerentes ao seu poder de gestor.

Considerando a realidade atual, onde os empregados têm sido cada vez mais exigidos, a fim de possibilitar que seus empregadores alcancem os lucros almejados, a possibilidade de haver violação a algum direito trabalhista é claramente possível.

Não podemos também desconsiderar a realidade da maior parte dos empregadores, que sugados pelas obrigações tributárias e baixas margens de lucro se veem muitas vezes impossibilitados de honrar seus compromissos, o que possui relevante valor moral, mas não muda em nada o direito do empregado buscar a rescisão indireta.

Como claramente esclarece o procurador do trabalho, Renato Saraiva (2010, p. 339):

A rescisão indireta, também chamada de despedida indireta, ocorre quando a falta grave é cometida pelo empregador, justificando a brusca ruptura contratual do liame empregatício.

Assim, o presente artigo trata objetivamente das questões que fazem surgir aos empregados celetistas o direito de usarem a ferramenta da rescisão indireta do contrato de trabalho, prevista no 483 CLT.


2 CAUSAS DE RESCISÃO INDIRETA

Dentre as causas ensejadoras do direito dos empregados celetistas fazerem uso da ferramenta da rescisão indireta destaca-se o rol do art. 483 da CLT, que assim dispõe:

Art. 483 - O empregado poderá considerar rescindido o contrato e pleitear a devida indenização quando:

a) forem exigidos serviços superiores às suas forças, defesos por lei, contrários aos bons costumes, ou alheios ao contrato;

b) for tratado pelo empregador ou por seus superiores hierárquicos com rigor excessivo;

c) correr perigo manifesto de mal considerável;

d) não cumprir o empregador as obrigações do contrato;

e) praticar o empregador ou seus prepostos, contra ele ou pessoas de sua família, ato lesivo da honra e boa fama;

f) o empregador ou seus prepostos ofenderem-no fisicamente, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem;

g) o empregador reduzir o seu trabalho, sendo este por peça ou tarefa, de forma a afetar sensivelmente a importância dos salários.

§ 1º - O empregado poderá suspender a prestação dos serviços ou rescindir o contrato, quando tiver de desempenhar obrigações legais, incompatíveis com a continuação do serviço.

§ 2º - No caso de morte do empregador constituído em empresa individual, é facultado ao empregado rescindir o contrato de trabalho.

§ 3º - Nas hipóteses das letras "d" e "g", poderá o empregado pleitear a rescisão de seu contrato de trabalho e o pagamento das respectivas indenizações, permanecendo ou não no serviço até final decisão do processo.   

Ao empregado leitor, cujas atividades profissionais não guardam qualquer relação com o mundo jurídico, pode surgir a dúvida sobre como ficam os empregados sem CTPS – Carteira de Trabalho e Previdência Social devidamente anotadas/assinadas. Estes trabalhadores também são titulares dos mesmos direitos daqueles com anotação da CTPS, caso a relação de trabalho tenha os requisitos previstos no artigo 3º da CLT:

Art. 3º - Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.

Parágrafo único - Não haverá distinções relativas à espécie de emprego e à condição de trabalhador, nem entre o trabalho intelectual, técnico e manual.

Atualmente, é comum a existência de relações fraudulentas de trabalho, através das quais, o empregador oferece trabalho ao empregado, com todas condições claras de uma relação de trabalho prevista na CLT, mas não realiza a anotação de sua CTPS, objetivando não ter custos tributários e previdenciários, além de menores encargos trabalhistas, como contribuições sociais, 13º, férias, FGTS e outros.

Todavia, a legislação trabalhista vem proteger o empregado sem CTPS anotada, garantindo a ele o direito de buscar no judiciário o reconhecimento do vínculo empregatício, com a consequente rescisão indireta.

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Apenas a título de exemplo, sem a pretensão de exaurir todas possibilidades, já que são várias, temos dentre os casos mais claros de descumprimento da anotação da CTPS as relações contratuais de prestação de serviço, através da qual, o profissional abre uma empresa como empreendedor individual e emite notas fiscais ao empregador, que se passa por tomador de serviço, sendo que a relação entre ambos é claramente enquadrada na CLT, muito comuns nos segmentos de engenharia e TI – Tecnologia da Informação e no caso de trabalhadores de menor conhecimento intelectual, necessitados de trabalho e renda, que se sujeitam a executar trabalhos nas condições do art. 3º da CLT, sem a anotação de sua CTPS, como na construção civil e no ramo agropecuário. Todos estes têm direito de buscar judicialmente o reconhecimento do vínculo empregatício, com a consequente rescisão indireta do contrato de trabalho reconhecido.

Bem, avançando no tema central de nosso artigo, deve o empregado estar ciente de que não basta alegar que o empregador comete alguma das violações previstas no art. 483 da CLT, já que lhe cabe a obrigação de provar o que afirma, possibilitando-lhe o alcance do seu direito. Se assim não fosse, todo empregador se encontraria em inequívoca vulnerabilidade na relação laboral.

Passamos a análise de cada uma das hipóteses previstas na legislação trabalhista aqui citadas.

2.1 Serviços exigidos dos empregados superiores a sua força ou proibidos por lei

A alínea “a” do art. 483 da CLT vai considerar como causa da rescisão indireta do contrato de trabalho, quando “forem exigidos serviços superiores às suas forças, defesos por lei, contrários aos bons costumes, ou alheios ao contrato”.

Enquadra-se nesta hipótese a empregada mulher, que for obrigada a suportar no exercício de suas atividades peso superior a 25 quilos, conforme estabelece o art. 390 da CLT, quando por inobservância às questões de ergonomia, for imposto ao empregado suportar tal peso, que lhe possibilite sofrer danos à saúde. Eventuais danos à saúde causado por excesso de peso pode ser inclusive enquadrado como acidente de trabalho, sendo punível o empregador com o pagamento da indenização devida, além dos demais direitos trabalhistas.

Serviços defesos em lei são aqueles proibidos de serem prestados, mas que o empregador mesmo diante desta proibição obriga o empregado executá-lo. Neste campo são várias as possibilidades, mas a título de exemplo, podemos pensar na hipótese de exigir de porteiro portar arma de fogo, exigir de profissional não habilitado o exercício de atividade de motorista, dentre vários outros.

Devem também os bons costumes serem respeitados. Não pode o empregador exigir de seus empregados a execução de tarefas constrangedoras, humilhantes, como por exemplo, obrigar que uma vendedora de roupas íntimas mostre aos clientes as peças vestindo-as, dentre várias outras possibilidades notadamente contrárias às regras de boa convivência na sociedade.

2.2 Receber tratamento com rigor excessivo

A alínea ”b” do art. 483 considera causa de rescisão indireta se o empregado “For tratado pelo empregador ou por seus superiores hierárquicos com rigor excessivo”.

A condição de empregador não significa ter o direito de dispensar ao empregado tratamento excessivamente rigoroso, afinal de contas, a escravidão já deveria ter acabado e as regras de cordialidade de boa convivência devem ser recíprocas. Na relação empregador e empregado é inadmissível o uso de terminologias pejorativas, que tenham por finalidade denegrir a imagem, gritar, usar palavrões, usar de gestos que também denotem estas situações.

Vale frisar que o rigor excessivo, capaz de dar ao empregado o direito da rescisão indireta, pode também ensejar no reconhecimento de assédio moral, punível com indenização e outras medidas.

2.3 Correr perigo de manifesto mal

A alínea ”c” do art. 483 considera causa de rescisão indireta, se o empregado “Correr perigo de manifesto de mal considerável”.

Ora, é inadmissível impor ao empregado que seu trabalho traga risco à sua saúde e à sua vida, exceto profissões cujo risco é a ela inerente, como eletricistas e bombeiros civis.

A fim de auxiliar o leitor a entender o presente caso, não pode, por exemplo, o empregador exigir que o empregado mergulhe parte de seu corpo em substância tóxica sem uso de EPI - Equipamento de Proteção Individual. Empregados domésticos obrigados a fazer limpeza externa em edifícios e sem qualquer proteção também podem ser enquadrados nesta situação.

2.4 Descumprimento contratual

A alínea ”d” do art. 483 considera causa de rescisão indireta, se “Não cumprir o empregador as obrigações do contrato”.

Esta é certamente uma das ocorrências mais comuns. Atrasar salários constantemente sem justificativa, deixar de recolher FGTS, não pagar pelas horas-extras, proibir funcionários de tirar férias, deixar de pagar 13º, não fornecer vale-transporte quando deveria fazê-lo e várias outras hipóteses podem ser usadas como exemplo.

É importante lembrar que um contrato de trabalho representa um instrumento de obrigações recíprocas. O empregado é obrigado a trabalhar, desde que dentro das normas do trabalho e ao empregador cabe a obrigação de honrar seus compromissos, sejam eles previstos na legislação, convenções e acordos coletivos e contratos individuais de trabalho.

2.5 Prática de ato lesivo à honra e boa fama

A alínea ”e” do art. 483 considera causa de rescisão indireta, se “Praticar o empregador ou seus prepostos, contra ele ou pessoas de sua família, ato lesivo da honra e boa fama”.

A honra de nenhuma pessoa pode ser violada e nem sua reputação atacada e denegrida. Tal conduta é gravíssima não só nas relações trabalhistas, mas em quaisquer outras, razão pela qual, é punível na esfera cível, nas relações de consumo, na esfera penal (crimes de injúria, calúnia e difamação).

Importante salientar, que o empregador que pratica contra seu empregado atos de injúria, calúnia e difamação pode, além de ter contra sua empresa o acolhimento da rescisão indireta, ser também responsabilizado na esfera penal.

É inadmissível nos dias de hoje que qualquer ser humano se comporte de modo opressor em relação ao outro em razão da sua superioridade hierárquica.

2.6 Prática de ofensa física

A alínea ”f” do art. 483 considera causa de rescisão indireta, se “Empregador ou seus prepostos ofenderem-no fisicamente, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem”.

Ora, exceto se para se defender ou defender outra pessoa, não existe qualquer justificativa que respalde uma agressão física, devendo ser reprimida no âmbito criminal, cabendo ao empregado injustamente agredido o pedido de rescisão indireta do contrato de trabalho.

2.7 Redução do trabalho que cause diminuição da remuneração

A alínea ”g” do art. 483 considera causa de rescisão indireta, se “O empregador reduzir o seu trabalho, sendo este por peça ou tarefa, de forma a afetar sensivelmente a importância dos salários”.

Nesta hipótese se enquadram os empregados cuja remuneração varia conforme a produção e venda. Imaginemos uma fábrica de tijolos, onde cada operário ganhe um valor por cada tijolo fabricado e sem que haja qualquer motivo, o empregador ou preposto o retira da linha de produção e o coloca para fazer algo sem correspondente remuneração. Ele irá ter diminuído seus ganhos e terá direito de buscar a rescisão indireta.

Caso a diminuição dos ganhos esteja ligada a também diminuição das vendas e a questões econômicas, pode o empregador não ser responsável e por este motivo, a rescisão indireta não será possível.


3 CONCLUSÃO

O empregado precisa ser bem orientado e estar consciente de que, se seu pedido de rescisão indireta não for acolhido pelo juízo, será considerado como pedido de demissão. Quando a sentença reconhecer a causa da rescisão indireta e acolher o pedido do empregado, ele terá direito de receber todas verbas rescisórias, como se dispensado sem justa causa fosse, ou seja, terá direito a multa de 40% sobre o saldo do FGTS, férias vencidas e proporcionais, 13º proporcional, saque da conta do FGTS e receber seguro-desemprego.

Deve o empregado ter cautela com os dissabores das relações trabalhistas que não representem causa de rescisão indireta, por outro lado, deve o empregador tratar bem seus empregados, podendo também ser rigoroso e exigente, desde que dentro dos limites das normas trabalhistas.

A rescisão indireta não é uma opção a ser usada sem critério e sem necessidade. É de suma importância que o trabalhador procure por um advogado, preferencialmente de sua confiança, indagando a respeito de seus direitos, devendo sempre lembrar que não basta afirmar a ocorrência de qualquer causa para a rescisão indireta, já que deverá prová-la, seja através de documentos, prova pericial e, principalmente, depoimento de testemunhas, aptas a testemunhar quando for o caso.


REFERÊNCIAS

SARAIVA, Renato, Direito do Trabalho: versão universitária, 3ª Edição, Rio de Janeiro, Ed. Forense

Sobre a autora
Alina Bueno Pessoa Toledo

Advogada OAB 162.181/MG Graduada pela Faculdade Novos Horizontes em Belo Horizonte/MG. pós graduada em Direito de Família pela UCAM RJ. Técnica em Contabilidade.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TOLEDO, Alina Bueno Pessoa. Rescisão indireta e o direito de defesa do empregado nas relações trabalhistas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5151, 8 ago. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/59632. Acesso em: 21 nov. 2024.

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