Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br

Acúmulo remunerado de cargos públicos

Agenda 08/08/2017 às 14:14

A Constituição Federal de 1988 veda o acúmulo remunerado de cargos públicos, como regra geral. Todavia, em decorrência das hipóteses excetuadas pelo texto constitucional, verifica-se, na prática, interpretações divergentes e aplicações equivocadas da lei.

INTRODUÇÃO

A Constituição Federal de 1988, ao estabelecer regras basilares para a contratação de pessoal e gerenciamento dos quadros no âmbito da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, vedou a acumulação remunerada de cargos, empregos e funções públicas.

Da leitura do artigo 37, incisos XVI e XVII, da Constituição Federal, depreende-se que o legislador almejou instituir a vedação de maneira ampla, de modo que se aplica aos entes federativos, autarquias, fundações, empresas públicas, sociedades de economia mista e suas subsidiárias, bem como às sociedades controladas pelo poder público.

Não obstante a proibição expressa na Carta Magna, foram instituídas breves exceções à vedação do acúmulo de cargos, empregos e funções públicas, as quais, de maneira equivocada, acabam por fundamentar desvios cometidos por gestores e verificados pelos Tribunais quando da apreciação dos atos.  

O presente artigo buscará expor, brevemente, algumas das controvérsias enfrentadas quando da análise de situações relacionadas à acumulação de cargos públicos.

A VEDAÇÃO DO ACÚMULO REMUNERADO DE CARGOS PÚBLICOS

A Constituição Federal, em seu artigo 37, inciso XVI, dispõe sobre a vedação do acúmulo remunerado de cargos públicos, nos seguintes termos:

XVI - é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto, quando houver compatibilidade de horários, observado em qualquer caso o disposto no inciso XI:

a) a de dois cargos de professor;

b) a de um cargo de professor com outro técnico ou científico; 

c) a de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas; 

 

Verifica-se que o legislador permitiu, em caráter excepcional e respeitada a compatibilidade de horários, o acúmulo dos cargos de professor, professor e técnico ou científico e, por fim, de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde.

Ou seja, preliminarmente a qualquer acumulação, deve ser observado se os horários a serem cumpridos pelos servidores, nos cargos acima mencionados, são compatíveis.

No entanto, por vezes, essa compatibilidade é mal interpretada, tendo em vista que horários compatíveis não se resumem a jornadas que não se sobrepõem.

 Isso porque o fato de uma jornada terminar e, no instante seguinte, outra jornada se iniciar, não significa, necessariamente, que há compatibilidade.

Não obstante a omissão da lei quanto à jornada máxima nos casos de acúmulo, para a verificação do requisito deve-se considerar o tempo de deslocamento entre os postos de trabalho e a carga horária total trabalhada, a fim de avaliar se resta tempo ao servidor para repouso, lazer e saúde.

Nesse sentido é o entendimento do Tribunal de Contas da União, no voto proferido pelo Relator Ministro José Jorge, por meio do Acórdão nº 1168/2012 - Plenário:

11. Ainda que não expressamente demarcada, penso que a compatibilidade de horários deve sempre observar, prioritariamente, o atendimento ao interesse público, não podendo se circunscrever à simples comprovação de ausência de superposição de jornadas. Decerto, o legislador, ao vedar - via de regra – a acumulação de cargos, ou admiti-la de forma restrita, buscou, dentre outros objetivos, garantir melhor qualidade na prestação dos serviços públicos. Não é demais relembrar que o princípio da eficiência, nos termos do art. 37, caput, da Constituição, também deve nortear as ações oriundas da administração.

12. Além de não se prestar a atender interesses particulares, em desfavor de um melhor desenvolvimento da função pública, a verificação da compatibilidade de horários não pode comungar com a degradação da condição humana, consistente no repouso inadequado e não reparador, na redução do tempo de alimentação e do deslocamento seguro, circunstâncias essenciais para a sanidade física e mental de qualquer trabalhador. (grifo nosso)

 

Outra condição importante a ser observada é que a vedação imposta pelo artigo 37 da Constituição Federal tem como objeto central a titularidade do cargo, portanto, ainda que exista compatibilidade de horários e o servidor esteja licenciado de uma de suas funções, permanece a restrição constitucional, nos termos da Súmula nº 246 do Tribunal de Contas da União:

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

O fato de o servidor licenciar-se, sem vencimentos, do cargo público ou emprego que exerça em órgão ou entidade da administração direta ou indireta não o habilita a tomar posse em outro cargo ou emprego público, sem incidir no exercício cumulativo vedado pelo artigo 37 da Constituição Federal, pois que o instituto da acumulação de cargos se dirige à titularidade de cargos, empregos e funções públicas, e não apenas à percepção de vantagens pecuniárias.

 Importa ressaltar, ainda, a importância do regime de trabalho de cada cargo cumulado, consideradas suas peculiaridades. Pode-se citar, como exemplo, casos em que a parte ocupa função que exija dedicação em horários irregulares, podendo interferir na jornada do outro cargo.

Nesse sentido é o entendimento do TJRS, consubstanciado no Mandado de Segurança nº 70064116031, quando do exame da pretensão de acúmulo do cargo de Professor com Técnico em Perícias:

No entanto, não é essa a única exigência constitucional com vista à possibilidade de acumulação de cargos. Nessa linha, a letra b do inciso XVI do artigo 37 da Constituição somente admite a acumulação remunerada de cargos públicos em havendo compatibilidade de horários, requisito esse que não se encontra preenchido no caso concreto.

 Nesse sentido, a declaração de fl. 19, emanada do Departamento de Perícias do Interior, indica que a carga horária semanal do impetrante é de 40 horas e que suas atividades são exercidas em regime de plantão de 24/72 horas, incluindo finais de semana.

Diante desse quadro, ainda que levando em conta a previsão do § único do artigo 13 da Lei nº 14.519/2014, segundo o qual a dedicação exclusiva dos ocupantes do quadro de Cargos de Provimento Efetivo do IGP não inclui a atividade de docência, não se vislumbra a compatibilidade de horários exigida, de modo que não faz jus o impetrante a assumir o cargo de professor como pretende. Com efeito, laborando o impetrante em plantões de 24/72 horas, a tendência natural é que o plantão cairá sempre em dias diferentes, o que impederia o exercício do cargo docente, que exige horário regular, cabendo salientar, ainda, a possibilidade de convocação para trabalho no período da noite, bem como em finais de semana e feriados. (sem grifos no original)

 

Por outro lado, é possível verificar situações em que a compatibilidade de horário é considerada isoladamente, em detrimento da exceção relativa aos cargos, permitida na Constituição Federal, constituindo situação irregular.  

Ou seja, para que haja legalidade no acúmulo deve ser compreendida a natureza dos cargos, se dois de professor, um de professor com outro técnico ou científico, ou dois privativos de profissionais de saúde, conjuntamente com a compatibilidade de horários.

Esse é o entendimento contemplado no Acórdão nº 3075/16, do Tribunal de Contas do Estado do Paraná, quando da análise do acúmulo do cargo de Assessor Jurídico em três Municípios distintos:

 

A defesa sustentou a plena compatibilidade de horários, uma vez que a carga horária para o cargo efetivo era de 20 (vinte) horas semanais. A compatibilidade de horários não é uma premissa constitucional isolada. O artigo 37, inciso XVI, da Constituição Federal, é absolutamente cristalino ao dispor que “é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto, quando houver compatibilidade de horários, observado em qualquer caso o disposto no inciso XI”, que por sua vez é taxativo quanto à possibilidade de cumulação nos seguintes casos: “(...) a) a de dois cargos de professor; b) a de um cargo de professor com outro técnico ou científico c) a de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas; (grifos nossos)

Portanto, além da compatibilidade de horários, o servidor deve se amoldar em uma das situações supramencionadas, o que não se verifica no presente caso. Portanto, evidente a desobediência à norma inserta no artigo 37, XVI, da Constituição Federal. Além do mais, o cargo em comissão pressupõe, por si só, comprometimento de dedicação exclusiva à função de direção, chefia ou assessoramento.

 

Veja-se que a decisão supracitada frisa o fato de o cargo de Assessor Jurídico ser de provimento em comissão e, portanto, se enquadrar no regime de dedicação exclusiva. Nesse caso, seria possível concluir, inclusive, pela incompatibilidade de horário frente à necessidade de comprometimento integral com a função.

Depreende-se, portanto, que a interpretação da exceção preceituada pelo artigo 37, inciso XVI, da Constituição Federal, deve ser de caráter amplo e devidamente apreciada no caso concreto, a fim de evitar que a acepção limitada do dispositivo conceda margem ao descumprimento da vedação do acúmulo remunerado de cargos públicos.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 24 de julho de 2017.

_______. Tribunal de Contas da União. Acórdão nº 1168/2012 do TC- 021.871/2011-6. Relator: JORGE, José. Julgamento em 16-05-2012. Publicado no DOU de 18-05-2012.

_______. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Mandado de Segurança nº 70064116031. Relator: MAIA, Matilde Chabar. Julgamento em 10-07-2015. Publicado no DJ de 15-07-2015.

_______. Tribunal de Contas do Estado do Paraná. Acórdão nº 3075/2016 – Tribunal Pleno. Relator: DO AMARAL, José Durval Mattos. Julgamento em 07-07-2016. Publicado no DETC de 22-07-2016. 

Sobre a autora
Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!