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O direito de uso do jazigo e o crime de violação de sepultura

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Agenda 16/08/2017 às 13:00

O crime de violação de sepulcro era enquadrado, desde a legislação romana, como ação infamante cuja punição deveria ocorrer severamente. Conheça os principais aspectos relacionados à criminalização da conduta nos dias atuais e demais questões afetas ao direito funerário e ao direito penal.

1. DIREITO DE USO DE JAZIGO

1.1. O DIREITO DE SEPULTAR

Com o Digesto, deu-se organicidade ao ius sepulchri, direito de sepultar um cadáver, de ser sepultado, de cumprir as cerimônias do culto, de vigiar e visitar a sepultura. O título XII do Livro XLVII foi dedicado à actio sepulchri violati (C.9, 19). Tratava-se de ação infamante, atribuída em primeiro lugar aos titulares do sepulcro (Lei 6) e, se não fosse intentada por estes, poderia sê-los por quivis de populo. As reformas eram possíveis, desde que intocáveis os defuntos (Lei 7). O crime de violação de sepulcro era enquadrado na Lex Iulia de vi privata (ou, se cometido com violência, na de vi publica), assemelhada a violação de sepulcro ao impedimento de funerais, por equivaler a deixar insepulto o que estava enterrado (Lei 8).

Pela violação de um sepulcro se dava também uma ação pecuniária (Lei 9), que cabia ao herdeiro necessário, ainda que tivesse renunciado à herança (Lei 10). Veja-se ainda a Lei 11 onde se fala que os réus de violação de sepulcros, se tiverem exumado os cadáveres ou desenterrado os ossos, serão castigados com a pena capital, os de condição mais humilde, e os de mais elevada condição serão deportados para uma ilha; em outros casos de menor gravidade, serão relegados ou condenados ao trabalho numa mina (D. XLVII, XII, 11, Paulus, lib. 5, sentenciarum).

A legislação romana influenciou o direito espanhol, no Fuero Juzgo, Fuero Real e Las Partidas.

O direito canônico considera atos de violação os gravemente injuriosos, perpetrados contra a destinação sagrada dos lugares e com escândalo dos fieis (Cânone 1.211). Fernando Henrique Mendes de Almeida enumerou nada menos do que vinte e oito teorias a respeito do tema, defendidas por juristas pátrios e estrangeiros, o que, somado à omissão do legislador - "Concessão Perpétua de Terrenos de Cemitérios" (RT 252/22, 253/17, 254/3, 255/19, 256/12, 257/43 e 258/59).

1.2. NATUREZA JURÍDICA DO DIREITO À SEPULTURA

Em razão disso, nas legislações municipais, nos estatutos das entidades titulares de cemitérios, nos atos jurídicos celebrados pelos interessados, aparecem os mais variados termos jurídicos (v.g., venda da sepultura, arrendamento, locação, propriedade do sepulcro, etc.), que não refletem a verdadeira natureza do direito formado, servindo apenas para obscurecer ainda mais o tema que, de si, já se apresenta complexo.

Alertou Eduardo Henrique de Oliveira Yoshikawa (Natureza jurídica do direito à sepultura em cemitérios particulares) que o direito à sepultura (jus sepulchri) consiste, basicamente, no direito-de-sepultar e no direito-de-manter-sepultado que é conferido a pessoa física (e seus sucessores) ou jurídica por força de negócio jurídico celebrado com o proprietário de cemitério particular.

Trata-se, conforme decidiu o Tribunal de Justiça de São Paulo no julgamento da Apelação nº 52.591 adotando o entendimento de CLÓVIS BEVILAQUA, de direito de uso com finalidade específica inumação das pessoas da família), transmissível "mortis causa".

Disse Justino Adriano Farias da Silva (Tratado de direito funerário) que “sepultura tanto é a inumação que se realiza em cova, fossa ou vala e, portanto, é ato, ação ou efeito de sepultar um cadáver, como também pode ser o solo (fossa, cova ou vala) ou em construção, onde um cadáver está inumado”,... são eles bens imóveis, públicos ou privados, de uso especial, destinados ao sepultamento dos cadáveres ou restos mortais, sob o poder de polícia mortuária do município”.

Indagou, ainda, Justiniano Adriano Farias da Silva (obra citada) se o jus sepulchri em cemitérios particulares é direito real ou pessoal, critério útil para a solução do problema, em razão do princípio do numerus clausus dos direitos reais, vigente no direito brasileiro. Na matéria disse bem Eduardo Henrique de Oliveira (obra citada): “O jus sepulchri não configura, a nosso ver, servidão predial, dado que tal espécie de jus in re aliena pressupõe a existência de dois imóveis, o que não ocorre no caso dos jazigos em cemitérios particulares. Do contrário, conforme pondera JUSTINO ADRIANO FARIAS DA SILVA , haveria de se reconhecer a propriedade do titular do direito à sepultura sobre a porção do terreno do cemitério, o que já demonstramos não ser correto."

Se, como visto, é da essência do direito à sepultura a sua transmissão por ocasião do falecimento do titular, não se trata, igualmente, de usufruto, uso ou habitação, eis que tais espécies de direitos reais limitados extinguem-se pela morte do usufrutuário, usuário ou habitante (artigo 1410, I c/c 1413 e 1416 do Código Civil), o que tornaria inócua a aquisição do direito.

A inviabilidade, a rigor, não decorre da temporariedade do direito em si, como entende JUSTINO ADRIANO FARIAS DA SILVA. Caso fosse admitida no direito pátrio, por exemplo, a instituição de usufrutos sucessivos, em caso de morte do usufrutuário antes de esgotado o prazo de duração, o direito real, apesar de temporário, poderia ser transmitido aos herdeiros do de cujus, inexistindo, em tal hipótese, qualquer incompatibilidade, nesse particular, com o jus sepulchri, até porque a perpetuidade do direito, como se infere da lição de FERNANDO HENRIQUE MENDES DE ALMEIDA ao mencionar a existência de jazigos temporários, não é inerente ao instituto ora examinado.

A enfiteuse, por sua vez, não se apresentava, prima facie, incompatível com o jus sepulchri, eis que o titular do domínio útil, como cediço, tem a prerrogativa de usar o bem e o direito positivo expressamente admite a sua transmissão por herança (artigo 681 do CC/16). O caráter perpétuo da enfiteuse, outrossim, também era compatível com o jus sepulchri, apesar de, como salientado acima, não ser tal característica determinante para configurá-lo.

Aliás, considerando que o direito à sepultura não se confunde com as demais modalidades de direitos reais limitados previstos pelo Código Civil de 1916 ou o de 2002 e, como se verá adiante, a concessão de uso criada pelo Decreto-Lei nº 271/67 é transmitida por tempo certo ou indeterminado (direito real resolúvel), residia na enfiteuse a única possibilidade de atribuir-se ao titular do jus sepulchri direito real de caráter perpétuo.

Para tanto, contudo, o direito à sepultura haveria de apresentar todos (e não apenas alguns) os elementos essenciais do direito real em questão, sob pena de, não o fazendo, restar afastada a sua caracterização como enfiteuse , uma vez que o princípio do numerus clausus impede que se reconheça a existência de "quase-enfiteuse" ou qualquer outra modalidade de direito real sui generis, diferente dos estabelecidos por lei. As dificuldades, porém, não são poucas, conforme se demonstrará a seguir.

Para que o jus sepulchri resultasse de enfiteuse, o direito de uso anteriormente cogitado, de início, deveria ter natureza perpétua, pois, do contrário, ainda que se fizessem presentes os demais requisitos legais, não se cogitaria de enfiteuse, mas de locação ou arrendamento , conforme dispõe expressamente a parte final do artigo 679 do Código Civil de 1916 , que encerrou controvérsia existente antes da sua promulgação , originária do direito romano.

Logo, não se poderia cogitar de constituição do direito à sepultura por contrato de enfiteuse se o prazo de duração é indeterminado , o que é admissível na concessão de uso (DL nº 271/67), na locação e no comodato, como ser verá a seguir, o que é claramente demonstrado por ORLANDO GOMES em parecer a respeito da distinção entre enfiteuse e locação:

"Quando as partes subordinam a eficácia de um contrato de prestações sucessivas a tempo indeterminado, entende-se que não quiseram vincular-se até a expiração de um termo prefixado. Assegurando-se reciprocamente maior liberdade de ação, preservaram a faculdade de, a todo tempo, resolverem o contrato, por iniciativa unilateral. Como não se prenderam por prazo, desligam-se quando apraz a um dos contraentes. A função da cláusula ‘por tempo indeterminado’ sempre foi essa. Jamais significou perpetuidade.

O que pode ser desfeito, a cada momento, não tem duração perpétua, Temporário, portanto, é o contrato destinado a vigorar por tempo indeterminado. O fato de aludir o Cód. Civil, no art. 679, à enfiteuse por tempo limitado, não significa que só se admite como arrendamento a enfiteuse por prazo certo, isto é, sujeita, na sua extinção, a dies certus. Também é temporário o contrato cujo termo é fixado por dies incertus na ou dies incertus quando, como no caso da enfiteuse vitalícia. O que importa, enfim, é a possibilidade da rescisão, tanto mais intensa quanto dependa da vontade unilateral de um dos contraentes.

Ora, a presença da cláusula ‘por tempo indeterminado’ é altamente significativa para a repulsa à hipótese de ter sido constituída uma enfiteuse, porque atenta contra a sua índole e finalidade. Ninguém se investe na condição de foreiro, da qual resultam direitos amplíssimos, quase iguais aos do proprietário, para perdê-la a todo tempo que apraza ao suposto senhorio. Mesmo nos países que admitem tão-somente a enfiteuse temporária, o prazo de vigência do contrato é sempre longo. Do contrário, o aforamento falharia à sua finalidade".

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O pagamento do foro, ainda, é requisito essencial, cuja inexistência desfigura o instituto, de tal sorte que, em caso de outorga do jus sepulchri a título gratuito, por liberalidade do proprietário do cemitério particular, não haveria que se cogitar de enfiteuse, mas de comodato. Todavia, não basta que haja o pagamento de determinada quantia em dinheiro para que se tratasse de enfiteuse, eis que o Código Civil (artigo 678 do CC/16) estabelecia que o foro ou pensão deveria ser "anual, certo e invariável".

Logo, se a periodicidade do pagamento fosse inferior ou superior a um ano, não tivesse valor determinado ou variasse ao longo do tempo, haveria locação (ou outra espécie de contrato, conforme o caso) e não enfiteuse. Em caso de venda ou dação em pagamento do jus sepulchri, o que a rigor somente deveria ser admitido antes da inumação de cadáver no terreno ou após a sua transferência, observadas as posturas municipais, seria devido, ainda, o pagamento de laudêmio, que reforça o caráter oneroso da avença, o qual na falta de estipulação expressa, seria de 2,5% (dois e meio por cento) do valor da alienação (artigo 686 do CC/16).

O direito de resgate (aquisição da propriedade pelo enfiteuta), por ser inerente à enfiteuse, inclusive àquelas constituídas antes do Código Civil de 1916 (artigo 693 c/ redação da Lei nº 5.827/72) igualmente haveria de aplicar-se ao direito à sepultura, admitindo-se, todavia, que as partes alterassem o prazo e o valor da indenização .

A constituição do jus sepulchri, como modalidade de enfiteuse, dependeria, ainda, da inscrição do respectivo título no Registro de Imóveis (artigo 676 do CC/16), o qual, a partir de determinado valor , deveria se revestir de forma pública (art. 134, II, do CC/16).

Sob a égide do Código Civil de 1916, a doutrina , ao escrever sobre o tema, afirmava sem discrepância que o jus sepulchri não configurava modalidade de direito de superfície, sob o argumento de que tal direito real não encontrava previsão no direito positivo brasileiro. Com a promulgação do Código Civil de 2002 (Lei nº 10.406/2002), todavia, há que se reexaminar tal questão, eis que, além de disciplinar o direito de superfície (artigos 1.369 a 1.377), o diploma legal, como visto, eliminou a enfiteuse do rol dos direitos reais , reduzindo, ainda mais, a possibilidade de qualificação do direito à sepultura como direito real.

O direito de superfície, tanto no direito romano como nas legislações estrangeiras que o adotaram representa exceção ao princípio da acessão (artigo 1.248, V, do Código Civil), porquanto permite que a propriedade da construção ou plantação seja destacada da propriedade do solo em caráter transitório ou permanente, tendo sido incorporado pelo Código Civil vigente apenas como forma de constituição de propriedade por tempo determinado (artigo 1.369), circunstância que pode dificultar a utilização do instituto para a constituição do jus sepulchri.

Com efeito, se, por um lado, seria conveniente atribuir-se ao titular do jus sepulchri, através do direito de superfície, a propriedade do jazigo e as prerrogativas que lhe são inerentes, dentre as quais o direito de uso e a possibilidade de transmissão mortis causa (artigo 1.372 do Código Civil), o caráter resolúvel do direito, constituído inexoravelmente por prazo determinado implicaria na transmissão da propriedade ao proprietário do cemitério particular com o advento do termo final (artigo 1.375 do Código Civil) não restando ao superficiário sequer pretensão ao recebimento de indenização, salvo estipulação em contrário.

Tal inconveniente, todavia, pode ser contornado mediante a constituição do direito de superfície por prazo extremamente longo (v.g., 100, 200 anos ou mais), o que não é vedado pelo direito positivo, à semelhança do que ocorre com a locação (artigo 3º da Lei de Locações), resultando, do ponto de vista prático, na proteção do jus sepulchri por diversas gerações, como se de direito perpétuo se tratasse.

Visto que o prazo de duração do direito de superfície não é obstáculo à configuração do direito à sepultura, resta verificar se há compatibilidade com os demais caracteres do instituto, ressaltando-se, desde já, que a necessidade de registro imobiliário para constituição do direito (artigo 1.227 do Código Civil) e da forma pública do respectivo instrumento (artigo 1.369 do Código Civil), na medida em que aplicáveis a todos os direitos reais, não influem, igualmente, na resposta a tal indagação.

Inicialmente, salienta-se que a utilização do subsolo para fins de construção de jazigo não exclui a possibilidade de utilização do direito de superfície, eis que o § único do artigo 1.369 do Código Civil vigente, em sua parte final, expressamente a autoriza "se for inerente ao objeto da concessão", o que ocorre, por exemplo, nos cemitérios parques.

A constituição do direito de superfície, a título gratuito ou oneroso (artigo 1.370 do Código Civil), por sua vez, é indiferente para fins de caracterização do jus sepulchri, eis que, como cediço, nada obsta que o titular da propriedade permita a inumação de cadáver em parcela do solo de cemitério particular, por mera liberalidade.

É irrelevante, também, a possibilidade de transmissão do direito de superfície por ato inter vivos, salvo se no local já houver sido realizada a inumação de restos mortais, hipótese em que se poderia cogitar de desvirtuamento da finalidade da concessão, modalidade de extinção da superfície (artigo 1.374 do Código Civil), inovação salutar que serve para inviabilizar, inclusive, a aquisição do direito à sepultura com finalidade especulativa.

Outrossim, o direito de preferência do proprietário ou do superficiário, em caso de alienação do direito de superfície ou do imóvel, previsto no artigo 1.373 do Código Civil, tende a ter pouca ou nenhuma relevância prática, em se tratando do direito à sepultura, eis que, em primeiro lugar, o proprietário não terá, de regra, interesse da aquisição da propriedade resolúvel do superficiário, especialmente em caso de pagamento parcelado do preço por diversos anos, como pode ocorrer. O superficiário, por sua vez, dificilmente terá recursos para adquirir, na integralidade, o bem imóvel no qual se encontra localizado o cemitério particular, devendo ser lembrado, nesse particular, que a divisão do imóvel em lotes para fins de construção de jazigos, ainda que seguida da outorga do direito de superfície, não tem o condão, s.m.j., de afetar sua unidade jurídica, à míngua de desmembramento da matrícula.

A respeito do direito de superfície cabe perguntar, por derradeiro, se o inadimplemento do superficiário, em caso de pagamento parcelado do preço implica ou não na rescisão do negócio jurídico, eis que é omisso o texto do Código Civil, indagação de particular relevância no caso do jus sepulchri. PAULO ROBERTO BENASSE, invocando o direito comparado e a redação original do Projeto do Código Civil, defende a impossibilidade da extinção do direito de superfície em tal hipótese, ressalvando para o proprietário a cobrança ou execução das parcelas em atraso, entendimento que parece encontrar apoio na lição de MOREIRA ALVES o qual afirma que no direito romano "o direito de superfície se extinguia nos mesmos casos em que a enfiteuse, exceção feita à decadência porquanto o superficiário não tinha as obrigações que, se não cumpridas pelo enfiteuta, acarretavam a extinção da enfiteuse por decadência".

Tal interpretação, contudo, decorre de leitura apressada da lição do preclaro jurista, que, em outra passagem da obra, ressalta que "não era essencial, para a existência do direito de superfície, o pagamento de uma pensão anual (solarium) ao proprietário", o qual, não obstante, poderia ser "expressamente convencionado pelo proprietário do solo e pelo superficiário", assemelhando a superfície à enfiteuse, razão pela qual, na hipótese de inadimplemento, poder-se-ia cogitar da extinção da superfície pela decadência, em caráter excepcional, conforme admite MELHIM NAMEM CHALHUB:

"O proprietário do terreno pode recuperá-lo antes do termo do contrato na hipótese de descumprimento de obrigações por parte do superficiário, tais como, a falta de pagamento do cânon ou a diversa destinação dada. Ainda na seara dos direitos reais, resta examinar, por derradeiro, a concessão de uso, instituída pelo artigo 7º do Decreto-Lei nº 271/67, ainda em vigor nos seguintes termos:

"Art. 7º. É instituída a concessão de uso de terrenos públicos ou particulares, remunerada ou gratuita, por tempo certo ou indeterminado, como direito real resolúvel, para fins específicos de urbanização, industrialização, edificação, cultivo da terra, ou outra utilização de interesse social.

§ 1º A concessão de uso poderá ser contratada, por instrumento público ou particular, ou por simples termo administrativo, e será inscrita e cancelada em livro especial.

§ 2º Desde a inscrição da concessão de uso, o concessionário fruirá plenamente do terreno para os fins estabelecidos no contrato e responderá por todos os encargos civis, administrativos e tributários que venham a incidir sobre o imóvel e suas rendas.

§3º Resolve-se a concessão antes de seu termo, desde que o concessionário dê ao imóvel destinação diversa da estabelecida no contrato ou termo, ou descumpra cláusula resolutória do ajuste, perdendo, nesta caso, as benfeitorias de qualquer natureza.

§ 4º A concessão de uso, salvo disposição contratual em contrário, transfere-se por ato inter vivos, ou por sucessão legítima ou testamentária, como os demais direitos reais sobre coisas alheias, registrando-se a transferência."

Justiniano Adriano Farias da SIlva rejeita a sua aplicação aos cemitérios particulares, sob o argumento de que não serviria "para abrigar as concessões feitas em caráter perpétuo", argumento que, como visto, não pode ser aceito, eis que não há vedação expressa e a prática registra a existência de concessão do jus sepulchri em caráter temporário.

Anteriormente, ao tratar do assunto em face dos cemitérios, o autor, após reconhecer que a figura da concessão de uso permanece obscura, igualmente descarta a sua aplicação ao direto à sepultura, aduzindo, em síntese, que na concessão de uso ocorreria a alienação do solo e da respectiva coluna de ar, o que seria incompatível com bens públicos de uso especial. Ora, tal argumento, caso fosse correto, não representaria óbice à utilização da concessão de uso em cemitérios particulares, nos quais inexistente restrição à alienação, o que não foi cogitado pelo monografista.

O erro do raciocínio, todavia, resulta da premissa de que a concessão de uso implica na alienação do solo, o que não encontra apoio no texto legal, o qual, ao revés, expressamente qualifica-a como direito real sobre coisa alheia (§ 4º), indício de que não há alienação. Caso fosse correta a interpretação acima referida, a posição jurídica do concessionário seria semelhante àquela do superficiário, que não é titular de jus in re aliena, mas de propriedade resolúvel, por força da suspensão do princípio da acessão.

Logo, não há obstáculo à constituição do jus sepulchri pela concessão de uso regulada pelo DL nº 271/67, eis que o direito real em questão possui as características essenciais para a configuração do direito à sepultura (direito de uso de terreno e possibilidade de transmissão mortis causa), sendo irrelevantes as demais (onerosidade/gratuidade, prazo de duração, etc.) para a qualificação do negócio jurídico.

Não se cogitando de direito real, o jus sepulchri poderá resultar de locação ou comodato, negócios jurídicos através dos quais se outorga o direito de uso de bem, no caso de natureza imóvel, e nos quais se admite a transmissão do direito aos herdeiros em caso de falecimento do titular,, residindo a distinção entre uma e outra figura na natureza no caráter oneroso ou gratuito da avença.”

Assim concluiu Eduardo Henrique (obra citada):

“Ante todo o exposto, pode-se concluir que o jus sepulchri, o qual consiste, basicamente, no direito de sepultar e de manter sepultados restos mortais, em se tratando de cemitérios particulares, pode resultar de enfiteuse ou superfície (conforme seja anterior ou posterior ao Código Civil vigente o negócio jurídico que lhe deu origem), concessão de uso (DL 271/67), locação ou comodato, eis que neles se encontra o conteúdo essencial do direito à sepultura (uso de bem imóvel e possibilidade de transmissão mortis causa, que se distinguem quanto à onerosidade, ao prazo de duração e à natureza real ou pessoal do direito, o que deverá ser verificado pelo intérprete no exame de cada caso concreto.”

Aduziu Rogério José Pereira Derbly (Natureza jurídica dos cemitérios):

"Assim, sepultura é o local onde se coloca o corpo do cadáver, dentro do solo, podendo, em determinados casos e, ainda, em determinadas religiões, ser sepultado em outro lugar."

É pacifico que o direito à sepultura é um direito civil da pessoa e/ou de seus herdeiros, esclarecendo que sua regulação não fica adstrita ao direito privado, mas, sim, ao direito público e, também, ao direito canônico. O direito de ser sepultado é conferido à todos de forma geral e abstrata, porém, alguns, ainda em vida, preferem outras formas de sepultamento, como, por exemplo, a cremação e depósito das cinzas em locais de suas preferências. Há também os sepultamentos extraordinários, como ex vi os realizados em alto mar. Contudo, o certo é que o direito à sepultura é um direito personalíssimo e potestativo, vale dizer, direito em expectativa que se consumará pela ocorrência do evento morte.

Por sua vez, fala-se em urnas funerárias, que são pequenas caixas, cofres ou vasos, onde repousam as cinzas de um cadáver ou seus ossos. Há o columbário, que é a construção provida de nichos, onde se conservam as urnas funerárias. As urnas cinerária e a ossuária, por suas dimensões, forma e estrutura. O cadáver, na definição de Von Liszt é “o corpo humano inanimado, enquanto a conexão de suas partes não cessou de todo”, como citou Nelson Hungira (Comentários ao código penal, volume VIII, pág. 82). Diversa é a múmia que pode ser objeto de estudos que lhe são inerentes, como a arqueologia.

Há duas teorias. Uma que considera a teoria do domínio privado e outra que leva em conta o domínio privado. Os que defendem a teoria do domínio privado, e aqui ressaltamos como exemplo a doutrina de francês Ducrocq (Cours de droit administratif) afirmam que: “os cemitérios são de domínio privado, primeiro porque o Município percebe os frutos, segundo, porque outorga sobre eles, direitos reais.”

Assim, na acepção dessa corrente, o cemitério seria uma fonte de recurso dos municípios. A teoria do domínio público é a que tem maior números de adeptos, podendo enfileirar os seguintes mestres do direito que classificam os cemitérios como sendo bens de domínio públicos: Themístocles Brandão Cavalcanti. J. M. Carvalho Santos e Otto Mayer.

1.3. CEMITÉRIOS PÚBLICOS E CEMITÉRIOS PRIVADOS

No Brasil a natureza jurídica do cemitério é de direito público.

Ensinou Pontes de Miranda (Comentários à Constituição de 1967 com a Emenda n. 1/69, segunda edição, tomo V, pág. 144): "Ainda que o cemitério pertença à União, ou a Estado-membro, há de ser administrado pela autoridade municipal, salvo se advém regra jurídica contrária, conforme o artigo 8º, XIV, da Constituição de 1967. As associações religiosas podem manter cemitérios particulares, administrando-os, se não há regra jurídica contrária. Isso não exclui a satisfação de pressupostos iniciais e de pressupostos de continuação, além da fiscalização municipal, na forma da lei".

A matéria se insere entre aquelas de interesse local do Município, competindo-lhes, portanto, legislar a respeito.

A lição que se tem de Alcino PInto Falcão, Constituição Anotada, 1957, pág.s 106 e 107, citando acórdão do Tribunal de Minas Gerais, é no sentido de que os cemitérios particulares se destinam, precipuamente, ao sepultamento de adeptos de confissões religiosas a que pertencem, e só a estes, se bem que, excepcionalmente, não podem tais confissões negar sepultura a corpos de pessoas que, em vida, não professaram aquela fé.

No caso dos cemitérios públicos, esclarece Felipe Ramos Campana, 2007, que “as sepulturas tem regime jurídico de direito real de uso pelos titulares de direito, já que a propriedade dos terrenos pertence ao município. Já nos cemitérios particulares, o regime jurídico é de direito real de propriedade, observando a sua natureza jurídica de bem extra comercium, ou seja, de bem público de uso especial, o que inviabiliza construções que saiam dos padrões de sepulturas nos terrenos do cemitério.”

No chamado direito funerário, admite-se a constituição do jus sepulchri pela concessão de uso regulada pelo Decreto-Lei 271/67, pois possui as características essenciais para a configuração do direito à sepultura, quais sejam: direito de uso de terreno e possibilidade de transmissão mortis causa. Há ainda diferença entre o direito de sepultar em cemitério público e o direito de sepultar em cemitério particular. Neste último, esse direito pode resultar de enfiteuse ou superfície (dependendo se o contrato originário era anterior ou ulterior ao Código Civil vigente), locação ou comodato.

O título jurídico legitimador da sepultura pode ser tanto a concessão, quanto a permissão de uso. Já os jazigos, mausoléus, em que são realizadas benfeitorias determinadas pelo interessado, aplica-se a concessão de uso perpétua, remunerada e transmissível mortis causa. Isto porque, garante à administração, ao concessionário e à coletividade a necessária segurança jurídica.

Poderá figurar a permissão de uso, se tratar-se de utilização temporária, em que o prazo é aproximadamente de dez anos, admitindo eventual prorrogação, desde que requerida pelo titular do termo de permissão, ou por seus herdeiros. O art. 815. do CPC proíbe a penhora sobre túmulos, do que se conclui que os jazigos são inalienáveis por contratos e insuscetíveis de licitação. Porém, no que diz respeito ao fato do solo que assenta o jazigo ser um direito real de propriedade, e, portanto, alienável, há controvérsias na doutrina.

Há cemitérios públicos e privados. Os jazigos são construídos em terrenos de domínio público e concedidos para o fim único de sepultamento da pessoa que morreu. O concessionário adquire, pela concessão, o direito de aproveitamento exclusivo desse terreno para aí sepultar os cadáveres das pessoas da sua família. Nos cemitérios particulares também não há compra e venda de sepultura, pois se isso ocorresse o titular do direito sobre ela passaria a ser proprietário do terreno onde ela se encontra.

Segundo o Prof. Justino Adriano F. Da Silva (Tratado de direito funerário, 2.000), a concessão de terrenos em caráter perpétuo gera um direito real de uso. Este direito é alienado ao titular, em razão de normas de Direito Administrativo. Então, o uso é um direito incorpóreo que poderá ser alienado através da concessão perpétua, mas, se a alienação significa tirar do domínio um direito real que dele constava e passá-lo ao concessionário, fica este com poder sobre tal uso, chamado de "domínio usual". Daí conclui-se que com a concessão do uso ao concessionário, o concedente continua na posse direta da coisa corpórea e no domínio desta.

1.4. A EXTINÇÃO DO DIREITO

Na lição de Fernando Henrique Mendes de Almeida "o direito de cessionário de sepultura em cemitério municipal, regula-se pelo Direito Administrativo e em consequência fica sujeito às leis e regulamentos municipais".

A) Vencimento do prazo

Ocorre nas concessões temporárias, estabelecendo-se prazo de cinco anos para adultos, e de três anos para crianças. Desta forma, vencido o prazo, extinguir-se-á o direito.

b) Anulação do ato de concessão

O direito à sepultura, em cemitérios públicos, é realizado através de um ato administrativo, a concessão. Assim, este ato pode conter vícios, podendo ser inexistente, nulo ou anulável.

c) Revogação do direito e abandono

Trata-se das hipóteses de extinção das concessões, que podem ser tanto perpétuas, quanto temporárias, de sepulturas localizadas em cemitérios públicos, em razão do abandono. Abandono, no termo jurídico, é a falta de diligência, de conservação que deveriam ser realizadas pelo concessionário, a fim de garantir a preservação do local em condições dignas. Tratando-se do abandono jurídico, o Poder Público deverá revogar a concessão e, consequentemente, extinguir o direito à sepultura, em conformidade com os requisitos específicos de cada legislação municipal.

d) Rescisão e anulação do negócio enfitêutico

Há possibilidade, no caso das sepulturas localizadas em cemitérios particulares, de que o negócio jurídico enfitêutico seja nulo ou anulável. Na primeira hipótese, ele não produzirá efeitos. Na segunda, assim que declarada, cessam os efeitos e extingue-se o direito de sepultura.

1.5. RESPONSABILIDADE CIVIL

Trago à colação caso de sepultamento em lugar errado que trouxe danos morais à família do morto.

ADMINISTRATIVO. BENFEITORIAS EM SEPULTURA DIVERSA DA PERTENCENTE À FAMÍLIA. SEPULTAMENTO EM LOCAL ERRADO. RESPONSABILIDADE DO MUNICÍPIO. DANOS MORAIS. PRETENSÃO DE REEXAME DE PROVAS. 1. Cuida-se a controvérsia de pedido de indenização por danos morais em razão de equívoco da administração do cemitério do Município de Belo Horizonte que procedeu à edificação de benfeitoras em carneiro diverso do pertencente à família da autora, o que ensejou a inumação de corpo de ente querido em sepultura diversa da adquirida. 2. A alegação do recorrente, de que os fatos não foram devidamente comprovados e de que o nexo causal não foi demonstrado, esbarra no enunciado 07 da Súmula do STJ, uma vez que o Tribunal de origem, competente para a análise das circunstâncias fáticas da causa, delimitou a controvérsia a partir dos elementos probatórios dos autos. Agravo regimental improvido.

(AgRg no AREsp 160989 / MG, AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL 2012/0077122-1, Relator (a): Ministro HUMBERTO MARTINS, Órgão Julgador: SEGUNDA TURMA, Data do Julgamento: 05/06/2012, Data da Publicação/Fonte: DJe 14/06/2012)

Por outro lado, a violação de sepultura pode configurar dano moral a ser ressarcido, como se lê do acórdão abaixo do Superior Tribunal de Justiça:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL - ADMINISTRATIVO - RESPONSABILIDADE CIVIL - VIOLAÇÃO DE SEPULTURA - DANO MORAL - VALOR INDENIZATÓRIO - RAZOABILIDADE - REVISÃO DAS PREMISSAS DO ACÓRDÃO RECORRIDO - IMPOSSIBILIDADE - ÓBICE NA SÚMULA N. 7/STJ. 1. Não há que se falar em violação ao artigo 535 do CPC, pois o aresto recorrido foi claro e dirimiu a controvérsia de modo fundamentado, porém em sentido contrário à tese da parte. 2. Apuradas as provas e fatos do processo, a Corte de origem concluiu que o dano moral ficou configurado, tendo em vista o ilícito cometido pelo ente municipal, que foi negligente em seu dever de vigilância, e, concluiu que o valor arbitrado foi fixado de modo proporcional e razoável. Assim, correta a aplicação da Súmula n. 7. /STJ na presente hipótese. 3. Agravo regimental não provido.

(AgRg no AREsp 235616 / PA, AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL 2012/0203234-1, Relator (a):Ministra ELIANA CALMON, Órgão Julgador: SEGUNDA TURMA, Data do Julgamento: 06/08/2013, Data da Publicação/Fonte: DJe 14/08/2013)

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. O direito de uso do jazigo e o crime de violação de sepultura. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5159, 16 ago. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/59763. Acesso em: 27 dez. 2024.

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