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A necessidade de ordem judicial na requisição de dados junto às prestadoras de telefonia ou telemática na lei de tráfico de pessoas diante da cláusula de reserva jurisdicional

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4. OS PARÂMETROS CONSTITUCIONAIS DA EXCEPCIONALIDADE DE ORDEM JUDICIAL PREVISTA NA LEI 13.344/16

4.1 O parâmetro da previsão constitucional de sigilo de dados

É de pleno conhecimento, que na investigação policial, atualmente, uma importante ferramenta é a remessa de aparelhos para que seja feita a perícia. O que é mais comum ainda é que, mesmo sendo uma grande ferramenta para a investigação criminal, o uso de dados contidos no telefone é acobertado pelo sigilo telefônico e por isso o Delegado não pode realizar tal procedimento sem um mandado judicial (BARRETO; FÉRRER, 2016). O doutrinador Bernardo Gonçalves dispõe sobre a proteção constitucional desse sigilo. (FERNANDES, 2017):

Quanto à proteção constitucional ao sigilo das comunicações, podemos concebê-la como um corolário do direito à intimidade e à privacidade, já que está relacionado com o fato de proteger o direito do emissor de escolher o destinatário de sua comunicação. Excepcionalmente das comunicações poderá ser suspenso em razão da vigência de estado de defesa ou estado de sítio (art. 136, & 1, b e c, art. 139, III da CR/ 88). Todavia o “princípio” da proporcionalidade pode fornecer ou indicar situações concretas de quebra de sigilo distinta das anteriores previstas pelo constituinte (FERNANDES, 2017, p. 494).

É importante ressaltar que a proteção constitucional é da comunicação de dados e não dos dados. Em vista disso, não há que se falar em quebra de sigilo, pois a realização da perícia em um aparelho busca extrair somente conteúdos e dados referentes à investigação policial, descartando conversas íntimas dos interlocutores. (BARRETO; FÉRRER, 2016).

A Constituição Federal versa sobre sigilos. Sejam eles bancários, fiscais ou telefônicos, são reconhecidos como direitos fundamentais, protegidos por Cláusula Pétrea, uma limitação material ao poder de reforma do constituinte, ou de emenda tendente a abolir o que está expresso no Artigo 5° da Carta Magna, em seu inciso X. Este expressa que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”. (BRASILL, 1988, Art. 5°, X).

Por isso, o legislador, ao editar novas leis, precisa atentar-se a normas de Cláusulas Pétreas, para que dessas não surja nenhuma inconstitucionalidade. Por isso a atividade interpretativa e a aplicação das normas de direitos fundamentais devem abarcar tal dimensão. Mas, além dessas limitações trazidas pela Lei Maior, para os professores Cleopas Isaias e Taufner Zanotti, há uma limitação a atuação do Delegado, o que às vezes atrapalha o andamento do inquérito. Conforme estes, a redação dos artigos 13-A e B do Código de Processo Penal não foi muito bem elaborada pelo legislador. Ora que, ao mesmo tempo em que esta diz que o Delegado de Polícia poderá requisitar, também o condiciona à autorização judicial. Ou seja, aparentemente de requisição não se trata, mas de representação, como ocorre normalmente com as demais medidas cautelares. (ZANOTTI; SANTOS, 2016).

Diante disso, pode-se constatar que o próprio texto dessa lei está repleto de controvérsias, cheio de lacunas, e vai contra a jurisprudência adotada pelo STF, que se se manifestou sobre o assunto em uma decisão prolatada no Recurso em Habeas Corpus nº 51.531 oriundo da 6a turma, buscando a decretação da ilicitude das provas extraídas do aparelho celular do recorrente, dada a ausência de ordem judicial, demonstrando que se faz necessária a ponderação de valores constitucionais, a privacidade e a segurança pública, onde:“Ilícita é a devassa de dados, bem como das conversas pelo aplicativo Whatsapp, obtidas diretamente pela Polícia em celular apreendido no flagrante, sem prévia autorização judicial”. (BRASIL, 2016).

A proposição inicial para o projeto da lei 13.344/ 2016 previa a requisição direta por parte do Ministério Público ou pelo delegado de polícia para a apuração desses dados. Porém, durante a tramitação algumas modificações foram feitas, passando-se a exigir requisição de ordem judicial para obtenção do dado. (BARRETO, 2017).

O que passa a ser visto como um ponto curioso da nova lei, visto que o Delegado ou o MP já tinham competência para esse tipo de requisição independe de outra autoridade. O que se pretende com isso é alcançar a localização da vítima, não havendo, então, invasão da intimidade/privacidade. Já o conhecimento do conteúdo, comumente chamado de grampo, sempre fora de plena competência do juiz. (NUCCI, 2017).

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4.2 A constitucionalidade da prescindibilidade de ordem judicial para requisição de dados em crimes de Tráfico Interno e Internacional de Pessoas, conforme os artigos 13-A e 13-B do CPP

Os artigos 13- A e 13- B foram acrescidos ao Código de Processo Penal, a partir da vigência da Lei de Tráfico de Pessoas, que tem o objetivo de estabelecer mecanismos de prevenção e repressão contra tal crime. O artigo 13-A do CPP versa sobre a requisição dos dados cadastrais, feita por membro do Ministério Público ou Delegado de Polícia a quaisquer órgãos do Poder Público ou de empresas da iniciativa privada e deverá conter: O nome da autoridade requisitante, o número do inquérito policial; e a identificação da unidade de polícia judiciária responsável pela investigação, essa requisição deverá ser atendida no prazo de 24 horas, podendo conter tanto informações do autor do crime quanto também da vítima, como já dito anteriormente. (BRASIL, 1941).

Já o Artigo 13-B do CPP legisla sobre o acesso direto pelo Delegado de Polícia ou Ministério Público, sobre dados telefônicos ou telemáticos de localização. Permitindo que estes possam “requisitar, mediante autorização judicial”, às empresas prestadoras de serviço de telecomunicações ou telemática, que disponibilizem imediatamente os meios técnicos adequados que permitam a localização da vítima ou dos suspeitos do delito em curso. Sendo este um dilema, pois, a partir dessa iniciativa, vê-se uma violação ao direito de liberdade e de privacidade, tanto da vítima como do suspeito. Destaca-se que essa solicitação restringe-se a dados como, dia, hora, local, duração da chamada e estação rádio-base de quem efetuou a chamada. Diante disso, a regra passa a ser, primeiramente: requisição ao judiciário e, quando não houver resposta, decorrido o prazo de 12 horas após o protocolo da representação, a autoridade solicitante terá competência para fazer uma solicitação direta à operadora de serviço telefônico ou telemático, passando a ser independente da ordem judicial. (BARRETO, 2017).

O grande problema desse artigo é que ao permitir a utilização desses meios de localização pode vir a violar o direito de liberdade e de privacidade tanto da suposta vítima, como do suspeito, como visto quanto a constitucionalidade do sigilo como cláusula pétrea. Quando se tratar de direitos individuais, a criação de leis deve ser extremamente restrita e, consequentemente, mais limitada que a criação de leis normais. Observa-se nos incisos II e III, do § 2º, do art. 13-B, que a autorização judicial só seria necessária para o fornecimento das informações requisitadas por período superior a 60 (sessenta) dias. Ou seja, até este prazo ela seria dispensável, diante disso entende-se que o fornecimento dos meios técnicos para se localizar vítimas e investigados nos crimes de tráfico de pessoas não é algo totalmente dependente de autorização judicial; daí tira-se o dilema da inconstitucionalidade dessa lei.  Na verdade, o que ocorre é que a própria lei limita a atuação do dispositivo à necessidade de uma autorização judicial, dando espaço para a requisição da autoridade policial. Ou seja, o Delegado de Polícia precisará de autorização judicial para requisitar os dados de localização.

E, por fim, vale ressaltar que a consulta das últimas mensagens de texto recebidas em aparelho celular não está vinculada a quebra de sigilo telefônico, já que em nenhum momento há acesso às conversas realizadas pelas partes. Tudo o que se procura verificar são registros gravados no próprio aparelho. (BARRETO; FÉRRER, 2016).

Conclui-se que há uma contradição normativa no texto legal, pois, para a espécie de crime previsto no artigo 13-B do Código de Processo Penal, tudo deve ser feito com autorização judicial. Logo, é integralmente improcedente, pois inconstitucional, inserir na lei que, na ausência da manifestação judicial, outra autoridade tem acesso aos dados sigilosos. Se o juiz não segue a celeridade exigida pelo caso, descumpre sua função pública e pode ser responsabilizado publicamente, principalmente porque se trata do sequestro de uma pessoa e, assim, a requisição deveria ser atendida imediatamente. (NUCCI, 2017).


5 CONCLUSÃO

Depreende-se, mediante o exposto, que o tráfico de pessoas vem a ser uma dos jeitos mais cruéis de violação aos direitos humanos fundamentais presente na sociedade. Intuiu-se, a partir dessa abordagem, explanar de maneira prática e bem fundamentada, as novidades geradas pela Lei de Tráfico Interno e Internacional de Pessoas, no âmbito processual penal brasileiro.

Essa nova mudança pela qual o direito penal e processual penal perpassara a partir da vigência do supracitado dispositivo, visa, principalmente, combater o tráfico de seres humanos, intensificando ações repressivas ao crime tratado pela Lei nº. 13.344/16 e uma mais severa responsabilização dos criminosos.

Primeiramente mostrou-se um breve histórico sobre o ilícito penal do tráfico de pessoas conforme o sistema jurídico brasileiro, retratando as alterações feitas a partir da Lei de Tráfico de Pessoas no âmbito do direito penal, bem como no direito processual penal, tendo como base preceitos constitucionais estabelecidos pela Constituição Cidadã, como a dignidade da pessoa humana.

Abordou-se sobre a amplitude do poder requisitório do Delegado de Polícia, ressaltando a importância do papel desempenhado pela referida Autoridade Policial, em casos de crimes de tráfico de pessoas, que muito ferem o indivíduo, equiparando-o a mero objeto e colocando-o fora da linha de humanidade.

Em seguida, explicitou-se sobre o processo da requisição de dados junto às prestadoras de telefonia ou telemática a fim de uma eficiente localização da vítima e dos suspeitos, em casos de tráfico de seres humanos. Enfatizou-se que, com o advento da promulgação do novo diploma legal brasileiro que versa sobre o tema, espera-se que a solução de tais crimes se torne mais célere, ao passo que a Lei 13.344/16 fora elaborada com o objetivo de salvaguardar-se a vida humana através de um sistema jurídico e policial efetivos.

Por último, versou-se sobre os parâmetros constitucionais da novidade da prescindibilidade de ordem judicial para que o Delegado de Polícia possa requerer dados cadastrais, interpretando-se, de início, a previsão constitucional do sigilo e, logo após, analisando-se os artigos 13-A e 13-B que foram adicionados ao Código de Processo Penal, em decorrência da Lei de Tráfico Interno e Internacional de Pessoas.

Portanto, conclui-se que a investigação policial não deve ater-se somente a sua submissão ao Judiciário, quanto a autorizações judiciais para dar continuidade ao procedimento. A nova Lei de Tráfico de Pessoas revela meios mais eficazes de trabalho do investigador nas circunstâncias de tráfico humano, com destaque nos casos em que a vítima corre sérios riscos de vida.

Sobre as autoras
Camila Ewerton

Estudante de Direito, autora de vários artigos jurídicos, ex estagiária da 16 vara cível no Forúm Desembargador Sarney Costa.

Larissa Campos Moraes Rêgo

Estudante de Direito da UNDB, cursando 6° período

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

EWERTON, Camila; RÊGO, Larissa Campos Moraes. A necessidade de ordem judicial na requisição de dados junto às prestadoras de telefonia ou telemática na lei de tráfico de pessoas diante da cláusula de reserva jurisdicional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5403, 17 abr. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/59844. Acesso em: 8 nov. 2024.

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