4. Responsabilidade pela manutenção, alienação e penhora dos bens vinculados
Quanto à manutenção, alienação e penhor dos bens vinculados à prestação de serviços públicos, é importante destacar que, independentemente do regime jurídico aplicável, todos esses bens devem ser administrados em consonância com os princípios da continuidade, regularidade e atualidade dos serviços públicos.
Os professores Luiz Alberto Blanchet (34) e Marcos Juruena Villela Souto (35) esclarecem, com muita propriedade, que pelo princípio da continuidade deve-se entender que a prestação do serviço público deve ser permanente. É possível extrair das lições dos mestres, ainda, que o princípio da regularidade indica que a prestação do serviço público, além de ser contínua, deve conservar os padrões de qualidade adequada e que o princípio da atualidade compreende a modernidade das técnicas, dos equipamentos, das instalações, bem como a melhoria e expansão dos serviços prestados.
Vale destacar que os princípios acima mencionados foram positivados no artigo 6° da Lei n.° 8.987, de 13.02.1995, que impõe à toda concessão ou permissão a observância da prestação de serviço adequado ao pleno atendimento dos usuários.
O § 1°, do mesmo artigo, define o que seja serviço adequado: "é o que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas".
Quanto aos bens vinculados, segundo o artigo 31 da Lei de Concessões e Permissões, incumbe ao concessionário:
"(...)
II – manter em dia o inventário e o registro dos bens vinculados à concessão;
VII – zelar pela integridade dos bens vinculados à prestação do serviço, bem como segurá-los adequadamente."
Evidentemente, os supracitados dispositivos tratam daqueles bens que, mediata ou imediatamente, contribuem de forma exclusiva e permanente para a prestação do serviço concedido, isto é, todos os bens necessários à prestação do serviço (para alguns, conforme já citado no presente trabalho, são bens reversíveis).
A preservação, não só da integridade, como também das condições de utilização ou funcionamento, é pressuposto indelével da prestação adequada do serviço, em especial no que tange à continuidade. Há, contudo, ainda outros encargos relacionados com os bens vinculados ao serviço, impostos ao concessionário, e não previstos no artigo 31, como, por exemplo, as inovações orientadas pela busca permanente da modernidade dos equipamentos e das instalações para assegurar a atualidade do serviço, que é um dos aspectos de sua adequada prestação, nos termos do artigo 6°, § 2°.
A Lei de Concessões e Permissões, no inciso VII, do artigo 31, estabelece que os bens devem ser segurados adequadamente. Neste ponto, perceber-se que o legislador criou uma obrigação de segurar os bens vinculados, como forma de garantir o princípio da continuidade do serviço, logo, a adequação é relativa à necessidade de reposição do bem em tempo suficiente para que sua falta não provoque paralisações na execução do serviço.
Tem-se, por último, o inciso VIII (captar, aplicar e gerir os recursos financeiros necessários à prestação do serviço). O professor Toshio Mukai (36) salienta que esses recursos, em sua maioria, são provenientes das tarifas cobradas pelas concessionárias, contudo, podem constituir-se em fontes alternativas de receitas. A captação, a aplicação e a gestão desses recursos, segundo o mesmo autor, são de responsabilidade da concessionária, que, nesse aspecto, atua como soberana desses recursos, podendo dispor como melhor lhe convir, desde que não infrinja as cláusulas contratuais e a legislação.
Na Lei n.° 9.472, de 16.07.1997 (instituidora da ANATEL), em seu artigo 93, inciso IX, estabelece que o contrato de concessão indicará os direitos, as garantias e as obrigações dos usuários, da Agência e da concessionária.
Já na Seção III – Dos bens, da lei em comento temos os seguintes artigos:
"(...) Art. 100. Poderá ser declarada a utilidade pública, para fins de desapropriação ou instituição de servidão, de bens imóveis ou móveis, necessários à execução do serviço, cabendo à concessionária a implementação da medida e o pagamento da indenização e das demais despesas envolvidas.
Art. 101. A alienação, oneração ou substituição de bens reversíveis dependerá de prévia aprovação da Agência."
É importante notar que, no artigo 101, o legislador deixou consignado que a concessionária, embora seja proprietária (propriedade resolúvel) de alguns dos bens reversíveis, não poderá dispor dos ditos bens sem que o poder concedente se manifeste com antecedência. Tal constatação, salvo melhor juízo, reforça a idéia de que os princípios da continuidade, regularidade e atualidade justificam uma mitigação do direito a propriedade.
Na Lei n.° 9.427, de 26.12.1996 (instituidora da ANEEL), também há dispositivos sobre a responsabilidades sobre os bens vinculados. Senão vejamos:
"(...) Art. 14 O regime econômico e financeiro da concessão de serviço público de energia elétrica, conforme estabelecido no respectivo contrato, compreende:
(...)II – a responsabilidade da concessionária em realizar investimentos em obras e instalações que reverterão à União na extinção do contrato, garantida a indenização nos casos e condições previstos na Lei n.° 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, e nesta Lei, de modo a assegurar a qualidade do serviço de energia elétrica;
(...)
V – indisponibilidade, pela concessionária, salvo disposição contratual, dos bens considerados reversíveis.
(...)
Art. 18. A ANEEL somente aceitará como bens reversíveis da concessionária ou permissionária do serviço público de energia elétrica aqueles utilizados, exclusiva e permanentemente, para produção, transmissão e distribuição de energia elétrica."
Pode-se concluir, portanto, que a concessionária prestadora de serviços públicos deve ser responsabilizada pela manutenção e atualização dos bens vinculados à prestação de serviços públicos, tudo em conformidade com os princípios da continuidade, regularidade e atualidade dos serviços públicos, tudo devidamente, como se vê, positivado na legislação supracitada.
Quanto à alienação e penhora dos bens vinculados à prestação de serviços públicos, percebe-se que o concessionário não poderá dispor plenamente de tais bens.
Como já demonstrado no presente trabalho, a concessionária utiliza bens que se encontram divididos entre bens regidos pelo regime jurídico de direito público e bens regidos pelo regime jurídico de direito privado. Quanto aos bens regidos pelo regime jurídico de direito público, não devem restar dúvidas de que a concessionária não poderá dispor dos ditos bens, pois a ela não pertencem – sendo certo que terá o dever legal e contratual de conservar da melhor forma possível os bens que se encontram em sua posse direta. Quanto aos bens regidos pelo regime jurídico de direito privado, há duas situações: a) a concessionária terá a propriedade plena dos bens vinculados à prestação dos serviços públicos, podendo dispor livremente dos bens não reversíveis, mas apenas vinculados à prestação dos serviços públicos, desde que não haja a solução de continuidade do serviço ou qualquer outro anomalia no serviço; b) terá a propriedade resolúvel dos bens reversíveis e, portanto, não poderá dispor livremente dos ditos bens, sem que antes se manifeste o poder concedente. Em ambas as situações, contudo, parece ser evidente que a concessionária prestadora de serviços públicos terá que respeitar os princípios da atualidade, regularidade e continuidade dos serviços públicos, sob pena de descumprimento do contrato de concessão e dos dispositivos legais acima transcritos.
No caso de penhora de bens vinculados, portanto, o concessionário, também, não poderá onerar os bens de sua propriedade – seja ela plena ou resolúvel -, de forma a prejudicar ou pôr em risco a prestação dos serviços públicos. Cite-se como exemplo, o ocorrido com a concessionária Barcas S/A, no Rio de Janeiro, que desejava autorização da Agência Reguladora de Serviços Públicos Concedidos do Estado do Rio de Janeiro – ASEP/RJ, para dar em garantia seus imóveis, instalações e embarcações. A conclusão exarada pelo Ilustre Procurador do Estado do Rio de Janeiro Sérgio Nelson Mannheimer (37), no parecer n.° 01/2002, foi no sentido da impossibilidade de tal oneração dos ditos bens, justamente, por mácula ao princípio da continuidade dos serviços prestados pela concessionária em referência. É interessante notar que o ilustre procurador opinou pela possibilidade da hipoteca das embarcações novas – que seriam construídas com o financiamento -, pois assim, em caso de inadimplência da concessionária a oneração recairia apenas sobre as embarcações novas, o que não inviabilizaria a continuidade e regularidade do serviço.
No caso de alienação, a concessionária também deverá observar os princípios da atualidade, regularidade e continuidade, pois é certo que jamais poderá alienar um bem em prejuízo da prestação do serviço concedido. Vale lembrar, que os bens reversíveis, por serem de propriedade resolúvel da concessionária, só poderão ser alienados com autorização do poder concedente. Cite-se como exemplo, o parecer de Maurício Portugal Ribeiro (38), que traz os diversos percalços suportados por uma concessionária de serviços públicos que desejava vender um imóvel no qual se situavam bens reversíveis. O caso é emblemático, pois, o imóvel embora vinculado à prestação do serviço público, não era arrolado no contrato como sendo um dos bens reversíveis. Tal omissão trouxe a dúvida e a incerteza sobre a necessidade ou não de autorização do poder concedente para alienação do dito bem.
CONCLUSÃO
Quanto à distinção entre os "bens vinculados" à prestação dos serviços públicos e os "bens reversíveis", é importante concluir, embora não seja pacífico o entendimento, que os bens reversíveis são espécie do gênero bens vinculados, isto porque, conforme restou comprovado, a legislação utilizou as duas expressões com sentidos diversos e não como sinônimos, como alguns doutrinadores defendem.
Deve-se concluir, ainda, que são diversas as origens dos bens vinculados à prestação dos serviços públicos, embora a doutrina não dedique muita atenção a tal fato. Tal percepção é salutar para entendimento do instituto. Os bens vinculados à prestação dos serviços públicos podem ser do domínio público; bens de propriedade das empresas públicas e sociedades de economia mista e bens de propriedade da concessionária prestadora dos serviços públicos.
Seguindo o raciocínio da diversidade de origens dos bens vinculados à prestação dos serviços públicos, é forçoso perceber que os bens de propriedade dos entes públicos continuam sob o regime jurídico de direito público, enquanto os bens de propriedade das empresas públicas e sociedades de economia mista, cedidos à concessionária, continuam sob o regime jurídico de direto privado e, por último, os bens adquiridos pelas concessionárias devem obedecer ao regime jurídico de direito privado, embora possam sofrer algumas limitações decorrentes da aplicação dos princípios da continuidade, regularidade e atualidade dos serviços públicos.
Quanto à responsabilidade da concessionária pela manutenção, alienação e penhora dos bens vinculados à prestação dos serviços públicos, é certo que as ditas obrigações decorrem dos princípios acima mencionados, positivados na legislação em comento. Destarte, a concessionária só poderá alienar ou onerar os bens de sua propriedade, quando tal procedimento não pôr em risco a prestação dos serviços públicos concedidos.
NOTAS
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