A desconsideração da personalidade jurídica, que de a muito não é mais novidade, resta positivada, na nossa legislação, no art. 28 do Código de Defesa do Consumidor, onde nasceu sob o sopro inspirador da doutrina norte-americana e ainda do Durchgriff, no direito alemão.
Mas afinal o que é a doutrina da desconsideração da personalidade jurídica? Qual seu fundamento? A resposta que emerge do próprio teor do art. 28, significa a garantia de permissão ao Estado-Juiz para que, em certos casos, desconsidere a personificação societária, ignorando-a, no sentido de possibilitar que o feixe de responsabilidades, decorrentes das relações de consumo, alcance diretamente aos sócios da empresa fornecedora, fora do manto protetor e ficcional da personalidade jurídica. Assim, o fundamento do instituto não é outro senão o de determinar proteção contra o abuso, ou locupletamento indevido, gerados por maus fornecedores que, sob o véu de uma personalidade societária lançam-se na prática de atos temerários contra o consumidor/hipossuficiente.
Antes do art. 28 do Código de Defesa do Consumidor, segundo a letra do art. 20 do Código Civil ("As pessoas jurídicas têm existência distinta de seus membros"), somente o patrimônio da sociedade poderia ser atingido pelas dívidas da sociedade. Assim, é de se verificar que a responsabilidade do sócio se apresentava diretamente ligada ao tipo de sociedade criada e, portanto, não raras eram as vezes que, enquanto o consumidor lesado em seu direito, amargava prejuízo enorme, ficando sem obtenção de justo ressarcimento, em face de a sociedade não ter lastro para a indenização, os seus titulares desfrutavam as delícias da incomunicabilidade patrimonial.
Desta forma, muitas injustiças e responsabilidades foram, por muito tempo, encobertas pelo que os doutrinadores chamam de ficção jurídica do art. 20 do Código Civil, não obstante a vanguarda de alguns arestos jurisprudenciais, lançados no sentido da desconsideração da personalidade jurídica.
Presentemente, com a maturidade que o tempo garantiu ao Código de Defesa do Consumidor, pode-se afirmar, com segurança, que a doutrina da disregard of legal entity foi incorporada, com relativo sucesso, ao sistema legislativo pátrio. No entanto, é sempre bom lembrar que essa doutrina não tem o condão de determinar a anulação ou desconsideração latu sensu da personalidade jurídica com o rompimento radical dos dogmas do Direito Civil e Comercial. Este entendimento é absolutamente falso, porquanto a doutrina da desconsideração da personalidade, que tem previsão pontual no art. 28 do CDC, atinge apenas alguns casos, notadamente aqueles derivados de relação de consumo, onde se faz necessário o desnudamento do ente jurídico, com o objetivo de identificação do sócio, para a conseqüente apuração de responsabilidade.