3 PRINCIPIOS CONSTITUCIONAIS DO INSTITUTO
O Dicionário Aurélio define o princípio como: 1. O primeiro impulso dado a uma coisa. 2. Ato de principiar uma coisa. 3. Origem. 4. Causa primária, com base nessas definições, pode-se concluir que o princípio é à base de tudo e o norte para alguma coisa.
Nesse sentido, destaca Nucci, que o termo princípio é o “momento em que algo tem origem, é a causa primária ou o elemento predominantemente na constituição de um todo orgânico”. (NUCCI, 2012, p.27).
Todo instituto, independentemente de ser do ramo do direito ou não, possui princípios norteadores para embasar sua criação e sustentar a necessidade de sua existência.
No campo da área penal não é muito diferente, pois existem inúmeros princípios para garantir uma correta aplicação desse ramo.
O instituto do Tribunal do Júri conforme relatado anteriormente adquiriu e perdeu princípios importantes ao longo da sua formação em comparação do que se tem hoje.
O principio constitucional há de ser respeitado como elemento irradiador, que imanta todo o ordenamento jurídico. Além disso, é fundamental considerar existirem os princípios concernentes a cada área do Direito em particular. Por isso, há os princípios processuais penais, que independem dos constitucionais. Eles produzem, na sua esfera de atuação, o mesmo efeito irradiador de ideias e perspectivas gerais a serem perseguidas pelo aplicador da norma processual. (NUCCI, 2012, p.27).
Desde a promulgação da Constituição de 1988, o instituto do Tribunal do Júri, possui esses princípios previstos no artigo 5º em seu inciso XXXVIII, com o arcabouço de garantia constitucional e dotado do benefício da clausula pétrea como já destacado no capítulo anterior.
Nucci preleciona que “é reconhecida à instituição do Júri com a organização que lhe der a lei, assegurados como princípios: a plenitude de defesa, o sigilo das votações, a soberania dos veredictos, e a competência para os julgamentos dos crimes dolosos contra a vida. (NUCCI, 2014, p.632).
Dessa forma, não há de se pensar em uma correta e eficiente aplicação do instituto do Tribunal do Júri sem o devido respeito aos seus princípios, sob pena de nulidade do processo a ausência de algum.
3.1 Plenitude de defesa
O primeiro princípio a ser observado, esta disposto na alínea “a”, do artigo 5º da Constituição, em seu inciso XXXVIII, onde se assegura a todos a plenitude de defesa.
A plenitude de defesa, uma dupla faceta, afinal a defesa esta dividida em técnica e autodefesa, A primeira, de natureza obrigatória, é exercida por profissional habilitado, ao passo que a última é uma faculdade do imputado, que pode efetivamente trazer a sua versão dos fatos, ou valer-se do direito do silêncio. (TÁVORA e ALENCAR, 2015, p.975).
Não têm como existir um autêntico processo legal, assegurado pela Constituição, se não for resguardado ao acusado, os princípios do contraditório e ampla defesa.
Nucci reforça que aos “réus, no Tribunal do Júri, quer se a defesa perfeita, dentro, obviamente, das limitações naturais dos seres humanos”. (NUCCI, 2012, p.82).
Com esse princípio, busca-se assegurar que os acusados tenham a seu favor todo tipo de defesa e recursos disponíveis na lei, sem que em nenhum momento sua liberdade seja cerceada de qualquer forma, sob pena de ter todo o julgamento anulado.
Com relação a esse princípio, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais adota o seguinte entendimento:
Fica clara a intenção do constituinte ao conceder ao réu no Júri, além da ampla defesa outorgada a todo e qualquer réu, em qualquer processo cível, administrativo ou criminal, a plenitude de defesa, privilegiando-o em relação a acusação, pois ele é a parte mais fraca da relação. (AP.10155.03.004411-1 – 3º Câmara Criminal - j. 02.05.2006, rel. Jane da Silva).
A plenitude de defesa é imprescindível para uma defesa plena do acusado, sem qualquer tipo de cerceamento, com o objetivo é que no fim do julgamento consiga se obter a verdade do processo, absolvendo ou condenando o réu de acordo com os fatos e provas de todo o processo.
3.2 Sigilo das Votações
Trata-se do segundo princípio a ser observado e também esta devidamente previsto no artigo 5º, inciso XXXVIII, alínea “b” da Constituição.
Capez informa que “é um princípio informador específico do Júri, a ele não se aplicando o disposto no artigo 93, IX da Constituição, que trata do princípio da publicidade do Poder Judiciário”. (CAPEZ, 2013, p.633).
Esse princípio tem como finalidade, a proteção ao Conselho de Sentença, com a intenção de impedir que os jurados sejam intimidados em dar o voto, independente ou não de estarem na presença do acusado e de todo um público.
Távora e Alencar asseveram que “o sigilo das votações envolve o voto e o local do voto. Para evitar intimidação dos jurados, as votações ocorrem em sala especial, com a presença de pessoas indispensáveis a esse ato processual”. (TÁVORA e ALENCAR, 2015, p.975).
Art. 485 Não havendo duvida a ser esclarecida, o Juiz Presidente, os jurados, o Ministério Publico, o assistente, o querelante, o defensor do acusado, o escrivão e o oficial de justiça dirigir-se-ao à saca especial, a fim de que seja procedida a votação. (BRASIL, 1941).
Ressalta-se ainda que o mesmo artigo seu parágrafo 1º, na falta de sala especial, o Juiz Presidente determinará que o público se retire, permanecendo somente as pessoas já mencionadas no caput.
Esse princípio possui grande importância, pois a intenção dele é garantir total proteção e oferecer auxílio aos jurados, por isso o voto não precisa e nem pode ser assinado pelo jurado, ou seja, não é necessário realizar qualquer identificação no seu voto, além do que o voto acontece em sala específica, onde só é permitida a presença das pessoas legalmente autorizadas.
Tonello e Rodrigues destacam que “a principal preocupação do legislador constituinte ao inserir esse princípio, foi garantir a imparcialidade, a independência, a liberdade de convicção e de opinião dos jurados”. (TONELLO e RODRIGUES, 2012, p.190).
Para assegurar o sigilo e cumprir a Constituição é adequado que o juiz se acautele para suspender a divulgação dos demais votos assim que se definir a votação de cada quesito, evitando que seja o sigilo violado por uma eventual votação unânime. (TÁVORA e ALENCAR, 2015, p.976).
O sigilo das votações será sempre resguardado, pois em hipótese alguma será revelado todos os votos, em caso de decisão unânime, o juiz irá finalizar a decisão quando se chegar na maioria dos votos, sem a necessidade de abertura do restante dos votos.
Nesse sentido, Capez menciona “que por essa razão, há quem sustente que deva a votação do quesito ser interrompida assim que surgir o quarto voto idêntico”. (CAPEZ, 2013, p.633).
A natureza do instituto do Tribunal do Júri dispõe aos jurados certa proteção necessária para um julgamento correto e adequado, garantindo dessa forma aos mesmos o sigilo, além do que apesar de todo o processo ser público, lhes é preservada a prerrogativa de não votar na frente de todos.
Esse princípio possui suma importância é e indispensável para uma correta utilização do instituto do Tribunal do Júri.
3.3 Soberania dos veredictos
Disposto na alínea “c”, do artigo 5º, inciso XXXVIII da Constituição, o princípio da soberania dos veredictos possui algumas importantes peculiaridades.
De acordo com Távora e Alencar, “o princípio da soberania dos veredictos alcança o julgamento dos fatos. Os jurados julgam os fatos. Esse julgamento não pode ser modificado pelo juiz togado ou pelo Tribunal que venha a apreciar um recurso.” (TÁVORA e ALENCAR, 2015, p.976).
Esse princípio traz a presunção de que a decisão do Conselho de Sentença é soberana. Sendo assim, não poderá ser alterada, ainda que seja para beneficiar o réu. No entanto, esse princípio não é absoluto, existem algumas situações na lei em que esse princípio será relativizado, alterando uma decisão já prolatada ou ainda anulando todo um julgamento.
Assevera Capez que “trata-se de um princípio relativo, pois no caso de apelação das decisões do Júri pelo mérito, o Tribunal pode anular o julgamento e determinar a realização de um novo, se entender que a decisão dos jurados afrontou manifestamente a prova dos autos”. (CAPEZ, 2012, p.633).
Nesse caso, é possível notar que a decisão do Tribunal não altera o julgamento, resolvendo o mérito da questão, ele simplesmente anula o julgamento já realizado e cria-se a oportunidade para novo julgamento. (TÁVORA e ALENCAR, 2015, p.976).
Com base em Capez “na revisão criminal, a mitigação do princípio é ainda maior, porque o réu condenado pode ser até mesmo absolvido pelo Tribunal revisor, caso a decisão seja arbitrária”. (CAPEZ, 2012, p.633).
Esse princípio possui grande importância, pois garante ao acusado a segurança jurídica, tendo em vista que, em regra, sempre será preservada a soberania do veredicto.
Ainda quando a lei autoriza a relativização desse princípio por algum erro cometido no julgamento, tem como pressuposto aumentar as garantias e direitos da pessoa do acusado, para que o mesmo tenha a possibilidade de realização de outro julgamento de forma correta.
3.4 Competência para julgamento dos crimes dolosos contra a vida
Quarto e último princípio do instituto do Tribunal do Júri esta previsto no artigo 5º, inciso XXXVIII, alínea “d” da Constituição e tem como ideia a definição de quais os crimes serão julgados pelo Tribunal do Júri.
Destaca Porto que “a competência do Tribunal do Júri, um dos órgãos que exercem a jurisdição penal, decorre de fonte constitucional, estando voltada para os julgamentos dos crimes dolosos contra a vida, consumados ou tentados, previstos no Código Penal”. (PORTO, 2005, p.43).
O artigo 74 do Código de Processo Penal regula que a competência pela natureza da infração será regulada pelas leis de organização judiciária, salvo a competência privativa do Tribunal do Júri.
Destaca ainda o parágrafo 1º do mesmo artigo que compete ao Tribunal do Júri o julgamento dos crimes previstos nos artigos 121, §1º e 2º, 122 § único, 123, 124, 125, 126 e 127 do Código Penal, consumados ou tentados.
Nesse sentido, o mestre Aury Lopes Junior assevera:
A competência do Júri é assim muito bem definida no artigo 74, § 1º do Código de Processo Penal, de forma taxativa e sem admitir analogias ou interpretação extensiva. Logo, não serão julgados pelo Tribunal do Júri os crimes de latrocínio, extorsão mediante sequestro e estupro com resultado morte, e demais crimes em que se produz o resultado morte, mas que não se inserem nos crimes contra a vida. (LOPES. JR, 2014, p.1016).
Nesse contexto, há de se notar que os crimes que não produzam como resultado a morte não serão em hipótese alguma submetidos ao Júri Popular, com uma rara exceção quando este crime estiver conexo a algum dos crimes contra a vida, dessa forma seu julgamento será de responsabilidade de um juiz singular.
Os crimes contra a vida são o homicídio; o induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio; o infanticídio e o aborto. Desses apenas o homicídio possui forma culposa, sendo assim, este é o único crime contra a vida excluído do Tribunal do Júri. (TÁVORA e ALENCAR, 2013, p.196).
Apesar de o texto da Constituição destacar de forma clara que é assegurada a competência do Tribunal do Júri para os crimes dolosos contra a vida, não é somente eles.
Nessa ótica, o Supremo Tribunal do Federal destaca “a competência do Tribunal do Júri, fixada no artigo 5º, XXXVIII, da Constituição, quanto ao julgamento de crimes dolosos contra a vida é passível de ampliação pelo legislador ordinário.” (HC 1015421. SP – 1º TURMA – j.04.05.2010, Rel. Ricardo Lewandowski).
De acordo com o posicionamento do Supremo, caso o legislador ordinário sinta ou perceba a necessidade poderá ampliar a competência para o devido julgamento no Tribunal do Júri.
Pondera Távora e Alencar, “além disso, importante lembrar que o genocídio não é crime contra a vida, mas sim crime contra a humanidade, razão pela qual só será processado pelo Júri, se estiver em conexão com o crime doloso contra a vida”. (TÁVORA e ARAÚJO, 2013, p.196).
O genocídio, crime contra a humanidade e o latrocínio roubo seguido de morte; apesar de existir uma morte no curso do delito, não se tratam de crime contra a vida, e sim crime contra o patrimônio, por isso a competência para o processo e julgamento é do juiz singular e não do Tribunal do Júri, de acordo com a Súmula 603 do STF.
Importante lembrar que todos os princípios aqui destacados possuem elevada importância, pois se tratam de direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição de 1988 e que em hipótese alguma podem ser suprimidos, a não ser que a própria carta magna autorize a sua relativização como no caso do princípio da soberania dos veredictos.