CONCLUSÃO
Com este estudo sobre criminalidade de bagatela, nota-se que a jurisprudência de nossos tribunais está cada vez mais se adequando à realidade brasileira, e ao se deparar com a decadência e ineficácia do nosso sistema penitenciário, vem construindo soluções pretorianas que modernizam a aplicação do Direito Penal, fugindo de um exagerado "positivismo" estritamente apegado à lei, com a finalidade de alcançar os verdadeiros ideais de justiça material.
A aplicação do princípio da insignificância na descaracterização dos delitos de bagatela como crimes é um exemplo disso. A concepção material do tipo é o caminho cientificamente concreto para que se possa obter a necessária descriminalização de condutas que, embora formalmente típicas, não mais são objeto de reprovação social, nem produzem danos significativos aos bens jurídicos protegidos pela lei penal. [52]
Na situação atual da sociedade e do sistema carcerário brasileiro não há mais lugar para a punição indiscriminada de toda e qualquer infração, por mínima que seja, o que só vem a sobrecarregar as varas criminais, impossibilitando que possa ser dada a devida atenção aos crimes verdadeiramente graves, cujos infratores continuam impunes.
O adágio popular: "quem rouba um pão é ladrão, quem rouba um milhão é barão", citado por um juiz ao absolver rapaz preso por levar um vaso de valor irrelevante de um restaurante, lembra a necessidade da Justiça estar disponível para punir com prioridade os grandes crimes contra o patrimônio e a vida. [53]
Portanto conclui-se com análise das infrações bagatelares que a sua irrelevância e reduzida reprovação social, não são dignas da gigantesca e marcante interferência de toda a máquina repressiva do Estado. A defesa da não aplicação da sanção penal privativa de liberdade em tais casos, vem a em defesa de um Direito Penal humanitário, diante da evidente desproporção entre o efetivo dano causado ao bem jurídico protegido pela norma penal e a conseqüente reação estatal.
NOTAS
1 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Minidicionário da Língua Portuguesa. 3. ed. Rio de Janeiro : Nova Fronteira, 1993.
2 GOMES, Luiz Flávio. Delito de Bagatela : Princípios da Insignificância e da Irrelevância do Fato. Revista dos Tribunais, São Paulo, ano 90, v. 789, jul. 2001, p. 440.
3 Ibidem, p. 440.
4 RHC 66869-PR, STF, 2ª Turma, rel. Min. Aldir Passarinho, j. 06.12.1988.
5HC 70747 / RS, STF, Rel. Min. Francisco Rezek.
6 GOMES, Luiz Flávio. Tendências político-criminais quanto à criminalidade de bagatela. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo : Editora Rev. dos Tribunais, número especial de lançamento, 1992, p. 92.
7 ACKEL FILHO, Diomar. O princípio da insignificância no direito penal. LEX, São Paulo, n. 94, 1988, p. 73.
8 LOPES, Maurício Antônio Ribeiro. Princípio da insignificância no direto penal: análise à Luz da Lei 9.099/95 - Juizados Especiais Criminais e da jurisprudência atual. São Paulo : Revista dos Tribunais, 1997, p. 39.
9 SANGUINÉ, Odone. Observações sobre o princípio da insignificância. Fascículo de Ciências Penais, Porto Alegre, v. 3, n. 1, jan-mar. 1990, p. 45.
10 LOPES, op. cit., p. 83.
11 Ibidem. p. 40.
12 VICO MAÑAS, Carlos. O princípio da insignificância como excludente da tipicidade no direito penal. São Paulo : Saraiva, 1994, p. 56.
13 Ap. 988.073-2, TACrimSP, 10ª Câm., Rel. Juiz Márcio Bártoli, j. 03.01.1996. Revista dos Tribunais, 85° ano, v. 733, nov. 1996, p. 579.
14 GOMES, Luiz Flávio. Tendências... p. 91.
15 ACKEL FILHO, op. cit., p. 75.
16 LOPES, op. cit., p. 144.
17 Ap. Crim. nº 70007644511, Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, 8ª Câm. Crim. Santo Ângelo, rel Sylvio Baptista, j. 10.03.2004.
18 LOPES, op. cit., p. 142.
19 GOMES, Luiz Flávio. Prisão por furto de uma cebola. Jus Navigandi, Teresina, a. 6, n. 58, ago. 2002. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/doutrina/texto.asp?id=3068>. Acesso em: 18 jun. 2004.
20 Ap. Crim. nº 70007644511, Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, 8ª Câm. Crim. Santo Ângelo, rel Sylvio Baptista, j. 10.03.2004.
21 GOMES, Luiz Flávio. Tendências.. p. 92.
22 VICO MAÑAS, op. cit., p. 62.
23 SANGUINÉ, op. cit, p. 48.
24 GRINOVER, Ada Pellegrini apud VICO MAÑAS, op. cit., p. 63.
25 VICOMANÃS, op. cit., p. 69.
26 VICO MAÑAS, Carlos. A concepção material do tipo penal. Revista da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, São Paulo, n. 30, dez. 1988, p. 150.
27Julgados do Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo, São Paulo : LEX Editora, v. 69, jan-mar. 1982, p. 442.
28 Ap. 1.303.549-6, TACrimSP, 15ª Câm. Rel. Juiz Carlos Biasotti, j. 08.08.2002. Revista dos Tribunais, São Paulo, ano 92°, v. 807, jan. 2003, p. 624.
29 LOPES, Maurício Antônio Ribeiro. Princípio da insignificância no direto penal: análise à Luz da Lei 9.099/95 - Juizados Especiais Criminais e da jurisprudência atual. São Paulo : Revista dos Tribunais, 1997, p. 69.
30 TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal : de acordo com a Lei nº 7.209/1984. 3. ed. São Paulo : Saraiva, 1987, p. 159.
31 Constituição da República Federativa do Brasil, art. 5° caput.
32 LOPES, op. cit., p. 53.
33Julgados do Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo, São Paulo : LEX Editora, v. 73, jan-mar. 1983, p. 335.
34 ACKEL FILHO, Diomar. O princípio da insignificância no direito penal. LEX, São Paulo, n. 94, 1988, p. 73.
35 ENGISCH, Karl. Introdução ao pensamento jurídico. 2. ed. Trad. J. Baptista Machado. Lisboa : Fundação Calouste Gulbenkian, 1965, p. 74.
36 ACKEL FILHO, op. cit., p. 74.
37 LOPES, op. cit. p. 61.
38 Ap. 988.073-2, TACrimSP, 10ª Câm., Rel. Juiz Márcio Bártoli, j. 03.01.1996. Revista dos Tribunais, 85° ano, v. 733, p.579-582, nov. 1996.
39 VICO MAÑAS, Carlos. O princípio da insignificância como excludente da tipicidade no direito penal. São Paulo : Saraiva, 1994, p. 58/59.
40 ZAFFARONI apud SANGUINÉ, Odone. Observações sobre o princípio da insignificância. Fascículo de Ciências Penais, Porto Alegre, v. 3, n. 1, jan-mar. 1990, p. 47.
41 VICO MAÑAS, Carlos. A concepção material do tipo penal. Revista da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, São Paulo, n. 30, dez. 1988, p. 148.
42 Ibidem, p. 148.
43Julgados do Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo, São Paulo : LEX Editora, v. 69, jan-mar. 1982, 441/443.
44 VICO MAÑAS, Carlos. O princípio..., p. XI.
45 GOMES, Luiz Flávio. Delito de Bagatela : Princípios da Insignificância e da Irrelevância do Fato. Revista dos Tribunais, São Paulo, ano 90, v. 789, jul. 2001, p. 446.
46 Ap. 988.073-2, TACrimSP, 10ª Câm., Rel. Juiz Márcio Bártoli, j. 03.01.1996. Revista dos Tribunais, 85° ano, v. 733, nov. 1996, p. 580.
47 TOLEDO, op. cit, p. 122.
48 HC n° 25.832, Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, 2ª Câm Criminal, rel. Donato João Sehnem, j. 17.06.1981. Revista de Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, ano XVI, dez. 1981, p. 28.
49 SANGUINÉ, Odone. Observações sobre o princípio da insignificância. Fascículo de Ciências Penais, Porto Alegre, v. 3, n. 1, jan-mar. 1990, p. 46.
50 Paula, Rafael Gonçalves de. Fruto proibido. Revista Consultor Jurídico, Palmas, abr. 2004. Disponível em: http://conjur.uol.com.br/textos/26043/. Acesso em 11.06.2004.
51 VICO MAÑAS, Carlos. A concepção material do tipo penal. Revista da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, São Paulo, n. 30, dez. 1988, p. 150.
52Julgados do Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo, São Paulo : LEX Editora, v. 73, jan-mar. 1983, p. 335.
53 VICO MAÑAS, Carlos. O princípio da insignificância como excludente da tipicidade no direito penal. São Paulo : Saraiva, 1994, p. IX.