Cícero Yuri Silva Santos[1]
Antônio Ivan Amorim Hilário[2]
RESUMO
O presente trabalho aborda a aplicação dos princípios do contraditório e ampla defesa no âmbito do inquérito policial como uma forma de garantir os direitos fundamentais do cidadão mesmo numa fase reconhecida na doutrina como meramente procedimental, objetivando assim afirmar a imprescindibilidade da observância desses princípios basilares do nosso ordenamento jurídico. Utilizando uma revisão bibliográfica e uma abordagem qualitativa buscou-se na jurisprudência pátria, doutrina e Leis confirmar essa tendência garantista de uma persecução penal mais democrática e atualizada com o Estado democrático de direito
Palavras-chave: Contraditório. Ampla defesa. Garantista.
ABSTRACT
The present work deals with the application of the principles of the adversary and the wide defense without the right to judicial consultation as a way of guaranteeing the fundamental rights of the citizen even at a stage recognized in the doctrine as merely procedural, aiming as well as a requirement of observing the basic principles legal. Using a bibliographical review and a qualitative approach was sought in the jurisprudence of the country, doctrine and Laws to confirm this guarantor tendency of a more democratic and updated criminal prosecution with the democratic State of law
Keywords: Contradictory. Wide defense. Guarantor.
1 introdução
No presente trabalho busca versar sobre a aplicação dos princípios do contraditório e ampla defesa na fase do inquérito policial, dado haver um intenso debate tanto na doutrina quanto na jurisprudência acerca da possibilidade de emprego desses fundamentais princípios.
No primeiro capítulo busca-se delinear a natureza jurídica do inquérito nos seus principais aspectos. Como alude a doutrina e as possíveis controversas acerca da classificação da mesma.
Doravante, no segundo capítulo, versamos sobre essenciais características do instrumento investigatório dissecando a importância dessas características para explanar sobre o objeto de estudo do presente trabalho.
Ademais, no último capítulo, entra-se mais especificamente no objeto de estudo versando sobre a aplicação do contraditório e ampla defesa no inquérito policial. Nessa parte tem o escopo de precisamente abordar a existência de um contraditório e ampla defesa ainda que de forma mitigada no inquérito policial e afirmar a importância da aplicação desses para a asseguração do Estado democrático de direito e o respeito aos direitos e garantias fundamentais, sem evidentemente desnaturar a importância dos elementos essenciais do inquérito policial.
2 conceito e natureza jurídica do inquérito
O inquérito policial na definição da doutrina majoritária afirma-se como um Procedimento administrativo inquisitório e preparatório, presidido pela autoridade policial que consiste em um conjunto de diligências realizadas pela polícia investigativa objetivando a identificação das fontes de prova e a colheita de elementos de informação quanto à autoria e materialidade da infração penal, a fim de possibilitar que o titular da ação penal possa ingressar em juízo (LIMA, Renato. 2016).
Desta feita, infere-se que a finalidade precípua do Inquérito é averiguar a existência de um delito e proceder ao conhecimento da sua autoria, contribuindo para robusteza probatória da denúncia ou queixa oferecida pelo respectivo titular da ação penal. Consequentemente, denota esse instituto está inserida claramente na seara jurídica do Processo penal, posto que assentado no Título II, do Art. 4º ao 23 do CPP, decreto Lei N.3.689, de 03 de Outubro de 1941. Corroborando com essa assertiva Mirabeti (2005):
“Todo procedimento policial destinado a reunir os elementos necessários à apuração da prática de uma infração penal e de sua autoria. Trata-se de uma instrução provisória, preparatória, informativa, em que se colhem elementos por vezes difíceis de obter na instrução judiciária, como auto de flagrante, exames periciais, etc.”.
Ademais, Fernando Capez (2016; p. 157) corrobora da mesma perspectiva na linha da ausência do contraditório e ampla defesa no processo penal: “É secreto e escrito, e não se aplicam os princípios do contraditório e da ampla defesa, pois, se não há acusação, não se fala em defesa”. O inquérito seria puramente um procedimento que guarda resquícios do sistema penal inquisitivo da idade média, concentrando os poderes unicamente na figura de uma pessoa, qual seja, a autoridade policial.
Nessa perspectiva, a persecução penal preliminar caberia à polícia judiciária, conforme dispõe o Art. 4º do CPP: “A polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais no território de suas respectivas circunscrições e terá por fim a apuração das infrações penais e da sua autoria”. Ademais, ficaria incumbida de fomentar a convicção do Ministério público nas ações penais públicas e do ofendido nas ações penais privadas mediante a investigação preliminar. Nestes termos Funcionaria o inquérito também como um importante instrumento de preservar provas urgentes que possam eventualmente ser inutilizadas pelo infrator com a demora do processo, podendo mesmo alterar a cena do crime e omissiar objetos que poderiam ser fundamentais para o deslinde do crime.
Outro desdobramento importante relacionado a natureza jurídica da infração penal afigura na imprescindibilidade de uma investigação preliminar que seja eficiente para convicção do juízo no processo penal e que não permita acusações inverossímeis e embaraçosas sem nenhum lastro probatório. Sendo assim, uma das principais finalidades suas seria impedir que haja acusações injustas, que comprometam a reputação do investigado com material falso, insinuações gratuitas levadas a Juízo etc.
Não se pode esquecer que um crime causador de grande comoção na sociedade, muitas vezes leva a opinião pública a incriminar o primeiro suspeito, que pode ser inocente e levado a uma situação embaraçosa apenas pelo furor do momento (PINTOS JUNIOR, 2010).
3 CARACTERÍSTICAS do inquérito policial
Um peça informativa que na definição supra desempenha a função de colher indícios de autoria e materialidade para dá sustentação ao titular da ação penal que mediante sua convicção solicita o arquivamento ou encaminha o prosseguimento da persecução penal. As características do inquérito policial atribuem umas peculiaridades ao instituto por diferenciar-se do tratamento legal do processo penal em sua integralidade. Todavia, esbocemos algumas características pertinentes ao objeto de estudo.
3.1 escrito
Prevê o art. 9º do CPP que: “Todas as peças do inquérito policial serão, num só processado, reduzidas a escrito ou datilografadas e, neste caso, rubricadas pela autoridade”. Desta feita, o legislador pretendeu que o inquérito se revestisse de um procedimento formal e documentado para que constitui-se prova apta e legítima.
3.2 sigiloso
Característica imprescindível para o bom funcionamento do inquérito dado revestir num elemento que a supressa e é fundamental. No código de processo penal em seu art. 20 do CPP há expressamente sua previsão: “A autoridade assegurará no inquérito o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade.
Caso não tivesse o inquérito essa peculiaridade sigilosa daria margem a eventuais ocultações de provas ou mesmo pressão às testemunhas necessárias para deslindar o fato. Porém, a publicidade não deve ser absoluta, podendo sofrer restrição em situações em que o interesse público ou mediante peculiaridades do caso concreto, configurando assim a publicidade interna ou restrita; nessa há a limitação da publicidade dos atos processuais ( LIMA, Renato; 2016; p. 117).
3.3 Obrigatório
Vige no inquérito o princípio da indisponibilidade, não estendendo à autoridade policial discricionariedade para instalar ou não o procedimento de inquérito. Encontra-se assentado no art. 5º do Código de Processo Penal. Não há, portanto, juízo de conveniência ou oportunidade nesse âmbito, obrigando assim as autoridades a dá andamento a instauração do peça inquisitorial. Não fosse assim, poderíamos ter a impunidade como regra à revelia da população, sujeita à arbitrariedade da autoridade responsável para instauração.
3.4 inquisitório
Depreende-se dessa característica a total discricionariedade que a autoridade policial tem em relação aos procedimentos realizados no âmbito do inquérito. Obviamente sem transcender as hipóteses legais que devem ser necessariamente observadas.
A autoridade policial tem a prerrogativa de decretar ex-officio a instauração do inquérito sem necessidade de requisição ao Juiz ou Ministério público ou mesmo indeferir sem fundamentar eventuais solicitações tanto do Ministério Público quanto do ofendido ou representante legal.
Destoando à regra da inquisitoriedade a discricionariedade não abarca o exame de corpo do delito, constituindo obrigação legal da autoridade policial em fazê-lo. Caso haja indeferimento da requisição cabe recurso inominado ao Juiz ou Ministério Público em descumprimento ao teor do Art. 564 do Código de processo penal: A nulidade ocorrerá nos seguintes casos: III – Por falta das fórmulas ou dos termos seguintes: a) o exame de corpo de deito nos crimes que deixam vestígios, ressalvados o disposto no art. 167. Ademais há reconhecimento jurisprudencial no Superior Tribunal de Justiça nesse sentido:
HABEAS CORPU (HC 89.928/MS, Rel. Ministro NILSON NAVES, SEXTA TURMA, julgado em 19/5/09, DJe 1º/7/09) S. PENAL. FURTO QUALIFICADO. ESCALADA. DELITO QUE DEIXA VESTÍGIOS. IMPRESCINDIBILIDADE DO LAUDO PERICIAL. PEDIDO DE COMPENSAÇÃO DA AGRAVANTE DA REINCIDÊNCIA COM A ATENUANTE GENÉRICA DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA. POSSIBILIDADE. ORDEM CONCEDIDA . 1 - O exame de corpo de delito é imprescindível para comprovar a materialidade da qualificadora da escalada e sua realização de forma indireta, mediante prova oral, é aceita, apenas, quando os vestígios tiverem desaparecido, a teor do disposto no art. 167 do CPP, circunstância sequer mencionada nos autos. 2 - A jurisprudência da Sexta Turma firmou-se no sentido de permitir a compensação da agravante da reincidência com a atenuante da confissão espontânea. 3 - Ordem concedida para desclassificar o delito para furto simples, afastando a qualificadora de rompimento de obstáculo pela escalada, bem como para determinar a compensação da agravante da reincidência com a atenuante da confissão.
4 Aplicação do contraditório e ampla defesa no inquérito policial
4.1 ampla defesa
Esse princípio corresponde a uma das basilares garantias que funcionam como sustentáculo do Estado democrático de direito. Corolário do devido processo legal, preceitua que seja possibilitado aquele cujo recai uma imputação todos os meios legais para exercer sua defesa.
Reconhecido constitucionalmente no art. Art. 5º, LV, da Constituição Federal de 1988, “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. Além de abarcar a defesa material ou genérica pressupõe também a defesa técnica exercida em regra por advogado, reconhecida no art. 261 CPP: “Nenhum acusado, ainda que ausente ou foragido, será processado ou julgado sem defensor”. Nas palavras de Guilherme Nucci (2016, p. 25):
“O princípio da ampla defesa: significa que ao réu é concedido o direito de se valer de amplos e extensos métodos para se defender da imputação feita pela acusação. Encontra fundamento constitucional no art. 5.º, LV. Considerado, no processo, parte hipossuficiente por natureza, uma vez que o Estado é sempre mais forte, agindo por órgãos constituídos e preparados, valendo-se de informações e dados de todas as fontes às quais tem acesso, merece o réu um tratamento diferenciado e justo, razão pela qual a ampla possibilidade de defesa se lhe afigura a compensação devida pela força estatal.
Além disso, a legislação internacional do O Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos preceitua: em seu art. 14, 3, d, assegura a toda pessoa acusada de infração penal o direito de se defender pessoalmente e por meio de um defensor constituído ou nomeado pela Justiça, quando lhe faltarem recursos suficientes para contratar algum (CAPEZ, Fernando, p. 98).
4.2 contraditório
“Contraditório é o direito de participar de um procedimento que lhe possa trazer alguma espécie de repercussão jurídica; não tem como pressuposto a existência de partes adversárias. Se há possibilidade de defesa, é porque há exercício do contraditório; se eu me defendo, estou participando do procedimento; estou, portanto, exercitando o meu direito de participação” (TÁVORA, Nestor; 2011, p. 98). Nas preleções do jurista define-se contraditório numa perspectiva mais ampla do que comumente utilizada pela doutrina mais conservadora no que tange a presença do contraditório na fase de investigação preliminar.
Estampado no texto constitucional no Art. 5º, LV, da Constituição Federal de 1988 o contraditório se expressa como “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. Nas luminares palavras do jurista Aroldo Plínio Gonçalves (1992, p. 127):
O contraditório, então, não só passaria a garantir o direito à informação de qualquer fato ou alegação contrária ao interesse das partes e o direito à reação (contrariedade) a ambos – vistos, assim, como garantia de participação –, mas também garantiria que a oportunidade da resposta pudesse se realizar na mesma intensidade e extensão. Em outras palavras, o contraditório exigiria a garantia de participação em simétrica paridade .
Outrossim, conceituando o princípio do contraditório infere-se que seja um dos sustentáculos fundamentais da ordem jurídica processual, sendo que sua existência garante também a ampla defesa, pois são princípios umbilicalmente interligados. Por conseguinte, mais do que uma oportunidade de ação e reação, o contraditório garante que toda a persecução penal seja desenvolvida com a observância da igualdade entre as partes, no sentido de que os contendores tenham a mesma força (paridade de armas) (NETO, Francisco, 2016)
Findo as observações sobre os conceitos da ampla defesa e o contraditório, passamos a analisar seu cabimento na fase pré-processual de inquérito versando sobre as aplicações vigentes e tentando esclarecer os turvos embaraços que existem na doutrina acerca dessa possibilidade.
4.3 Existência da ampla defesa e contraditório no Inquérito policial
Tais proposições conceituais e classificatórias acima inclina a maioria da doutrina ao entendimento que é incabível o contraditório e ampla defesa na investigação preliminar. Na medida em que se refere a um procedimento e não processo; em que subsiste um viés inquisitorial que a regra é o sigilo e a discricionariedade; não existindo partes e sim meros investigados; todas essas características embarga o reconhecimento da possibilidade de contraditório nessa fase.
Há parcela da doutrina que admite no inquérito policial a existência de contraditório e ampla defesa, conquanto atinja direitos fundamentais do investigado e gera importantes repercussões na persecução penal, fato que não pode ser ignorado. O investigado tem determinadas garantias atingidas por esse procedimento pré-processual; a existência de contraditório poderia em tese aprimorar a administração da justiça uma vez que seu exercício obstaria o andamento de um processo judicial desgastante e oneroso para todos (partes, judiciário, sociedade etc.) contribuindo para desafogar a demasia de feitos que colaboram para uma justiça lenta como a brasileira.
Interpretação literal da Constituição Federal, que em seu artigo 5º, LV garante o contraditório e a ampla defesa aos litigantes em processo judicial ou administrativo e aos acusados em geral. Daí se conclui que não estão incluídos os investigados em inquérito policial, posto não serem litigantes ou acusados e por não constituir o procedimento policial um processo (CASTRO, Henrique, 2016). No entanto o constituinte não empregaria termos desnecessários no texto constitucional, justamente para ser cauteloso em relação a interpretações que destoassem da sua mensagem; sendo assim, o complemento adicional de acusados “em geral” não foi redigido em vão, posto que abrangeria não somente aqueles demandados em ação judicial penal, mas também aqueles imputados informalmente na investigação preliminar. Ou seja, dentre os “acusados em geral” empregado no texto constitucional, mediante uma interpretação extensiva e sistemática, consistiria igualmente suspeitos e indiciados na medida que o Estado já iniciara a persecução penal decretando medidas cautelares à exemplo: busca e apreensão domiciliar, interceptação telefônica e até mesmo a prisão etc. Nessa perspectiva, aduz Ada Pelegrini Grinover, Antonio Carlos de Araujo Cintra e Candido Rangel Dinamarco (2005), assentando que após o indiciamento, mesmo não sendo formal este ato, e inexistindo, ainda, a acusação propriamente dita, já há uma situação de litígio, ante a confrontação do investigado com o estado acusador. Ou seja, não deve se verificar vocábulos de lei para delimitar a incidência do contraditório, e sim uma situação fática lesiva ao acusado em ser acometido da eventual prática de um crime que desgasta sobremaneira sua reputação perante seus próximos, cabendo nessa linha conjectura uma imprescindível premência da observância do contraditório e ampla defesa.
Além disso, o termo processo abarca o procedimento, já tendo o legislador em outras oportunidades empregado a palavra em sentido amplo, tal como no Código de Processo Penal. (LOPES JÚNIOR, Aury. 2014, p. 254.). Ademais, nada impede o etiquetamento do inquérito policial como processo administrativo sui generis, apesar da resistência em utilizar o termo processo na seara não judicial. Assim assenta a jurisprudência:
“HC 58579 / RJ – Rio de Janeiro, Relator: Ministro Clóvis Ramalhete, Primeira Turma, DJ 12/05/1981. INDICIADO. Direito desse a contra-arrazoar recurso oferecido antes de recebida a queixa ou denuncia. Sua negação constitui constrangimento ilegal e cerceamento de defesa. Habeas corpus concedido para revogar o acórdão proferido em recurso, em que se impedia ao indiciado, contra-arrazoar o recurso em sentido estrito. II. A situação de ser indiciado gera interesse de agir que autoriza se constitua entre ele e o juízo, a relação processual, desde que espontaneamente intente requerer no processo, ainda que em face de inquérito policial. Habeas corpus concedido unanimemente. III. A instauração do inquérito policial, com indiciados nele configurados, faz incidir nestes a garantia constitucional da ampla defesa, com os recursos a ela inerentes. IV. Pedido de habeas corpus provido.”
Não obstante não haja litígio e acusação formal, há na fase investigativa policial questões a serem contraditadas. O inquérito tem a finalidade de colher elementos de informação que indiquem autoria e materialidade delitiva, em razão disso é perfeitamente cabível o contraditório. A ausência da nomenclatura partes não obsta a condição de imputados em sentido amplo. Neste contexto desde o ato inicial do inquérito ao final exercem coercitivamente uma atuação que impactam diretos fundamentais referentes ao estado de inocência e liberdade, bens jurídicos que não podem sofrer ameaça ou lesão sem que haja instrumentos capazes de resguardá-los.
Não obstante inexistam sanções no inquérito policial, há possibilidade de determinadas medidas que podem lesar o investigado, seja por decisão do delegado de polícia ou do juiz. Assim, apesar da doutrina tratar o inquérito apenas como simples procedimento administrativo, o fato é que são amplos os poderes exercidos nessa fase, na medida em que deve-se preservar o direitos do indiciado. Nessa linha corrobora Aury Lopes Jr. (2009):
“Haja vista que a prisão cautelar já dá ciência ao cidadão de que a ele se está imputando um delito e por quais razões, tanto ao ser colocado em custódia na prisão preventiva e temporária, ou quando em Flagrante delito pela nota de culpa. Nesta hipótese, o poder estatal já indicou o autor da infração e a acusação está incipiente, abrindo margem às garantias presentes no Art. 5º, LXIII, como por exemplo, a assistência de advogado. Caso não seja respeitado este dispositivo, assegura-se a liberdade do mesmo com a utilização dos remédios constitucionais do Habeas Corpus e Mandado de segurança”.
Nessa perspectiva, Em que pese os supracitado os princípios do contraditório e ampla defesa, este relacionado a autodefesa e defesa técnica e aquele um direito ao conhecimento do que é praticado no procedimento (ou processo) e assim esboçar a resistência contra atos que aflijam contra seu interesse; bem como a inquisitoriedade e sigilosidade para efetivação do escopo persecutório penal; a jurisprudência vem estabelecendo um juízo que media essas características diametralmente opostas no sentido de preservar princípios basilares do ordenamento jurídico (dignidade da pessoa humana) e evitar que garantias sejam expurgadas.
Um reconhecimento jurisprudencial nessa ótica foi a edição da súmula vinculante nº 14 do Supremo Tribunal Federal: “É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa”. Depreende desse precedente que o direito do advogado em obter acesso as diligência após suas conclusões e apensadas nos autos do inquérito, exceto no interrogatório que pode ser acompanhado em andamento, consonante com art. 7º do Estatuto da OAB (Lei 8.906/94).
Prosseguindo, há no Código de processo penal no seu art. 14: “O ofendido, ou seu representante legal, e o indiciado poderão requerer qualquer diligência, que será realizada, ou não, a juízo da autoridade”, autorização para o exercício do contraditório e ampla defesa tendo em vista que o conhecimento do indiciado de uma investigação em desenvolvimento lhe possibilita requerer diligências, como aludido, oferecer contraprova (art. 306, §2º, CTB) e apresentando razões e quesitos (artigo 7º, XXI do Estatuto da OAB) (CASTRO, Henrique, 2016).
D’outra perspectiva, o Superior Tribunal de justiça assenta: “apesar da natureza inquisitorial do inquérito policial, não se pode perder de vista que o suspeito (...) possui direitos fundamentais que devem ser observados mesmo no curso da investigação, entre os quais o direito ao silêncio e o de ser assistido por advogado”. Numa afirmação peremptória da suprema ideia de relação inquisitória plena na fase policial, reconhecendo o conjunto de direitos que possui o indiciado.
Desta feita, não se pode como amiúde emprega a doutrina falar numa ausência plena do contraditório e ampla defesa no âmbito da fase investigativa policial, sendo mais adequado falar numa aplicação mitigada.
Tendo isso em vista, não se pretende indagar que deva haver uma modificação substancial na fase de inquérito a ponto de obstaculizar o elemento surpresa da investigação policial. Todavia, para preservar garantias jurídico-constitucionais concomitantemente conservar as características precípuas e eficazes do inquérito. Nestes termos, possibilitando providências garantistas que não subvertam a inquisitoriedade do inquérito policial, dá ensejo a uma persecução penal democrática protegendo os direitos fundamentais evitando que a defesa seja prescindível nessa fase haja vista os bens jurídicos em voga.
5 Conclusão
Em vista dos argumentos apresentados conclui-se que a incidência do contraditório e ampla defesa no inquérito é uma realidade, ainda que reconhecidamente de forma mitigada, haja vista os limites intransponíveis para ter uma investigação preliminar efetiva, à exemplo da asseguração do sigilo como fator surpresa da persecução penal pré-processual.
Tendo isso em vista, como já foi abordado literalidade dos dispositivos legais não tem o fito de suplantar uma interpretação em conformidade com as garantias e direitos fundamentais, posto que a interpretação deve ser harmoniosa com a carta da república no sentido de solidificar reforçar o devido processo legal – onde se situa o contraditório e ampla defesa.
Ainda assim, se verificou as pontuais aplicações do contraditório e ampla defesa no âmbito de exercício de defesa, consistindo em reconhecimento assentado na jurisprudência, bem como alguns doutrinadores que se enteiam nesse linha.
Em suma, Por todo o exposto, urge que o legislador numa eventual edição de um novo diploma processual penal trate melhor esse impasse, haja vista consistir numa código relavivamente defesado pela vigência de mais de 50 anos em face da Constituição Federal e a instituição do Estado democrático de direito. Necessitando de uma atualização aos novos tempos.
6 referências
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988, 292 p.1 de mai de 2010.
. Decreto lei nº 3.689, de 03 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/Decreto-Lei/Del3689.htm . Acesso em: 29 agosto de 2017.
. LEI Nº 8.906, DE 4 DE JULHO DE 1994. Dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8906.htm Acesso: 31.08.2017.
. Supremo Tribunal Federal. Súmula n° 14. In: http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/menuSumario.asp?sumula=1230 Súmulas. Acesso: 31.08.2017.
CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 23. ed. São Paulo : Saraiva, 2016.
CASTRO, Henrique. Há sim contraditório e ampla defesa no inquérito policial. Ver. Consultor Jurídico. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2016-nov-01/academia-policia-sim-contraditorio-ampla-defesa-inquerito-policial#_ftnref8. Acesso: 30.08.2017.
GONÇALVES, Aroldo Plínio. Técnica processual e teoria do processo. Rio de Janeiro: Aide, 1992.
LIMA, Renato Brasileiro. Manual de processo penal: volume único. Salvador: Ed. JusPodivm, 2016. Pg. 112.
LOPES JÚNIOR, Aury. Direito processual penal. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 254
NETO, Francisco Sannini. Lei 13.245/16: Contraditório e Ampla Defesa na Investigação Criminal? (Parte III). Disponível em: https://canalcienciascriminais.com.br/lei-13-24516-contraditorio-e-ampla-defesa-na-investigacao-criminal-parte-iii/ Acesso em: 30.08.2017.
NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal comentado .Rio de Janeiro: Forense, 2016.
PINTOS JUNIOR, Acir Céspedes. O princípio do contraditório no inquérito policial. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIII, n. 82, nov 2010. Disponível em: <http://www.ambito juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=8560&revista_caderno=22>. Acesso em ago 2017.
STJ, RHC 34322, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJe 02/05/2014.
TÁVORA, Nestor; ALENCAE, Rosmar Rodrigues. Curso de direito processual penal. Salvador: Juspodivm, 2016.
[1] Graduando em direito na Faculdade Paraíso do Ceará.
[2] Graduando em direito na Faculdade Paraíso do Ceará