Recente pesquisa patrocinada pelo Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Distrito Federal demonstrou o nível de insatisfação com a criação do Conselho Federal de Jornalismo - CFJ. Na mesma esteira, diversos setores da imprensa patenteiam sua inquietude, sinalizando a nocividade em se tentar silenciar a informação pelo braço forte de um Estado Intervencionista, cujo desiderato constitucional, aliás, manifesta a abertura democrática, sem peias que estimulem o soerguimento do regime autoritário de triste lembrança.
Nessa vertente, em Carta ao leitor, a Revista Veja retratou a matéria em tela com significativa ênfase. Sob o título, "sincronia constitucional", rotulou como uma das mais inequívocas declarações de princípios feitas pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao "enterrar" a malfadada idéia de implantar no país um mecanismo com o objetivo de "orientar, disciplinar e fiscalizar o exercício da profissão de jornalista". Finaliza o texto afirmando que "a sincronização do discurso governamental com as garantias constitucionais é motivo, se não de comemoração, pelo menos de tranqüilidade – muito mais, talvez, para o próprio governo do que para a sociedade".
Ainda no mesmo vértice, aduzem que o dito Conselho não passaria de uma instituição voltada a tolher a plena liberdade de imprensa, com prejuízos consideráveis a própria dinâmica imposta pelo Estado Democrático de Direito. Afinal, o filtro inquiridor fomentado pelo Poder Público quanto ao conteúdo do acervo jornalístico a ser veiculado, representaria inegável censura, com severos arranhões a liberdade de imprensa. Mesmo porque, inconcebível acreditar-se que haveria neutralidade do Estado quanto à reta aferição do material informativo, já que o passado demonstra que a linha ideológica do Estado controlador impõe óbices que ferem os diversos cânones sociais que a mídia procura erguer.
Esse pluralismo social, onde se repousa uma gama infindável de valores culturais, políticos, religiosos, econômicos, não raras vezes contrapostos, não pode ser refém de um dirigismo estatal que controla e manipula dados informativos, sem que ocorra a fissura na relação de causa e efeito entre a mídia, sociedade e Estado, banindo aqueles valores que compõem o perfil natural dos grupos sociais.
Nunca é demais lembrar o que diz a Constituição Federal, ao prescrever no art. 5º, IX:
"é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença."
Em verdade, não há outro controle jornalístico, senão o instituído pela Constituição Federal. Ademais, o próprio texto constitucional elegeu a condição de inviolável a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação (art. 5º, X, CF/88), tendo o Judiciário papel importante, não só preventivo, como repressivo, nesse controle (art. 5º, XXXV, CF/88).
Mas não é só. Os direitos e garantias fundamentais – individuais - são acobertados pelo manto da imutabilidade, conforme prescreve o art. 60, § 4º, IV, CF/88, onde é vedada a deliberação de proposta de emenda constitucional que ofusquem esses direitos, quanto mais a criação, por lei, de autarquia especial para esse fim. É flagrantemente inconstitucional qualquer lei que vise tamanha desmedida, para não falar na violação do genuíno espírito democrático que norteia a Carta Política de 1988.
Todavia, no apogeu de uma nova era que impulsiona os "homens públicos", está na moda a máxima de querer se controlar tudo e a todos. Esses modismos, que de tempos em tempos povoam a mente de alguns, servem, hoje, como pano de fundo para justificar crises, muitas vezes sem soluções imediatas. Para eles, seria a falta de controle de algumas instituições a causa para o estado de incertezas e dificuldades, como se a venda de esperança se rendesse ao limite da linguagem ou estivesse predisposta a excelência da retórica dos discursos. Afinal, a Constituição Federal não pode adaptar-se a ideologia de partidos que ascendem ao poder de 4 em 4 anos, sob pena de transformar os interesses da oportunidade em típico poder constituinte originário.
Não me parece outro o viés do tão propagado sentido reformista o que tenta estabelecer o "controle externo do Judiciário". Não pretendo enfatizar, apenas, o aspecto formalista, que também inibe emenda constitucional que pretenda vulnerar a separação e independência entre os poderes, conforme esculpido no art. 60, § 4º, III, da CF/88, norma emoldurada como "cláusula de pedra", tamanha a impossibilidade, não só de alteração, como sequer de deliberação da proposta que ventile a transgressão dessa garantia.
Também não cogito esgotar os limites da argumentação de que via emenda constitucional estaríamos por criar um novo poder, já que é impensável afiançar que o Poder Judiciário seria controlado por um órgão sem tal vigor. Seria possível, via poder constituído, porque derivado do constituinte originário, alterar esse desenho do Estado e das suas funções, instituindo uma nova fisionomia do "check and balances", sem que não se atingissem cláusulas constitucionais imutáveis? Evidentemente que não. Pensar diferente constituiria na vulneração das próprias idéias de Emmanuel Joseph Sieyès, na concepção do "Terceiro Estado", elegendo a vontade geral, do povo, como fio condutor e elemento fundante de validade do poder constituinte originário.
Contudo, a par dessas discussões, enumeradas sob aspectos formais, como dito, observo, com preocupação, o abalo na própria substância dos direitos e suas garantias, caso vingue o "controle externo do Poder Judiciário", cominando uma forma de domínio que usurpa a sua independência.
Não se enganem! O que se pretende controlar não são os eventuais desvios de Magistrados que não dignificam o cargo que ocupam, porque estes representam, percentualmente, frações contadas nos dedos da mão, como, aliás, ocorre com os maus profissionais da medicina, do direito, do jornalismo. É bom frisar, que tal apuração só é possível pelas formas de controle já existentes, não só da vigilante mídia, mas das partes envolvidas nos litígios, do Ministério Público, dos Advogados, do Tribunal de Contas e da sociedade em geral, cuja observância e leitura do que os Juízes fazem não dispensam a motivação obrigatória das decisões judiciais, sob pena de nulidade. Não se deve olvidar, ainda, que os membros do órgão de cúpula do Judiciário são julgados pelo Senado Federal nos crimes de responsabilidade e de que boa parte dos integrantes do Poder Judiciário é escolhida pelo Executivo com o crivo do Legislativo. Para que e por que se falar em mais controle?
Certamente a direção apontada pelos ventos, leia-se, canalizados artificialmente por interesses outros, é a mesma fonte que visa castrar o poder investigativo do Ministério Público e que alça uma famigerada e injustificável forma de amordaçar a liberdade inerente à atribuição dos seus membros. Para tanto, fala-se em "polícia secreta" e "fabricação de provas" e tantas outras barbáries que não subsistem diante das formas de controles já existentes.
Não obstante, o que está em pauta é um problema de soberania nacional. Respira-se o ar da globalização e de um modelo de Estado que não representa novidade alguma, pois propaga uma espécie de novo Estado Liberal – neoliberal – com a redução do Estado, antes absorvido pelo simbolismo de ser a providência e redenção do povo – Estado providência e, hoje, miniaturizado a realização de serviços públicos específicos. Entretanto, o meio impulsor desse movimento, disseminado pelos quatro cantos do mundo, é a venda da idéia de que o comércio entre os países é vital, possibilitando a plena e total vazão a globalização.
Enfim, para a pujança da globalização faz-se mister derrubar as barreiras jurídicas e de seus intérpretes, que juntos estariam por limitar o completo florescer desse empreendimento. Mais: deve-se pulverizar as incertezas (diga-se: naturais) que revoam os julgamentos, enjaulando os Juízes num modelo único de decidir fatos, que sem construir nada, tendem a reproduzir idéias concebidas por súmulas vinculantes, que pior do que a lei, que emerge do Parlamento eleito pelo voto popular, pode vir a lume pelo entendimento de apenas 06 (seis) ministros do STF (maioria), infundindo um temor generalizado dos que não se curvarem a ela. Nem com a lei se observou tamanho elastério a podar até a morte as facetas da hermenêutica.
O controle externo representaria a outra ponta da corda a sufocar esse paciente terminal. Não se estaria por controlar, apenas, condutas funcionais desviantes dos Magistrados, mas o de estabelecer o controle sobre o próprio veio da tutela jurisdicional: o mérito de suas decisões. Estar-se por implantar um espião nefasto a revoar a liberdade, não apenas da imprensa e da sociedade, mas a própria liberdade (criatividade) do julgamento, nessa espinhosa missão de encontrar, sempre, respostas jurídicas satisfatórias a dialética social.
A vingar esse novo modelo de Estado, não há porque a imprensa e a sociedade apurar suas vistas na administração pública descentralizada, com a criação de agências reguladoras e fiscalizadoras (inclusive com poder de polícia), ideologicamente comprometidas com o poder central, como de fato representaria o Conselho Federal de Jornalismo - CFJ. Caminhará este país por um caminho perverso, vil, com castração de liberdades conquistadas após inúmeras lutas. Os legítimos movimentos sociais, a liberdade de informação e comunicação, os interesses individuais, não terão eco quando silenciados despoticamente, porque haverá mordaças sobre os Juízes, impedidos de realizarem os genuínos cânones constitucionais, vilipendiados, sem escrúpulos, por setores privilegiados que se concebem acima do bem e do mal.
Com efeito, pior do que controlar a imprensa é dominar a Justiça, que tem como ofício confirmar e proteger todas as liberdades. Sem ela, aí sim, estará tudo perdido, porque não haverá resposta idônea acerca de qual é a legítima e sã conformidade do direito, principalmente porque não se garante direitos quando não se tem independência. Não haverá tribunal para se debater crises e afastar insatisfações resistidas, porque todos estarão vestindo, obrigatoriamente, a armadura da sujeição.