ENTENDIMENTO DOUTRINÁRIO E JURISPRUDÊNCIAL ACERCA DO TEMA
A doutrina e a jurisprudência é bem divergente a respeito do assunto: alguns adotam a corrente de que há inconstitucionalidade nos regulamentos disciplinares militares, ao permitirem prisões administrativas em seus dispositivos e a não recepção do art.47 da Lei 6880/80 pela CF/88; outros, por sua vez, defendem que o referido artigo foi sim recepcionado pela nova ordem constitucional e não há o que se falar em ilegalidade dos regulamentos disciplinares.
Para o professor Jorge César de Assis, [5]" em que pese os argumentos contrários e de todo respeitados, entendemos que o Decreto 4.346/02 é constitucional, em nada ofendendo a Carta Magna ou a lei, estando aptos a produzir os efeitos a que se destina". Segundo o mesmo autor, seu entendimento é de que as Forças Armadas se subordinam ao Presidente da República, tendo total competência constitucional para expedir decretos e exercer o comando supremo das Forças Armadas.
O Supremo Tribunal Federal, em 03/11/2005, não conheceu da Ação de Declaração de Inconstitucionalidade 3.340/04, porque a petição inicial não detalhou os dispositivos do Regulamento Disciplinar do Exército que seriam inconstitucionais.
O Superior Tribunal de Justiça, em 2004, se manifestou sobre o tema:
Tem-se portanto, a possibilidade de punição administrativa por transgressões disciplinares, prevista no Estatuto dos Militares, regulamentada pelo Decreto 4.346/02, com o fim de preservar a hierarquia e a disciplina nas Forças Armadas. Inexiste ofensa à Constituição Federal ou à lei. A medida constritiva, do ponto de vista formal, está em consonância com o ordenamento jurídico pátrio. Mandado de Segurança 9.710/DF - 2002.0066791-6 )
O TRF da 5ª Região, se posicionou a favor da inconstitucionalidade do Regulamento Disciplinar do Exército, e da não recepção do art. 47 do Estatuto dos Militares:
Processual civil, constitucional e administrativo. remessa oficial tida por manejada e apelação. desnecessidade de remessa dos autos à dpu. prisão disciplinar por transgressão militar. Decreto nº 4.346/2002 (regulamento disciplinar do exército). Art. 47 da lei nº 6.880/1980. Considerações acerca da inconstitucionalidade da regulamentação em face do art. 5º, lxi, da constituição federal de 1988. Cláusula de reserva de plenário. motivação adicional suficiente à manutenção da sentença de invalidação do ato administrativo de aprisionamento disciplinar e de condenação do ente público em indenização por danos morais. Desprovimento. (trf-5 - apelação cível : ac 00005924920134058201 al)
Já o TRF da 4ª Região deu um parecer também contra a recepção do art. 47, vejamos:
Em data de 27.09.2006, a 8ª Turma do TRF/4, por unanimidade, não conheceu do recurso da União Federal e deu parcial provimento à remessa ex officio, nos termos do voto do Relator, afastando a inconstitucionalidade do Decreto 4.346/02, reconhecendo, contudo a não recepção pela Magna Carta do art. 47 da Lei 6.880/80, declarando inválida a pena de prisão aplicada ao militar. Recurso em sentido estrito 2004.71.02.005966-6/RS - Rel. Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro - DJU 04.10.2006) .
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante de todo exposto, de acordo com a doutrina e principalmente a jurisprudência, podemos concluir que o art.47 do Estatuto dos Militares não foi recepcionado pela Constituição Federal, a partir do momento em que transfere o que seria de competência do Legislativo para total domínio do Executivo Federal, editando, através de decreto, no nosso caso de estudo, o Decreto 4.346/02 Regulamento Disciplinar do Exército), a tipificação de penas privativas de liberdade, quais sejam, impedimento, detenção e prisão, tornando o referido decreto divergente da Constituição Federal, uma vez que o Estatuto do Militares não tratou de prisão administrativa, face somente através de lei em sentido estrito.
A CF/88, em seu artigo 5º, LXI, é clara ao dizer que "ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei" grifo nosso), não em um decreto que não possui força e legitimidade para tal, não podendo criar situações diferentes da lei a qual regulamenta. Sendo assim, não há o que se falar em permitir que um decreto defina tais condutas, o que torna o art. 47 revogado tacitamente. Conforme preceitua Paulo Tadeu Rodrigues Rosa
[6]Portanto, como fundamento no disposto no art. 5º, IXI, da CF, pode-se afirmar que os novos regulamentos editados por meio de decretos estaduais ou federais, expedidos pelos chefes do Poder Executivo, e os regulamentos que foram alterados por meio de decretos violam flagrantemente o disposto na CF, sendo normas inconstitucionais, que devem ser retiradas do ordenamento jurídico na forma prevista para esse procedimento.
REFERÊNCIAS
ASSIS, Jorge César de. Curso de direito disciplinar militar: da simples transgressão ao processo administrativo. 4 ed. Curitiba: Juruá, 2013.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 28 ed. São Paulo : Atlas, 2015.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002/d4346.htm , Acesso em 26 ago. 2017.
Disponível em : http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6880.htm , Acesso em 26 ago. 2017.
LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 18 ed. São Paulo: Saraiva, 2014.
RODRIGUES ROSA, Paulo Tadeu. Direito Administrativo Militar : Teoria e Prática. 3 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.
NOTAS
[1] LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. cit. p. 230. 18 ed. São Paulo: Saraiva, 2014.
[2] Disponível em: https://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/14709442/acao-direta-de-inconstitucionalidade-adi-7-df , Acesso em 25 ago. 2017.
[3] TRF-5, AC: 00005924920134058201 AL, Relator: Desembargador Federal Roberto Machado, Data de Julgamento: 05/03/2015, Primeira Turma, Data de Publicação: 12/03/2015.
[4] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo / José dos Santos Carvalho Filho. cit. p. 136 . 28 ed. São Paulo : Atlas, 2015.
[5] ASSIS, Jorge César de. Curso de direito disciplinar militar: da simples transgressão ao processo administrativo. cit.p. 134. 4 ed. Curitiba: Juruá, 2013.
[6] RODRIGUES ROSA, Paulo Tadeu. Direito Administrativo Militar : Teoria e Prática. cit.p. 78. 3 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.