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Da incompetência dos juizados especiais fazendários

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Agenda 18/09/2017 às 14:00

O presente estudo envolve uma análise da incompetência dos Juizados Especiais Fazendários à luz da Constituição Federal de 1988 (art. 98, I) e das Leis nº 10.259/2001 e 12.153/2009, que formam um microssistema processual.

Os Juizados Especiais Fazendários são uma realidade. Tranquilamente se pode afirmar que a maioria das ações movidas em face do Estado de São Paulo adentram nos Juizados Especiais e, portanto, merece uma reflexão sobre alguns temas.

Aqui se propõe a analisar a incompetência dos Juizados Especiais Fazendários. Percebemos que é possível discriminá-la em grupos da seguinte forma:


Incompetência em razão de previsão expressa no Sistema dos Juizados Especiais

As Leis nº 10.259/2001 e 12.153/2009, embasadas no comando constitucional (art. 98, I, e § 1º), muito embora definam as causas de menor complexidade em razão do valor (máximo de 60 salários mínimos), preveem hipóteses que excluem a competência dos Juizados Especiais Fazendários.

A Lei nº 10.259/2001 exclui em seu art. 3º, § 1º, as ações de mandado de segurança[1], de desapropriação[2], de divisão e demarcação, populares, de execução fiscal, de improbidade administrativa, e sobre direitos ou interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos; e as causas referidas no art. 109, incisos II, III e XI, da Constituição Federal, sobre bens imóveis[3] da União, autarquias e fundações públicas federais, para a anulação ou cancelamento de ato administrativo federal (salvo o de natureza previdenciária e o de lançamento fiscal), e as que tenham como objeto a impugnação da pena de demissão imposta a servidores públicos civis ou de sanções disciplinares aplicadas a militares.

A razão pela qual foram excluídas citadas ações reside na existência de procedimento específico previsto no ordenamento jurídico, ao passo que a exclusão das causas ali descritas, residiu por serem consideradas pelo legislador de maior complexidade.

A Lei nº 12.153/2009 praticamente repetiu essas exclusões. As diferenças, além da questão da competência constitucional da Justiça Federal (art. 109), residem na omissão quanto às ações de interesses individuais homogêneos e as que visam anular ou cancelar ato administrativo.

Quanto às demandas que envolvam direitos ou interesses individuais homogêneos, Joel Dias Figueira Júnior[4] descreve que, em razão da ausência de exclusão expressa, elas (singulares ou coletivas) podem ser objeto de apreciação e julgamento pelos Juizados Especiais da Fazenda Pública.

Em sentido contrário, aduz Luiz Manoel Gomes Junior:

[...] Aqui o legislador disse menos do que queria, devendo haver o entendimento de que o termo direitos coletivos abrange os individuais homogêneos, especialmente se considerados os motivos que justificam a exclusão de tal categoria da competência dos Juizados Especiais da Fazenda Pública, notadamente o rito especial e as restrições em termos de recurso;[5]

Alexandre Freitas Câmara também entende pela vedação, aduzindo que ela “se impõe por aplicação subsidiária da Lei nº 10.259/20001, mantendo-se a harmonia do Estatuto dos Juizados Especiais.”[6] Em outra parte de sua obra, diz que tais “demandas são, sempre, de grande complexidade teórica e prática, não sendo compatíveis com o microssistema processual dos Juizados Especiais.”[7]

Humberto Theodoro Junior também conclui pela impossibilidade, demonstrando que:

O fato de [...] se referir apenas às demandas sobre direitos ‘coletivos ou difusos’ como excluídas da competência dos Juizados Especiais da Fazenda Pública não importa inclusão das ações coletivas sobre direitos individuais homogêneos na esfera de competência daqueles Juizados. Em primeiro lugar, porque a ação exercitável perante o Juizado Especial em questão somente pode ter como autor pessoa física, microempresa ou empresa de pequeno porte (Lei nº 12.153, art. 5º, I), entidades que não se legitimam a propor ações coletivas em defesa de direitos individuais homogêneos (CDC, art. 82). Segundo, porque as ações coletivas, quaisquer que sejam elas, revestem-se de complexidade não compatível com o procedimento simples e célere dos Juizados Especiais, razão pela qual não se pode reconhecer como cabíveis naqueles Juizados senão as ações singulares.[8]

Oscar Valente Cardoso[9] adverte que a restrição refere-se às ações coletivas e não as ações individuais por meio de seus titulares[10]. Ricardo Cunha Chimenti[11] enfatiza que nos Juizados a sentença deve ser líquida (art. 38, parágrafo único, da Lei nº 9.099/1995) e as sentenças nas ações coletivas geralmente são ilíquidas.

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A bem da verdade, além da complexidade inerente, já existe um microssistema processual coletivo (as Leis  nº 7.347/1985, 8.078/1990 e 8.069/1990, comunicam entre si, conforme se verifica dos arts. 21, 90 e 224, respectivamente), de forma que os direitos ou interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos têm disciplina própria e adequada no sistema processual.

E, como ensina Hugo Nigro Mazzilli, inclusive citando decisão do Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário nº 163.231-3-SP, “em sentido lato, os interesses individuais homogêneos não deixam de ser também interesses coletivos.”[12] Logo, os interesses individuais homogêneos não podem ser objeto de apreciação, por meio de ação coletiva, perante os Juizados Especiais da Fazenda Pública.

No que toca às ações que visam anular ou cancelar ato administrativo, Oscar Valente Cardoso[13] doutrina em sentido positivo, visto que a vedação existe apenas em relação aos Juizados Especiais Cíveis da Justiça Federal (art. 3º, § 1º, III, da Lei nº 10.259/2001).

Ricardo Cunha Chimenti menciona, nessa seara, sobre a possibilidade e a sua amplitude:

Os Juizados da Fazenda Pública são competentes para as causas de até 60 salários mínimos que tenham por objeto a anulação ou o cancelamento de ato administrativo, exceto se o ato for a imposição de pena disciplinar (de qualquer natureza) a servidor militar ou a imposição de demissão a servidor civil.

Estão incluídas na competência dos Juizados Especiais da Fazenda Pública, entre muitas outras, reivindicações de servidores remunerados pelos cofres dos Estados, do DF ou dos Municípios, suas autarquias, fundações públicas e empresas públicas, questionamento de posturas municipais, estaduais ou distritais, impugnações, multas impostas por agentes públicos, ações declaratórias e anulatórias de natureza fiscal e repetições de indébito.[14]

Concordamos com esse entendimento, pois a Lei nº 12.153/2009 contém praticamente todas as disposições da Lei nº 10.259/2001, ou seja, esta serviu de inspiração para aquela, razão por que não houve mero esquecimento do legislador, mas, sim, omissão proposital, por entender que tais causas podem ser apreciadas pelos Juizados Especiais da Fazenda Pública (desde que o caso concreto seja de menor complexidade). Vamos além, porém. Entendemos que, com a vigência da Lei nº 12.153/2009 e considerando a harmonia que deve imperar no Sistema dos Juizados Especiais, tais causas passaram a ser cabíveis também perante os Juizados Especiais Federais Cíveis. Ora, não há motivo plausível de se sustentar a possibilidade perante um juizado e pela impossibilidade perante o outro, já que ambos referem-se às Fazendas Públicas.

De outra banda, J. E. Carreira Alvim e Luciana Gontijo Carreira Alvim Cabral aduzem, ainda, que: “Embora não o diga a Lei 10.259/01, excluem-se também da competência dos Juizados Especiais as causas de falência, de acidentes do trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho (CF, art. 109, I).”[15]

De fato, quanto aos Juizados Especiais Federais Cíveis há impedimento de apreciação destas causas em razão do art. 109 da Constituição Federal. Todavia, o art. 3º, § 2º, da Lei nº 9.099/1995, já prevê a exclusão da competência dos Juizados.

Art.3º [...]

[...]

§ 2º. Ficam excluídas da competência do Juizado Especial as causas de natureza alimentar, falimentar, fiscal e de interesse da Fazenda Pública, e também as relativas a acidentes de trabalho, a resíduos e ao estado e capacidade das pessoas, ainda que de cunho patrimonial.

Em razão da existência do Sistema dos Juizados Especiais, com normas integrativas (art. 1º da Lei nº 10.259/2001 e art. 27 da Lei nº 12.153/2009), o § 2º do art. 3º da Lei nº 9.099/1995 aplica-se aos Juizados Especiais Fazendários, no que for cabível. Destarte, as causas de natureza alimentar, falimentar, acidente de trabalho, a resíduos e ao estado e capacidade das pessoas estão vedadas perante os Juizados Especiais Fazendários.

Tal conclusão não passou despercebida por J. E. Carreira Alvim e Luciana Gontijo Carreira Alvim Cabral:

O preceito constante do § 2º do art. 3º da LJEE não se aplica integralmente aos juizados especiais federais, pois excluiria da sua competência determinadas causas nela compreendidas, como as de natureza fiscal e as de interesse da Fazenda Pública Federal. Igualmente, as causas relativas a acidentes de trabalho, a resíduos, e ao estado e capacidade das pessoas, são incompatíveis com os juizados especiais federais.[16]

Temos outras hipóteses de incompetência, em razão da lei vedar a possibilidade de serem partes nos Juizados Especiais. O art. 8º da Lei nº 9.099/1995 alude que o incapaz, o preso, a massa falida e o insolvente civil não podem ser partes no procedimento sumariíssimo. Por esta razão, o art. 51, IV, do mesmo diploma legal, determina a extinção do processo se sobrevierem estes impedimentos.

Nas Leis nº 10.259/2001 e 12.153/2009 não houve restrição expressa. Oscar Valente Cardoso doutrina que “não se pode limitar a presença dos incapazes nos Juizados Especiais da Fazenda Pública, o que seria inclusive contrário à garantia do amplo acesso ao Judiciário, previsto no art. 5º, XXXV, da Constituição.”[17] Com este mesmo argumento e por considerar terem capacidade de ser parte, posiciona-se pela possibilidade do preso e do insolvente civil intentarem ação junto aos Juizados Especiais Fazendários.[18] Em suma, Oscar Valente Cardoso só não admite a massa falida como parte. Sustenta o seguinte:

Considerando a massa falida como sujeito de direito despersonalizado, não tem capacidade de ser parte, não somente nos Juizados Especiais estaduais, mas também nos Juizados Especiais Federais e nos Juizados Estaduais da Fazenda Pública, por não estar listada no art. 6º, I, da Lei nº 10.259/2001 e o art. 5º,  I, da Lei nº 12.153/2009.[19]

Sobre o incapaz, há os Enunciados nº 10 e 81 do FONAJEF[20], respectivamente: “O incapaz pode ser parte autora nos Juizados Especiais Federais, dando-se-lhe curador especial, se ele não tiver representante constituído.”; “Cabe conciliação nos processos relativos a pessoa incapaz, desde que presente o representante legal e intimado o Ministério Público.”

J. E. Carreira Alvim e Luciana Gontijo Carreira Alvim Cabral[21] entendem que a massa falida e o insolvente civil estão proibidos de figurar nos Juizados Especiais Federais Cíveis, não só pela aplicação integrativa do art. 8º da Lei nº 9.099/1995, como também em face do disposto no art. 3º, § 2º, da mesma Lei. Da mesma forma, aduzem que o preso (detido), em razão de não poder “comparecer aos atos do processo, senão mediante requisição, incompatível com a celeridade dos juizados especiais.”[22]

Alexandre Freitas Câmara assegura, com veemência, que os incapazes não podem ser parte nos Juizados Especiais Fazendários. Vejamos os motivos:

A meu sentir, e data vênia do que defendem entendimento oposto, não é possível a presença de incapazes na relação processual que se perante os Juizados Especiais Cíveis Federais, nem se instaura perante os Juizados Especiais da Fazenda Pública. A uma porque, [...] os incapazes não poderiam celebrar conciliação, sendo certo que a busca da autocomposição é fundamental no microssistema dos Juizados Especiais Cíveis. A duas, porque não me parece possível interpretar-se o art. 6º, I, da Lei nº 10.259/2001 ou o art. 5º, da Lei nº 12.153/2009, senão como parte integrante do que venho chamando de Estatuto dos Juizados Especiais Cíveis, o que leva a uma necessária interpretação sistemática de todos os dispositivos da Lei nº 10.259/2001 e da Lei nº 12.153/2009, que devem ser entendidos à luz da Lei nº 9.099/1995. Assim sendo, não se pode, a meu ver, interpretar o aludido art. 6º, I, da Lei nº 10.259/2001, ou o art. 5º, da Lei nº 12.153/2009, senão à luz do disposto no art. 8º, § 1º, da Lei nº 9.099/1995.[23]

Concordamos com este doutrinador, principalmente em razão da interpretação sistemática que deve feita, considerando a existência do Sistema dos Juizados Especiais, conforme já destacado anteriormente.

Ademais, entendemos que o art. 8º, caput, da Lei nº 9.099/1995, deve ser aplicado no que couber (art. 1º da Lei nº 10.259/2001 e art. 27 da Lei nº 12.153/2009), assim, entendemos que os Juizados Especiais Fazendários não têm competência para apreciar as ações intentadas por incapaz, o preso, o insolvente civil e a massa falida.

No mesmo sentido, e para arrematar, Joel Dias Figueira Júnior aduz:

Diversas são as hipóteses em que, mesmo diante da instalação do Juizado Especial da Fazenda Pública, a competência dita ‘absoluta’ poderá ser modificada. Vejamos, então, em que circunstâncias essa alteração poderá ocorrer e, por conseguinte, a modificação da competência previamente estabelecida: a) durante o trâmite processual, verifica-se a prisão da parte, declaração de incapacidade, falência ou insolvência civil (art. 8º, caput, LJE c/c art. 27 LJEFP);[24]

Finalmente, tínhamos a hipótese de limitação temporária da competência dos Juizados Especiais Fazendários (art. 23 da Lei nº 10.259/2001 e art. 23 da Lei nº 12.153/2009[25]). Inexiste atualmente, pois ultrapassado o prazo previsto, a contar da publicação da respectiva lei.


Incompetência em razão da existência de procedimento especial

Entende-se que as ações que tenham procedimento especial previsto no ordenamento jurídico não poderão ser intentadas perante os Juizados Especiais. Vejamos a doutrina de Alexandre Freitas Câmara:

Por fim, deve ser dito que também se consideram causas cíveis de grande complexidade, ainda que tenham pequeno valor, aquelas para as quais se exige a utilização de procedimento especial, já que estes não podem se desenvolver nos Juizados Especiais Cíveis. Assim sendo, não se poderá ter, nos Juizados Especiais Cíveis, entre outras, causas como as de despejo por falta de pagamento, consignação em pagamento, prestação de contas, procedimentos monitórios etc. Isso se deve ao fato de que no microssistema processual dos Juizados Especiais Cíveis um único procedimento é admissível, o procedimento sumariíssimo [...]. Não se pode ter, pois, procedimento especial desenvolvendo-se em Juizado Especial Cível, por absoluta incompatibilidade.[26]

Luiz Manoel Gomes Junior[27], J. E. Carreira Alvim e Luciana Gontijo Carreira Alvim Cabral[28] recordam-se da impossibilidade do habeas data, por conter disciplina própria (Lei nº 9.507/1997).

Marcia Cristina Xavier de Souza[29], embora reconheça a impossibilidade de cabimento perante os Juizados Especiais, em relação às ações com procedimentos especiais, entende que seria possível no caso de consignação de pagamento e da ação monitória, desde que haja a adequação do seu procedimento ao rito dos Juizados.

Nessa seara, há o Enunciado nº 9 do FONAJEF[30]:

Além das exceções constantes do § 1º do artigo 3º da Lei n. 10.259, não se incluem na competência dos Juizados Especiais Federais, os procedimentos especiais previstos no Código de Processo Civil, salvo quando possível a adequação ao rito da Lei n. 10.259/2001.

De nossa parte, entendemos que, existindo a previsão de procedimento específico no ordenamento jurídico, não será possível o ajuizamento da ação perante os Juizados Especiais Fazendários, pois o sistema legal já prevê a forma adequada de se tutelar o respectivo direito. Aliás, as próprias exclusões contidas nos arts. 3º, § 1º, I, da Lei nº 10.259/2001 e 2º, § 1º, I, da Lei nº 12.153/2009, comprovam esta conclusão.

Sobre o autor
Manoel José de Paula Filho

Procurador do Estado de São Paulo, Especialista em Direito Processual Civil pela Escola Superior da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PAULA FILHO, Manoel José. Da incompetência dos juizados especiais fazendários. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5192, 18 set. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/60514. Acesso em: 25 nov. 2024.

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