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Da Defensoria Pública

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Agenda 10/10/2017 às 14:00

2) MORA ESTATAL E CRIAÇÃO DA DEFENSORIA PÚBLICA

Exemplo emblemático da mora estatal em se efetivar plenamente um dispositivo constitucional ocorreu no Estado de Santa Catarina. Mais de vinte anos depois, o referido ente federativo não havia estabelecido a criação da Defensoria Pública em seu território, permanecendo um sistema de convenio com a Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil para a assistência judiciária no caso de hipossuficientes econômicos.

Permanecendo omisso quanto ao dever constitucional estabelecido no artigo 134, o Estado de Santa Catarina permanecia estabelecendo um sistema de rodizio entre os advogados previamente inscritos em lista elaborada pela Seccional da OAB.

No caso de hipossuficiência econômica, o assistido era representado judicialmente por um destes advogados, que era pago pelo governo estadual, através do envio de verbas duodecimais à OAB/SC, que as repassava aos advogados de forma proporcional ao trabalho realizado.

A legislação que regulava tal dinâmica, e que fora impugnada na ADIN nº 4.270 (proposta pela Associação Nacional dos Defensores Públicos – ANADEP), era a Lei Complementar estadual nº 155/97, cujos principais dispositivos impugnados na referida ação direta de inconstitucionalidade estão abaixo transcritos.

Art.1º Fica instituída, pela presente Lei Complementar, na forma do art. 104 da Constituição do Estado de Santa Catarina, a Defensoria Pública, que será́ exercida pela Defensoria Dativa e Assistência Judiciária Gratuita, organizada pela Ordem dos Advogados do Brasil, Seção de Santa Catarina – OAB/SC.

§ 1º A OAB/SC obriga-se a organizar, em todas as Comarcas do Estado, diretamente ou pelas Subseções, listas de advogados aptos à prestação dos serviços da Defensoria Pública e Assistência Judiciária Gratuita.

§ 2º Cada subsecção da OAB/SC organizará as listas a que se refere o parágrafo anterior, incluindo, mediante requerimento, os advogados que nela tenham sede principal de atividade. Na Comarca da Capital a confecção da lista caberá́ à Diretoria da OAB/SC.

§ 3º As listas serão organizadas de acordo com a especialidade dos advogados, indicada no requerimento a que se refere o parágrafo anterior, podendo o advogado constar em mais de uma área de atuação profissional.

§ 4º Somente poderão ser incluídos nas listas os advogados que assinarem termo de comprometimento e aceitação das condições estabelecidas na presente Lei Complementar, os quais serão designados pela autoridade judiciária competente.

§ 5º Para efeito de designação de Assistente Judiciário ou Defensor Dativo dever-se-á manter, o quanto possível, sistema de rodizio entre os advogados inscritos e militantes em cada Comarca.

Art.3º Institui-se, nesta Lei, o regime de remuneração, pelo Estado de Santa Catarina, em favor dos advogados que, indicados em listas, na forma dos arts. 1o e seus parágrafos, e designados pela autoridade judiciária competente, promovam, no juízo cível, criminal e varas especializadas, á Defensoria Dativa e Assistência Judiciária às pessoas mencionadas no art. 2o.

Inicialmente, o ministro relator Joaquim Barbosa reconheceu a inconstitucionalidade formal da referida lei, com base no artigo 61, §1º, II, “d", da Constituição Federal. Tal dispositivo constitucional estabelece ser de iniciativa reservada do Presidente da República as leis que disponham sobre sobre a organização da Defensoria Pública da União.

Com base no princípio da simetria, o ministro relator entendeu que a iniciativa para legislar, no presente caso, era exclusiva do governador do Estado de Santa Catarina, o que não ocorreu, estando inquinada de vício de constitucionalidade formal a lei ora em análise.

Além disso, de forma ainda mais gritante e patente é a inconstitucionalidade material. A afronta ao comando constitucional referente à criação e ao aparelhamento da Defensoria Pública em cada um dos Estados da Federação é irrefutável. Regulamentando o disposto no artigo 134 da Constituição Federal, a Lei Complementar nº 80/94 estabeleceu normas gerais obrigatórias para a organização da Defensoria Pública pelos Estados.

Dentre tais parâmetros basilares mínimos, um deles é o provimento dos defensores públicos mediante prévio concurso público de provas e títulos. Tal forma de ingresso efetiva o princípio da impessoalidade e da moralidade, mediante um processo seletivo idôneo a selecionar os profissionais mais capacitados para a assistência jurídica dos hipossuficientes, parcela da população que mais carece de tutela por parte do Poder Público.

Constata-se, a par da arquitetura organizacional estabelecida pela Lei Complementar estadual nº 155/97, que o modelo catarinense de defensoria pública era inexistente. A utilização de convenio/parceria com a OAB não visa, como em outros Estados da Federação (São Paulo, por exemplo), a suplementar a atuação da Defensoria Pública. Pelo contrário.

Há uma evidente derrogação de competência constitucionalmente outorgada à Defensoria Pública. É surpreendente que, em 1997, o Estado de Santa Catarina já havia estabelecido uma lei regulando o sistema de convenio com a OAB e ainda não houvesse instituído formalmente a Defensoria Pública. Somente em agosto de 2012, foi publicada a Lei Complementar estadual nº 575, criando a Defensoria Pública do Estado de Santa Catarina, dispondo sobre sua organização e funcionamento. Até então, houve manifesta omissão inconstitucional em dar efetividade a um expresso comando do Constituinte originário.

Além disso, é mister salientar que, em virtude da vedação constitucional ao exercício da advocacia, o defensor público possui dedicação integral à função de assistência jurídica aos necessitados. Já os advogados vinculados ao convenio com a OAB/SC, por exemplo, devem gerenciar o tempo existente para as demais causas em que atuam na área privada (em que a remuneração ofertada é nitidamente maior, face aos valores repassados por duodécimos pelo Estado de Santa Catarina, por exemplo).

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Outro dado importante refere-se à atuação única e exclusivamente no âmbito da tutela individual. Diversamente dos advogados conveniados para com a Ordem dos Advogados do Brasil, a Defensoria Pública possui uma atuação mais integral e global quanto à tutela dos necessitados, inclusive no âmbito do processo coletivo, bem como no plano extrajurídico (através da resolução de conflitos através de mediações realizadas, na maioria das vezes, na própria sede das Defensorias Públicas). O ministro relator Joaquim Barbosa ressaltou tal ponto em seu voto, conforme trecho abaixo transcrito.

Veja-se, a título de de exemplo, o fato de que a defensoria dativa organizada pelo Estado de Santa Catarina com apoio na seção local da OAB não está preparada e tampouco possui competência para atuar na defesa de direitos coletivos, difusos ou individuais homogêneos dos hipossuficientes e dos consumidores, atribuição que hoje se encontra plenamente reconhecida à Defensoria Pública (incisos VII e VIII do artigo 4º da Lei Complementar 80/94, na redação da Lei Complementar nº 132/09).

Note-se, também, que a ênfase do modelo catarinense na assistência jurídica prestada sob o angulo do apoio ao litigio judicial deixa de lado todos os esforços que vem sendo empreendidos por várias organizações no sentido de consolidar a cultura da resolução extrajudicial de disputas. A defensoria pública como instituição do Estado encontra-se apta para atuar nessa frente, linha de ação essencial para reduzir a quantidade de processos e tornar mais ágil o funcionamento da justiça (inciso II do artigo 4º da Lei Complementar 80/94, na redação da Lei Complementar nº 132/09).

É mister salientar o caráter normativo do disposto no artigo 134 da Constituição Federal. Não se trata de uma norma meramente programática, uma mera exortação ao poder político, possuindo, ao contrário, nítido efeito vinculante, uma força normativa, um comando constitucional que merece e deve ser respeitado pelos entes federativos, sob pena de manifesta mácula de inconstitucionalidade.

O Estado de Santa Catarina, a fim de contornar a omissão em conferir efetividade ao direito de acesso à justiça, sustenta que o reconhecimento da inconstitucionalidade dos dispositivos impugnados seria prejudicial à própria população assistida, porquanto a criação da Defensoria Pública não seria possível em um curto espaço de tempo.

Pugnando pela modulação dos efeitos do reconhecimento judicial, em sede de controle concentrando, da inconstitucionalidade da norma, o Estado de Santa Catarina defende a permanência do sistema de rodízio entre advogados dativos, previamente inscritos em lista elaborada pela Seccional da OAB em Santa Catarina.

O Supremo Tribunal Federal, mediante decisão colegiada, fixou marco temporal para a criação da Defensoria Pública, determinando que o Estado de Santa Catarina purgue sua mora em um prazo fixado jurisdicionalmente em 01 ano. De acordo com o dispositivo do acórdão prolatado, após referido prazo, "deverá estar em funcionamento órgão estadual de defensoria pública estruturado de acordo com a Constituição de 1988 e em estrita observância à legislação complementar nacional (Lei Complementar nº 80/94)”.

Num dos diálogos travados entre os ministros, Ayres de Britto levantou a hipótese de se configurar crime de responsabilidade por parte do Governador do Estado de Santa Catarina, ante a omissão em dar concretude ao comando constitucional do artigo 134. O ministro salienta que a negligencia estatal poderia configurar atentado contra o exercício dos direitos individuais, nos moldes do artigo 85, III, da Constituição Federal, ante a magnitude do direito em questão.

E negar esse direito, por forma patente, renitente, omissa, parece-me até, Ministro Celso de Mello, carrear a ação de governante responsável para os crimes de responsabilidade de que trata a Constituição no artigo 85 (...) Portanto, eu também entendo que deixar de aparelhar as defensorias públicas é atentar violentamente contra a Constituição e correr risco até de incidir nesse crime mais alto, o crime de responsabilidade


3) AUTONOMIA ADMINISTRATIVA, FUNCIONAL E FINANCEIRA

O parágrafo único do artigo 3º da Lei Complementar nº 80/94 ("À Defensoria Pública é assegurada autonomia administrativa e funcional”) foi vetado pelo Presidente da República, sob o fundamento de que a Constituição somente teria concedido autonomia a dois órgãos – Poder Judiciário (artigo 99) e Ministério Público (artigo 127, §2º). Nas razões do veto, o presidente afirma que “não se concebe a concessão de autonomia administrativa e funcional a um órgão que deve estar sob o comando do Chefe do Poder Executivo, como é o caso da Defensoria Pública".

Tal realidade, todavia, não mais subsiste. Com a Emenda Constitucional nº 45/04, foram introduzidos os §§ 1º e 2º ao artigo 134.

§ 2º Às Defensorias Públicas Estaduais são asseguradas autonomia funcional e administrativa e a iniciativa de sua proposta orçamentária dentro dos limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias e subordinação ao disposto no art. 99, § 2º.

De acordo com a autonomia funcional, a Defensoria Pública, no desempenho de seus deveres funcionais, não está subordinada a nenhum órgão ou poder, submetendo-se apenas aos limites jurídicos previamente estabelecidos.

Não há ingerência do Chefe do Poder Executivo como outrora era pugnando. A autonomia administrativa confere maior independência à Defensoria Pública, cujos atos praticados dentro de seus domínios normativos possui ampla eficácia e executoriedade imediata em sua estrutura. Há maior liberdade na própria gestão do órgão, como no provimento dos cargos de carreira, na aquisição de bens e contratação de serviços em geral, elaboração da folha de pagamentos, entre outros (artigo 97-A da Lei Complementar nº 80/94).

Art. 97-A.  À Defensoria Pública do Estado é assegurada autonomia funcional, administrativa e iniciativa para elaboração de sua proposta orçamentária, dentro dos limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias, cabendo-lhe, especialmente:

I – abrir concurso público e prover os cargos de suas Carreiras e dos serviços auxiliares;

II – organizar os serviços auxiliares;

III – praticar atos próprios de gestão;

IV – compor os seus órgãos de administração superior e de atuação;

V – elaborar suas folhas de pagamento e expedir os competentes demonstrativos;

VI – praticar atos e decidir sobre situação funcional e administrativa do pessoal, ativo e inativo da Carreira, e dos serviços auxiliares, organizados em quadros próprios;

VII – exercer outras competências decorrentes de sua autonomia.

Outro dado importante é a própria autonomia financeira, tendo a Defensoria Pública a iniciativa da proposta orçamentária, desde que respeitados os limites estabelecidos nas demais leis orçamentárias (lei de diretrizes orçamentárias e plano plurianual).

Tal autonomia é de supra importância para a própria Defensoria delinear, dentro dos limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias, os recursos financeiros necessários para efetivar o plano de atuação previamente moldado dentro da instituição.

Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VALIM, Pedro Losa Loureiro. Da Defensoria Pública. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5214, 10 out. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/60592. Acesso em: 23 dez. 2024.

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