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O trabalho infantil artístico no Brasil contemporâneo.

As autorizações judiciais para o trabalho frente o princípio da proteção integral

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4. A PROTEÇÃO JURÍDICA INTERNACIONAL E NACIONAL CONTRA A EXPLORAÇÃO DO TRABALHO INFANTIL

A proteção contra o trabalho infantil está presente em normativas nacionais e internacionais, uma vez que o assunto requer o cuidado necessário a fim de preservar direitos fundamentais de crianças e adolescentes.

Sob esta perspectiva Pereira (2017, p. 6) afirma a importância da educação e da escola na formação e desenvolvimento de crianças e adolescentes:

Além da família, a escola é também uma instituição que exerce forte influência no desenvolvimento das crianças e adolescentes. Além de ser o local da comunidade onde se encontra uma grande parcela de crianças e adolescentes em “relação” durante a maior parte do tempo de suas vidas, ela é também a grande responsável pela mediação entre eles e a sociedade. A escola, junto com a família, permite a humanização e a educação; permite a construção da autonomia e o sentimento de pertença ao grupo social. E, à medida que as crianças e adolescentes apropriam-se dos modelos e valores transmitidos por ela, deixam de imitar e ter como referência somente os pais. É papel da escola não apenas transmitir informações, como também formar cidadãos. Em outras palavras, além de avaliar se os alunos estão aprendendo ou não, é função da escola compreender qual é o conhecimento que está sendo adquirido, qual a aplicabilidade desse conhecimento, quais os subsídios que o ensino oferece ao indivíduo para enfrentar melhor a vida e quais as contribuições na formação da sua autoimagem.

Para a autora, a educação e o convívio na escola permite às crianças e adolescentes a construção da autonomia, a humanização e a educação, proporcionando a formação adequada de sua autoimagem. A educação e a oportunidade de convívio com seus pares, traz o sentimento de pertença a um grupo e de percepção do eu e do nós.

Quando a criança se volta para o mundo do trabalho, muitas vezes abandonando a escola, ou não a usufruindo de maneira intensa, tendo em vista o desgaste e cansaço fruto do trabalho, essa identidade de ser criança vai se perdendo, causando confusões sobre os espaços que ocupa. A educação no espaço escolar possui o papel de formar cidadãos, por isso é tão importante sua vivência neste local de aprendizado e trocas.

Com o intuito de resguardar a infância e a adolescência, permitindo seu pleno desenvolvimento, existem várias normativas legais, entre elas está a Constituição Federal da República Federativa do Brasil de 1988, o Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990, a Consolidação das Leis do Trabalho e as Convenções números 138 e 182 da Organização Internacional do Trabalho – OIT.

No âmbito constitucional a proteção à criança e ao adolescente encontra respaldo no artigo 227 da Constituição Federal de 1988, que trata do dispositivo que remete à teoria da proteção integral, onde dispõe:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (BRASIL, 1988).

A Constituição Federal de 1988 incorporou a doutrina da Proteção Integral, pela qual a criança passa a ser vista como cidadão e sujeitos de direitos, com proteção específica e prioritária. No que se refere especificamente ao trabalho infantil a Constituição Federal em seu artigo 7º, inciso XXXIII estabelece a vedação de “qualquer trabalho a pessoas com idade inferior a 16 anos de idade, salvo na condição de aprendiz, a partir de 14 anos” (BRASIL, 1988).

A idade mínima de 16 anos foi determinada a partir de 1998 com a emenda nº 20 à Constituição Federal, de 15 de dezembro de 1998, que elevou a idade mínima de 14 anos para 16 anos. Em 15 de fevereiro de 2002 o Brasil ratificou a Convenção nº 138 da Organização Internacional do Trabalho – OIT por meio do decreto Presidencial nº 4.134, cuja Convenção estabelece a idade mínima de 15 anos para o trabalho e introduziu a possibilidade do trabalho infantil artístico (ALBUQUERQUE, 2003, p. 61).

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A Organização Internacional do Trabalho - OIT, que estabelece normativas no âmbito internacional possui os seguintes objetivos principais de acordo com Albuquerque (2003, p. 34):

Promover e materializar as normas laborais, assim como os princípios e direitos fundamentais no trabalho; criar maiores oportunidades para as mulheres e homens que assegurem um emprego digno; aumentar a cobertura e eficácia da proteção social para todos e fortalecer a representação tripartite e o diálogo social.

Considerando os objetivos da OIT apontados, bem como o ideal de proteção social, o trabalho infantil permitido antes da idade mínima é, de certa forma, uma afronta a Constituição Federal do Brasil, cuja norma é a que se sobrepõe as demais, e ao princípio da proteção integral. Por isso que o trabalho infantil é bastante criticado e há estudos que apontam a sua inadequação e consequências negativas para o desenvolvimento da criança e do adolescente, conforme exposto neste trabalho.

Quanto a proteção vislumbrada no Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990 sobre o trabalho infantil temos a idade mínima para o trabalho aos 16 anos, salvo na condição de aprendiz a partir dos 14 anos de idade. O trabalho noturno, perigoso e insalubre é vedado a todos os menores de 18 anos de idade, conforme artigo 60 do ECA (VERONESE, 2006, p. 49).

Destaca-se as palavras de Veronese (1999, p. 100), onde afirma que a Lei n. 8.069/90 significou para o Direito infanto-juvenil uma verdadeira revolução ao adotar a doutrina da proteção integral, trazendo a convicção de que crianças e adolescentes são merecedores de direitos inerentes e especiais, tendo em vista sua condição peculiar de pessoas em desenvolvimento, passando da posição de “menores” para a de cidadãos.

O Estatuto da Criança e do Adolescente reconhece os direitos fundamentais da pessoa humana disposto em seu art. 4º que evoca que as crianças e adolescentes têm como direitos fundamentais: o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, bem como assegura oportunidades e facilidades para permitir seu desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade (BRASIL, 1990).

O Estatuto ainda traz em seu capítulo “Do direito à profissionalização e à Proteção no Trabalho”, outras normas protetivas referentes a crianças e adolescentes, as quais enfatizam a necessidade do cuidado, do olhar diferenciado a esses sujeitos de direitos.

O artigo 60 do Estatuto da Criança e do Adolescente traz a proibição do trabalho para menores de dezesseis anos. A redação do artigo 62 considera como aprendiz aquele com idade entre quatorze e dezesseis anos que querem adquirir conhecimentos profissionais e o dispositivo 63 vem normatizar a formação técnico profissional que deve obedecer aos princípios: da garantia de acesso e frequência obrigatória ao ensino regular, atividade compatível com o desenvolvimento do adolescente e horário especial para o exercício das atividades (BRASIL, 1990).

O ECA ainda enfatizou a proteção aos adolescentes para o trabalho, estabelecendo condições de respeito a peculiaridade de pessoa em desenvolvimento, bem como sua adequada capacitação profissional ao mercado de trabalho (BRASIL, 1990).

A partir dessa gama de dispositivos garantistas e protetivos, entende-se que o ECA é um instrumento importante para se valer desses direitos, onde o Estado, família e sociedade conjuntamente é quem pode ensejar a eficácia das normas e a criação e efetividade das políticas públicas voltadas para a defesa de crianças e adolescentes, visando gradativamente diminuir o número de trabalho infantil no Brasil.

A Consolidação das Leis do Trabalho com a finalidade de proteger as relações de trabalho e os envolvidos nesta relação, garante a proibição do trabalho infantil em seu artigo 403. Impõe ainda, que o trabalho não poderá ser prejudicial ao adolescente, não extrapolando os horários de aula e nem o colocando em exposição (BRASIL, 1943).

O artigo 404 da CLT proíbe o trabalho noturno aos menores de 18 anos, compreendidos entre às vinte e duas horas de um dia e as cinco horas do dia seguinte. O artigo 405 veda o trabalho em lugares perigosos, insalubres ou nocivos à moral da criança e adolescente, sendo o trabalho infantil artístico um trabalho considerado prejudicial (BRASIL, 1943).

O artigo 407 do mesmo diploma legal demonstra a preocupação do legislador com a saúde do adolescente e seu desenvolvimento físico e moral, podendo desta forma ser forçado a deixar o trabalho ou obrigado o empregador a lhe transferir de setor, caso a atividade laborativa comprometa a sua saúde (BRASIL, 1943).

Outa proteção normativa elencada na CLT, artigo 412, é o intervalo intrajornada não inferior a 11 horas. No que tange as horas extraordinárias de adolescentes, traz-se algumas ressalvas:

I - Até mais 2 (duas) horas, independentemente de acréscimo salarial, mediante convenção ou acordo coletivo nos termos do Título VI desta Consolidação, desde que o excesso de horas em um dia seja compensado pela diminuição em outro, de modo a ser observado o limite máximo de 48 (quarenta e oito) horas semanais ou outra inferior legalmente fixada;

II - Excepcionalmente, por motivo de força maior, até o máximo de 12 (doze) horas, com acréscimo salarial de, pelo menos, 25% (vinte e cinco por cento) sobre a hora normal e desde que o trabalho do menor seja imprescindível ao funcionamento do estabelecimento (BRASIL, 1943).

Os referidos dispositivos da Consolidação das Leis do Trabalho, diploma legal que protege as relações trabalhistas, conforme verificado, busca salvaguardar o ingresso ao trabalho, limitando a idade para sua ocorrência, bem como preservar a infância e a educação, tutelando e regendo sobre as diferenças para o trabalho àqueles que são maiores de 16 anos, ou maiores de 14 anos na condição de aprendiz e menores de 18 anos.

No aspecto da proteção internacional ao trabalho infantil, tem-se a OIT – Organização Internacional do Trabalho, que foi criada em 28 de abril de 1919 com o objetivo de controlar as normas referentes ao trabalho no mundo. A OIT possui duas Convenções importantes para a erradicação do trabalho infantil, são elas as Convenções nº 138 e nº 182. A primeira regula a idade mínima de admissão ao emprego e a segunda estabelece a vedação das piores formas de trabalho infantil.

A Convenção nº 138 da OIT foi editada em 1973 e promulgada no Brasil pelo Decreto nº 4.134/2002 e traz no seu art. 1º o comprometimento dos países-membros de trabalharem para garantir a abolição do trabalho infantil e elevarem progressivamente a idade mínima para o trabalho (BRASIL, 2002).

O art. 2º da supracitada normativa infere que “a idade mínima fixada nos termos do § 1º deste artigo não será inferior à idade de conclusão da escolaridade obrigatória ou, em qualquer hipótese, não inferior a 15 anos”. Neste mesmo viés, o artigo seguinte demonstra a preocupação com a saúde de adolescentes impondo limite de 18 anos se o trabalho a ser desenvolvido for prejudicial a sua saúde (BRASIL, 2002).

Segundo Custódio (2006, p. 166) o núcleo da Convenção nº 138 fundamenta-se em três pontos fundamentais: “a) política nacional de abolição ao trabalho infantil; b) elevação (fixação) progressiva da idade mínima; c) garantia ao pleno desenvolvimento físico e moral”.

A Recomendação n 146 da OIT editada conjuntamente com a Convenção nº 138 diz que além da idade mínima estipulada é preciso haver também políticas públicas para efetivar os direitos de crianças e adolescentes. Segundo Silveira (2009, p. 58) “garantir a escolarização é zelar pelos direitos da criança e do adolescente”, sendo portanto a educação uma das medidas que gera efetividade na erradicação do trabalho infantil, por isso a orientação de que a frequência à escola de tempo integral ou a participação em programas de orientação profissional ou de formação deveria ser obrigatória e efetivamente garantida, no mínimo, até a idade mínima de admissão ao emprego, de acordo com a Recomendação nº 146, item 4 da OIT (BRASIL, 2002).

A referida recomendação preconiza em seu item 12 que é necessário tomar medidas para que as condições de emprego ou de trabalho das crianças e dos adolescentes menores de 18 anos alcancem um nível satisfatório, com necessária vigilância estrita nessas condições. O item 13 avança para informar a especial atenção:

a) à fixação de uma remuneração justa e sua proteção, segundo o princípio de salário igual para trabalho igual; b) à rigorosa limitação das horas diárias e semanais do trabalho e à proibição de horas extras, de modo a permitir tempo suficiente para o ensino ou a formação profissional (inclusive o tempo necessário para as tarefas escolares de casa), para o descanso durante o dia e para atividades de lazer; c) à garantia, sem possibilidade de exceções, salvo em caso de urgência, de um descanso noturno de, pelo menos, doze horas consecutivas, além dos dias habituais de descanso semanal; d) à concessão de férias anuais remuneradas de, pelo menos, quatro semanas e, em qualquer hipótese, jamais de duração inferior à dos adultos; e) à cobertura de planos de seguridade social, que inclua acidentes de trabalho, planos de assistência médica e de benefícios por doenças, não importando as condições do emprego ou trabalho; f) à manutenção de padrões satisfatórios de segurança e de higiene, e instrução e vigilância apropriadas (BRASIL, 2002).

Tais garantias de proteção abrangem a necessidade da condição de criança e de adolescentes em processo de desenvolvimento.

A Convenção nº 182 da OIT, editada em 1999 pelo Decreto nº 3.597/2000, é um conjunto de normas com a finalidade de eliminar as piores formas de trabalho. O seu art. 3º informa o que abrange as piores formas de trabalho, conforme segue:

a) todas as formas de escravidão ou práticas análogas à escravidão, tais como a venda e tráfico de crianças, a servidão por dívidas e a condição de servo, e o trabalho forçado ou obrigatório, inclusive o recrutamento forçado ou obrigatório de crianças para serem utilizadas em conflitos armados;

b) a utilização, o recrutamento ou a oferta de crianças para a prostituição, a produção de pornografia ou atuações pornográficas;

c) a utilização, recrutamento ou a oferta de crianças para a realização para a realização de atividades ilícitas, em particular a produção e o tráfico de entorpecentes, tais com definidos nos tratados internacionais pertinentes; e,

d) o trabalho que, por sua natureza ou pelas condições em que é realizado, é suscetível de prejudicar a saúde, a segurança ou a moral das crianças (BRASIL, 2000).

Atentando-se para a letra ‘d’ do dispositivo, se verifica que trata justamente da proteção ao trabalho infantil artístico, o qual traz consequências para a saúde e moralidade das crianças principalmente, podendo afetar-lhe a saúde a longo prazo (BRASIL, 2000).

No mesmo norte, a Recomendação nº 190 da Organização das Leis do Trabalho informa em seu inciso II, item 1, a respeito do trabalho perigoso que é importante levar em consideração e ter especial atenção para os trabalhos em que as crianças ficam expostas a abusos de ordem física, psicológica e moral; trabalho subterrâneos, submersos, em altura ou locais confinados; trabalho com máquinas, equipamentos e ferramentas perigosas ou que impliquem a manipulação ou transporte manual de cargas pesadas; realizados em meio insalubre, expostos a processos perigosos ou a temperaturas, níveis de ruídos prejudicais a saúde; trabalho realizado em condições difíceis, com horários prolongados ou noturnos, ou trabalhos que retenham injustificadamente a criança no trabalho (BRASIL, 2000).

Tais convenções e recomendações, como se vê visam preservar a infância e a adolescência no âmbito internacional no que diz respeito ao trabalho, limitando a idade para o trabalho e prevendo condições para a sua realização a partir da idade mínima em condições adequadas, que garantam o pleno desenvolvimento físico, moral, educacional e em termos de saúde.

Todas as normativas abrangidas neste trabalho estão postas para que se preserve os direitos das crianças e dos adolescentes e seu descumprimento implica em responsabilização aos infringentes.

Sobre os autores
Ismael Francisco de Souza

Mestre em Serviço Social pela Universidade Federal de Santa Catarina; graduado em Direito pela Universidade do Extremo Sul Catarinense; professor de Direito da Criança e do Adolescente,e de Sociologia do Direito da Universidade do Extremo Sul Catarinense; pesquisador do Laboratório de Direito Sanitário e saúde coletiva, e Núcleo de Estudos em Estado, Política e Direito (UNESC).

Patricia Luciano Maria

Graduada em Direito - Bacharelado e cursando especialização em Educação, Diversidade e Redes de Proteção Social, ambos pela Universidade do Extremo Sul Catarinense (UNESC).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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