Noticiou o site do Supremo Tribunal Federal (20 de setembro de 2017) que, ao concluir, na sessão do dia 20 de setembro do corrente ano, o julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 870947, em que se discutem os índices de correção monetária e os juros de mora a serem aplicados nos casos de condenações impostas contra a Fazenda Pública, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) definiu duas teses sobre a matéria. De acordo com a presidente do Supremo, ministra Cármen Lúcia, há quase 90 mil casos sobrestados no Poder Judiciário aguardando a decisão do STF nesse processo, que teve repercussão geral reconhecida pelo Plenário Virtual.
A maioria dos ministros seguiu o voto do relator, ministro Luiz Fux, segundo o qual foi afastado o uso da Taxa Referencial (TR) como índice de correção monetária dos débitos judiciais da Fazenda Pública, mesmo no período da dívida anterior à expedição do precatório. O entendimento acompanha o já definido pelo STF quanto à correção no período posterior à expedição do precatório. Em seu lugar, o índice de correção monetária adotado foi o Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E), considerado mais adequado para recompor a perda de poder de compra.
Quanto aos juros de mora incidentes sobre esses débitos, o julgamento manteve o uso do índice de remuneração da poupança, previsto na legislação questionada, apenas para débitos de natureza não tributária, como é o caso da disputa com o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) em causa. Na hipótese de causas de natureza tributária, ficou definido que deverá ser usado o mesmo índice adotado pelo Fisco para corrigir os débitos dos contribuintes, a fim de se preservar o princípio da isonomia. Hoje essa taxa é a Selic.
Entendeu-se que os juros moratórios aplicáveis a condenações da Fazenda Pública, é inconstitucional ao incidir sobre débitos oriundos de relação jurídico-tributária, aos quais devem ser aplicados os mesmos juros de mora pelos quais a Fazenda Pública remunera seu crédito tributário, em respeito ao princípio constitucional da isonomia (CRFB, art. 5º, caput); quanto às condenações oriundas de relação jurídica não-tributária, a fixação dos juros moratórios segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança é constitucional, permanecendo hígido, nesta extensão, o disposto no artigo 1º-F da Lei 9.494/1997 com a redação dada pela Lei 11.960/2009.
Entendeu-se, outrossim, que o artigo 1º-F da Lei 9.494/1997, com a redação dada pela Lei 11.960/2009, na parte em que disciplina a atualização monetária das condenações impostas à Fazenda Pública segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança, revela-se inconstitucional ao impor restrição desproporcional ao direito de propriedade (CRFB, art. 5º, XXII), uma vez que não se qualifica como medida adequada a capturar a variação de preços da economia, sendo inidônea a promover os fins a que se destina.
O conceito de correção monetária é diverso do de dívida de valor e de juros de mora.
De algum tempo, como se lê de Paulo B. de Araújo Lima (A correção monetária sob a perspectiva jurídica, 1972, pág. 40), na vigência da Emenda Constitucional n. 1/69, já se entendia que o princípio da correção monetária parte da ideia de que nada escapa ao poder político do Estado no ato de manipular o instrumental monetário. No ato de impor o curso forçado do dinheiro, o Estado teria a mais absoluta discrição (ato político), de forma que o Estado poderia ou não corrigir a expressão monetária das relações jurídicas.
Por sua vez, a dívida de valor é conceituada como um direito subjetivo. O direito do respectivo credor de assegurar-se um poder de compra determinado ou uma situação patrimonial certa e imutável incapaz de ser alterada por flutuações econômicas.
Segundo ensinou Arnold Wald (Aplicação da teoria das dívidas de valor), “reconhece-se que ao lado das dívidas em dinheiro, existem outros débitos que não devem ser alcançados pela depreciação monetária, pois a moeda neles não é levada em conta como objeto da dívida, mas como medida de valor. São débitos que visam a assegurar ao credor um quid, ou seja, determinada situação patrimonial e não um quantum, um certo número de unidades monetárias”.
Tulio Ascarelli (Teoria sulla la moneta, páginas 65 e seguintes), depois de repassar o conceito de moeda através dos tempos e de asseverar que, a partir do Código de Napoleão, o princípio nominalista triunfou, até por imposição do capitalismo então florescente, esclarece que, não obstante o princípio geral, existem certas dívidas cujo objeto, excepcionalmente, não é o dinheiro, mas um valor patrimonial. Essas seriam as dívidas de valor em contraposição às pecuniárias.
Por outro lado há os juros moratórios.
Juro pode ser conceituado como sendo a importância paga por unidade de tempo pelo uso do capital de terceiro. É a remuneração ou rendimento do capital investido. Os juros são ditos compensatórios quando devidos como remuneração pela utilização de capital pertencente a outrem, a exemplo daqueles pagos nas operações de mútuo (ex. empréstimo de dinheiro). Já os juros moratórios decorrem do inadimplemento ou retardamento no cumprimento de determinadas obrigações ou contratos e são calculados a partir da constituição em mora.
De toda sorte, o tratamento a ser dado pelos índices de correção monetária e ainda para os juros, na relação entre o Estado e o contribuinte, deve levar em conta dois princípios: igualdade e proporcionalidade.
Nas relações jurídicas não tributárias, a discussão sobre a constitucionalidade da TR como índice de correção monetária é de alta relevância.
Relembre-se que a correção monetária nada mais é do que a proteção do valor original da moeda dos efeitos corrosivos da inflação (não se confundindo com a remuneração do capital = juros). Ela é devida em respeito ao direito de propriedade (artigo 5º, inciso XXII, CF) tutelado pelo judiciário em cada ação judicial apreciada.
Ocorre que a TR não mede a inflação, razão por que não pode ser utilizada como índice de correção monetária. De fato, há muito o STF reconhece que “a taxa referencial (TR) não é índice de correção monetária, pois, refletindo as variações do custo primário da captação dos depósitos a prazo fixo, não constitui índice que reflita a variação do poder aquisitivo da moeda” (ADI 493, Relator Min. MOREIRA ALVES, DJ 04-09-1992). Esse entendimento foi reiterado no julgamento da ADI nº. 4.357 e encampado pelo voto proferido pelo Ministro Luiz Fux no processo em análise, devendo prevalecer.
Em suma, a atualização do valor da dívida do Poder Público por índice que não reflita a efetiva inflação ocorrida no período terá o condão de depreciar, desnaturar, corroer aquele direito que fora judicialmente garantido à parte após longos anos de batalha judicial, contrariando o direito de propriedade constitucionalmente garantido. Significará admitir o enriquecimento ilícito do Estado, o que também não se revela adequado e proporcional à Constituição.
Quanto aos juros, cuja função é a de remunerar o capital ao longo do tempo, em princípio, não há inconstitucionalidade na adoção do valor de 0,5% ao mês (6% ao ano) nas relações jurídicas não tributárias conforme prevê a regra da poupança. Nestes casos deverá prevalecer o montante de juros fixado no título exequendo. Sendo este omisso no ponto, serão aplicados os juros legais de 0,5% a.m.
No entanto, para as relações jurídicas tributárias – ou submetidas ao mesmo regime de atualização das dívidas tributárias (artigo 460 do Código Civil) – a adoção desse patamar de juros tem o condão de afrontar o predicado da isonomia (artigo 5º, caput, e artigo 150, inciso II, da Constituição Federal). Isso porque a Fazenda Pública geralmente recebe os seus créditos com a incidência de SELIC, cujo valor é historicamente muito maior do que 0,5% a.m. Assim, em tais relações jurídicas devem incidir para o particular os mesmos índices de juros previstos para o Poder Público. Na esfera federal será a SELIC e nas esferas estaduais e municipais deverá ser observado o valor dos juros por eles cobrados (podendo ser a SELIC ou mesmo 1% a.m., conforme o disposto no artigo 161, parágrafo 1º do CTN e na legislação específica de cada um).
Isso é o que ficou decidido pelo próprio Supremo quando foi declarada a inconstitucionalidade parcial do parágrafo 12 do artigo 100 da CF, relativamente aos índices de correção monetária e juros dos precatórios (ADI 4.357).
Considerou-se inconstitucional o uso da taxa de remuneração básica da caderneta de poupança (TR) para fim de correção de débitos do Poder Público, no julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 4425 e 4357; o STF o fez apenas com relação aos precatórios, não se manifestando quanto ao período entre o dano efetivo (ou o ajuizamento da demanda) e a imputação da responsabilidade da Administração Pública (fase de conhecimento do processo). Uma vez constituído o precatório, seria então aplicado o entendimento fixado pelo STF, com a utilização do Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E) para fins de correção monetária.
O Supremo Tribunal Federal apresentou entendimento contrário ao uso da TR para fim de correção monetária, uma vez que se trataria de índice prefixado e inadequado à recomposição da inflação.
Nos julgamentos em tela, o ministro Ricardo Lewandowski acompanhou o relator para dar parcial provimento ao recurso, fixando o IPCA-E como índice de correção monetária a todas as condenações impostas à Fazenda Pública. Esse foi o mesmo entendimento do ministro Celso de Mello, que concordou com o relator no sentido do uso do IPCA-E tanto na correção monetária dos precatórios quanto nas condenações judiciais da Fazenda Pública, para evitar qualquer lacuna sobre a matéria e para guardar coerência com as decisões do STF na Questão de Ordem nas ADIs 4357 e 4425.