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A mediação como alternativa de resolução de conflitos no direito de família

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3 A MEDIAÇÃO NO DIREITO DE FAMÍLIA

3.1 Breves considerações acerca da evolução da família no ordenamento jurídico brasileiro e os novos conflitos

As relações familiares são dinâmicas e complexas, se transmudam rapidamente, acompanhando alterações culturais e sociais. Novos paradigmas familiares surgiram, e com eles novas formas de conflitos.

As sucessivas modificações na estrutura familiar trouxeram conflitos ainda não previstos pelo ordenamento jurídico, desafiando o Direito à se modificar para acompanhar essa nova realidade. Além disso, tornou alguns conflitos, como os decorrentes do divórcio e da ações alimentícias mais frequentes, o que também exigiu uma maior demanda do judiciário brasileiro.

O legislador não consegue acompanhar a realidade social nem contemplar as inquietações da família contemporânea. A sociedade evolui, transforma-se rompe com tradições e amarras, o que gera a necessidade de oxigenação das leis. (DIAS, 2014, p.31).

Para contribuir na reorganização desse núcleo tão valoroso para a sociedade, surge como alternativa, a mediação, a qual através do diálogo entre os envolvidos auxilia nesse processo de reorganização da vida familiar, acompanhando também sua evolução histórica perante a sociedade.

A mediação, como forma de solução de conflitos, encontrou no Direito das Famílias um dos seus mais expressivos campos de aplicação, devido à complexidade, a transdisciplinaridade e a multidimensionalidade das relações familiares.

No ordenamento jurídico brasileiro, a entidade familiar teve como marco histórico legislativo a promulgação do Código Civil de 1916. Contudo, à época, consagrava-se o poder patriarcal, sobretudo na pessoa do marido, conforme o artigo 233 do CC/1916:

Art. 233. O marido é o chefe da sociedade conjugal.

Compete-lhe:

I. A representação legal da família.

II. A administração dos bens comuns e dos particulares da mulher, que ao marido competir administrar em virtude do regime matrimonial adaptado, ou do pacto antenupcial (arts. 178, § 9º, nº I, c, 274, 289, nº I, e 311).

III. direito de fixar e mudar o domicílio da família (arts. 46 e 233, nº IV). (Vide Decreto do Poder Legislativo nº 3.725, de 1919).

IV. O direito de autorizar a profissão da mulher e a sua residência fora do tecto conjugal (arts. 231, nº II, 242, nº VII, 243 a 245, nº II, e 247, nº III).

V. Prover à manutenção da família, guardada a disposição do art. 277.

Além da concentração do poder na figura masculina, foram também marcos da austeridade adotada pelo legislador a indissolubilidade do matrimônio, a capacidade relativa mulher, a distinção notória entre os filhos legítimos e ilegítimos, naturais e adotivos, bem como a divisão de bens na sucessão hereditária, que excluía os filhos adotados, e a guarda, que ligava-se à noção de culpa do cônjuge, ao passo que era concedida àquele que não concorreu para a dissolução do casamento (BARRETO, 2013).

No decorrer do século XX, importantes mudanças impactaram o direito pátrio, advindas do cenário mundial, através da Declaração Universal de Direito Humanos, de 1948, e do Pacto de São José da Costa Rica, de 1969, que culminaram no reconhecimento interno de direitos e garantias fundamentais quando promulgada a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/1988).

A entidade familiar, núcleo da sociedade, merecedora de ampla proteção estatal, passou a ter status constitucional, com conceitos altamente ampliados, já que à luz dos tratados internacionais, dos quais o país é signatário, a dignidade da pessoa humana passou a ser o liame do texto constitucional, característica latente em um Estado Democrático de Direito.

Assim, entidade família abarca, sob o prisma da CRFB/88, a união estável entre homens e mulheres, a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes, e a união entre pessoas do mesmo sexo, já que é vedada a recusa da autoridade competente à celebração do casamento ou conversão de união estável em casamento destes (BRASIL, 1988).

Posteriormente, o Código Civil de 2002, em consonância ao novo ordenamento jurídico inaugurado pela CRFB/88, instituiu e separou os direitos pessoais e patrimoniais da família:

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Desde logo enfatiza a igualdade dos cônjuges (art. 1.511), materializando a paridade no exercício da sociedade conjugal, redundando no poder familiar, e proíbe a interferência das pessoas jurídicos de direito público na comunhão de vida instituída pelo casamento (art. 1.513), além de disciplinar o regime do casamento religioso e seus efeitos (GONÇALVES, 2012, p. 36).

Apesar dos contornos expansivos e de receber maior proteção estatal, a entidade familiar não deixou de ser uma instituição conflituosa.

Isto porque se discutem direitos inerentes à família e seus componentes, como o próprio divórcio, os poderes a serem exercidos sobre os filhos - denominado poder familiar - bem como a divisão dos bens de família e obrigações decorrentes da dissolução do matrimônio.

Os conflitos, por si só, fazem parte da dinâmica familiar, devido à complexidade da relação em comento. O cotidiano e as desavenças são realidades sociais que marcam as famílias, auxiliam no crescimento, confiança, respeito e percepção mútuas, desde que bem administrados (PRUDENTE, 2008).

Assim, a resolução de conflitos familiares, em qualquer âmbito, deve ser dotada de técnicas adequadas que busquem a convergência e satisfação dos interesses, sobretudo à luz do princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, caso haja direitos a estes inerentes em jogo (BRASIL, 1990).

Para tanto, no atual ordenamento jurídico, e sob a égide do CPC/15, instituído pela Lei 13.105, de 16 de março de 2015, a mediação e a conciliação foram os meios escolhidos pelo legislador para dirimir os conflitos familiares, conforme se verá.

3.2   A mediação como alternativa de solução de conflitos no direito de família

O CPC/15, em sua nova dogmática principiológica, visando à aplicação do ordenamento jurídico ao caso concreto, à luz dos valores e normas fundamentais constitucionais, estabeleceu em seu artigo 694 a solução consensual de conflitos familiares através da mediação e a conciliação:

Art. 694.  Nas ações de família, todos os esforços serão empreendidos para a solução consensual da controvérsia, devendo o juiz dispor do auxílio de profissionais de outras áreas de conhecimento para a mediação e conciliação (BRASIL, 2015).

Entretanto, a distinção entre mediação e conciliação faz-se necessária, vez que se tratam de institutos diversos.

A mediação pode ser entendida como um princípio, uma conduta que permite desenvolver a personalidade, que capacita a conquista de liberdade interna do ser humano e a igualdade que todo ser merece perante o outro, ao passo que assegura o sentimento de pertença ao gênero humano (BARBOSA, 2004).

Em contrapartida, a conciliação caracteriza-se, conforme o CPC/15, como solução "para os conflitos que envolvam apenas relações ocasionais, nas quais o vínculo de convivência entre as pessoas inexiste ou se tornara apenas esporádico em razão de algum fato ou incidente" (NUNES, 2016).

Neste passo, a conciliação demonstra-se binária, pois apresenta, ao final, um julgamento, com exclusão ou renúncia de um direito, enquanto a mediação possui caráter ternário, já que promove a inclusão de ideias, através da dinâmica de comunicação e afasta o julgamento (BARBOSA, 2006).

Em remonta ao dispositivo do CPC/15, depreende-se a interdisciplinaridade como medida necessária da mediação, já que é dever do juiz dispor do auxílio de profissionais de outras áreas de conhecimento.

Tal entendimento decorre do fato de o legislador optar pela comediação, em que "serão os próprios mediadores cadastrados, em revezamento, mas aproveitando-se  as formações interdisciplinares, que levarão mais qualidade às sessões de mediação. [...] Em suma: abordar adequadamente os problemas e dilemas e gerenciá-los melhor" (NUNES, 2016, p. 69).

Esclarece Barbosa (2007, p. 133) acerca da mediação interdisciplinar:

A mediação é um método que se vale de técnicas de comunicação, adequada par a escuta qualificada, prestando-se, com muita eficiência, a concretizar o princípio constitucional de proteção à dignidade da pessoa humana  e de proteção do Estado. Como se trata de uma linguagem, qualquer profissional pode se habilitar para obter uma formação. Com a mediação, as ciências humanas fazem irrupção nas relações jurídicas, pois trata de um conhecimento interdisciplinar a serviço do acesso à, assim, os saberes das diferentes disciplinas - direito, psicanálise, psicologia, sociologia, filosofia etc. - conduzem a uma complementaridade da pratica social, função e objetivo desta nobre linguagem, permitindo implementar os paradigmas da pós-modernidade.

Um claro exemplo da interdisciplinaridade é pontuado por Duri e Silva (2016), ao exporem que a atuação de profissionais da Psicologia ao Direito possibilita amplamente, aos sujeitos envolvidos, alcançarem a composição em conjunto, sem intervenção judicial.

Contudo, alertam para a mera tecnização das ciências envolvidas, qualquer que sejam elas, uma vez que tal conduta não permite o amplo conhecimento das relações humanas, que são complexas.

Nunes (2016), por sua vez, apresenta o termo transdisciplinaridade, caracterizado por uma abordagem transversal entre as diversas disciplinas, isto é, um cruzamento entre os saberes:

O mediador eficiente deverá ter esse olhar ampliado e ,ora juntar as disciplinas, ora analisá-las em separado, e deve afastar-se do paradigma cartesiano/newtoniano e da visão mecanicista de causa e efeito, das lógicas binárias do certo e errado, perdedor e ganhador, culpado e inocente, e trazer para a autocomposição o pensamento integrador, com uma visão de sistemas interconectados, com percepção de totalidade e particularidade, de sustentabilidade, de tela e de redes [...] o que deverá fazer através de uma mente sempre aberta, uma aptidão constante para o diálogo e aquisição de conhecimentos diversos [...] (NUNES, 2016, p. 130).

Logo, a técnica binária se encontra superada ao excluir o terceiro mediador, enquanto a ternária o inclui como sujeito ativo da dinâmica, pois se envolve no conflito, com distância suficiente para não tomar para si o drama dos mediados, razão pela qual o conhecimento amplo do conflito humano, na dinâmica familiar e seus sistemas, é fundamental e deve ser preparada e aprimorada (BARBOSA, 2006).

No que diz respeito à efetividade da mediação, Moreira (2014) constata que tal instituto demonstrou ser a melhor alternativa para manter ou reatar os laços familiares, já que propicia a capacidade humana de aprendizagem e de resolver conflitos, através do diálogo construtivo.

Quanto às criança e adolescentes, a mediação através do diálogo é eficaz, na medida em que protege o direito à restauração da convivência e permite o desenvolvimento psíquico dos infantes, ao passo que, quanto aos pais, vincula-os à relação parental através da participação e construção desta, mediante o diálogo, pois assumem papel importante na efetivação dos direitos fundamentais das crianças e adolescentes (MOREIRA, 2014).

Arremata Vasconcelos (2008)  que o restabelecimento das relações entre as partes, seja por vínculo familiar ou pessoal, através do sistema mediatório, obteve maior probabilidade de cumprimento espontâneo dos acordos firmados.

Assim, ante ao exposto, por ora, "a mediação como comportamento e como método viabilizam a realização dos paradigmas pós-modernos, aprimora a prestação jurisdicional e garante a realização do princípio da proteção do Estado" (BARBOSA, 2007, p. 137).

 3.3 Os benefícios da aplicação da mediação no Direito de Família

Os litígios familiares são questões complexas e que dificilmente são solucionados de maneira eficaz por meio do método tradicional de solução de conflitos. Isso se dá em decorrência de a resolução adversarial do conflito trabalhar a lógica, a razão, tratando o conflito como um fenômeno jurídico. (NUNES, 2016).

No entanto, em decorrência dos multifacetados aspectos que constituem as relações familiares, é necessário um mecanismo mais adequado capaz de preservar esses laços afetivos, transformando a competição e os desgastes emocionais em cooperação mútua de forma a reestabelecer a harmonia e o equilíbrio entre as pessoas. (NUNES, 2016). Nesse sentido, Nunes (2016, p.130), explica:

Nos processos autocompositivos é possível ir mais fundo na análise do conflito e ele precisa ser visto com toda a complexidade intrínseca à vida humana e social, com interação interdisciplinar, a exigir a interconexão de saberes e análises referentes à identificação das emoções e da razão; do passado, presente e futuro; dos sentimentos e das necessidades, entre outros.

Nesse contexto, as formas de autocomposição de conflitos, em especial a mediação, por sua essência democrática e carácter multi, inter e transdisciplinar demonstram aptidão para solucionar esses conflitos familiares de forma mais eficaz e completa ao estimular a autogestão e o diálogo entre as partes conflitantes, trazendo assim, inúmeros benefícios quando comparados aos métodos adversariais de resolução de conflitos

Apesar da resistência dos juristas e profissionais de direito tradicionalistas em aplicar os métodos autocompositivos, esses vêm apresentando diversos benefícios. É possível citar, dentre os mais relevantes, o desafogamento do Poder Judiciário, ao mostrar-se um método eficiente, de efeitos imediatos e de baixo custo. (BRINCKER, 2013).

   Nesse sentido, Lôbo (2012, p.49-50), afirma que as decisões tomadas em sede de mediação são “mais duradouras que as decisões judiciais, pois estas não encerram o conflito”. Isso decorre das negociações integrativas realizadas no curso da mediação, a qual possibilita que as pessoas envolvidas cheguem a um acordo satisfatório que fornece ganhos mútuos, inexistindo parte vencida, o que evita o retorno recorrente ao judiciário, portanto, sendo mais efetivo em relação àquele engendrado por advogados e juiz ou à decisão judicial.

Outro aspecto importante da mediação é a questão do atendimento interdisciplinar, que dá um tratamento mais adequado aos conflitos familiares, se permitindo a análise dos vários ângulos do problema, de forma a possibilitar a abordagem mais adequada e eficaz das questões controvertidas.

Assim, ao se utilizar de métodos transdisciplinares e “o diálogo simples, a cooperação responsável, a colaboração solidária, a autogestão dos problemas, a participação ativa e, sobretudo, a liberdade” (NUNES, 2016, p.34) permite uma análise complexa do problema e estimula o diálogo, levando a negociações integrativas e possibilita soluções inteligentes para os conflitos da vida baseados na autonomia da vontade das partes. (NUNES, 2016, p.39).

É válido ressaltar que a mediação proporciona um maior respeito à autonomia das partes e uma maior aplicabilidade ao princípio da Mínima Intervenção Estatal que norteiam o Direito de Família. Nesse sentido:

Um importante ponto da mediação é o seu respeito pela autonomia das partes; trata-se de uma característica admirável principalmente quando se fala de Mediação Familiar, por significar um claro respeito pelo princípio da Mínima Intervenção Estatal que norteia o Direito de Família, preservando a autonomia, a liberdade e a dignidade dos membros envolvidos nas controvérsias familiares. (CARVALHO; SALME; ANGELUCI; 2014, p. 7)

Ademais, observa-se que a mediação, em conjunto com os outros métodos autocompositivos, constituem instrumentos de efetivação do direito fundamental do acesso à justiça. Assim, explica Amaral (2008, p. 145):

Os mecanismos alternativos de solução de controvérsias constituem relevantes instrumentos de cidadania para a consolidação do Estado Democrático de Direito,possibilitando um efetivo acesso do cidadão à Justiça, uma vez que têm custos baixos, são mais céleres, além do fato de que a execução dos acordos ser mais cumprida do que nos processos tradicionais.           

Por fim, diante dos inúmeros benefícios proporcionados pela aplicação da mediação, é perceptível que essa, é um meio alternativo mais eficaz e adequado a solução dos litígios familiares, pois atribui às partes a responsabilidade de resolução da mesma, através do empoderamento pessoal, comprometendo-os a deixar de fora suas mágoas, desilusões e rancor, para que juntos construam uma solução que trará ganhos mútuos. Além disso, a mediação é mais célere e acarreta menos gastos ao Estado.

Sobre as autoras
Raissa Cunha de Lira

Graduanda em Direito da Universidade Estadual de Montes Claros - UNIMONTES

Cynara Silde Mesquita Veloso

Professora da Unimontes. Mestre em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e Doutora pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TIBO, Ana Luisa; LIRA, Raissa Cunha et al. A mediação como alternativa de resolução de conflitos no direito de família. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6388, 27 dez. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/60791. Acesso em: 3 mai. 2024.

Mais informações

Artigo científico produzido no âmbito do Projeto de Pesquisa Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania de Montes  Claros: eficácia na pacificação social.

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