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Parcerias público-privadas:

as realidades de um sonho

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Agenda 23/12/2004 às 00:00

O modelo PPP sucede os recentes esforços de conferir às concessões, associadas ao processo privatista, um papel redentor da capacidade de liderança da Administração na alavancagem da atividade econômica.

             "Quando se sonha e se dá precisão ao objeto sonhado, se houver "bancabilidade" ele se converte em uma realização. (...) é o sonho do desenvolvimento com inclusão social e soberania"

Carlos Lessa – Presidente do BNDES


Resumo

            Esta monografia trata da parceria público-privada – PPP, uma política conduzida pela Administração Pública brasileira, do governo Lula, para conferir maior eficiência econômica e justiça social (oferta de serviços e bens públicos) às ações estatais, por meio da atração de investimentos privados (capital, tecnologia e eficiência gerencial), de capitalistas banqueiros, industriais, empreendedores do setor de serviços, construtores e empreiteiros, entre outros, na produção de serviços públicos. O desenvolvimento deste modelo de parceria PPP representa um esforço adicional no movimento de reforma administrativa do Estado brasileiro, sucedendo os recentes esforços de conferir às concessões, associadas ao processo privatista, um papel redentor da capacidade de liderança da Administração na alavancagem da atividade econômica e realocação de recursos na infra-estrutura do país. Um modelo bem apurado de PPP, na visão do governo federal, do governo de Minas Gerais e de São Paulo (estado e município), teria o condão de atrair vultosos investimentos para a área pública, realizando o sonho de acesso de muitos cidadãos a melhores escolas, hospitais mais aparelhados suportando planos de saúde mais eficazes, saneamento básico extensivo, vias públicas mais seguras e capilares e assim por diante. No entanto, um exame mais próximo da situação revela problemas reais que chocam com contundência o sonho da PPP. A questão ético-ideológica da liberdade exigida pelo empreendimento capitalista e as iniciativas de cunho intervencionistas do governo federal (questão do marco regulatório), os problemas de definição de agendas públicas, os níveis de corrupção empresarial e governamental, as dissintonias da agenda pública, as incompatibilidades na convivência de modelos administrativos diversos, as garantias para empreendimentos de longo prazo e a situação de credores já constituídos, o empobrecimento e a inadimplência do Estado bancando estímulos de parcerias (efeito placebo), a insegurança da permanência de investimentos estrangeiros, as contradições dos valores sigilo de projetos tecnologicamente sofisticados (Non-Disclosure Agreements - NDA da iniciativa privada) e a obrigatória publicidade e igualdade de acesso que condicionam a Administração, a flexibilidade de contratos e os critérios de legalidade, transparência e prevalência do interesse público são algumas das realidades que não podem ser desconsideradas, e sim enfrentadas, caso haja sérios propósitos de conferir eficácia à estratégia da PPP no Brasil.

            Palavras-chave: Parceria Público-Privado; PPP; Administração Pública; Bens e

            Serviços Públicos; Investimentos; Marco Regulatório; Sonho;

            Realidade


Introdução

            Desde há algum tempo a atuação burocrática, conservadora e corporativista do Estado tem causado inquietação em toda a sociedade, pois resultou este num organismo voraz no consumo de recursos e ineficiente em suas operações e altamente ineficaz nos resultados apresentados.

            Hoje, limitado em suas realizações o modelo de prestação direta de serviços públicos pelo Estado, seja por autarquias, fundações ou sociedades de economia mista confronta um mundo cada vez mais dinâmico, que demanda volumes crescentes de recursos e gestão ágil para atender à sociedade de massas, em suas padronizações e diferenciações de necessidade e expectativas.

            Esforços legislativos vêm se sucedendo, no Brasil, no sentido de dotar o aparato estatal de instrumentos que permitam viabilizar políticas que atraiam bons volumes de recursos financeiros e capacitações técnicas e gerenciais de elevado nível para projetos de interesse social, em ofertas de bens e serviços públicos. Entre os instrumentos flexibilizadores do Estado, em tempos mais recentes, pode-se colocar em relevo o Decreto-Lei n.º 200, de 26 de fevereiro de 1967, que estabelece a descentralização e delegação de competências para assegurar maior rapidez e objetividade nas decisões da Administração, a Lei Federal n.º 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, sua complementação, a Lei n.º 9.074, de 7 de julho de 1995 e diversas outras legislações que aprimoraram a lei de concessões de obras e serviços públicos e permissões de serviços públicos, compatibilizando tais instrumentos da Administração Pública com o art. 175 da Constituição Federal de 1988 e que visava atrair o dinheiro da iniciativa privada, o espírito empresarial e criar um sistema de competição no mercado ofertante para garantir a transparência dos custos. (WALD et al., 2004).

            Durante o governo Fernando Henrique Cardoso, apostou-se no aprimoramento do modelo de concessões e na reforma administrativa do Estado, além do enxugamento da máquina administrativa e da capitalização da administração, como ações capazes para atrair a iniciativa privada e sua habilidade gerencial no provimento de bens e serviços públicos. No entanto, a mudança de governo, em 2003, e os defeitos apresentados na política de privatização (num ambiente de concessão), fizeram com que o presidente Luís Inácio Lula da Silva e seus colaboradores buscassem outra via de atração de capital e "expertise" da iniciativa privada, optando pela formulação de uma política inspirada na Private Finance Iniciative – PFI (plano nacional) e nas Public Private Partnership – PPP (nível regional), implantada na Grã-Bretanha, pelo governo conservador, na década de 1990, e mantida e aprimorada pelo partido trabalhista que lhe sucedeu.

            A Public Private Partnership ou, no Brasil a Parceria Público-Privado (PPP), tem forte caráter contratual, sendo minorada a rigidez legal. Daí seu caráter flexível, pois a lei estabelece disposições para a formação de contratos, que permitam configurar as especificidades de cada situação negocial, da natureza técnica ou econômica de cada projeto concreto. Desse modo, por ser um acordo realizado entre os governos, condutores das políticas públicas, e os empresários, detentores do capital privado e da capacidade de geração de valores por meio da produção de bens e serviços, desperta imediatamente a atenção para o exame do contexto de implantação dessa política, do ambiente de negócios e da natureza deste contrato, que traz novidades na relação público-privada.

            Um contrato entre esses setores amalgama complexos cenários administrativos, políticos, sociais, econômicos e jurídicos, através do estabelecimento de direitos e obrigações que consolidarão um projeto de governo, que busca a satisfação da demanda de bens e serviços públicos, ofertados pela iniciativa privada, que tem interesse em auferir ganhos sobre o capital investido.

            A iniciativa dos empresários na produção de bens e serviços públicos, para ser duradoura, deve pautar-se pela incansável busca da eficácia, com eficiência e qualidade. O capital investido pelo empresário deve apresentar a máxima remuneração possível dentro do nicho de oportunidade que está sendo explorado, nicho este que – em última instância – também só está sendo explorado por razões de oportunidade global do capital, considerados os vários setores e atividades econômicos disponíveis à iniciativa privada

            Além disso, não é incomum ao empresário ver-se frente a frente com concorrentes, o que ameaça a continuidade de seus negócios nos níveis desejados de demanda e de preços e o faz buscar formas dinâmicas de criar vantagens competitivas, isto através, entre outras ações, de desenvolvimento de inovações tecnológicas, operando mudanças de processos produtivos e administrativos, reorganizando sua empresa, repensando a logística, exercendo monitoração sincronizada e atualizada das demandas de seus clientes finais ou intermediários etc. O dinamismo empresarial é um dos fundamentos de seu sucesso para manter ou aumentar receitas, lucratividade e fatia de participação de mercado.

            Pode-se, assim, afirmar que a atividade empresarial é pautada pelo dinamismo na sua busca por maiores níveis de eficiência e eficácia, sem descuidar do preço e da qualidade esperados pelo destinatário de seus bens e serviços. Tal condição da atividade empresarial privada consolida um paradigma: a atividade do empresário privado é essencialmente eficiente e eficaz, pois se assim não o fosse não sobreviveria ao seu concorrente.

            Logo, deve-se ter o cuidado no uso de tal assertiva, válida num ambiente de razoável competição entre vários produtores de bens e serviços (condição para gestão autônoma e competitiva de eficiência e de eficácia) e para diversos compradores desses bens e serviços (condição para gestão autônoma e competitiva de preço e de qualidade). É amplamente conhecida a preferência inarredável do empresário pela segurança, qualquer que seja o contexto, logo seu comportamento quando o ambiente de atuação não o pressiona a lutar pela manutenção e crescimento de seu negócio, como atestam as ineficiências dos monopólios e oligopólios e os desestímulos espontâneos pela busca de melhor qualidade verificados em situações de monopsônios.

            Esta monografia busca exercitar os fundamentos da política de PPP levada a cabo pelo governo federal brasileiro, acompanhado de algumas iniciativas estaduais e municipais. Em momento nenhum pretende esgotar qualquer um dos aspectos relacionados a um tema tão amplo e complexo. Como exercício de estudo acadêmico, terá ela cumprido seus propósitos caso sirva para provocar a discussão controvertida e esclarecedora e, quiçá, servir de mapa de oportunidades para futuros trabalhos mais consistentes e reveladores, em nível de mestrado e doutorado.

            O capítulo 1 deste trabalho busca desenhar o cenário histórico, político e econômico, que desemboca nos dias atuais, quando há uma generalidade de ações governamentais, no Brasil e no mundo, em busca de recursos privados para desenvolver projetos de interesse público em regime de parceria. No capítulo 2 é desenhado um esboço da evolução justificativa, objetivos e abrangência da política de PPP no Brasil. O sonho de um país melhor, representado pela PPP no Brasil, pois se apresenta como a grande solução para difíceis problemas do Estado moderno, é delineado no capítulo 3. Mas, como este sonho pode ser perturbado por alguns fatos reais, o capítulo 5 cuida de alguns deles, no sentido de servirem de pontos cardeais para a avaliação e o acompanhamento das implantações dos projetos de PPP no Brasil, nas esferas administrativas, União, Distrito Federal, Estados e Municípios.


1.Capítulo 1: O Cenário

            a-Evolução do capitalismo e as mudanças nas políticas de Estado

            Nas transformações do Estado, ao longo do século XX, cabe ressaltar dois movimentos de macro importância nos países capitalistas ocidentais, apontados, por BIZELLI (2002), quais sejam, o início e o fim do welfare state keynesiano, período entre meados dos anos 40 à metade da década de 70 do século passado.

            Na evolução do capitalismo observa-se uma subsunção dos interesses revolucionários proletários da clássica visão marxista pela democracia partidária competitiva e o welfare state keynesiano - WSK ao longo do século XX. Deste modo, o Estado continua a assegurar as condições gerais de permanência do modo de produção capitalista, garantindo a propriedade privada de fatores de produção, gerenciando os conflitos de classes como conflitos de interesses de grupos políticos de matizes ideológicos mais ou menos diferenciados, numa competição partidária num jogo de democracia. Materialmente, o WSK em sua clássica prescrição da intervenção estatal no domínio econômico, buscando garantir emprego e renda, criando uma atmosfera de bem-estar generalizado, mormente contraposta a clima social de reconstruções sucessivas, num século marcado por duas guerras de repercussão mundial, diversos políticos conflitos regionais e regimes ditatoriais importantes, foi a solução mais significativa para amenizar as tensões, desde de a crise de 1929 até a crise do petróleo da década de 70.

            OFFE (1984, p. 360) comentando a prevalência das questões de solução da vida social pela materialidade dos fundamentos capitalistas, afirma que:

            A lógica da democracia capitalista é de contaminação mútua: infunde-se autoridade à economia através do gerenciamento da demanda global, das transferências e da regulamentação, de forma que ela perde cada vez mais seu caráter espontâneo e auto-regulador; e introduz-se uma contingência de mercado no Estado, comprometendo, assim, qualquer noção de autoridade absoluta ou de bem absoluto. Nem a concepção smithiana do mercado, nem a concepção rousseaniana da política têm qualquer tipo de contrapartida na realidade social. Desta forma, uma das vias pela qual se atinge a compatibilidade parece ser a infusão de parte da lógica de um domínio no outro – i.é., a noção da "competição" na política e a idéia da "alocação autoritária de valores" na economia.

            A democracia competitiva traduz a vontade do povo à medida que esta se canaliza num aparelho institucionalizado pelo Estado, que formalmente cumpre regras padronizantes das demandas sociais, uma vez que tais demandas devem ser comparadas e avaliadas frente a uma realidade técnica de alocação de recursos escassos. OFFE (1984, p. 363) avalia a domesticalização das demandas sociais na democracia capitalista, quando a vontade do povo é transformada em instrumento de dominação política:

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            ..., logo que a vontade do povo se expressa através do instrumento de um partido competitivo que luta pelo cargo governamental, o que foi expresso cessa de ser a vontade do povo e se transforma, ao invés num artefato da forma em si mesma e na dinâmica posta em movimento pelos imperativos da competição política.

            Por outro lado, as políticas de bem-estar social adotadas pelos principais países do mundo, economicamente falando, associadas aos custos bélicos, começaram a incomodar as suas contas, afetando-lhes o desempenho econômico. Além disso, o Fundo Monetário Internacional, criado na conferência de Brentton Woods (EUA, 1944), com objetivos entre os quais de dar estabilidade às taxas de câmbio, acabou por render-se às imposições americanas de estabelecer o dólar como unidade de conta internacional e moeda de intervenção. Ocorre que durante a década de 60 até meados dos anos 70, os EUA, diferentemente de países europeus e Japão, se viram envolvidos em fortes déficits de balanço de pagamentos e conseqüentes perdas de reservas do ouro de lastro, o que provocou sucessivas desvalorizações do dólar, encarecendo o ouro em dólares, transferindo seu déficit para o resto do mundo, até que em 1971, suspendeu-se a obrigação da conversão de ouro em dólares. Com a relativa perda da confiança no dólar, a partir de 1973, abandonou-se o sistema de taxa de câmbio fixa e ajustável e adotou-se uma maior flexibilidade dessas taxas.

            Neste contexto economicamente sensível, acirra-se a questão árabe-judáica, com a guerra de Israel contra os países árabes, em outubro de 1973, levando os importantes exportadores de petróleo do Oriente Médio a um posicionamento político e econômico, com a criação da Organização dos Países Exportadores de Petróleo, que retaliou os Estados Unidos e a Holanda pelo apoio dado a Israel, com um embargo, que teve como conseqüências, a quadruplicação do preço do óleo, de US$ 3 para US$ 12 cada barril. Ora, o petróleo como fonte principal de energia manejável para consumidores e empresas, tendo sua escassez agudizada, configurou o denominado "choque do petróleo", pelo efeito recessivo que causou na economia mundial, macroeconomicamente similar ao de aumento de impostos sobre consumidores e empresas, diminuindo consumo e investimento em todos os países do mundo. O mundo foi levado à recessão econômica, os governos se viram em dificuldades sérias para adimplir compromissos. A irreversibilidade da organização do quadro político do mundo árabe, responsável à época pelo suprimento mais significativo da energia mundial, obriga a uma mudança na política econômica de todos os Estados nacionais.

            BIZELLI (2002, p.15) ensina que:

            As mudanças de comportamento, já citadas, em relação ao padrão monetário, somadas à crise do petróleo provocam efeitos devastadores na economia mundial. Acabava a possibilidade de um jogo econômico de soma positiva, tomava contornos nítidos a crise recessiva que abalou as economias capitalistas desenvolvidas colocando fim a um tipo de acumulação capitalista regulada pelos Estados nacionais.

            O papel dos sócios do período anterior – Estado, trabalhadores e empregadores – começa a ser repensado no novo cenário, expondo, de forma clara, os limites da teoria keynesiana para contornar as crises cíclicas do capitalismo. Antes parceiros, agora competidores, trabalhadores e empresários atacam o Estado como responsável pelos descompassos provocados na economia de livre mercado.

            Os déficits do Estado para estimular o emprego oneram o dinheiro, pressionam as taxas de juros acentuando o desemprego que deveriam combater. Segundo argumentos, como o de Margaret Thatcher, políticas de seguridade social, tais como o seguro desemprego, desestimulariam o trabalho, ou pior, acabariam ao longo do tempo com a ética do trabalho.

            Com o perfil crescente da dívida pública, reacende-se, nas arenas decisórias, a disputa política desenfreada pelos parcos recursos públicos. O objetivo econômico do keynesianismo é promover o crescimento e o pleno emprego. O objetivo do modelo do welfare state é proteger os que são afetados pela sociedade industrial capitalista, buscando formas de minimizar a desigualdade social. No entanto, o esforço de proteção depende diretamente do crescimento e do pleno emprego.

            O modelo do welfare state keynesiano vai ser acusado de interferir na "destruição criativa do capitalismo", solapando o incentivo ao investimento e ao trabalho. O setor público não produtivo tornou-se intolerável ao setor produtivo, sufocando a classe média através de impostos e fomentando o processo inflacionário.

            Mais que se falar de recessão, verificava-se em 1974 que a inflação não cedia, ao contrário, acelerava-se na maioria dos países. Esta inflação que afetava o orçamento das economias dos Estados nacionais era devida ao aumento dos preços e custos causados pelo choque do petróleo, às correções salariais, à queda do consumo pelo crescente desemprego, aos custos crescentes das políticas de bem-estar social em seu amparo ao desempregado, à manutenção das margens de ganho do capital e à ação dos especuladores que armazenavam mercadorias à espera de dias melhores (KRUGMAN E OBSTEFELD, 2001, p. 591). A adoção da nova Lei das Sociedades Anônimas (1976), que teve o condão de indicar rumos modernizantes à economia nacional, neste momento, foi insuficiente para provocar alguma dinamização importante na atividade produtiva, embora – posteriormente – tenha permitido a atração de capitais nacionais e estrangeiros.

            Estava, portanto, configurado o quadro de estagflação, pois se combinava, no plano econômico, uma combinação de estagnação da produção e de inflação elevada.

            Na América Latina, os governos expandiram seus gastos para atender às demandas por mais igualdade social e aparelhamento de sua infra-estrutura econômica ao longo de várias décadas do século passado através de captação de empréstimos no exterior. Entre a década de 70 e final dos anos 80 os países em desenvolvimento captaram empréstimos em bancos comerciais de modo extensivo, de modo que em 1981 o montante de financiamento equipara-se ao déficit no ano da conta agregada dos países em desenvolvimento não petrolíferos (KRUGMAN e OBSTEFELD, 2001, p. 170). Em 1979, o Federal Reserve americano adotara uma política antiinflacionária muito robusta, que levou as economias do mundo à forte recessão, entre 1981 e 1983. A ampla crise da dívida dos países em desenvolvimento verificada em 1982, com o anúncio de moratória do México, enxugou a oferta de empréstimos para a América Latina até o início dos anos 90, pois os bancos dos países industrializados, os grandes emprestadores privados para a América Latina, buscaram reduzir seus riscos, cortando crédito e exigindo pagamentos de empréstimos. Ficou seriamente afetado o crescimento econômico dos países em desenvolvimento, que sofreram com o descontrole inflacionário por longos períodos, pois na incapacidade de custear seus gastos por meio de impostos, afetados por uma significativa associação de sonegação, evasão e elisão fiscais, além do crescimento da informalidade na economia, socorreram-se na senhoriagem. O aumento da base monetária pelos governos dos países em desenvolvimento fez com que muitos passassem da inflação para a hiperinflação, como ocorreu no Brasil na década de 80 até 1994, quando do lançamento do Plano Real em que se registrava uma taxa anual de 2.669%.

            A necessidade de equilibrar o orçamento governamental é essencial aos países em desenvolvimento, uma vez que suas economias encontravam-se seriamente afetadas pela falta de recursos, de crédito e por taxas altíssimas de inflação. O Brasil, em oito anos intentou seis planos de estabilização econômica, Cruzado (1986), Bresser (1987), Verão (1989), Collor (1990), Collor II (1991) e Plano Real, em 1994. Como estabilizador da inflação e desindexador da economia, o Plano Real mostrou-se eficaz, embora o crescimento do PIB tenha sido baixo, a carga tributária (1) ter aumentado significativamente nos anos que se sucederam e o déficit público tenha evoluído. Em 1998, no bojo da crise russa, o Brasil firma acordo com o FMI para ter acesso a 41,5 bilhões de dólares para enfrentar o ataque especulativo externo, motivado pelo ceticismo nos mercados na capacidade da manutenção de um modelo de política econômica geradora de forte desequilíbrio externo. O governo brasileiro reduziu as barreiras às importações, promoveu privatizações, operou mudanças fiscais e reformas administrativas, acomodando-se de modo vistoso ao receituário racional de medidas econômicas neoliberais e globalizantes, numa perspectiva abordada no conceito do Consenso de Washington (2), condicionantes do acesso a novos créditos, mas seu progresso foi baixo e seu déficit fiscal decepcionou.

            Na visão de BIZELLI (2002, p. 18):

            O equilíbrio orçamentário dos governos passa a ser condição sine qua non para a manutenção da ordem econômica globalizada. O fulcro da reforma passa a ser imprimir agilidade à administração pautando-a por princípios de eficácia, eficiência e redução de custos operacionais. Subsidiariamente, permanece a indicação de um discurso pela diminuição do tamanho da máquina pública.

            O clima de "reforma" vai ganhando terreno em cada vez maior número de países, tornando-se uma discussão global. Apesar disso, em processos de implantação concreta os princípios utilizados revelam, muitas vezes, contradições. Diminuir custos nem sempre resulta em melhores serviços. Privatizar, terceirizar ou criar estruturas públicas não-governamentais nem sempre ajuda a definir melhor o papel do governo nas sociedades capitalistas modernas. Descentralizar a gerência em níveis subnacionais, desconcentrando o governo central, ou fazer valer mecanismos de mercado, nem sempre melhoram a oferta de serviços e produtos.

            De qualquer forma, nas últimas décadas, forjou-se um consenso de que administradores públicos necessitam de maior flexibilidade para gerenciar processos frente às estruturas burocratizadas do governo. Autores como Howard (1984), defendem a flexibilidade para substituir a rigidez que sufoca a gerência no setor público, buscando um sistema de medida por resultados e não por acompanhamento de procedimentos. O alvo da transformação seria um melhor atendimento dos clientes-cidadãos para substituir os interesses dos funcionários da máquina administrativa do governo.

            Assim como o Brasil, na década de 90, os países em desenvolvimento buscaram liberalizar e modernizar seus mercados financeiros para fomentar a compra e venda de seus títulos governamentais e a abrir suas fronteiras comerciais como alternativa para melhorar o influxo de capitais, que servem para financiar seus déficits.

            Incentivos econômicos do Banco Mundial e do Banco Interamericano de desenvolvimento, nos anos 90, estimularam vários países da América Latina a introduzir programas de reforma de seus Estados nacionais.

            Logo após assumir, Fernando Henrique Cardoso, disposto a atrair investimentos privados para projetos de infra-estrutura, promulgou as Leis n.º 8.987/95 e 9.074/95 que objetivaram preparar a Administração para uma nova fase de fluxos de capitais, nacionais e estrangeiros, para projetos de grande magnitude, em regime de parceria via concessão. Segundo o ex-presidente, citado por WALD et al. (2004, p. 80):

            A crescente parceria com o setor privado na propriedade e gestão da infra-estrutura nacional exigirá a redefinição do papel do Estado como instância reguladora, com poder de evitar monopólios e abusos que tendem a ocorrer em situações de concentração do poder econômico. É preciso que o governo tenha realmente a capacidade de regular a prestação de serviços públicos no interesse do cidadão e dos objetivos estratégicos do país.

            A concessão, nessa fase, estava inserida numa política de privatização, que atenderia, segundo seus formuladores, o atendimento dos interesses públicos e privados, recuperaria a infra-estrutura obsoleta e envelhecida, requalificaria os serviços públicos, atrairia os modos gerenciais privados, diminuiria o tamanho e a intervenção direta do Estado na atividade econômica produtiva e proporcionaria a conversão da dívida via participação acionária do capital estrangeiro, tudo isso sem fazer uso dos cofres públicos, uma vez que o capital privado estaria presente. Neste sentido, a concepção de parceria tangenciaria a lealdade e a boa-fé, sem que nenhuma das partes pudesse "beneficiar-se da mora ou da inexecução do contrato, privilegiando-se a estabilidade das relações negociais, sobre os interesses estritamente individuais, mesmo quando legítimos" (WALD, 2004, p.86).

            Os problemas cambiais, tarifários e regulatórios apresentados, bem como a complexidade da modelagem de privatização mais adequada a cada setor da infra-estrutura, como telecomunicações, elétrico, petroquímico, viário, portuário entre outros, associados à ascensão do presidente Luís Inácio Lula da Silva ao poder, fizeram que as privatizações fossem interrompidas, por absoluta incompatibilidade de filosofia de governo e de projeto de país.

            Na visão do governo Lula, a PPP é uma modalidade de contrato em que a Administração Pública e as empresas privadas, com financiamento obtido por estas, compartilham riscos e assumem a realização de serviços ou empreendimentos públicos. Os contratos de parceria devem ficar de acordo com o atual marco legal, a Lei de Licitações e Leis de Concessão de Serviços, com algumas alterações que lhes permitam flexibilidade, como a instituição de órgão gestor, arbitragem, prazo de concessão (riscos versus volume de capital) e garantias.

            b-Evolução do Estado nos séculos XIX e XX

            Segundo BOBBIO et al. (1992), o Estado é um ente jurídico-político, em pleno desenvolvimento, repercutindo as dimensões de suas estruturas jurídico-formal, econômico- material, social e política.

            Numa resenha breve, no final do século XIX e início do século XX, na Europa o capitalismo se organiza com o surgimento dos conglomerados industriais (monopólios), com o novo direito industrial, bancário, comercial, acionário e da Bolsa de Valores. "A tendência estava já esboçada: as formas separadas do capital industrial, comercial e bancário se uniram na forma do capital financeiro [sem grifo no original], que foi a realidade histórica em que se revelou o capitalismo organizado" (BOBBIO et al., 1992).

            De um Estado do século XVIII voltado para a criação da forma-mercado para bens finais e fatores de produção, no século XIX o Estado intervém diretamente no processo de valorização capitalista, protegendo o capital monopolista e operando a gestão monetária desde o Banco Central. A nova complexidade do mercado fracionado em setores monopolísticos e setores concorrenciais, dentro de uma dinâmica de conquistas inéditas de mercados, leva a que regramentos estatais, via emissão de decretos e funcionalizações de agências setoriais da administração, revelem um esvaziamento do processo legislativo, quando analisado o caso emblemático da Alemanha.

            A conhecida "questão social" revela-se à classe dirigente do Estado contemporâneo já na segunda metade do século XIX, conforme afirma BOBBIO et al. (1992):

            A "questão social", surgida como efeito da Revolução Industrial, representou o fim de uma concepção orgânica da sociedade e do Estado típica da filosofia hegeliana, e não permitiu que a unidade da formação econômico-política pudesse ser assegurada pelo desenvolvimento autônomo (grifo meu) da sociedade, com a simples garantia da intervenção política de "polícia".

            O ambiente de fermentação da "questão social" dá-se na esfera do trabalho, surgindo legislações e programas importantes, na Inglaterra e na Alemanha de Bismark, como seguro obrigatório contra doenças, velhice e invalidez, além de disposições pensionistas na Dinamarca (entre 1891 e 1898) e na Bélgica (entre 1894 e 1903), e a organização de um seguro nacional na Suíça, em 1890. Assim, em finais do século XIX surge o Estado, interventivo, paulatinamente mais responsável por viabilizar o financiamento e a administração de programas de seguro social.

            Para fazer frente às demandas sociais, o Estado necessitou rever a questão da fiscalidade, uma vez que, segundo observação de Goldscheid, o ele empobreceu financeiramente, pois depende das concessões da burguesia, diferentemente do Estado absoluto, quando o poder era exercido na confusão da riqueza pessoal com a desse mesmo Estado. Inaugura-se no começo do século XX o debate do Estado fiscal, como aquela função estatal de obter e acumular poupança para responder às exigências sociais crescentes, limitado pelas conseqüências gravosas que o tributo causa nas corporações produtivas e no equilíbrio dos preços de mercado, afetando a eficiência e a concorrência Além disso, desde então, reconhece-se, conforme ensinou Schumpeter, que as demandas sociais crescem mais rapidamente que a capacidade de gerar valor na economia, o que anuncia um colapso na capacidade fiscal do Estado quando do enfrentamento das demandas públicas (ad tempora).

            KOTLER e ARMSTRONG (2003, p. 541) afirmam que na "medida em que os bens privados aumentam, exigem mais serviços públicos, que geralmente não estão previstos para o futuro próximo". Mais ainda, conforme ensina NOGUEIRA (2001, p.86) que "muitos grupos e indivíduos congelam-se em seus particularismos, desistindo do coletivo, do ‘geral’, da busca de soluções acordadas para os problemas comuns. Passam a viver o todo apenas como recurso para viabilizar os próprios interesses. Tornam-se indiferentes, fechados em si, autocentrados".

            Os bens públicos e os recursos comuns diferem dos bens privados à medida que não são excluíveis, ou seja, não se pode impedir seu uso por qualquer pessoa. As pessoas podem consumi-los sem que as demais pessoas deles se privem. Deste modo, para garantir o suprimento e eficácia de serviços públicos e evitar a "tragédia dos comuns", devem os governos "gerenciar" as fontes e modos de usos eficazes e contínuos dos recursos e meios disponíveis aos e necessários aos cidadãos. Se bem público, regulamentar ou tributar seu uso e oferta; se recurso comum, regulamentar, taxar ou privatizar sua oferta para fins de uso rival, uma vez que no sistema de mercado, compradores e vendedores não se preocupam com os efeitos externos de suas atividades ou decisões. Assim, pode-se estabelecer o equilíbrio entre bens privados e bens públicos ou recursos comuns, seja por regulamentação de oferta ou demanda, por tributação ou, exclusivamente para os bens comuns, por exploração econômica de produtores ou de consumidores; desestimulando-se assim a geração e desenvolvimento de "caronas". Neste sentido, pode-se focar a distinção clara que se deve estabelecer entre consumidor e cidadão, conceitos distintos, mas confundidos no jargão mercadológico da vida política brasileira atual, sempre buscando reduzir este naquele (MANKIW, 2001, p. 229).

            c. A Dicotomia Cidadão–Consumidor:

            Pode parecer absurdo, mas não é incomum, nos dias atuais a confusão conceitual entre cidadão e consumidor, de forma a dar uma dinâmica mercadológica e operacional nas relações políticas entre candidato a cargo eletivo e eleitor ou entre administrador público e munícipe, por exemplo. Esta ótica mercadológica da cidadania coisifica a prestação de serviços públicos, conferindo ao administrador público um status de fornecedor, delimitando as ofertas para o "consumo" dos cidadãos, que devem se conformar com a lógica da Lei de Say, com as demandas públicas precificadas no avanço tributário. O serviço público de direito do cidadão é embalado como um bem privado a ser comprado por ele, convertido a cidadão-consumidor, sujeito a lógica do lucro e da reificação de sua relação com seu representante constituído. A restrição da oferta dos serviços públicos como produtos de mercado, neste contexto, justifica a uma lógica tecnicista de alocação de recursos que desorganiza o pleito dos direitos inalienáveis da cidadania, por sua escassez declarada. Nas palavras de NOGUEIRA (2001, p. 97) o "...Estado chegou ao final do século XX ameaçado em sua própria natureza pelo processo de globalização. Com isso, tumultuou-se ainda mais o campo da cidadania. Afinal, de que adiantam tantos direitos se são declinantes as condições para a sua efetiva proteção? O grande risco dos movimentos que demandam novos direitos é o de não ter como lutar pelo fortalecimento das instituições capazes de garantir direitos."

            Consumidora é a pessoa que contrata ou compra bens ou serviços de um profissional, comerciante, industrial ou profissional liberal. Tais bens ou serviços especificamente "comprados" são retirados do mercado para sua utilização final, para o consumo ou esgotamento de sua utilidade.

            Por outro lado, o fornecedor é aquele que presta um serviço ou entrega um produto. Na relação da esfera pública com a privada há o estabelecimento do dipolo consumidor-fornecedor, quando se trata de bens ou serviços de natureza privada ou oriundos de monopólio natural, não se aplicando a oferta bens de natureza pública ou a disponibilização de recursos comuns, por conta das propriedades da exclusivibilidade e da rivalidade.

            Não se enquadram como bens de "comerciais" de mercado os bens públicos, pois nada pode impedir que as pessoas deles desfrutem e tal desfrute está ao alcance de várias pessoas, sem prejuízo de nenhuma delas. Os recursos comuns, não escassos, também podem ser usufruídos por várias pessoas, como os peixes do oceano ou estradas de alto tráfego não pedagiadas. Assim, os recursos comuns, para a racionalidade de seu desfrute, podem ser "privatizados", o que não ocorre com os bens públicos.

            Os monopólios naturais, caracterizados como um bem excluível, mas não rival, uma vez que se pode impedir que as pessoas se beneficiem deste bem, mas que pode ser desfrutado por várias, sem que uma prejudique à outra, como no caso de uma única empresa oferecendo bens ou serviços para todo o mercado a um custo menor do que seria caso mais que uma empresa os fornecessem, por razões de economia de escala, também, deve ser regulamentado e, mesmo, privatizados, como no caso das redes de telecomunicações e de energia elétrica. O tamanho diminuto do mercado também pode determinar um monopólio natural.

            Consumidor é cidadão no ato da compra e do usufruto do bem ou serviço privado ou privatizado. Assim, nem todo cidadão é um consumidor, embora todo consumidor seja um cidadão. O cidadão, ao comprar e usufruir um bem ou serviço privado ou privatizado, desempenha nesses atos o papel de consumidor. Ele não é consumidor por usufruir um bem público, mas fundamentalmente um cidadão no exercício de seus direitos sociais. Por seu turno, não é o administrador público um fornecedor na oferta do bem público, mas um servidor no exercício de suas obrigações sociais.

            d. Economia, Mercado e Sociedade de Consumo

            A Carta Constitucional brasileira é profusa em seu rol de direitos individuais e coletivos em seu art. 5o. Porém é interessante ressaltar, sem a pretensão de exaurir, os bens e serviços públicos de competência da União, no art. 21. Assim podem ser realçados os seguintes serviços e bens públicos, os recursos comuns e os monopólios naturais de competência do governo federal:

            Serviços públicos:

            - Provimento do serviço postal (inc. X)

            - Informações estatísticas, de geografia, de geologia e cartografia (inc. XV)

            - Desenvolvimento habitacional, saneamento básico e transportes urbanos (inc. XX)

            Os bens públicos:

            - A defesa nacional (inc. II)

            - Desenvolvimento nacional, econômico e social (inc. IX)

            - A atuação da justiça, materializada no Poder Judiciário, Ministério Público e Defensoria Pública (inc. XIII)

            - A segurança pública, pela organização e manutenção das polícias civil e militar e o corpo de bombeiros (inc.XIV), além das polícias marítimas, aeroportuária e de fronteiras (inc. XII)

            - A defesa contra calamidades públicas (inc. XVIII)

            Os bens de monopólio natural:

            - Provimento dos serviços de telecomunicações (inc. XI)

            - Serviços de radiodifusão (inc. XII a)

            - Hidroeletricidade (inc. XII b)

            - Transporte aéreo (inc. XII c), ferroviário e aquaviário (inc.XII d) e transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros (inc. e)

            - Portos marítimos, fluviais e lacustres (inc. XII f)

            Os recursos comuns:

            - Os recursos hídricos (inc. XIX)

            - A exploração das áreas de garimpagem associativa (inc. XXV)

            No entanto, visitando todo o Título II da Constituição nacional é possível delimitar-se a abrangência de demandas sociais definidas pelos direitos e garantias individuais e coletivas.

            Juridicamente, poderia definir-se Serviço Público como qualquer atividade estatal, desempenhada de forma direta ou indireta, com o fim de satisfazer necessidades essenciais dos cidadãos, da coletividade e do próprio Estado.

            Segue abaixo alguns dos Serviços Públicos classificados pelo respeitável doutrinador do Direito Administrativo, Hely Lopes Meirelles (MEIRELLES, 1989):

            - Propriamente Ditos: são os serviços essenciais, imprescindíveis que sejam prestados pelo estado, sem outorga ou delegação, como polícia, saúde pública e defesa nacional.

            - Utilidade Pública: são úteis, mas para a sua prestação não é indispensável o Estado, como transporte coletivo, telefonia, energia e correios.

            - Industriais: geram renda para quem os produz, por serem cobrados segundo tarifa ou preço público, devendo ser prestados por terceiros e pelo Estado, supletivamente;

            - Gerais: não possuem usuários ou destinatários específicos e são remunerados por tributos, como iluminação pública, calçamento público e praça pública;

            - Individuais: possuem usuários conhecidos e predeterminados, como telefonia e energia elétrica domiciliar;

            Assim, têm-se Serviços Públicos delegáveis (serviços destinados ao cidadão ou de utilidade pública) e indelegáveis (serviços gerais, essenciais, pró-comunidade) pelo Estado.

            Tal classificação importa quando se questiona da possibilidade de interrupção dos serviços públicos pelo seu inadimplemento, pois os serviços essenciais não podem sofrer paralisação por falta de pagamento.

            Também, na seara jurídica, define o art. 98 do Novo Código Civil brasileiro que são públicos os bens do domínio nacional que pertençam às pessoas jurídicas de direito público interno, sendo particulares todos os outros, independentemente a quem pertençam.

            Em seu art. 99 estão enumerados os Bens Públicos:

            Art. 99. São bens públicos:

            I - os de uso comum do povo, tais como rios, mares, estradas, ruas e praças;

            II - os de uso especial, tais como edifícios ou terrenos destinados a serviço ou estabelecimento da administração federal, estadual, territorial ou municipal, inclusive os de suas autarquias;

            III - os dominicais, que constituem o patrimônio das pessoas jurídicas de direito público, como objeto de direito pessoal, ou real, de cada uma dessas entidades.

            Parágrafo único. Não dispondo a lei em contrário, consideram-se dominicais os bens pertencentes às pessoas jurídicas de direito público a que se tenha dado estrutura de direito privado.

            Desse modo, pela gama de bens públicos abrangidos pela legislação, é bastante ampla a possibilidade de projetos, produções, explorações e manutenções de bens públicos pela iniciativa privada, contratada para tais serviços.

            e. Demandas Sociais e Seletividade da Agenda Pública

            Neste sentido cabe tratar da questão das demandas sociais e da seletividade da agenda pública que acaba por ter seu conteúdo expressando uma filtragem de demandas sociais pelos aparelhos institucionais partidário e governamental do Estado capitalista, uma vez que este intrinsecamente tem natureza de classe. O aparelho estatal capitalista utiliza critérios de seleção em dois sentidos:

            1.Da formação da vontade, seleção e integração numa estruturação burocrática, "a partir dos interesses estreitos, efêmeros, contraditórios e imperfeitamente formulados de uma política pluralista de influências" (OFFE, 1984, p. 149), mas de interesse global do capital, por meio da dominação política como dominação de classe;

            2.Pela seletividade complementar negativa (não escolhas), que protege o capital global contra os interesses e conflitos anticapitalistas, ou mesmo contrários aos interesses de uma elite dominadora do aparato do Estado.

            A agenda pública traduz o rol de demandas sociais filtradas e priorizadas pela burocracia estatal instrumentalizada, de modo a conduzir a operacionalidade dos interesses de classe do capital global. Resta às demandas sociais negadas a condição de "não acontecimentos", vivos e presentes, manifestados em formas de violência, como ensina SEIBEL (2004, passim): "Vimos que todas as formas institucionais produzem igualmente seletividades. Isto não quer dizer que não expressam os ‘não-acontecimentos’. Se definirmos que estes não-acontecimentos vão se expressar no conteúdo das formas da violência, então teremos através da cobertura da mídia e da imprensa uma dimensão desta esfera. Sugerimos a investigação dos fatos políticos e sociais que encontram visibilidade pública na mídia e na imprensa. Estes fatos obviamente serão objeto de seletividades (principalmente ideológica) conferindo um status público positivo ou negativo (violência)."

            Um aspecto que devem governos, que sempre têm intenção de perenizar-se no poder por suas realizações, permanecerem atentos é quanto ao "paradoxo do voto", pois as agendas públicas (mesmo que democraticamente consolidadas) podem ser definidas de modo equivocado, sacrificando políticas de forte apelo e interesse social, dependendo da ordem em que são apresentadas para priorizações em suas implementações, pois a ordem de apresentação induz a escolhas que são de preferências de poderes burocráticos constituídos (WESSELS, 2003, p. 439).

            A tecnoburocracia da Administração Pública, em suas tecnicidades, pode ordenar as ações operacionais, segundo seus interesses, desmobilizando realizações políticas e causando frustrações como a da reforma administrativa tratada por BIZELLI (2002), em sua tese de doutorado, relatando as "armadilhas" preparadas na Prefeitura Municipal de Araraquara.

            Complementar a essa distorção de agenda, quando SENN (1992, p.61) comenta a análise dos processos decisórios na interação público-privado para o desenvolvimento urbano, fica clara a introdução, pela a Administração, de "adaptações" (aspas do texto original) de objetivos pré-definidos, segundo ordem de preferência (grifo meu), em busca de um resultado minimamente "satisfatório" (aspas do original). Isto se dá em face das metas de desenvolvimento social, definidas pelo governo – reconhecidamente incapaz de gerir, de modo racional e lógico, problemas complexos -, e os lucros desejados pelo empresários.

            No Brasil, a agenda pública, a despeito das grandes transformações sociais e políticas que vêm ocorrendo desde a década de 80, com o fim da hegemonia vintenária de governos militares, com a redemocratização e o novo pacto social de 1988, o re-amadurecimento com o impeachment de Fernando Collor, a evolução ideológico-partidária e da máquina administrativa, a depuração institucional da corrupção e as legítimas e pacíficas eleições e sucessões executivas e legislativas, não tem sido eficaz, ainda assim, para atender as demandas da sociedade, pois basta mapear o quadro espantoso de exclusão social, política e econômica e constatar o recrudescimento, ano a ano, da violência.

            Nas palavras de SEIBEL (2004, passim):

            O Brasil e a América Latina vêm assistindo a partir da década de oitenta, o aparecimento de novas práticas sociais e formas de ação coletivas, assim como a difusão de uma série de idéias e propostas em relação à tarefa política e à ação social (Coraggio, 1987, apud Felicíssimo, 1994), sem se constituir necessariamente em novos paradigmas. Telles (1994) afirma que, mesmo tendo os movimentos políticos e sociais apontado para uma nova institucionalidade através de espaços de representação, interlocução e negociação, permanecem a violência cotidiana, a violação dos direitos humanos e a incivilidade nas relações sociais.

            A violência permanece como expressão da ausência de esferas públicas necessárias ao encaminhamento das conflitividades e mais, da ausência de conteúdo ético nas relações políticas. É necessário não somente conhecer os mecanismos que (re)produzem a cada momento os movimentos políticos e sociais, mas também, a própria dinâmica interna dos aparatos públicos governamentais que repõem, igualmente, as formas autoritárias e excludentes no conteúdo e gestão das políticas públicas.

Sobre o autor
Mario Cesar da Silva

Professor universitário, advogado, especialista em gestão Pública, Mestre em engenharia

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Mario Cesar. Parcerias público-privadas:: as realidades de um sonho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 534, 23 dez. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6087. Acesso em: 23 nov. 2024.

Mais informações

Monografia apresentada à Faculdade de Ciências e Letras do Campus de Araraquara da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, como parte dos requisitos para conclusão do Curso de Especialização, em nível de pós-graduação lato sensu, em Gestão Pública e Gerência de Cidades. Araraquara, 2004

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