a) Raízes da política de PPP
Comentar sobre as raízes da PPP é remeter-se à Europa continental do século XVIII, quando o Estado absolutista realiza as grandes intervenções de infra-estrutura para o desenvolvimento da indústria e da agricultura. De modo considerado cíclico (LODOVICI, 1992, p. 158), entre os séculos XVIII e XIX, as idéias liberais pregam a diminuição do Estado e sua retirada da seara econômica, o que ocorreu via privatizações e cooperações (parcerias), cabendo à Administração Pública uma importante tarefa reguladora.
Mais recentemente, a necessidade de recursos para que o Estado pudesse levar adiante seus projetos, diante do quadro de escassez internacional de recursos verificado, desde a crise dos anos 70 do último século, fez com que este, o Estado, ampliasse seu campo de busca de tais recursos. Desse modo, por meio de reformas administrativas (racionalização de atividades e enxugamento de seu tamanho para diminuir despesas com a diminuição de obrigações e redução do quadro de funcionários públicos) ou realizando reformas tributárias (para ampliar a captação aumento de tipos de tributos, alíquotas e expansão da base tributária).
Porém, de modo importante por suas implicações políticas, jurídicas, administrativas e econômicas, buscou, o Estado, de modo mais sistematizado (3), atrair o dinheiro do capital privado, para levantar e alocar tais recursos em seus projetos, numa proposição de parceria com o capital privado, para que juntos pudessem, Estado e empreendedores capitalistas, desenvolverem projetos de interesse social. Estado e capitalistas desenvolvendo, fornecendo e preservando serviços e bens públicos, produzindo o bem-estar social e criando um ambiente favorável para o desenvolvimento material, educacional, cultural, social e político da sociedade.
Internacionalmente, muitos países lançaram e lançam mãos da PPP com instrumento de fomento ao desenvolvimento de projetos econômicos e sociais.
b) PPP para a satisfação de necessidades sociais
As parcerias, nos países desenvolvidos, mesmo atendendo às pressões da escassez dos recursos do Estado, normalmente se orientam para solucionar as questões de gestão profissional de viabilização de infra-estrutura de transporte coletivo, educação e saúde. Ou seja, na parceria com o empreendedor privado busca-se injetar na prestação de serviços públicos os valores eficiência, eficácia e qualidade de classe mundial (4), referenciais para a iniciativa privada competitiva, sempre em busca da inovação de processos e de produtos.
Entende-se que serviços públicos eficazes e confiáveis são fundamentais para uma economia flexível e produtiva, combatendo a pobreza e a exclusão social à medida que abre oportunidades de auferir renda e de acesso a serviços de qualidade.
É clara a posição neste sentido de Tony Blair, primeiro-ministro do Reino Unido, onde há alguns anos tem experimentado vários projetos de PPP (5), com significativos resultados na área da saúde. O jornal britânico Guardian Unlimited, de 25 de junho de 2001, publicou:
"Prime minister Tony Blair is especially keen on what he believes to be the cultural values of the private sector. He wants to inject a fresh, innovative and entrepreneurial "can-do" approach into public services, which he believes are essentially entrenched, reactive, and conservative.
He said: "We need to break decisively with the tradition of monolithic, centrally driven public services. We need to mobilise the small battalions and give them freedom to innovate and change. I want local managers and professionals to be entrepreneurs.""
Os benefícios percebidos são a dinamização dos projetos, a alocação de riscos, compromissos públicos de longo prazo para projetos de interesse privados.
Assim, os projetos de PPP são importantes na modernização desses países, evoluir a qualidade dos serviços públicos para serviços de classe mundial, promiscuir estilos gerenciais de modo sinérgico, com o desenvolvimento das percepções e compreensões de objetivos públicos e privados e atenção aos objetivos e interesse sociais.
Não se caracterizam como PPP os negócios que apresentam uma das condições abaixo:
- Quando os contratos são convencionais (empreita, concessão, permissão ou autorização).
- Quando não há transferência de riscos para o empreendedor.
- Quando o empreendedor não é o gerenciador do projeto.
- Quando o Poder Público atua como operador.
- Quando não há delegação de autoridade e responsabilidade.
De modo geral, os projetos de PPP se aplicam às ferrovias, metrô, aeroportos, portos, rodovias, geração, transmissão e distribuição de energia elétrica, petróleo, gás, telecomunicações, saneamento básico e tratamento da água, hospitais, escolas, presídios, prédios públicos e centros de convenção.
Por fim, para a composição cooperativa dos setores público e privado, cabe observar a Matriz de Cooperação, que ilustra a vontade-disponibilidade de interação entre esses setores, adaptada de SENN (1992, p. 64) nesta monografia:
FIGURA 1 – MATRIZ VONTADE-DISPONIBILIDADE
Disponibilidade Pública |
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Cooperação de PPP: parceiros cientes da necessidade de atuarem conjuntamente, como: projetos de grandes dimensões (Motivadores: segurança, capital privado, restrição fiscal, gerenciamento profissional etc). PPP: CONCESSÃO, PERMISSÃO |
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Setor público regula a iniciativa privada, participação privada é "forçada"
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Para setor público: planejamento de projetos locais como, construção de casas populares, criação de empregos, melhorias viárias etc |
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CONTRATAÇÃO: OBRAS E SERVIÇOS |
Para setor privado: interessa estudar estratégias mercadológicas e custos de produção. Emprego de capital intensivo. PRIVATIZAÇÃO: CONCESSÃO, PERMISSÃO |
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Jogo: GANHA-PERDE |
Jogo: GANHA-GANHA |
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Vontade Privada Nula |
Disponibilidade Privada |
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Iniciativa privada orienta recursos para projetos públicos, agentes públicos são "forçados" a negociar ou cooperar |
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Ações públicas e privadas independentes, sem cooperação |
Ex.: gestão pública, empresa pública etc CONTRATAÇÃO: OBRAS E SERVIÇOS |
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Jogo: PERDE-PERDE |
Jogo: GANHA-PERDE |
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Vontade Pública Nula |
A PPP insere-se num contexto de cooperação estratégica, mais eficiente para a sociedade como um todo, pois as partes envolvidas, setores privado e público, "têm consciência de que nenhum dos dois teria condições de gerenciar sozinho um projeto..." (SENN, 1992, p. 66).
c) A adoção da política de PPP no Brasil: objetivos e abrangência do modelo do governo Lula
A adoção da política de PPP no Brasil, considerada neste formato sistêmico e de interesse global do Estado, em todas as esferas de poder, União, Estados, Distrito Federal e Municípios, se insere no contexto de busca de soluções para a falta de recursos para investimentos principalmente em infra-estrutura. A falta de investimentos em infra-estrutura inviabiliza o desenvolvimento econômico do país, empobrece sua população pela escassez de acesso ao trabalho, fonte principal de obtenção da renda que provê a sobrevivência digna das pessoas.
O Brasil, dentro das perspectivas de seu desenvolvimento econômico, teve nos anos 30 um modelo de Estado nacionalista e desenvolvimentista, com a interferência deste no domínio econômico, diretamente e indiretamente, pelos seus órgãos e agentes. Estado era regulador e participativo, atuando estruturadamente, ramificando os poderes emanados do poder executivo central. Neste período, desenvolve-se a capacidade de Estado de planejar e interferir na dinâmica da economia brasileira. Há uma relação com a iniciativa privada, que busca o diálogo com o governo na defesa de seus interesses, enquanto o Estado domina ditatorialmente a esfera política.
Na Carta Constitucional de 37 consolida-se o autoritarismo do poder executivo ao conferir amplos poderes ao chefe deste poder.
Os trabalhadores têm seus sindicatos controlados por regramentos uniformizadores. As greves são proibidas. Por outro lado, neste período da ditadura Vargas, surge a CLT – Consolidação das Leis do Trabalho, um instrumento legal que traz importantes dispositivos de proteção e valorização do trabalho assalariado.
Este período é marcado na economia pelo efetivo despertar do comércio exterior, do surgimento do parque siderúrgico nacional e pelo início da exploração do petróleo. Inicia-se o capitalismo industrial no Brasil, com a modernização do direito societário e falimentar e a implantação do direito do trabalho.
De 1946 a 1950, período pós ditadura Vargas, há um alívio nas ações centralizadoras do Estado, inaugurando-se um período de maior liberalidade econômica
No segundo governo Vargas, os anos 50, as estruturas sócio-econômicas passaram a exigir projetos de desenvolvimento mais complexos. Amplia-se o grau de racionalização e de gerência do desenvolvimento nacional por meio de uma busca de um planejamento sistemático. É criado o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico - BNDE: cria-se uma estrutura de planejamento com finalidade de propiciar investimentos estatais no setor de bens de capital (indústria química e farmacêutica).
Juscelino Kubitschek buscou a industrialização acelerada, o que demandou equipamentos e matérias-primas, frente a uma insuficiência na capacidade de importação, causando problemas a setores básicos para a dinâmica da vida econômica, como transporte, energia e crédito, agravada pelo quadro inflacionário. JK busca estimular o desenvolvimento da iniciativa privada e reforça o modelo de substituição de importações, elaborada no segundo governo Vargas. Busca-se estimular a implantação do setor de bens de consumo durável. O Plano de Metas de JK apresentou resultados expressivos nos setores de energia elétrica, rodovias, siderurgia, petróleo, cimento, fertilizantes, indústria mecânica e de material elétrico pesado. Ao final deste período já afloram alguns problemas, como o aumento da dependência do capital estrangeiro, o crescimento da dívida externa, a concentração industrial, o êxodo rural, as migrações e... a inflação.
Os governos militares encontram um cenário internacional bastante favorável em termos de liquidez e oferta de empréstimos, o que viabilizou a política econômica voltada para o desenvolvimento de infra-estrutura e desenvolvimento econômico, principalmente entre 1967 até 1973. Neste período ocorre a reforma bancária (1964), que melhora as condições de fluxo de capitais estrangeiros para o país nos anos seguintes.
Ao final da década de 70, nos anos 80 e 90 os investimentos em infra-estrutura no Brasil foram bastante insuficientes. Ambiente político e social eivados de profundas transformações redemocratizantes e com seus inerentes instabilidades e riscos. Crises econômicas sucedidas por planos de estabilização de uma incontrolável inflação até o advento do Plano Real, bem sucedido no controle das disparadas de preços, porém gerador de produtos nacionais pífios, incapazes de promover o crescimento econômico necessário. Tais condicionantes levaram ao quadro encontrado pelo governo Lula em 2003.
O governo Lula desde seu estabelecimento preocupou-se com a realidade de que não há recursos estatais para suportar o desenvolvimento da insuficiente infra-estrutura brasileira. Segundo dados do BNDES, nos anos 70 o investimento governamental estava na ordem de R$ 170 milhões em valores atualizados, hoje estariam por volta de R$ 37 milhões. (6)
A empresas que desenvolvem os projetos de interesse do governo nas telecomunicações, no setor energético e no setor de transportes atuam no regime de concessão de serviço público, como na construção e exploração de rodovias e de eletricidade; ou de autorização (geração termoelétrica; telefonia celular).
Em tais regimes, o Estado é obrigado a cumprir o contrato firmado, quando perde um instrumento importante de política social ao respeitar acréscimos de tarifas ou preços públicos segundo política de reajuste pactuada.
Os riscos de mercado e a perspectiva de retorno do investimento condicionam os negócios com o governo, no regime de concessões, uma vez que à iniciativa privada é imperioso amortizar tais investimentos.
No caso de uma obra, pode o governo abrir um processo de licitação e contratar o executor, pagando o preço da obra durante sua realização, em prazo inferior a sessenta meses, conforme estabelece a Lei de Licitações, no inc. II do art. 57, pela redação dada pela Lei 9.648/98.
No contexto contratual a Parceria Público-Privada surge como alternativa à concessão de prestação de serviços públicos. Na PPP, o Estado paga o "preço justo" ao particular, ao longo de um contrato de prestação de serviços ou obras e serviços de engenharia de longo prazo, superior a 5 anos, mas com atenção ao cumprimento de metas de qualidade previamente estabelecidas e acordadas.
Devem ser ressaltados como inovações dos contratos em regime de PPP:
- Possibilidade de desenvolver projetos conjuntos de longo prazo;
- O compromisso da iniciativa privada de prestar serviço de natureza e interesse públicos cumprindo metas e obrigações de resultados medidos por indicadores de qualidade; e
- A garantia de remuneração pelo Estado aos esforços do particular como contrapartida aos benefícios propiciados pelo projeto.
Desse modo, espera-se que o regime de PPP apresente eficácia na atração de capital privado para fomentar a prestação de serviços públicos em áreas não visitadas pela concessão, permissão ou autorização, como é o caso de hospitais públicos, escolas públicas e presídios.
Apesar de abrir um campo interessante para a formatação criativa de projetos, regime de PPP tem limites na Lei de Licitações, na Lei de Concessões e na Lei de Responsabilidade Fiscal.
Portanto, o sucesso dos contratos de PPP depende de uma harmonização e estabilização legal e regulatória e de um horizonte de riscos amenizados para que haja garantia ao capital privado de que não entre numa aventura que o comprometa, por falta de retorno ou por desistência do Estado.
Assim, a consecução desses objetivos da PPP é necessário confiança na sustentabilidade do crescimento, segundo condições como, no plano econômico, a do estabelecimento de uma política industrial consistente, taxa de câmbio adequada, promoção comercial internacional, reservas de divisas estatais ampliadas, responsabilidade fiscal e melhoria do perfil da dívida externa e interna; no plano político-social, estabilidade institucional e regulatória, diminuição da corrupção institucional e pacificação social (reforma agrária e violência criminal). Tais aspectos compõem os cálculos do risco-país da empresas internacionais de ratings.